Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | DIOGO RAVARA | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO ÂMBITO DE COBERTURA CLÁUSULAS CONTRATUAIS INTERPRETAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/05/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Uma vez que, não obstante possa ser celebrado por qualquer forma, o contrato de seguro deve ser obrigatoriamente reduzido a escrito, a sua interpretação deve fazer-se nos termos previstos nos arts. 236º e 238º do Código Civil II - Por outro lado, sendo a apólice de seguro integrada por cláusulas contratuais gerais, a interpretação deve igualmente obedecer às regras de interpretação consagradas nos arts. 1º e 11º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. III - Se a apólice do contrato de seguro prevê o reembolso de 50% das despesas de saúde em que o segurado incorreu desde que as mesmas se justifiquem de acordo com as boas práticas médicas e dentro dos limites quantitativos estabelecidos na mesma apólice, não pode a seguradora recusar o reembolso de despesas de saúde em que o segurado incorreu, com o fundamento de que aquelas despesas se reportam a atos clínicos que não constam das suas tabelas e não foram objeto de protocolo com qualquer instituição da sua rede de cuidados de saúde, porquanto a apólice não contém nenhuma cláusula que qualifique tal circunstância como causa de exclusão do âmbito de cobertura do seguro. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório A [ José …… ], titular do nº de identificação [ civil 006 … ], contribuinte fiscal nº [ 160 … ], intentou a presente ação declarativa de condenação sob forma de processo comum, contra B [ …… Seguros, S.A. ], pessoa coletiva nº [ 500 … ] e C [ ……. Seguros de Saúde, S.A. ], pessoa coletiva nº [ 503 … ], pedindo a condenação destas a pagar-lhe “a quantia de € 4.163,11 (…) decorrentes de incumprimento contratual do seguro de saúde titulado pela apólice nº D150046713, na proporção das suas responsabilidades (…)”, bem como “quantia não inferior a € 2.500,00” a título de “indemnização por danos morais que a atuação e incumprimento lhe causaram”, e ainda “juros à taxa legal em vigor desde a citação até efetivo e integral pagamento”. Para tanto alega, em síntese, que celebrou com as rés um contrato de seguro de saúde, em regime de cosseguro, e que necessitou de se submeter a uma intervenção cirúrgica indicada pelo seu médico e justificada por constituir o tratamento adequado à patologia que apresentava, mas que as rés recusaram financiar ou reembolsar (sequer parcialmente) as despesas decorrentes de tal intervenção. Mais alega que face à necessidade de se submeter a tal cirurgia, custeou a mesma, tendo esta sido executada em hospital que integra a rede de cuidados de saúde prevista no contrato, e por médicos que integram a mesma rede, mas que após insistências suas rés persistiram em recusar o reembolso de 50% das despesas em que incorreu, incumprindo assim as condições constantes do mencionado contrato de seguro. Finalmente sustenta que o comportamento das rés lhe causou “incerteza, angústia e receio”, o fez sentir-se “triste e desprotegido na sua saúde”, e que pela mesma razão “temeu que a ansiedade e angústia pudessem interferir no seu processo de recuperação”. Conclui que as rés incumpriram o contrato celebrado, pedindo a condenação das mesmas a pagar-lhe o montante correspondente a 50% daquelas despesas, bem como a quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Citadas, as rés apresentaram contestações separadas. A ré C sustentou que o contrato de seguro celebrado “não garante o regime de prestações indemnizatórias, ou seja, não garante o reembolso das despesas efetuadas fora da rede de prestadores”[1], e que o procedimento médico objeto do pedido de autorização apresentado pelo médico do autor não estava convencionado com qualquer prestador da Rede C, razão pela qual estaria excluído da cobertura do contrato de seguro, nos termos da cláusula 10ª, nºs 1 e 4 das Condições Gerais da apólice. A ré B aderiu a tal entendimento, qualificando a argumentação da ré C como exceção perentória. Ambas as rés impugnaram parte da factualidade alegada pelo autor na petição inicial. Seguidamente foi proferido despacho convidando o autor a pronunciar-se acerca da matéria de exceção invocada pelas rés, o que este veio a fazer, sustentando, nomeadamente que “as RR. nunca disseram ao A. que este estaria limitado ou condicionado a um rol