Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PEDRO AFONSO LUCAS | ||
| Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES NÃO PRESUNÇÃO DE DESTINO AO EXCLUSIVO CONSUMO ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RP202412041003/21.7JAPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/04/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Mesmo à luz das alterações introduzidas no art. 40º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, pela Lei 55/2023, de 8 de Setembro, se o agente dos factos adquire ou detém determinado produto estupefaciente em quantidade que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, ainda que não se demonstre que o mesmo produto é para a cedência a terceiros, daí não decorre sequer a presunção de que a droga é para seu consumo exclusivo. II - Na redacção actual do art. 40º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, a aquisição ou detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias só não é criminalmente relevante se ficar efectivamente demonstrado que a mesma se destina exclusivamente ao autoconsumo, finalidade que não se presume e deve ser objecto de prova e demonstração por parte daquele a quem interesse fazê–lo (mormente o arguido, claro). III - Ou seja, são (rectius, continuam a ser) duas coisas bem distintas, e que não se justapõem, a não demonstração probatória de actos de cedência de droga a terceiros, e a demonstração de que a mesma droga se destina em exclusivo ao consumo do agente dos factos. (Da responsabilidade do Relator) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1003/21.7JAPRT.P1
Tribunal de origem: Juízo Local Central Criminal de ..., Juiz 3
Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) nº 1003/21.7JAPRT que corre termos no Juízo Central Criminal de ..., em 05/06/2024 foi proferido Acórdão, cujo dispositivo é do seguinte teor: « VI – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo: I - Em julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública e, em consequência: a) Absolvem o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa àquele diploma legal, de que vinha acusado; b) (Por convolação de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL nº 15/93, de 22/01, de que vinha acusado) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21º, nº1 e 25º do DL nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa àquele diploma legal, na pena de 3 (três) anos de prisão (efectiva); II - Declaram perdidos a favor do Estado: a) O produto estupefaciente (canabis) apreendido nos autos e a sua subsequente destruição; b) Os moinhos; c) A quantia monetária e os telemóveis apreendidos; III – Determinam a devolução ao arguido AA do veículo automóvel de matrícula ..-NS-.. apreendido nos autos. * Custas pelo arguido, nos termos do artigo 513º do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC e suportando os encargos devidos (artigo 514º do CPP). * Após trânsito: - Remeta boletins ao registo criminal; - Proceda-se à recolha de vestígios biológicos ao arguido e à respectiva inserção na base de dados de perfis de ADN, tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 8º, nº2, 9º e 15º, nº1, al. e), todos da citada Lei nº5/2008, de 12/02; * Informe o TEP e o EP da presente decisão. »
Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 05/07/2024, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. O recorrente coloca à ponderação do tribunal recorrido as seguintes questões: - A apreciação da prova exarada na fundamentação em violação das regras da experiência e das condições específicas do caso - A consequente errada decisão de facto ínsita sob 4 a 8 e 10. - A alteração da qualificação jurídica. 2. Numa ideia simples, a presente impugnação impõe-se porquanto o produto estupefaciente que estava na posse do recorrente no dia em que foi abordado e detido para cumprir uma pena de 6 anos de prisão não era para venda a terceiros, mas para seu consumo. 3. Assim, importa atentar na fundamentação da decisão recorrida, para perceber o raciocínio que levou à conclusão que a droga apreendida e apurada sob 2 e 3 da decisão de facto, era, afinal para ser pelo recorrente vendido e cedido, depois de dividido em doses (ponto 4 da decisão de facto) e o dinheiro era o lucro da actividade ilícita (ponto 5 da decisão de facto), sendo que os telemóveis eram para combinar encontros com os indivíduos a quem vendia aqueles produtos estupefaciente (ponto 6 da decisão de facto). 4. Na fundamentação, logo à partida, o tribunal tem à sua disposição, para formar a sua convicção para a decisão de facto, todo o acervo provatório referido expressamente sob 2.3 “Motivação da decisão de facto”, acrescendo as declarações do arguido e o depoimento das testemunhas. 5. Das declarações do arguido ora recorrente, resulta da fundamentação o óbvio que é a detenção do produto estupefaciente e o fim a que se destinava: o seu consumo. 6. Circunstanciou as razões porque tinha a droga e o dinheiro, precisando que andava “fugido” à justiça por ter sido condenado numa pena de 6 anos de prisão. 7. Mais justificou a razão de ter tamanha quantia consigo, justificando ainda que tinha os moinhos para relar a erva (especificando que um estava estragado). 8. Pese embora o que referiu, a decisão tomada pelo tribunal assentou no facto de face àquela apreensão, no cumprimento de um mandado de detenção para cumprir a pena de 6 anos de prisão, não se afigurar verosímil que a quantia monetária tivesse origem lícita e não fosse o lucro da venda de estupefaciente. 9. O recorrente analisada a forma como o tribunal a quo “leu” a prova de que dispunha, sempre aponta que não foram os inspectores chamados a cumprir o mandado de detenção ao abrigo do processo ... que contribuíram de forma decisiva para aquela formação de raciocínio, pois limitaram-se à vigilância prévia à detenção, detenção, revista, busca ao veículo e apreensão. 10. O tribunal a quo invoca para prova circunstancial ou indiciária opinião/parecer de inspectores, prova em si, longe de ser directa, porque apenas cumpriram o mandado, para concluir que se trata de um crime de tráfico. 11. Atente-se que a fuga do recorrente impediu o conhecimento tanto do seu paradeiro, como do que fazia – de natureza lícita ou ilícita. 12. O recorrente aceitando que o tribunal a quo se faça valer da livre apreciação da prova, ao abrigo do artigo 127º do CPP, não pode deixar de realçar que a avaliação da prova tem sempre o travão imposto pelo paradigma das regras da experiência, no caso, adaptado às especiais circunstâncias do recorrente, como homem “fugido à justiça”. 13. No caso, o que o tribunal a quo tinha como prova era não a vulgar investigação levada a cabo no âmbito do tráfico, mas a abordagem para cumprimento de pena, o que o colocou numa posição de chegar à conclusão da verificação do preenchimento do tipo legal de crime de tráfico pela análise de uma prova extraída de vários sinais. 14. Os sinais, os indícios chamados no caso são: o dinheiro, a droga, o seu acondicionamento em bolotas, a existência de vários telemóveis e 2 moinhos. 15. Assim, à falta de exame ao conteúdo armazenado nos telemóveis para prova de contactos com terceiros, à falta de autos de diligência de vigilâncias que atestassem a existência de contactos com terceiros, à falta de materialização de actos de venda/cedência contra contrapartida económica, o tribunal só se podia socorrer do que no dia 16 de Março de 2021 foi apreendido ao recorrente quanto detido para cumprimento da pena de prisão. 16. E por isso se pergunta, vista fundamentação, não perdendo de vista que um julgador, no caso o colectivo é dotado de conhecimentos, formação, preparação e experiência de elevado nível, se com a fundamentação adiantada é suficiente para a prova do cometimento do crime de tráfico. 17. Vejamos: a. Quanto à elevada quantia, atente-se se é de afastar a proveniência lícita, como o trabalho sem vínculo, por andar fugido. b. A quem está em fuga é de perguntar se as regras da experiência acolhem a celebração de vínculos contratuais laborais e sequentes participações à segurança social e AT, seguro de acidente de trabalho. c. Se as famosas “bases de dados” não são o comum meio de pesquisa utilizados pelos tribunais para localizar alguém em “fuga à justiça”. d. E se os descontos atempados e comunicados à segurança social num contrato de trabalho não são metade do caminho andado para localizar quem se quer furtar à acção da justiça, pela identificação da entidade patronal e com as informações desta advenientes. e. E, por fim, se o julgador, no caso o colectivo, não ponderou as específicas circunstâncias do caso que era, afinal, nada se saber do cidadão ora recorrente até ao dia 16 de Março de 2021. 18. E quanto ao produto estupefaciente, de novo, socorrendo-se o tribunal a quo, quer das declarações do recorrente, quer do relatório social, quer da ficha de recluso e da sua ficha biográfica, é legítimo concluir pelo cometimento do crime de tráfico. Ou 19. Ao invés, devem ser chamadas as circunstâncias específicas do caso e a prova indefectível da adição do recorrente (cfr. ponto 12 da decisão de facto) e da sua fuga até 16 de Março de 2021 para de acordo com as regras da experiência concluir que o destino do estupefaciente é mesmo o auto-consumo. 20. Acrescente-se a preocupação em evitar locais vigiados por órgãos de policia criminal, como sejam os locais de venda e consumo de estupefacientes para perceber à luz das regras da experiência a razão do recorrente ter droga em quantidade suficiente para o arredar de possíveis intervenções policiais com obrigação de se identificar. Por fim, 21. Ainda em torno da droga, quem anda fugido e “com a casa às costas”, não é assim tão destituído ter os moinhos para “ralar a erva”. a. E, se ter um estragado com o que funciona é susceptível de levar com a demais prova que se está perante um crime de tráfico. b. Pensando como o povo e sem recurso a muita elaboração: a erva, as sumidades ao serem vendidas, é como estão, sem serem raladas. Esta operação antecede a o consumo do próprio. c. As regras da experiência nunca nos acobertaram actividade de tráfico de venda de sumidades com prévia moagem; quem consome, rala a sua erva, sob pena de se ir perdendo aqui e ali, por isso se enrola para ser fumada. 22. Relativamente às bolotas, depois do que vem de ser dito, não se augura ser um sinal de tal forma forte que determine com os demais elementos o preenchimento do tipo legal de crime. 