de práticas clínicas que previamente contratualizaram com prestadores, ainda que esse não fosse o ato médico, ou prática indicada ao seu quadro clínico, tabela que aliás desconhece em absoluto”[2], pugnando pela improcedência da exceção perentória invocada, e concluindo como na petição inicial. Realizou-se então audiência prévia, e procedeu-se ao saneamento da causa e à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Seguidamente teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença na qual o Tribunal a quo decidiu nos seguintes termos: “(…) condeno as RR. a pagarem ao A. a quantia de € 4.163,11 na proporção das suas responsabilidades, ou seja, 99% para a R. B e 1% para a R. C. No mais, absolvo as RR. do peticionado.” Inconformada, a ré B interpôs recurso de apelação cujos fundamentos sintetizou nas seguintes conclusões: 1. Tendo o pedido, para ser conhecido - e para não se proferir condenação que ultrapasse os limites pela parte impostos (art.º 609.° do CPC) - que ser formulado na conclusão da petição, devendo o Autor dizer ao Tribunal qual o efeito jurídico que quer obter com a ação. 2. Estipula, por sua vez, o art° 615° do CPC as causas de nulidade da sentença, sendo certo que, a sentença será nula quando o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d)). 3. A sentença é nula porque a condenou a ora Apelante no pagamento de uma quantia por considerar que violou um dever de informação a que estava obrigada, sem efetuar a necessária correspondência à causa de pedir e pedido efetuado no articulado inicial do Autor. 4. As decisões judiciais têm por base os factos levados à discussão pelas partes e, após a prova produzida, esta deverá revelar a aplicação da justiça ao caso concreto. 5. O contrato de seguro é bilateral, oneroso, formal, de execução continuada, de adesão, típico e regido expressamente pelo princípio da boa fé. 6. O artigo 762° do Código Civil, determina expressamente que no cumprimento das obrigações devem as partes proceder de boa fé. 7. Dispõe o art° 227° do Código Civil no seu n° 1 que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.” 8. A ora Recorrente não incumpriu qualquer obrigação legal de informação, acautelando todas as obrigações que lhe são impostas por lei, aliás, nem sequer tal foi alegado pelo ora Recorrido na sua douta Petição Inicial. 9. Deve ser chamado à colação o estatuído no art° 18° do DL 72/2008, de 16/04 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro) que impõe o regime comum para os deveres de informação do segurador e que foram integralmente cumpridos pela ora Apelante. 10. É especialmente relevante o facto dado como provado em 24°: por carta datada de 24.07.2015, isto é, em data anterior à realização da intervenção cirúrgica foi comunicado ao Recorrido que no seguimento do pedido de pré-autorização, o financiamento/reembolso não foi aceite pela C. 11. Consta do documento junto aos autos com a referência CITIUS 31595922 correspondente ao pedido de pré-autorização datado de 14/07/2015 onde consta informação e historial clínico pode ler-se: “pede-se internamento médico dado que não existe código na Tabela da Ordem dos Médicos para intervenção que vai ser realizada no doente. Intervenção rtu-p COM Lser KTP não existe na vossa tabela.” 12. Era do perfeito conhecimento do Recorrido que o procedimento que iria ser submetido não estava contemplado como ato médico na tabela contratada com a C, bem como não existia coincidência na própria Tabela da Ordem dos Médicos. 13. O Recorrido escolheu uma entidade privada para realizar a sua intervenção cirúrgica e, antes do procedimento cirúrgico, não só foi informado pelo seu médico, como depois pela própria R. C que, o ato que ia realizar não estava contratado. 14. O Recorrido não só sabia que a intervenção cirúrgica que ia ser sujeito não estava convencionada, como estando excluída da cobertura nos termos da cláusula 10 das Condições Gerais da Apólice teria de seguir o regime das prestações indemnizatórias. 15. O seguro dos presentes autos não tem contratado o reembolso fora da rede, pelo que, a ora Recorrente nunca poderia ser responsabilidade pelo pagamento de qualquer quota parte. 16. O pagamento de qualquer indemnização nos presentes autos, levaria a uma situação de enriquecimento sem causa do A.. Remata as suas conclusões nos seguintes termos: “deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e consequentemente absolvendo-se a ora Apelante do pedido.” O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. O Mmº Juiz a quo refutou a nulidade imputada à sentença recorrida. Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos. 2. QUESTÕES A DECIDIR Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[3]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC). Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[4]. É de salientar que a ré C não recorreu da sentença proferida pela 1ª instância, sendo certo que não se verifica nenhuma das situações previstas no art. 634º do CPC, razão pela qual relativamente a esta ré a mesma sentença transitou em julgado. Por outro lado, não tendo o autor recorrido da mesma sentença, esta também se tornou definitiva na parte em que absolveu as rés do pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Assim, as questões a apreciar e decidir são as seguintes: - Da nulidade da sentença; - Da responsabilidade da ré B pelo (co)pagamento das despesas médicas em que o autor incorreu. 3. Os factos O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 3.1. Factos Provados 1) Em 01.02.2014, as RR. celebraram com o A. um contrato de seguro do ramo Saúde Individual C denominado H38- C Vintage Plus, no qual figura como tomador e pessoa segura o A. 2) O contrato foi titulado pela apólice n°. D150046713 tendo A. e RR. convencionado o prazo de "um ano e seguintes” para a duração do mesmo. 3) O identificado contrato de seguro foi estabelecido em regime de cosseguro, através do qual a 1a. R. garante ao A. as coberturas contratualizadas. 4) A R. B entregou a prestação dos cuidados de saúde objeto do contrato titulado pela apólice D150046713 à 2.a R., C. 5) Entre as R.R. foi acordada a seguinte distribuição de responsabilidades: a) B.: 99,00% b) C: 1,00% 6) Nos termos da clausula 2.ª "...O segurador garante à pessoa segura as coberturas, no domínio dos cuidados de saúde, integrando, isolada ou conjuntamente, prestações convencionadas, prestações indemnizatórias e serviços de assistência, identificadas nas Condições Particulares da Apólice...". 7) Ao referido contrato de seguro as condições particulares acordadas, bem como condições gerais e especiais constantes de fls. 17 e ss. 8) As partes acordaram que não são aplicáveis períodos de carência em situações decorrentes de acidentes não excluídos nas condições gerais, desde que devidamente comprovados mediante apresentação de relatório médico circunstanciado. 9) O referido contrato de seguro renovou-se em 01.02.2015 e 01.02.2016. 10) O A. pagou os prémios de seguro vencidos na referida apólice, encontrando- se o contrato, à data dos factos, plenamente em vigor. 11) Em 30.06.2015, o A. apresentou queixas ligadas a patologia de HBP - Hiperplasia Benigna da Próstata, determinantes de episódio de retenção que foi resolvido com recurso a tratamento clínico. 12) As queixas do A. foram-se agravando e veio a verificar-se clinicamente o diagnóstico de "próstata de grandes dimensões >100gr, fluxo baixo e esvaziamento com RPM de 50% em relação ao volume contido na bexiga antes de iniciar a micção". 13) O A. padecia já nessa data de patologia cardiovascular, fazendo terapêutica ambulatória de anti agregação com Plavix. 14) E já havia sido sujeito a intervenção cirúrgica por Bócio mergulhante em 2010. 15) Em face do descrito quadro e antecedentes clínicos do A., para cirurgia da próstata foi proposto pelo médico Dr. Reis ….. a realização de RTU por Fotovaporização com laser greenligth (KTP) com paragem da anti agregação prévia e início de terapêutica com anticoagulante para minimização dos riscos de sangramento no pós-operatório. 16) Esta proposta médica especializada sopesou, por um lado, o quadro clínico concreto do doente, por outro lado, o risco para a sua saúde. 17) A RTU clássica não minimiza o risco hemorrágico per e pós-operatório, ao passo que, a RTU por Fotovaporização com laser greenligth, pese embora não acabe com essa possibilidade, garante a minimização desse risco hemorrágico (per e pós-operatório). 18) O A. apresentava uma próstata com 103g, pelo que, ponderados os riscos clínicos para a saúde do doente entre a cirurgia aberta (RTU clássica) e a RTU por fotovaporização com laser, a opção médica foi por esta última técnica dadas as maiores garantias para a saúde do doente, no caso concreto do A. 19) Tal técnica cirúrgica, diante do quadro e antecedentes médicos de que padecia o A., evidenciou-se como a opção clínica que melhor salvaguardava a saúde deste e a mais convergente às boas práticas médicas. 