23. É claro que o tribunal a quo tem flexibilidade para avaliar as provas apresentadas no processo, considerando sua experiência e convicção pessoal, mas não pode deixar de adaptar às circunstâncias específicas do caso. 24. Ser um episódio isolado, ser na sequência da captura com mandado de detenção para cumprimento de pena de 6 anos de prisão, sem qualquer outra prova colhida que não seja a do próprio dia, deve relevar. 25. No caso, valoração da prova pelo tribunal a quo, fruto da livre apreciação, viola as regras da experiência comum consideradas válidas e legítimas dentro do contexto histórico e jurídico do caso: o recorrente estava em fuga, tinha hábitos aditivos e eximia-se a todo o custo ao cumprimento de 6 anos de prisão. 26. Por isso, não tinha nem paradeiro certo, nem trabalho certo, o que, o colocava a organizar a sua vida como um fugitivo, justificando que tivesse dinheiro para fazer face às vicissitudes de depender de si próprio, de ter estupefaciente para consumir sem necessidade de recurso frequente a focos de tráfico sob a mira da polícia e se transportasse em veículo não registado em seu nome. 27. Aqui chegados, é irremediável não atentar na adição e na declaração que o mesmo presta – o estupefaciente é para consumo. 28. Por isso, a decisão viola o artigo 127º do CPP. 29. E é imperioso impugnar a qualificação jurídica operada pelo tribunal a quo, por se mostrar errada. 30. A Lei nº 55/2023, de 08 de setembro, que introduz alterações ao Decreto-Lei nº 15/93, aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (“Lei de Combate à Droga”) e faz uma nova distinção entre consumo e tráfico. 31. A Lei n.º 55/2023 estabelece a descriminalização da detenção de droga para consumo independentemente da quantidade. 32. O artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, determinava que — e para que a pessoa não fosse alvo de processo-crime — as quantidades detidas não podiam “exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias”. 33. Nesta versão anterior, o legislador estabelecia uma clara fronteira entre o crime e a contraordenação em função da quantidade detida. 34. Na redação atual, a compra e detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias é permitida se ficar demonstrado que se destina exclusivamente ao autoconsumo. 35. A alteração legislativa reflete uma inversão do ónus da prova. 36. A responsabilidade agora recai sobre as autoridades policiais, que devem provar que a quantia encontrada na posse de alguém não foi destinada ao consumo pessoal, mas sim ao tráfico. 37. De acordo com a redação atual do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, a compra e detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias é permitida se for comprovadamente destinada ao autoconsumo, independentemente da quantidade. 38. Assim, se um indivíduo tiver uma quantidade maior do que a média para um período de dez dias de consumo, mas se for para autoconsumo (sem especificar o máximo admissível), não será punido. 39. As autoridades policiais devem provar que a quantia encontrada na posse de alguém não foi destinada ao consumo pessoal, mas sim ao tráfico. 40. É o que não acontece nos presentes. 41. O Decreto-Lei n.º 15/93, na sua redação atual, vem determinar que a aquisição e a detenção para consumo próprio de estupefacientes, independentemente da quantidade que o agente detenha, apenas integra a prática de uma contraordenação. 42. O recorrente, deve, por isso ser absolvido, verificada a violação do artigo 40º do DL 15/93.
O recurso foi admitido.
A este recurso respondeu o Ministério Público, propugnando pela improcedência do recurso, e concluindo da seguinte forma: Em conclusão, não assiste, assim, razão ao arguido, porquanto, a prova produzida foi devidamente e corretamente valorada, escamoteada e concatenada entre si, sempre em respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, o que permitiu ao Tribunal, de forma fundamentada, dar como provados os factos que constam da matéria de facto dada como assente. O Tribunal valorou toda a prova produzida em audiência de julgamento e perante uma análise concatenada da prova, concluiu o Tribunal – e bem – pela verificação dos elementos objetivos e subjetivos do crime de trafico de menor gravidade, p. e p. no art. 25, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, com referencia á Tabela 1-C, anexa ao diploma pelo qual vinha o arguido acusado. A conduta do arguido preenche, pois, o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 Janeiro, crime pelo qual foi condenado. Nesta conformidade, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se o Douto Acórdão recorrido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso, referenciando em síntese: « Analisados os fundamentos do recurso, e os demais elementos processuais, acompanhamos a posição da Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância, aderindo-se à argumentação oferecida, que se subscreve e aqui se dá por transcrita, na sua resposta à Motivação e Conclusões do Recurso apresentado pelo Recorrente. »
Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada vindo a ser acrescentado no processo.
* Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
* II. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre: 1. saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ; 2. saber se estão reunidos os pressupostos da condenação do arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes.
* Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.
a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância: « 2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA: 2.1.1. Constante da acusação pública: 1 – No dia 16 de Março de 2021, pelas 21h30, na sequência do mandado de detenção para cumprimento da pena de 6 anos de prisão em que o mesmo fora condenado no âmbito do PCC n.º ..., o arguido foi detido na via pública, entre a Rua ... e Rua ..., ..., área desta comarca. 2 – Na sua posse, mais concretamente no interior de uma bolsa em nylon, de cor preta, da marca Adidas que o arguido trazia consigo, foram encontrados e apreendidos os seguintes artigos: - três embalagens, vulgo bolotas, de um produto que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), com o PBTA de 27,57gr e peso líquido de 26,810gr, com um grau de pureza de 29,9% (THC), equivalente a 160 doses; - um pedaço de um produto que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), com o PBTA de 12,78gr e o peso líquido de 12,496gr, com um grau de pureza de 32,8% (THC), equivalente a 81 doses; - a quantia monetária de € 6.990 em notas e moedas do BCE; - uma vinheta/talão de carregamento de telemóvel, referente ao número de telemóvel ...19, no valor de € 20 do dia 16.03.21; - uma embalagem do cartão WTF, associado ao n.º ...19; - uma carta de condução emitida em nome de BB – n.º P-...76; - uma chave/comando de uma viatura da marca ...; - uma chave de uma viatura de marca ...; - um comando de cor preta e prateado contendo três chaves; - um comando de cor preta e prateado contendo três chaves de habitação e duas chaves em plástico de cor preta; - um telemóvel, Samsung S7, com o IMEI ...97/91, contendo um cartão SIM WTF com o n.º ...25 (PIN ...83); - um telemóvel, Iphone8, contendo um cartão SIM da Vodafone, sem IMEI legível; - um hotspot da marca Alcatel, com cartão WTF; - um certificado de matrícula do veículo de marca ..., matrícula ..-FU-.., em nome de CC; -um papel/informação da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa relativo ao veículo com a matrícula ..-PL-..; - um papel manuscrito contendo a indicação de uma matrícula (..-NU-..) e o nome DD; - dois moinhos/ralador próprios para relar a liamba; - uma chave de viatura da marca ... relativa ao veículo ..-NS-... 3 – No interior da viatura utilizada pelo arguido, da marca ..., ..., com a matrícula ..-NS-.., foram encontrados e apreendidos os seguintes artigos: - uma bolsa que se encontrava no porta-luvas da viatura e que continha no seu interior cinco embalagens, vulgo bolotas, de um produto que veio a verificar-se ser Canábis (resina), com o PBTA de 44,67gr e o peso líquido de 43,365gr, com um grau de pureza de 25,5% (THC), equivalente a 221 doses; - um saco de desporto, que se encontrava na mala da referida viatura, contendo uma garrafa de água em plástico e, no interior desta, seis embalagens, vulgo bolotas, com o PBTA de 61,90gr e o peso líquido de 60,787gr, com um grau de pureza de 26,6% (THC), equivalente a 323 doses; - uma fatura/recibo com a referência FR2021FR51/04112, relativa à inspeção periódica de uma viatura da marca ..., com a matrícula ..-..-RC, emitida por A..., SA; - uma ficha de inspeção técnica periódica da viatura com a matrícula ..-..-RC, realizada a 23.02.2021; - um aviso/recibo com o n.º ...95, com data limite de pagamento de 16.03.2021, da B... SEGUROS relativa à viatura ..., com a matrícula ..-..-RC; - um certificado internacional de seguro automóvel da C..., relativo à viatura ..-NS-.., onde se identifica o tomador do seguro como sendo EE, sem a respetiva vinheta destacável, válido entre 20.02.2021 a 19.08.2021. 4 – O produto estupefaciente detido pelo arguido destinava-se a ser por ele transacionado/vendido e cedido, depois de dividido em doses. 5 – A quantia em dinheiro apreendida constituía o lucro da actividade ilícita de venda de produto estupefaciente, entretanto levada a cabo pelo arguido. 6 – Os telemóveis apreendidos eram utilizados pelo arguido para combinar encontros com os indivíduos a quem vendia aqueles produtos estupefacientes, assim efetuando as transações dessas substâncias. 7 – O arguido procedeu com o perfeito conhecimento de que lhe estava legalmente vedado deter, armazenar, transportar e vender as descritas substâncias, cuja natureza e características estupefacientes conhecia, dedicando-se a tal atividade delituosa com o propósito, conseguido, de obter proventos económicos que, como bem sabia, eram ilícitos, o que conseguiu. 8 – Atuou, ainda, o arguido sabendo que a quantidade de droga por si detida, posta à venda, cedida e vendida se destinava a ser difundida por um número significativo de pessoas e, apesar disso, manteve-se insensível aos danos que originava na saúde de múltiplos consumidores finais, apesar de estar ciente que com isso prejudicava, de forma precoce e irreversível, a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que representou e concretizou. 9 – O arguido conhecia perfeitamente a natureza e características das substâncias estupefacientes que detinha. 10 – Agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. * 2.1.4. Resultante da audiência de discussão e julgamento: 11 – O arguido AA verbalizou arrependimento em audiência de julgamento.