20) A técnica de fotovaporização com laser greenlight (KTB), tem como objetivo terapêutico a desobstrução do doente e apresenta-se como o resultado da evolução técnica com mais vantagens para a saúde do doente do que a RTU tradicional (ressecção transuretral da próstata). 21) A RTU por fotovaporização com laser greenlight permite a operação de doentes anticoagulados, como era o caso do A., sem interromper a medicação, apresenta redução do tempo de internamento, tem uma perda de sangue insignificante, não há necessidade de recurso a unidade de cuidados intensivos ou intermédios (salvo outras razões não urológicas). 22) E o doente, após alta clínica, retoma a sua vida normal e a medicação habitual, caso exista. 23) Foi apresentado junto da C., ora 2.a R., o pedido de autorização para recurso ao método de intervenção por RTK da próstata a que teria de se submeter o A. seu segurado, e requisitado o seguinte: a)Quarto individual (cirurgia) - 1 unidade b) Bloco operatório - cirurgia de 150k a 199k - 1 unidade c)Tratamento de hipertrofia benigna da próstata por fotovaporização - 1 unidade d) Ajudante - tratamento de hipertrofia benigna da próstata por fotovaporização - 1 unidade e)Instrumentista - tratamento de hipertrofia benigna da próstata por fotovaporização - 1 unidade f) Se Cirurgia de 200k a 181 k - 1 unidade. 24) Em 24.07.2015 a R. C. dirigiu ao A. uma carta com o seguinte teor: "No seguimento do pedido de Pré-Autorização solicitada pelo(a) Senhor(a) DR REIS ….. lamentamos informar que o financiamento/reembolso não foi aceite pela C*. A não-aceitação do financiamento/reembolso tem como base as condições Gerais/Particulares do Seguro de Saúde. De facto, através da análise Cuidada do seu processo conclui-se que Apólice sem reembolso Fora da Rede, situação não coberta pelo mesmo." 25) O A. foi submetido à intervenção RTP por fotovaporizaçãao com laser no dia 30.07.2015 nos serviços de urologia do British Hospital pelo médico urologista Dr. Reis Santos. 26) Quer o British Hospital quer o médico urologista Dr. José Reis …. fazem parte da rede de prestadores de cuidados de saúde C. 27) A referida intervenção orçou em 8.326,22 €, correspondendo: a)€ 5.767.50 aos componentes de intervenção cirúrgica prestados pelo Dr. Reis Santos titulados pela fatura/recibo n°. 1354/2015 emitida em 19.08.2015 pela Uroclinica - Centro clínico de urologia, Lda contribuinte fiscal n°. 501371869; b) € 2.558,72 despesas de internamento, material operatório e prestação de serviço de anestesia, titulados pela fatura F BHL 15FT/3588 emitida em 03.08.2015 pelo British Hospital Lisbon XXI, contribuinte fiscal n°. 160541239 sito em Rua Tomas Fonseca, Edifício B, Lisboa. 28) Tais montantes foram integralmente pagos pelo A. 29) Após o recomeço da medicação anti agregação o A. sofreu retenção por coágulos, pelo que em 06.08.2015 voltou a ser internado nos serviços clínicos do British Hospital Lisbon XXI. 30) Ao abrigo do mesmo contrato de seguro, o A. requereu nova autorização à 2a. Ré, C. para o internamento e cuidados clínicos, que foi autorizada, designadamente: a) Quarto individual (medicina) - 1 unidade b) Consulta de internamento - 2 unidades c) E material 31) O internamento, serviços e consumos facultados neste segundo internamento orçaram em 211.08€ foram titulados pela fatura BHL2015FT/ 1692 e 1691. 32) Nos termos e condições da identificada apólice de seguro, o A. custeou a quantia de 105.54€ correspondente ao co-pagamento de 50% do valor global e, as RR., idêntico valor. 33) O A. teve alta hospitalar no dia 07.08.2015. 34) Em 31.08.2015, após alta hospitalar, o A. respondeu à carta de 24.07.2015 endereçada pela 2.a R., mostrando a sua objeção aos fundamentos ali invocados e também por via telefónica. 35) E voltou a requerer às RR. o reembolso do valor que suportou. 36) Por correio eletrónico de 23.09.2015 a 2.a R. C, respondeu à missiva do A. de 31.08.2015 reiterando a decisão de não comparticipação das despesas. 37) No dia 24.09.2015 o A. voltou a insistir junto da companhia C pelo reembolso do valor de 50% garantido pela apólice contratada. 38) Em 02.10.2015 A 2a R., C, respondeu ao A., via email., reiterando a posição assumida mas aduzindo esclarecimentos adicionais, designadamente alegando que: “(...) De acordo com o disposto no n°. 2 da Cláusula 10a – Prestações Convencionadas, das Condições Gerais e Especiais deste seguro de saúde, “Relativamente a Serviços que não sejam contratados com os prestadores de cuidados de saúde referidos no número anterior, é aplicável o regime de prestações indemnizatórias previsto na Cláusula seguinte”, citamos. Também no n°. 4 da mesma Cláusula prevê que “O accionamento das coberturas previstas nas Condições Particulares é objecto de análise de processo Clínico e depende de autorização expressa dos serviços clínicos do Segurador, a qual obedece, exclusivamente, a critérios de natureza médica, de acordo com os princípios da boa prática clínica”, também citamos. Ora conjugando o facto destes procedimentos não estarem protocolados com qualquer prestador da Rede com a ausência de regime de prestações indemnizatórias nas condições do seu contrato, mantém-se a inibição já adiantada. Sendo o que nos oferece, em definitivo, sobre esta matéria, (...).” 39) Em 06.11.2015 o A, através da sua filha e mediadora, solicitou junto dos serviços da 1ª Ré B uma tomada de posição face a todos os factos ocorridos. 40) Em resposta de 13.11.2015, a 1.a R. B veio corroborar o entendimento da 2a. Ré C e declinar o pedido de reembolso invocando para o efeito duas razões: a)a cláusula 20 das condições gerais e especiais a que respeita o documento n°. 4; b) as condições particulares da apólice, no foro do reembolso, onde conclui que o produto contratado não funciona numa ótica de reembolso. 41) Por carta registada com AR expedida pela mandatária do A. em 28.04.2016 foi a Ré C interpelada para o pagamento da comparticipação de 50% devido ao A. por via dos tratamentos médicos cirúrgicos a que se submeteu no dia 30.07.2015 no British Hospital Lisbon XXI no montante de € 4.188,11 (quatro mil, cento e oitenta e oito euros e onze cêntimos) devidos ao abrigo das condições particulares, gerais e especiais do contrato de seguro de saúde celebrado. 42) Em resposta datada de 13.05.2016 a 2.a R. C reiterou a posição já assumida de declinar o pedido de reembolso e para tanto juntou as cartas dirigidas ao A. e datadas de 23.09.2015 e 02.10.2015. 43) Em 09.01.2017 o A. solicitou aos serviços da British Hospital o seu processo clínico donde decorrem os procedimentos a que se sujeitou em 30.07.2015 e 06.08.2015 nessa unidade hospitalar, o que lhe foi facultado. 44) Nessa mesma data requereu ainda ao médico urologista Dr. Reis Santos a emissão de relatório pormenorizado sobre as suas patologias clínicas e episódios que determinaram quer a intervenção, quer a opção técnica cirúrgica e a sua relação com a boa prática clínica. 45) No contrato celebrado, e no que respeita à cobertura de assistência em regime de Hospitalização, foi convencionado que as despesas seriam comparticipadas a 50% dentro da rede de prestadores, sendo sujeito a um limite de capital de € 5.000,00. 46) A apólice não garante o regime de prestações indemnizatórias, ou seja, não garante o reembolso de despesas efetuadas fora da rede de prestadores. 47) No âmbito das prestações convencionadas, isto é, no âmbito da garantia de financiamento das despesas realizadas dentro da Rede de prestadores de serviços clínicos C, nos limites das condições particulares, e nos termos do previsto na Cláusula 10ª das Condições Gerais: "1. (...) o Segurador garante às Pessoas Seguras o acesso direto aos médicos, hospitais ou unidades de saúde, centros de meios complementares de diagnóstico e outros serviços de saúde que, em cada momento fizerem parte do Sistema Integrado de Cuidados de Saúde C, cujas condições de utilização se encontram estabelecidas na Apólice e no Guia B Saúde. 2. Relativamente a serviços que não estejam contratados com os prestadores de cuidados de saúde referidos no número anterior é aplicável o regime de prestações indemnizatórias previsto na Cláusula seguinte. 3. As condições de financiamento integram limites máximos, bem como Copagamentos ou franquias a cargo da Pessoa Segura, relativamente a atos médicos concretos, independentemente dos capitais garantidos ou disponíveis em cada momento. 4. O acionamento das coberturas previstas nas Condições Particulares é objeto de análise de processo clínico e depende de autorização expressa dos serviços clínicos do Segurador, a qual obedece, exclusivamente, a critérios de natureza médica, de acordo com os princípios da boa prática clínica. 5. O Segurador faculta à Pessoa Segura o Guia B Saúde com a lista de prestadores de serviços que, em cada momento, integram a Rede C, ficando ao critério da Pessoa Segura a escolha da entidade adequada ao seu estado, exceto relativamente às consultas de especialidade e à realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica que requeiram referenciação ou Autorização. 