2.1.5. Das condições pessoais do arguido (Relatório Social): 12 – À data dos factos descritos nos presentes autos AA tinha pendente sobre a si um mandado de detenção, decorrente do processo ..., no qual foi condenado a uma pena de prisão efetiva de 6 anos (que cumpre no presente), pela prática de 3 crimes de homicídio na forma tentada, organizando o quotidiano, segundo o próprio, de forma a omitir a sua identidade e localização das autoridades judiciais e da consequente detenção. No supramencionado período, AA, adotou um estilo de vida caracterizado pela constante mobilidade habitacional e exercício de atividades laborais indiferenciadas e de carácter informal, tendo emigrado para a França e para a Bélgica, bem como passado algum tempo na região do Algarve, contudo, nunca abandonou por completo a residência que partilhava com o seu agregado constituído, em ..., onde habitava o seu cônjuge, FF, e os dois descendentes do casal, com 10 e 4 anos de idade, mantendo visitas regulares e permanências inopinadas por curtos, mas frequentes, períodos de tempo. Em momento imediatamente anterior à reclusão, exerceu atividade laboral, de carácter informal, num stand de automóveis, como vigilante noturno, frequentando a residência do agregado constituído apenas em determinados períodos do dia, segundo o próprio, de forma a não ser detetado pelas autoridades judiciais e/ou Órgãos de Policia Criminal. AA iniciou a frequência do sistema de ensino em idade regular, num percurso caracterizado pelo parco investimento, com sucessivas retenções que conduziram a um abandono precoce, com dezasseis anos de idade, apenas com o 6º ano de escolaridade concluído. Pouco tempo após o abandono escolar, iniciou o seu percurso laboral, que decorreu maioritariamente como servente da construção civil, tendo também exercido funções de vigilante e como distribuidor de publicidade, contudo, registando alguns períodos de inatividade. Entre os quinze e os dezasseis anos, iniciou o consumo de substâncias estupefacientes, nomeadamente cocaína, atravessando um período de grande desorganização pessoal e social, envolvendo-se na prática de ilícitos criminais, que culminaram nos primeiros confrontos com o sistema de justiça e em condenações em penas de multa, em penas de prisão substituídas por multa e em penas de prisão suspensas na sua execução, por crimes de furto, roubo, tráfico de menores quantidades e estradais. O arguido mantém o apoio do cônjuge, FF, que revela disponibilidade para o apoiar e acompanhar no decorrer do seu percurso institucional e no seu regresso a meio livre, apoio de igual forma prestado pelos progenitores do mesmo. O cônjuge do arguido reside em habitação própria, de tipologia T2+1, descrito como tendo adequadas condições de habitabilidade, situado em zona peri urbana da cidade ..., sem referência a problemáticas sociais de relevo. AA foi recluído antes da mudança do agregado para a referida habitação, pelo que a sua situação jurídico-penal não é do conhecimento da comunidade vicinal, não sendo perspetivados sentimentos de hostilidade e/ou rejeição à sua presença. Recluído pela primeira vez, AA encontra-se no EP ... desde 19.05.2022 em cumprimento de pena pela prática de crimes de homicídio na forma tentada e falsificação de documentos. Do seu historial criminal resultam condenações em penas e multa e de prisão suspensas na sua execução, pela prática dos crimes de roubo, furto, condução de veículo em estado de embriaguez, condução de veículo sem habilitação legal e tráfico de estupefacientes, cujas medidas foi capaz de cumprir. Não obstante o vasto e diversificado percurso criminal do arguido, as penas não privativas da liberdade de que foi sendo alvo não produziram o efeito intimidatório e dissuasor pretendido, acabando o mesmo por dar continuidade a comportamentos pregressos e consequentemente na sua presente reclusão. Desde a sua entrada no Estabelecimento Prisional ... tem evidenciado um percurso tendencialmente adequado, isento de sanções disciplinares, contudo, com o registo de um teste de despiste para consumos de estupefacientes positivo para haxixe realizado em janeiro de 2023. Ao nível ocupacional e da aquisição de competências tem sabido aproveitar as oportunidades que o sistema lhe vem proporcionando, no presente a frequentar um curso de manutenção e gestão hoteleira com equivalência ao 9º ano de escolaridade. Atualmente refere manter-se abstinente, ainda que sem desenvolver qualquer tratamento especifico à problemática aditiva, beneficiando apenas de consultas regulares nas áreas de psicologia e psiquiatria no EP. Como principais repercussões da sua situação de reclusão, AA refere os transtornos inerentes à privação da liberdade, nomeadamente, o afastamento do seu núcleo familiar e as consequências afetivas e relacionais que daí resultam. Manifesta ainda alguma ansiedade e preocupação em ver a sua situação jurídica totalmente definida, alegando que a atual indefinição não lhe permite projetar um plano de reinserção objetivo. AA abandonou o sistema de ensino precocemente, dando inicio a um percurso laboral pouco consistente e regular, sem referência de atividade estruturada. Iniciou consumo de estupefacientes aos 15/16 anos de idade e nesse contexto registou sucessivos confrontos com o sistema de justiça-penal, culminado em sequentes condenações cujas penas e medidas não privativas da liberdade a que foi sendo condenado não foram suficientemente dissuasoras para o afastar de contextos antissociais, culminado a manutenção dos seus comportamentos pregressos na presente reclusão. Em meio prisional o condenado tem adotado um comportamento tendencialmente adequado e investido a nível formativo, situação que deverá consolidar e potenciar com uma eventual integração laboral. Não obstante o teste positivo para consumos de haxixe, afirma-se abstinente de consumos de substâncias psicoativas desde 01.2023, sendo ainda precoce fazer uma prognose face à evolução e controlo desta problemática. Beneficia de enquadramento habitacional e social no exterior junto do cônjuge e dos descendentes do casal, beneficiando ainda do apoio dos progenitores. Neste âmbito, será de imperiosa relevância a promoção de competências pessoais, formativas, laborais e sociais e de igual forma, consolidar a manutenção da abstinência aditiva e a manutenção dos laços afetivos. As referidas medidas irão potenciar os recursos e esforços no sentido de mudança de conduta, ajustando-se o comportamento do arguido às normas e regras pró-sociais e exigências ético jurídicas. * 2.1.6. Dos antecedentes criminais dos arguidos: 13 – O arguido AA tem averbadas no seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações: - Por acórdão proferido a 11/06/2007 e transitado em julgado a 26/06/2007 no âmbito do Processo Comum Colectivo nº..., da 1ª Vara Mista de ..., foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, no total de € 480,00, pela prática, a 08/09/2005, de um crime de furto simples; - Por acórdão proferido a 05/12/2007 e transitado em julgado a 17/01/2008 no âmbito do Processo Comum Colectivo nº..., da 2ª Vara Mista de ..., foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano de prisão, substituída por 365 dias de multa, à taxa diária de e 5,00, no total de € 1.825,00, pela prática, a 26/06/2006, de 5 crimes de roubo; - Por sentença proferida a 29/10/2009 e transitada em julgado a 18/11/2009 no âmbito do Processo Sumário nº..., do 1º Juízo Criminal de ..., foi condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sob a condição de pagamento de € 200,00 à APPDA – Norte – Associação Portuguesa Para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo, pela prática, a 20/10/2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; - Por sentença proferida a 14/05/2013 e transitada em julgado a 14/06/2013 no âmbito do Processo Comum Singular nº..., do 3º Juízo Criminal Do Porto, foi condenado na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, a 07/11/2011, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade; - Por sentença proferida a 09/09/2014 e transitada em julgado a 09/10/2014 no âmbito do Processo Sumário nº..., do Juízo Local Criminal de Matosinhos – J3, foi condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 500,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, pela prática, a 08/09/2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez; - Por acórdão proferido a 01/03/2017 e transitado em julgado a 26/06/2019 no âmbito do Processo Comum Colectivo nº..., do Juízo Central Criminal do Porto – J10, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão, pela prática, a 21/03/2013, de 3 crimes de homicídio na forma tentada; - Por sentença proferida a 15/06/2023 e transitada em julgado a 02/02/2024 no âmbito do Processo Comum Singular nº..., do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, foi condenado na pena de 2 anos de prisão (efectiva), pela prática, a 16/06/2020, de um crime de falsificação/contrafacção de documento agravado. * 2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: Com interesse para a decisão da causa, não existem factos constantes da acusação considerados não provados. »