6. Quando a Pessoa Segura recorrer a uma entidade que não integre a Rede C aplica-se o regime previsto na Cláusula seguinte." 48) E ainda, nos termos da Cláusula 20.ª, n.º s 1, 2 e 3, o acesso ao sistema de saúde exige que: "Cláusula 20ª - Acesso, procedimento e regularização Em caso de necessidade de cuidados de saúde garantidos por este contrato, e consoante se trate de prestações convencionadas ou de prestações indemnizatórias, pode a Pessoa segura aceder ao sistema integrado de cuidados de saúde C ou recorrer, à sua escolha, a qualquer médico, hospital ou clínica em caso de necessidade de internamento, devendo observar, em qualquer dos casos, as prescrições do médico que a assista e os procedimentos previstos nos números seguintes. Em caso de Prestações Convencionadas, a Pessoa Segura pode: - escolher um Médico Assistente da Rede C; - consultar um médico do Sistema Integrado de Cuidados de Saúde C ou contatar a Linha B Saúde C que lhe indica um médico ou serviço de saúde adequado a cada caso. Se necessário, qualquer destes contatos indicará um médico especialista ou uma unidade de saúde da Rede C; - contactar a Linha B Saúde C da qual um enfermeiro regista a informação relativa às queixas apresentadas, bem como a suscetibilidade de a situação carecer de assistência médica e qual o grau de urgência desta, sugerindo os meios mais adequados à situação e alertando, ainda, para os sinais e sintomas que devem implicar outro tipo de ações, não constituindo este ato, em qualquer circunstância, um ato médico ou um diagnóstico clínico. Em qualquer dos casos previstos no número anterior, de modo a permitir a aplicação da máxima extensão das respetivas coberturas, deve ser observado o seguinte procedimento pela Pessoa segura: - identificar-se como titular de Seguro B Saúde C ou exibir o seu Cartão B Saúde perante os prestadores de serviços da Rede C; - fornecer a informação necessária à correta avaliação do seu estado de saúde; - obter uma referenciação, quando tal seja obrigatório nos termos do respetivo plano de coberturas, para consulta com médico especialista integrado na Rede C ou realização de meios complementares de diagnóstico e terapêuticos em unidade de saúde integrada na Rede C; -assegurar a solicitação de autorização prévia ao Segurador, por parte do Médico que a assiste, nos casos em que esta constitui requisito de financiamento, para efeitos de cobertura dos correspondentes procedimentos e atos médicos; - submeter-se a exame por médico designado pelo Segurador, caso este o considere necessário." 49) As RR. nunca disseram ao A. que este estaria limitado a um rol de práticas clínicas que previamente contratualizaram com prestadores. 4. OS FACTOS E O DIREITO 4.1. Da nulidade da sentença Alega a recorrente que a sentença “é nula porque condenou a ora Apelante no pagamento de uma quantia por considerar que violou um dever de informação a que estava obrigada, sem efetuar a necessária correspondência à causa de pedir e ao pedido efetuado no articulado inicial do Autor, pelo que o Exmo. Juiz “a quo” pronunciou-se sobre uma questão que não deveria ter apreciado, atento o disposto no Art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do Cód. Proc. Civil, devendo assim considerar-se nula a sentença nesta parte.” – ponto II. da motivação de recurso e arts. 1. a 3. das conclusões. O recorrido pugnou pela improcedência da nulidade invocada. O Mmº Juiz a quo pronunciou-se nos seguintes termos[5]: “Devidamente apreciada a sentença proferida nos presentes autos, entendemos que a mesma não padece da nulidade invocada pela recorrente nas suas alegações de recurso, abordando e decidindo todas as questões colocadas pelas partes cuja apreciação se impunha no conhecimento do mérito da causa e, segundo cremos, sem mostras de oposição entre a decisão proferida e os fundamentos que a estribaram. Assim, no tocante ao disposto no artº 617.º do Código de Processo Civil, nada há a determinar.” Nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. Esta nulidade configura, no fundo, uma violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do mesmo Código, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Neste contexto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS[6], “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado. Dito de outro modo: esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções e não quando apenas se verifica a mera omissão da ponderação das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas. Com efeito, a questão a decidir não reside na argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim nas concretas controvérsias centrais a dirimir. Do supra exposto flui que não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam para sustentar a procedência ou improcedência da ação. Nas palavras precisas de MANUEL TOMÉ SOARES GOMES[7] “(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.” Pode, pois, concluir-se que não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O juiz não tem que analisar todos os argumentos invocados pelas partes, embora se ache vinculado a apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente. Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer, mas não tem que se pronunciar sobre os pedidos e questões cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros/as (art. 608º, nº 2, do CPC). O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui. Por isso, não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra. No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do nº 1 do art. 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio. Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2012 (João Bernardo), p. 469/11.8TJPRT.P1.S1[8] à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada. Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões suscitadas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade. A discordância da parte relativamente à subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou à decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença. Como se afere das considerações supra expostas, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a omissão ou excesso de pronúncia enquanto causas de nulidade da sentença têm por objeto questões a decidir na sentença, e não propriamente factos. Neste sentido, sublinhou o ac. RL 23-04-2015 (Ondina Alves), p. 185/14.9TBRGR.L1-2, que «questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da ação, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia. (…) Situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), (…) se a questão é abordada, mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “error in procedendo”». Em sentido semelhante, decidiu, entre outros, e por mais recente, o ac. RC 23-02-2016 (Carvalho Martins), p. 2316/12.4TBPBL.L1, no qual se sublinhou que “só há omissão de pronúncia com vício de limite previsto na al. d) do nº1 do art. 668º do CPC (615º NCPC), quando o Tribunal incumpre quanto aos seus poderes e deveres de cognição o disposto no nº2 do art. 660º do mesmo diploma (608º NCPC)”. Também o ac. RG 16-11-2017 (José Flores), p. 833/15.3T8BGC.G1, apontou em sentido idêntico, referindo que “não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação.“ No caso vertente a recorrente considera que a sentença é nula por ter apreciado a questão da violação de um dever de informação por parte das rés, considerando que tal questão exorbita do objeto do processo. Sucede, contudo, que tal questão foi expressamente suscitada pelo autor, no art. 14º do articulado em que, a convite do Tribunal a quo, se pronunciou sobre a exceção que a ora recorrente invocou nos arts. 8º a 14º da sua contestação. Com efeito, como se afere da leitura destes artigos da contestação da ora recorrente, a mesma sustentou que as despesas médicas invocadas pelo autor não se achavam cobertas pelo contrato de seguro dos autos porquanto “(…)o procedimento cirúrgico levado a efeito pelo Dr. Reis …. não estava abrangido por qualquer acordo com o British Hospital ou mesmo com outro prestador da rede C (…)”[9]. Pronunciando-se acerca de tal exceção, nos termos do disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, disse o autor, no art. 14.º do articulado acima referido: “As RR. nunca disseram ao A. que este estaria limitado ou condicionado a um rol de práticas clínicas que previamente contratualizaram com prestadores, ainda que esse não fosse o ato médico ou prática indicada ao seu quadro clínico, tabela aliás que desconhece em absoluto.” Realizada a audiência de julgamento, a sentença recorrida considerou provado o seguinte facto: 50) As RR. nunca disseram ao A. que este estaria limitado a um rol de práticas clínicas que previamente contratualizaram com prestadores. Deste excurso resulta de forma clara, que ao apreciar, na sentença recorrida, a questão da violação de deveres de informação, o Mmº Juiz a quo se limitou a tomar em aferir dos efeitos jurídicos de factos expressamente alegados pelo autor, e que o fez à luz da qualificação jurídica que considerou pertinente[10], sendo certo que, nos termos do disposto no art. 5º, nº 3 do CPC, não estava sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Nesta conformidade conclui-se que a sentença recorrida não enferma da nulidade decorrente de excesso de pronúncia. 