b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância – complementada com as notas de rodapé apostas pela Mma. Juíza relatora nesse segmento, fazendo assim uso de um procedimento que não se reputa, de todo, como adequado quando levado a cabo em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto: « 2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum e da normalidade social, tendo sopesado as declarações prestadas pelo arguido; os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento; as fotografias; os autos de busca e apreensão de bens; os relatórios periciais e os demais documentos juntos aos autos com pertinência para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, nos moldes que a seguir se expõem. O arguido prestou declarações em audiência de julgamento, tendo confirmado a detenção do produto estupefaciente e demais bens que lhe foram apreendidos, justificando tal detenção com a circunstância de ser consumidor de drogas e ter adquirido toda aquela droga que lhe foi apreendida para seu consumo pessoal. Afirmou que nas circunstâncias em que foi detido andava “fugido” à justiça,1 [1 Tinha sido condenado numa pena de 6 anos de prisão] vivendo em vários locais, e que naquela altura se preparava para regressar a França – País onde então vivia, em casa de amigos, trabalhando nas obras -, depois de ter vindo a Portugal visitar a sua família por uma semana; aproveitou então essa ocasião para se deslocar ao Bairro ..., no Porto, onde se abasteceu de droga para consumir2 [2 Na qual despendeu cerca de € 200,00 e que era suficiente para o seu consumo pessoal durante cerca de dois meses], já que aí se “movimentava” melhor do que em França, pois conhecia os locais e as pessoas a quem habitualmente adquiria produtos estupefacientes. Acerca do veículo (marca ...) que então conduzia e que igualmente lhe foi apreendido, afirmou que o tinha adquirido a um dono dum Stand de automóveis pelo preço de € 18.000,00, tendo entregue, de entrada, a quantia de € 10.000,00. Quanto à quantia monetária que foi encontrada na sua posse (€6.990,00), justificou-a dizendo que se tratava dos proventos que auferia em França como trabalhador da construção civil, bem como dalguns negócios de intermediação da venda de carros que ia fazendo, tendo juntado todo esse dinheiro desde 2019,3[3 Resultado de vários trabalhos que foi fazendo no Algarve, na Bélgica e em França]. Sobre os moinhos que também tinha na sua posse na altura da detenção, mencionou que precisava deles para relar a erva para consumir, sendo que um deles estava estragado. De resto, negou peremptoriamente que as substâncias estupefacientes que detinha se destinassem a serem por si vendidas a terceiros. Sucede, porém, que nesta parte a versão dos factos apresentada pelo arguido não se afigura credível, para além de não se mostrar sustentada por qualquer meio de prova. Não é, na verdade, verosímil que aquela quantia monetária fosse proveniente do trabalho do arguido – que, como admitiu, andava “fugido” à justiça, com uma pena de 6 anos de prisão para cumprir em Portugal -, porquanto, nenhum contrato de trabalho, seguro de acidentes de trabalho, descontos para a Segurança Social, etc, se mostra junto aos autos, documentos que por certo existiriam se, efectivamente, o ora arguido estivesse a trabalhar por conta doutrem em França (ou noutro País), como referiu.4[4 Não é, na verdade, minimamente verosímil que qualquer entidade empregadora aceitasse ter ao seu serviço o arguido como trabalhador “clandestino”, sobretudo num País como a França onde é consabido o rigor posto na contratação laboral] Da mesma forma que não é minimamente crível que a sobredita quantia (ou parte dela) seja proveniente dos alegados negócios de venda de veículos, já que a negociação de veículos envolve necessariamente contactos com terceiros, obtenção de documentos e demais diligências que o aqui arguido não estava em condições de efectuar dada a sua situação de “foragido” à justiça. E também não é razoável supor que alguém, medianamente avisado e prudente, transporte consigo tão elevada quantia de dinheiro (cerca de sete mil euros em “dinheiro vivo”) e de droga (com o peso líquido total de 143,458 gr, equivalente a 785 doses) – sujeito a ser assaltado e, mais do que isso, procurado pela Polícia -, quando é certo que o arguido, segundo afirmou, vivia em casa dum amigo em França5 [5 Que lhe dava guarida e alimentação sem qualquer contrapartida, conforme também referiu], local onde sempre poderia guardar o dinheiro sem ter de correr esses riscos. Para além disso, ninguém que seja apenas consumidor de produtos estupefacientes se faz acompanhar de dois moinhos para ralar a “erva” – necessitando, quando muito, de apenas um – e, a ser verdade que um deles estava “estragado” (como afirmado pelo arguido), então não se compreende a razão pela qual o arguido ainda o conservava consigo. Acresce que a quantidade do produto estupefaciente detida pelo arguido (com o peso líquido total de 143,458 gr, equivalente a 785 doses); aliada à forma como o mesmo se encontrava acondicionado (embalado em “bolotas” e dissimulado, colocadas, umas, numa bolsa que o arguido transportava consigo a tira/colo e outras no interior do veículo, designadamente, no interior duma garrafa de água de plástico); bem como a circunstância de o arguido se fazer acompanhar ainda de dois moinhos (próprios para ralar a canábis) e de mais do que um telemóvel (para assim melhor poder iludir a detecção policial dos contactos que estabelecia com os consumidores de drogas), são sinais inequívocos de que o mesmo se dedicava à venda a terceiros dos referidos produtos estupefacientes. Em conjugação com as declarações prestadas pelo arguido, relevaram ainda, para a formação da convicção do Tribunal quanto à factualidade acima dada como demonstrada, os depoimentos dos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária que intervieram nas diligências de busca, apreensão e detenção em causa nos autos - GG; HH; II; JJ; KK e LL – os quais relataram em julgamento, de forma pormenorizada, todas as diligências investigatórias em que participaram, tendo confirmado o teor dos Autos de revista, busca e apreensão e respectivas reportagens fotográficas dos objectos apreendidos, juntos aos autos6 [6 A fls. 22 a 24 e 26 a 29]. Todos os referidos Srs. Inspectores da PJ foram ainda coincidentes em afirmar que, das investigações a que procederam, o ora arguido já era referenciado no meio policial como indivíduo7 [7 Com a alcunha de “MM”] que se dedicava ao tráfico de estupefacientes, sendo certo que não lhe era conhecida qualquer actividade laboral ou quaisquer rendimentos de origem lícita. O Sr. Inspector HH explicitou que a quantia monetária que o arguido transportava consigo (cerca de 7 mil euros) estava dividida em notas de diversos valores; o que é igualmente indiciador da actividade de venda de droga (correspondendo aos pagamentos efectuados pelos diversos consumidores) e contraria a tese do arguido de que se tratava das remunerações do trabalho que auferia e da intermediação da venda de veículos. Para além disso, explicou que a forma como o produto estava acondicionado/embalado levava a concluir que se destinava a venda, pois que, geralmente, a droga embalada em “bolotas” não é para consumo – já que a mesma precisava de ser previamente dividida para ser consumida - mas para venda (embora não fosse para “venda de rua”).8[8 Isto porque geralmente as “bolotas” são transportadas no organismo pelas chamadas “mulas” de droga.] Também o Sr. Inspector II mencionou que, dada a elevada quantidade de droga apreendida ao arguido, a mesma não seria para consumo próprio. Por outro lado, a droga embalada em “bolotas” – como era o caso - é geralmente transportada no organismo por “correios de droga” para ser vendido nos circuitos de tráfico de drogas. Disse, ainda, que na bolsa a tiracolo que o arguido trazia consigo foram encontradas três “bolotas” e um pedaço/porção “normal”9[9 Que é a retratada a fls. 32 dos autos, tendo-o apelidado de pedaço “normal” apenas para o distinguir das “bolotas”] de canabis, o que indicia que se tratava de produtos estupefacientes com origens diferentes, assim reforçando a tese da actividade de tráfico (venda). Tal posição foi corroborada pela Sra. Inspectora JJ, ao afirmar que a quantidade de droga apreendida ao arguido era demasiadamente elevada para ser para o seu consumo pessoal; além de que, pela forma como estava acondicionada, não indiciava ser para consumo imediato, pois era preciso previamente dividir a droga para depois poder ser consumida. Ademais, as “bolotas” de droga geralmente são transportadas no corpo e depois expelidas para serem vendidas. Já o Sr. Inspector LL especificou que os cerca de 7 mil euros que o arguido tinha na sua posse eram compostos por notas de diversos valores, não existindo, porém, notas de €200,00 ou de €500,00, mas sim notas de valor facial mais baixo; o que igualmente contraria a versão do arguido sobre a proveniência daquele dinheiro e reforça a convicção deste Tribunal acerca da sua origem ilícita (decorrente da actividade de venda de produtos estupefacientes por parte do arguido, já que nenhuma actividade laboral ou outra fonte de rendimento lhe era conhecida). Também esta testemunha foi concordante em afirmar que as “bolotas” de droga são normalmente introduzidas no corpo para dissimular o transporte. No que concerne, especificamente, à natureza das substâncias apreendidas, relevou o teor do relatório de exame pericial efectuado a tais substâncias, constante dos autos10 [10 A fls. 97 a 99], as quais testaram positivo para canabis (com o peso líquido total de 143,458 gr). Todas estas diligências investigatórias e respectivos resultados mostram-se plasmadas e sustentadas no acervo probatório carreado para os autos, designadamente, nos seguintes elementos: - Auto de notícia com relatório de diligências iniciais de fls. 15 a 20; - Autos de revista e de apreensão de fls. 21/3 e 26/7; - Reportagem fotográfica de fls. 24 e de fls. 28 a 30; - Testes rápidos e reportagem fotográfica de fls. 31/2, 33/4, 35/6 e 37/8; - Cópias e documentos de fls. 44 a 49; - Informação de serviço e ficha de avaliação de veículo de fls. 75/8; - Print de fls. 91/2; - Ficha biográfica do arguido de fls. 119 a 123; - Informação das Finanças de fls. 177 a 183; - Informação da SS de fls. 211/2, 214 e 220; - Auto de diligência de fls. 215/7; - Ficha de recluso de fls. 261 a 267; - Certidão de fls. 283 a 378. - Relatório de exame pericial de fls. 97/9. É certo que nenhum dos referidos Srs. Inspectores da PJ integram a Brigada de investigação de tráfico de estupefacientes, mas sim a Brigada de homicídios, e nenhum deles assistiu a qualquer acto de venda de produtos estupefacientes por parte do arguido, tal como ressalvaram. É certo, também, haver evidência nos autos de o ora arguido AA ser consumidor de drogas.11[11 Conforme emerge do respectivo Relatório Social junto aos autos, em Janeiro de 2023 o arguido testou positivo para consumo de haxixe no EP onde se encontra em cumprimento de pena] No entanto, ditam as regras da normalidade, da experiência comum e do “normal acontecer” que um indivíduo que transporta consigo 143,458 gr (peso líquido) de canábis, equivalente a 785 doses, embaladas em “bolotas”, juntamente com dois moinhos próprios para moer a droga e uma quantia monetária de cerca de 7 mil euros, dividida em diversas notas de valores faciais baixos, não lhe sendo conhecida qualquer actividade laboral ou fonte de rendimento lícitas12[12 Conforme consta da informação da Segurança Social de fls. 211 e ss, o aqui arguido apresentava como última remuneração o mês de Julho de 2022 como trabalhador ao serviço da sociedade comercial “D..., Lda.”. Todavia, contactado o legal representante de tal sociedade, o mesmo informou que o ora arguido nunca exerceu qualquer actividade profissional na mencionada empresa (cfr. Auto de Diligência de fls. 215)], não detém aquele produto estupefaciente apenas para seu consumo, mas sim para venda a terceiros, só assim se compreendendo a verdadeira origem de tão elevada quantia em “dinheiro vivo”, quando é certo que a explicação dada pelo arguido a esse respeito não se afigura minimamente plausível, conforme acima visto. Nessa medida, da conjugação de todos estes elementos probatórios, concatenados com as regras da normalidade e da experiência comum, resultou para este Tribunal Colectivo a convicção segura acerca da ocorrência dos factos tal como descritos na acusação pública e acima dados como comprovados. Quanto aos factos respeitantes aos elementos subjectivos da infracção, o Tribunal teve em conta todos os factos e meios de prova atrás referidos respeitantes aos elementos objectivos da infracção. Com efeito, os factos consubstanciadores do dolo (quer do dolo do tipo, quer mesmo do da culpa, onde se inclui a consciência da ilicitude), porque inerentes à dimensão subjectiva, do foro psicológico, são quase sempre indemonstráveis de forma naturalística, extraindo-se normalmente das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis. Donde, tendo em atenção os demais factos que provados estão, também os factos respeitantes aos elementos subjectivos da infracção praticada não poderão deixar de ser considerados como tal. Sobre os antecedentes criminais do arguido, valorou o Tribunal o teor do respectivo Certificado de Registo Criminal junto aos autos. Acerca dos factos relativos às condições pessoais, familiares, sociais e económicas do arguido, o Tribunal teve em consideração o teor do respectivo Relatório Social junto aos autos. »
c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância: « 3.1. DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES: Vem o arguido AA acusado aa prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do DL nº15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa àquele diploma legal. Dispõe o citado artigo 21º, nº1 do DL nº15/93, de 22/01: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”. Este artigo contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes. Tal descrição da factualidade típica é levada a cabo de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro, solução ditada pela necessidade de dar alguma eficácia ao combate a um problema social de contornos complexos, multifacetados e de difícil mapeamento em todos as suas manifestações. De facto, resulta tipificado como crime, praticamente, qualquer contacto ou actividade relacionada com as substâncias nele mencionadas – por remissão para as tabelas anexas ao referido decreto-lei –, que não estejam expressamente salvaguardados como legais, de entre as quais se destacam, por mais frequentes, a detenção, o transporte, a venda e a cedência a outrem das ditas substâncias. De notar que, para que o tipo objectivo se preencha, basta a mera detenção ilícita daquelas substâncias estupefacientes, desde que não seja para exclusivo consumo pessoal, não sendo, pois, necessário que a detenção se destine a posterior venda. O crime de tráfico de estupefacientes (em qualquer das suas modalidades) é um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal, mas reconduzidos à saúde pública. E é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo para um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a esses bens. O tipo subjectivo exige o dolo, numa das formas previstas no artigo 14º do Código Penal. A par do tipo essencial atrás descrito, o legislador criou um tipo qualificado do mesmo crime (artigo 24º do decreto-lei em referência) e um tipo privilegiado (artigo 25º do decreto-lei em referência). Quer dizer, só depois de se verificar o preenchimento dos elementos típicos descritos na norma incriminadora do artigo 21º é que se deverá apurar a possibilidade de aplicação ou não dos artigos 24º ou 25º. Por outro lado, há que ter presente que o artigo 21º estabelece uma ilicitude padrão, contraposta a ilicitudes mais marcadamente intensas ou consideravelmente diminuídas que são as das previsões dos artigos 24º e 25º, respectivamente. Para o crime de “tráfico de menor gravidade”, dispõe o artigo 25º do DL nº15/93, de 22/01, que: “Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”. O único elemento distintivo do tipo privilegiado, por comparação com o tipo essencial, é a existência de uma ilicitude consideravelmente diminuída. O tipo privilegiado, previsto no artigo 25º, constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial. Note-se, no entanto, que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. A lei, ainda no artigo 25º, indica, de forma não taxativa, determinadas circunstâncias para serem instrumentalmente consideradas pelo aplicador – individualmente ou em conjugação – na aferição das condutas em análise à luz dos elementos em causa: os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações; mas, ainda aqui, sem outras referências de concretização, notando-se que os conceitos em presença podem ser “densificados”, segundo critérios variáveis, no seu inter-relacionamento. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a ensaiar um esforço metodológico disciplinador da determinação em concreto dos casos de ilicitude do facto consideravelmente atenuada. É paradigma dessa intervenção o acórdão do STJ de 23/11/201113, retomado, nos princípios que enunciou, pelo acórdão do STJ de 05/01/201214; sendo que o primeiro dos referidos acórdãos declara que “o agente do crime de tráfico de menor gravidade deve estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas: a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas; e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.”. Sem embargo deste esforço de identificação de critérios mais ou menos gerais e abstractos, sempre o aplicador do direito deve ter presente o caso concreto e, perante o caso concreto, deverá procurar apreender a imagem global dos factos. Esta ideia de imagem global do facto tem sido sistematicamente utilizada na jurisprudência para estabelecer o quadro compreensivo do resultado da aplicação atomizada dos itens de ponderação aqui em causa, evitando que o somatório acrítico de tais operações parcelares resulte numa distorção da realidade global e corrigindo-a quando seja o caso. No caso dos autos, vista a factualidade acima apurada, é manifesto que a actuação do arguido AA integra a prática de um crime de tráfico de estupefacientes posto resultar demonstrado que no dia 16 de Março de 2021, pelas 21h30, o arguido foi detido na via pública, na área desta comarca, tendo na sua posse, mais concretamente no interior de uma bolsa em nylon que trazia consigo, três embalagens, vulgo bolotas, de um produto que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), com o PBTA de 27,57gr e peso líquido de 26,810gr, com um grau de pureza de 29,9% (THC), equivalente a 160 doses; um pedaço de um produto que veio a confirmar-se ser Canábis (resina), com o PBTA de 12,78gr e o peso líquido de 12,496gr, com um grau de pureza de 32,8% (THC), equivalente a 81 doses; a quantia monetária de € 6.990,00 em notas e moedas do BCE; um telemóvel Samsung S7; um telemóvel Iphone8; dois moinhos/raladores próprios para ralar liamba; No interior da viatura utilizada pelo arguido, da marca ..., 390L, com a matrícula ..-NS-.., foram encontrados e apreendidos os seguintes artigos: - uma bolsa que se encontrava no porta-luvas da viatura e que continha no seu interior cinco embalagens, vulgo bolotas, de um produto que veio a verificar-se ser Canábis (resina), com o PBTA de 44,67gr e o peso líquido de 43,365gr, com um grau de pureza de 25,5% (THC), equivalente a 221 doses; - um saco de desporto, que se encontrava na mala da referida viatura, contendo uma garrafa de água em plástico e, no interior desta, seis embalagens, vulgo bolotas, com o PBTA de 61,90gr e o peso líquido de 60,787gr, com um grau de pureza de 26,6% (THC), equivalente a 323 doses. Mais se provou que o produto estupefaciente detido pelo arguido se destinava a ser por ele transacionado/vendido e cedido, depois de dividido em doses; que a quantia em dinheiro apreendida constituía o lucro da actividade de venda de produto estupefaciente levada a cabo pelo arguido e que os telemóveis apreendidos eram utilizados pelo arguido para combinar encontros com os indivíduos a quem vendia aqueles produtos estupefacientes, assim efetuando as transações dessas substâncias. Provou-se, ainda, que o arguido conhecia perfeitamente a natureza e características das substâncias estupefacientes que detinha, tendo procedido com o perfeito conhecimento de que lhe estava legalmente vedado deter, armazenar, transportar e vender as descritas substâncias, dedicando-se a tal atividade com o propósito, conseguido, de obter proventos económicos que, como bem sabia, eram ilícitos, o que conseguiu. Actuou, ainda, sabendo que a quantidade de droga por si detida, posta à venda, cedida e vendida se destinava a ser difundida por um número significativo de pessoas e, apesar disso, manteve-se insensível aos danos que originava na saúde de múltiplos consumidores finais, apesar de estar ciente que com isso prejudicava, de forma precoce e irreversível, a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que representou e concretizou, agindo deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Mostram-se, pois, perfectibilizados todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de ilícito de tráfico de estupefacientes imputado ao arguido. Resta averiguar se está em causa o tipo essencial ou os tipos agravado ou privilegiado. Ora, os factos apurados referem-se a uma actuação do arguido AA limitada a um único dia (o dia 16 de Março de 2021) e a uma único local, não vindo apurados (nem imputados na acusação pública) quaisquer outros episódios do género relacionados com o ora arguido. Por outro lado, nada vem apurado no sentido de se poder afirmar que o arguido se integrasse numa rede organizada de tráfico de droga ou, sequer, que houvesse estabelecido contactos com terceiros para procederem em conjunto à venda da droga e repartirem entre si os respectivos lucros. Veja-se, ademais, que o arguido era consumidor de drogas, como também se apurou. Acresce que o tipo de droga detida pelo arguido (canabis) não se inscreve no leque das chamadas “drogas duras”15 cuja danosidade social e para a saúde pública é bastante mais acentuada. A actividade de venda de produtos estupefacientes levada a cabo pelo arguido AA nas descritas circunstâncias não assumiu, pois, uma dimensão indiciadora duma actividade de tráfico organizada, sofisticada, duradoura e levada a cabo numa área geográfica abrangente. Donde, a avaliação global da situação de facto permite concluir que tal actividade integra o tráfico de menor gravidade, podendo ser afirmada a existência de um caso de ilicitude consideravelmente diminuída. Tudo ponderado, considera-se que o arguido AA cometeu um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25º do DL nº15/93, de 22/01. »
Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem.
1. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
Como decorre do disposto no art. 428º do Cód. de Processo Penal, as Relações, em sede de recurso, conhecem de facto e de Direito. In casu, parte substancial do recurso apresentado pelo arguido AA reporta–se à alegação de haver o tribunal a quo incorrido em erro no julgamento da matéria de facto elencada em sede de fundamentação da decisão recorrida – nomeadamente no que tange a terem–se por demonstrados os elementos típicos necessários ao preenchimento do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual vem condenado, como adiante melhor se verá. E fá–lo apelando, em sustento da sua alegação, desde logo à consideração do teor das suas próprias declarações e à alegação de que dos elementos de prova dos autos não resulta a demonstração daqueles elementos típicos – o que, assim, extravasa o estrito teor da sentença recorrida, e transporta a alegação do recorrente, afinal, para o âmbito do erro de julgamento – a designada impugnação ampla da matéria de facto – a que se refere o artigo 412º/3/4/6 do Cód. de Processo Penal, em que a apreciação pretendida não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência. Assim, e pese embora o recorrente não aluda a tal disposição legal, apreciar–se–á a primordial questão suscitada em sede de recurso em conformidade com esta que se considera ser a sua materialidade.
A questão suscitada pelo recorrente gravita, pois, no âmbito da chamada impugnação ampla da matéria de facto ou, mais apropriadamente, do erro de julgamento, como consagrado no artigo 412º/3 do Cód. de Processo Penal, situação que ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Neste caso, o recurso quer reapreciar concretos segmentos de prova produzida em primeira instância, havendo assim que a reproduzir tale quale em segunda instância, por forma a apreciar da verificação da específica deficiência suscitada. Notar–se–á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, c) as provas que devem ser renovadas (quando seja o caso). A assim exigida especificação traduz-se, portanto, na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo ademais tal exercício recursivo com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende. Em suma, quando se pretenda efectivamente sindicar a decisão recorrida no âmbito desta apreciação mais alargada resultante da impugnação da matéria de facto, resulta do texto do nº3 do art. 412º do Cód. de Processo Penal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto. Quando, no artigo 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade. Assim, para que a impugnação possa proceder, as provas que o recorrente invoque, e a apreciação que sobre as mesmas se faça recair, em confronto com as valoradas pelo tribunal a quo ou com a valoração que esse tribunal efectuou, devem não apenas revelar que os factos foram incorrectamente julgados, como antes devem determinar a convicção de que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados. Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas. Assim, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações do arguido, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios. Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto. O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal. Estas ideias encontram eco indisputado na jurisprudência, podendo citar–se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2005 e de 09/03/2006 (procs. nº 2951/05 e 461/06)[[3]], onde se escreve que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» ; ou ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2011 (proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1)[[4]], onde se consigna o seguinte: «IV – Como o STJ vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP. V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência. VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido.».
Efectuadas estas considerações – como forma de enquadramento dos limites em que se move a invocação desta forma de impugnação ampliada do exercício de fundamentação de facto por parte do tribunal a quo –, vejamos quanto sucede no caso concreto dos autos.
No caso em apreço, e em conformidade com o exigido na alínea a) do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, o recorrente faz incidir a sua impugnação recursória na alegação de haverem sido incorrectamente dados como provados os factos elencados nos pontos 4. a 8 e 10. da matéria de facto provada. No essencial da alegação recursória, considera o recorrente que, contrariamente ao que vem decidido, não pode ter-se por demonstrada a factualidade que integra o preenchimento típico do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual vem condenado, fazendo incidir a sua crítica desde logo, e primordialmente, na consideração como demonstrado que o arguido destinasse o produto estupefaciente que detinha na sua posse à venda a terceiros – propugnando, pelo contrário, dever ter–se por demonstrado que aquele mesmo produto se destinava ao seu exclusivo consumo pessoal – e que os bens e valores apreendidos tivessem ligação (nomeadamente enquanto lucro) a uma tal actividade de tráfico. Para sustentar a sua impugnação, o arguido/recorrente, além de aludir em termos algo genéricos ao teor das suas declarações prestadas em audiência – recordando que o mesmo ali negou qualquer actividade de tráfico e alegou destinar–se o estupefaciente que lhe foi apreendido ao seu próprio consumo –, ocupa no essencial a sua alegação refutando o exercício de valoração probatória efectuada pelo tribunal a quo dos vários elementos probatórios dos autos, considerando que o mesmo desrespeita o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal, e propugnando que dos mesmos elementos deverá antes resultar uma apreciação probatória alternativa a que alude, e que assim entende dever impor–se àquela do tribunal. Isto dito, vejamos, pois.
Como vem de se dizer, e em bom rigor, resulta dos termos recursórios que o exercício de impugnação do julgamento da matéria de facto ora efectuado passa, no essencial, pela crítica à convicção adquirida pelo tribunal recorrido, pretendendo o recorrente ver o seu próprio juízo pessoal, e que retira da sua avaliação os elementos de prova dos autos, prevalecer sobre a apreciação que serviu de base àquela. Assim, no essencial o sustento da alegação de recurso passa pela crítica desde logo à circunstância de o tribunal a quo haver desvalorizado o teor das declarações prestadas pelo arguido no que tange aos seguintes aspectos confluentes: por um lado, à sua negação de qualquer ligação à actividade de tráfico – entenda–se, por venda ou cedência a terceiros – de produtos estupefacientes ; por outro, à sua justificação para a posse dos bens e valores monetários apreendidos ; e finalmente, à sua afirmação de que a droga por si detida se destinava ao seu consumo. Ademais, o recorrente procede a uma dedicada interpretação alternativa (relativamente à do tribunal a quo) dos elementos de prova recolhidos, e das circunstâncias ligadas à detenção do arguido e ao seu contexto de vida, por forma a alicerçar uma configuração dos factos conforme com aquelas aludidas declarações de defesa. Porém, e pese embora o notável empenho de tal exercício – que, diga–se, é isento de qualquer ostensivo despropósito –, adianta-se que não pode ser o mesmo ser acolhido nesta sede e para o efeito pretendido.
Desde logo a primeira nota que cumpre deixar clara, é a de que, percorrido o exercício de motivação probatória explanado pelo tribunal a quo em sede de Acórdão, e confrontado o mesmo com os elementos probatórios a que aqui apela o recorrente, muito facilmente se patenteia que todos estes últimos foram ponderados pela primeira instância, não se mostrando – de todo – arredados da sua ponderação probatória, e com relação precisamente à específica matéria fáctica cujo sentido o recurso pretendia inverter. Ou seja, o sucesso da pretensão recursória jamais poderia assentar em alguma omissão ou menor atenção do tribunal a quo no percurso que efectua pelos vários elementos de prova recolhidos. É verdade que em tal percurso o tribunal a quo desvaloriza o teor das declarações do arguido na parte (afinal crucial) das mesmas que se reporta ao concreto destino da droga por si detida, e à origem dos bens e valores apreendidos também na sua posse. Porém, essa desvalorização não se mostra despojada de critério ou lógica, sendo clarividente que o tribunal de primeira instância assenta a sua convicção probatória (oposta à alegação da defesa) quanto à factualidade típica objectiva dada por assente e aqui impugnada, na consideração da chamada prova indiciária ou indirecta que entende emanar dos elementos probatórios do processo. Ou seja, e fazendo apelo às noções comummente aceites nesta matéria, na consideração pelo tribunal de circunstâncias de facto, que não obstante não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo de ilícito que é objecto da imputação criminal, permitem (por inferência e no respeito das regras da lógica e da experiência comum) dar como provados estes últimos (isto é, os aludidos factos integradores do tipo de ilícito). Trata–se, no fundo, de factos circunstanciais ou instrumentais relevantes para a prova dos factos probandos, e que devem, como aliás acima já se enunciou, ser objecto de pronúncia por parte do tribunal pelo menos em sede de motivação da decisão de facto. Como se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2011 (proc. 417/09.5YRPTR.S2)[[5]], «I - A prova indiciária é uma prova indirecta, baseada em indícios, também apelidada de prova lógica ; indícios esses que são todas as provas conhecidas e apuradas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão firme, segura e sólida; a indução parte do particular para o geral e apesar de ser prova indirecta tem a mesma força que a testemunhal, documental ou outra. II - Os indícios representam uma grande importância em processo penal, já que se não tem à disposição prova directa, sendo imperioso fazer um esforço lógico, jurídico-intelectual para o facto não ficar impune. Exigir a todo o custo a existência destas provas directas seria um fracasso em processo penal, ou forçar a confissão, o que constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e como expressão máxima a tortura». De forma igualmente abrangente e elucidativa se consignou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/03/2015 (proc. 400/13.6PDPRT.P1)[[6]] que «I – Quer a prova directa, quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum. II – Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º do Cód. Proc. Penal), pelo que não pode ser excluída a prova por presunções (art. 349.º do Cód. Civil), em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.». No que tange às regras ou requisitos impostos sobre a apreciação da prova indirecta pelo tribunal, e não estabelecendo a lei processual penal regime específico nesta matéria, é aplicável também aqui o princípio geral de livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal, que exactamente prevê que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. A livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo (porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo). O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (...) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (cfr. Germano Marques da Silva, in ‘Curso de Processo Penal’, II, pág. 126 e segs.). No que à valoração da chamada prova indirecta diz respeito, traduz–se isto em que o fundamento da sua credibilidade está igualmente dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação. Assim, fundando–se embora em presunções naturais – ou seja, em ilações que se retiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido –, essas ilações devem ser suportadas por um exercício motivado e claro que se revele conforme com regras de experiência especialmente reportadas ao contexto do caso em análise, e que permita afastar quaisquer dúvidas sobre a ocorrência do facto probando que por essa via se demonstra. Neste exacto sentido citem–se, sem quaisquer preocupações de exaustão, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/05/2012 (proc. 347/10.8PATNV.C1)[[7]] onde se exara que «1.- A presunção judicial é admissível em processo penal e traduz-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido. 2.- As presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis – fundam-se nas regras da experiência comum. 3.- Para a valoração de tal meio de prova devem exigir-se, os seguintes requisitos: - pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência; - expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência.» ; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/05/2015 (proc. 1938/12.8PSLSB.L1-9)[[8]], em que se adita, com especial interesse, «III - Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido». E, aproximando–nos agora da análise do caso dos autos, ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/02/2016 (proc. 482/10.2SJPRT.P1)[[9]], onde se consigna que «I - O artº 127º CPP admite a prova indirecta, ao estabelecer que a prova é apreciada segundo a livre convicção e as regra da experiência, pois são estas que permitem extrair dos factos directamente percecionados e conhecidos, chegando por essa via ao conhecimento de outros factos com o necessário grau de certeza. II - Para a valoração da prova indirecta importa que ocorram uma pluralidade de elementos, que esses elementos sejam concordantes e esses indícios afastem para além de toda a dúvida razoável a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.» – sublinhado nosso.
Ora, in casu, entendeu o tribunal a quo que existem uma quantidade de indícios ou indicadores graves (isto é, sérios, importantes, fortes ou intensos), precisos (ou seja, certos e distintos ou exactos), e todos concordantes (quer dizer, coincidentes ou direccionados segundo resultado comum e consequente) no sentido de se ter por demonstrado que os factos se passaram como a acusação, nessa parte, os descrevia e, portanto, se deram como assentes. É nesta medida que, percorrido o percurso da motivação probatória da decisão sobre a matéria de facto, muito facilmente se descortina haver o tribunal a quo interpretado e avaliado circunstâncias de facto perfeitamente objectivas, imanentes em especial das características da droga apreendida, muito designadamente a sua expressiva quantidade e inusitada forma de acondicionamento, assim como os bens também na posse do arguido, muito em especial aqueles usualmente ligados a actividades de cedência de estupefacientes a terceiros, e bem assim a expressividade dos valores monetários, e também tudo aquilo quanto ao contexto de vida do arguido, em especial a inexistência de demonstração probatória de qualquer actividade remunerada regular (ainda que não manifestada) – tudo em termos que acima ficam transcritos, que aqui se dão por reproduzidos, e para os quais, portanto, expressamente se remete nesta parte.
É bem certo que o exercício de valoração probatória alternativa que vem propugnado pelo recorrente percorre também os vários aspectos assim objectiváveis da prova, interpretando–os sempre numa perspectiva que procura enquadrar a sua indiscutível constatação no contexto pessoal do arguido enquanto indivíduo consumidor de estupefacientes (como se mostra também assente) à data dos factos, e que, há alguns anos, tinha um modo de vida com deliberada preocupação de discrição e recato em termos de visibilidade social, por motivos ligados à tentativa de evitar a execução da sua detenção para cumprimento de uma pena de prisão pendente contra si – o que motivou, aliás, como dá conta a matéria de facto prova e realça o recorrente, a sua abordagem pelas autoridades na ocasião em causa nos autos. Todavia, a verdade é que se julga que o exercício de motivação levado a cabo pelo tribunal deve claramente prevalecer, por se revelar em absoluto coerente com regras de lógica e de experiência comum, mesmo considerando a peculiaridade da situação pessoal do arguido à data dos factos – que o recorrente realça, apesar de tudo com a–propósito –, sendo que, em alguns aspectos particularmente críticos, se crê qua a avaliação do tribunal a quo leva clara vantagem de acordo com os apontados critérios. Assim, ratifica–se o entendimento de que efectivamente, mesmo nas circunstâncias do arguido, se prefiguram como pouco compreensíveis as circunstâncias a seguir elencadas em especial – isto é, sem prejuízo da valia intrínseca de toda a demais ponderação da primeira instância. Assim, é flagrantemente contrário às regras de experiência que um mero consumidor de droga se faça deslocar com uma tão elevada quantidade de estupefaciente, e para mais acondicionada nos termos em que o estava – não só dividida em várias (catorze) bolotas, como também estas separadas por vários locais (em duas bolsas e numa garrafa de plástico), ao que acresce ainda mais um pedaço separado daquelas. Mesmo desconsiderando a quantidade de droga detida e o seu acondicionamento em bolotas, não se julga lógico, pelo menos, que quem adquira droga para seu exclusivo consumo depois a acondicione desta forma repartida, ao invés de a guardar num único sítio de onde vai retirando o que precisa para consumir. Nesta exacta perspectiva, de todo se compreende a necessidade de o arguido transportar consigo dois ‘moinhos’ próprios para relar liamba – mesmo que um deles não estivesse operacional. De todo se sufraga a alegação do recorrente segundo a qual «As regras da experiência nunca nos acobertaram actividade de tráfico de venda de sumidades com prévia moagem; quem consome, rala a sua erva, sob pena de se ir perdendo aqui e ali, por isso se enrola para ser fumada.»: quem consome até pode relar «a sua erva», porém não a acondiciona (de acordo com as regras de experiência e normalidade em tal contexto) em bolotas, antes procedendo a tal tarefa á medida do necessário ao seu consumo. De todo o modo, sempre mal se compreende a necessidade de um consumidor andar com aqueles moinhos na sua posse. Também não se entende muito bem que o arguido transportasse consigo uma quantia monetária tão elevada (quase €7.000) em notas e moedas. Notar–se–á que, ao contrário do que o recorrente aparentemente procura inculcar, pese embora o seu modo de vida esquivo à data dos factos, o arguido não andava propriamente com a casa às costas, e ainda que não fosse constante a sua permanência nos locais onde habitava, a verdade é que não só «nunca abandonou por completo a residência que partilhava com o seu agregado constituído, em ..., onde habitava o seu cônjuge, FF, e os dois descendentes do casal, com 10 e 4 anos de idade, mantendo visitas regulares e permanências inopinadas por curtos, mas frequentes, períodos de tempo», como tinha efectivamente sempre local onde habitava. Não é também muito viável compreender a alegação de que aquele valor seria produto da sua actividade laboral, até porque mesmo os trabalhos esporádicos referenciados em sede de matéria de facto provada estão longe de permitir um rendimento (e não foi isso, de qualquer modo, demonstrado) que, depois de assegurar as despesas e custos inerentes à vida do arguido (para mais uma vida nómada como a alegada), ainda lhe permitisse guardar sempre em permanência consigo uma tão elevada quantia. E se é certo que não será inusitado que o modo de vida esquivo do arguido não aconselhasse o registo das suas prestações laborais de forma a permitir a sua localização com recurso às normais bases de dados das autoridades laborais ou tributárias, a verdade é que, como no Acórdão se dá nota, o arguido não deixa de apresentar, como última remuneração oficialmente registada, o mês de Julho de 2022 (enquanto trabalhador ao serviço da sociedade comercial “D..., Lda.”), isto é, já quando andava na sua vivência de fugitivo.
É verdade que a detenção do arguido na posse de todos estes produtos, bens e valores, traduz um acto isolado, inexistindo qualquer outra demonstração probatória, ou sequer notícia, de uma actividade de venda ou cedência de produtos estupefacientes a terceiros. Porém, da matéria de facto provada também não resulta, de todo, que a actuação do arguido consubstancie uma actividade de tráfico de estupefacientes de especial relevo – o que se traduz, aliás, na tipificação criminal a jusante efectuada dos factos. E o certo é que, nos termos que o tribunal a quo expõe e aqui se sufragam, a valoração probatória que vem efectuada se afigura coerente com as regras da lógica e da experiência comum, mesmo considerando o especial contexto pessoal do arguido, não sendo a interpretação alternativa do arguido que permite obstaculizá–las.
Nesta sequência, cumpre dirigir algumas indispensáveis considerações à alegação do recorrente segundo a qual havia de ser dado por provado que o produto estupefaciente apreendido ao arguido se destinava ao seu exclusivo consumo. Já vimos que se sufraga a decisão recorrida na perspectiva de que se deverá ter por suficientemente demonstrado que tal produto se destinar à venda a terceiros, o que, só por si, faz naufragar esta pretensão recursória. Porém, não pode deixar de se dizer que, ainda que assim não sucedesse – isto é, ainda que não se tivesse isso por adequadamente demonstrado –, coisa muito diversa seria que daí a inevitável decorresse a conclusão de que a droga detida era para consumo do arguido. Bem se entende, diga–se, que não é esse o sentido da alegação do recorrente. Ainda assim, e para que dúvidas não se suscitem, convém deixar claro que, mesmo à luz das alterações introduzidas no art. 40º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, pela Lei 55/2023, de 8 de Setembro (que «Clarifica o regime sancionatório relativo à detenção de droga para consumo independentemente da quantidade e estabelece prazos regulares para a atualização das normas regulamentares, alterando o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e a Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro»), o agente dos factos que adquira ou detenha determinado produto estupefaciente em quantidade que (no caso) exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, ainda que não se demonstre que o mesmo produto é para a cedência a terceiros, daí não decorre sequer a presunção de que a droga é para seu consumo. É verdade, como realça o recorrente, que, na redacção actual do citado art. 40º do D.L. 15/93, a aquisição ou detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias não é criminalmente relevante se ficar demonstrado que se destina exclusivamente ao autoconsumo, independentemente da respectiva quantidade Mas isso, repete–se, se se demonstrar que é esse o seu destino. Se é verdade (como sempre foi) que é a autoridade judiciária (leia–se o Ministério Público) quem, para prover pelo sucesso de uma imputação de aquisição ou detenção de droga para cedência a terceiros, deve provar que essa droga é destinada a esse concreto (e mais gravoso) acto típico de tráfico, verdade é também (como já era antes) que a finalidade do consumo não se presume, e deve também ser objecto de prova e demonstração por aquele a quem interesse fazê–lo (leia–se, o arguido, claro está) – aliás, o actual nº 3 do referido art. 40º do D.L. 15/93 estatui precisamente que «A aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no n.º 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo». Não se olvide que a mera aquisição e detenção, não se demonstrando a respectiva finalidade, continuam a consubstanciar, só por si, actos típicos de tráfico de estupefacientes elencados no art. 21º do D.L. 15/93 – e, por correspondência, no respectivo art. 25º. Tenha–se, pois, presente que o crime de tráfico de estupefacientes previsto nos arts. 21º e 25º do D.L. 15/93, é, consabidamente, um crime de perigo comum e abstracto, na medida em que visa antecipar a protecção legal de diversos bens jurídicos com dignidade penal, como por exemplo a vida, a integridade física e a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes (em suma, visa-se a protecção da saúde pública), ainda que em concreto não se tenha verificado o perigo de violação desses bens jurídicos. Donde, para que o tipo objectivo se preencha basta a mera aquisição ou detenção ilícita de produtos estupefacientes ali enunciados, desde que não seja para exclusivo consumo pessoal, não sendo pois necessário que a detenção do produto estupefaciente se destine à posterior cedência a terceiros. Como, por todos, se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/06/2022 (proc. 134/17.2GAPFR.P1)[[10]], «II - O tráfico de estupefacientes tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único ato conducente ao resultado previsto no tipo. III - Dito de outra forma, o resultado típico alcança-se logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de atuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente ao consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados na norma, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.». Ou seja, não se provando que a droga detida em quantidade que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias é para cedência a terceiros, isso não conduz à conclusão automática de que o seu destino exclusivo é o autoconsumo. E, não se provando também este, restará ainda e sempre a mera aquisição ou detenção de estupefacientes tipificadas no art. 21º do D.L. 15/93, cujo funcionamento apenas é afastado caso estejamos no âmbito «dos casos previstos no artigo 40.º». Donde, e para finalizar, tenha–se presente que são – rectius, continuam a ser – duas coisas bem distintas, e que não se justapõem, a não demonstração probatória de actos de cedência de droga a terceiros, e a demonstração de que a mesma droga se destina em exclusivo ao consumo do agente dos factos.
Em conclusão, e retomando a nossa análise, com relação a qualquer dos fundamentos da impugnação do julgamento da matéria de facto percorridos pelo recorrente, contemplado o acórdão de que se recorre e a correspondente valoração que da prova aí foi feita pelo tribunal a quo, crê–se manifesto que a convicção alcançada por este se mostra suficientemente objectivada e motivada, e capaz, portanto, de se impor, não se divisando qualquer erro de julgamento. No âmbito da sua decisão sobre os supra aludidos pontos da matéria de facto, o tribunal explana o processo de formação da sua convicção, o que se traduz não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como também na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas.
Nesta medida, aliás, não procede ademais a invocada violação do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 127º do Cód. de Processo Penal. Efectivamente, analisando o exercício de a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, concluímos com facilidade que a mesma enuncia todos os meios de prova produzidos e dá conta dos critérios adoptados permitindo compreender a razão pela qual os factos plasmados na decisão foram dados como provados. Essa apreciação da prova revela-se criteriosa, tendo criticamente avaliado a prova produzida, segundo critérios 1ógicos e objectivos e em obediência as regras de experiência comum, usando correctamente dos princípios da imediação e da oralidade, conduzindo tal apreciação à inevitável fixação da matéria de facto ali considerada. Mostra–se assim possível aferir uma correcta utilização do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Cód. de Processo Penal, tendo em vista a verdade prático-jurídica baseada na convicção pessoal, mas em todo o caso objectivável e motivável.
O que decorre, pois, dos termos do recurso é que não agrada ao recorrente a convicção a que chegou o tribunal em resultado da avaliação feita pelo mesmo efectuada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento. Não basta estar suscitada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo – o que seria necessário (para a procedência da pretensão recursória) era demonstrar que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo tribunal recorrido. Ora, o recorrente poderá não concordar com a apreciação que nessa parte é feita pelo julgador, mas em momento algum a sua própria apreciação alternativa permite contrapor a decisão que foi adoptada e os alicerces da mesma, tendo–se já verificado que inexiste qualquer elemento de prova que imponha uma decisão diversa.
Não se considera verificado qualquer erro de julgamento, designadamente no atinente quanto aos pontos 4. a 8 e 10. da matéria de facto dada por assente na decisão recorrida.
2. De saber se estão reunidos os pressupostos da condenação do arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes.
Propugnava ainda o arguido/recorrente pelo não preenchimento dos pressupostos típicos do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual vem condenado. Não pode, porém, ter sucesso também nesta sua derradeira pretensão. Sucintamente se dirá que tal reivindicação recursória assentava em pressupostos que, como resulta da análise já acima efectuada, não se verificam. Tais pressupostos passavam, naturalmente, pela procedência das alterações pelas quais pugnava em sede de matéria de facto assente, por via do recurso em sede de matéria de facto que vinha efectuado. Era, pois, a inversão do sentido pelo qual os pontos da matéria de facto ali impugnados se mostram considerados na sentença recorrida – no rumo da sua não demonstração –, que sustentaria, a jusante, o não preenchimento dos pressupostos de tipicidade, ilicitude e culpa do crime em causa por parte do arguido. Ora, com relação a tais factos vimos já não merecer censura a sentença recorrida, devendo assim ser mantida integralmente a sua decisão quanto a tal matéria. Donde, naturalmente, daí decorre, e tal como decidido pelo tribunal a quo, mostrarem–se ainda e sempre preenchidos pelo arguido os pressupostos típicos do crime de tráfico de estupefacientes em causa.
Pelo que não merece censura a decisão de condenação do recorrente pelos mesmos, improcedendo assim o recurso interposto.
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III. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 3 (três) U.C.´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).
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Porto, 4 de Dezembro de 2024 Pedro Afonso Lucas Paula Guerreiro Paulo Costa
(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página) ___________________________________________ |