4.2. Do mérito da causa 4.2.1. Considerações gerais Nos presentes autos e nesta instância de recurso discute-se a alegada responsabilidade da ré e ora recorrente B pelo reembolso de 50% das despesas médicas invocadas pelo autor, na proporção de 99%, invocando o autor como fonte daquela obrigação a celebração e um contrato de seguro de saúde que outorgou com a referida ré e com a ré C em regime de cosseguro. O Regime Jurídico do Contrato de Seguro consta do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16-04, alterado pela Lei n.º 147/2015, de 09-09 [11]. Em consonância com o disposto no art. 1º deste diploma ensina JOSÉ A. ENGRÁCIA ANTUNES[12] que contrato de seguro é “o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco económico da verificação de um dano, na esfera jurídica própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração“ (o prémio – vd. art. 51º da LCS). Para o mesmo autor, “o contrato de seguro caracteriza-se ainda por possuir um determinado conteúdo típico, onde se destacam as obrigações recíprocas das partes contratantes: o segurador, que assume a cobertura do risco, tem o dever fundamental de “liquidar o sinistro”, ou seja, realizar a prestação convencionada em caso de verificação, total ou parcial, dos eventos compreendidos no risco coberto pelo contrato (arts. l.°, 99.°, e 102.° da LCS); e o tomador do seguro tem o dever fundamental de “pagar o prémio”, ou seja, realizar a prestação pecuniária convencionada que representa a contrapartida daquela cobertura (arts. l.° e 51.° da LCS)”. Por seu turno, JOSÉ VASQUES[13] enuncia o mesmo conceito nos seguintes termos: “Seguro é o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador de seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um evento futuro e incerto.” No caso vertente, está em causa um seguro de saúde, que a lei integra na categoria mais ampla dos seguros de pessoas. Com efeito, estabelece o art. 175, nº 1 da LCS que “o contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa.” Quanto a o que deva entender-se por seguro de saúde, releva o art. 213º, nº 1 da LCS, o qual estatui que “no seguro de saúde, o segurador cobre riscos relacionados com a prestação de cuidados de saúde.” Nos termos do disposto no art. 32º, nº 1 da LCS, a celebração do contrato de seguro não está sujeita a forma especial. Contudo, proclama o nº 2 do mesmo artigo que o segurador está obrigado a reduzir a escrito as cláusulas do contrato, num instrumento denominado “apólice”, impondo o mesmo preceito que a seguradora entregue ao segurado uma cópia desse clausulado – cfr. tb. os arts. 34º e 37º da LCS que regulam as matérias relativas à entrega da apólice ao conteúdo da mesma. Interpretando estes preceitos, diz ENGRÁCIA ANTUNES[14]: “O contrato de seguro não está sujeito a qualquer forma especial (art. 32.°, n.° 1 da LCS): assim sendo, nos termos gerais do art. 219.° do Código Civil, o consenso das partes pode ser validamente plasmado em instrumento escrito ou por via meramente oral, em suporte físico ou eletrónico (v.g., telefone, carta, “fax”, “e-mail”, “on-line”), sem prejuízo do já assinalado relevo negociai do silêncio (v.g., arts. 27.°, n.º 1, 88.°, n.ºs 1 e 2 da LCS). (…) Assim sendo, ao invés do que sucedia no direito pretérito, a apólice de seguro deixou de constituir uma formalidade “ad substantiam” para passar a cobrar relevo exclusivamente em dois planos. Por um lado, no plano da prova do contrato (formalidade “ad probationem”), beneficiando da força probatória própria dos documentos escritos particulares (arts. 362.° e segs. do Código Civil). Por outro, no plano da oponibilidade dos efeitos contratuais, já que, antes da emissão e entrega tempestiva da apólice, o segurador apenas pode opor ao tomador cláusulas que constem de outro documento escrito assinado, além de este passar a dispor de um direito à resolução contratual com efeitos retroativos (art. 34.°, n.ºs 4 e 6 da LCS); e, após a sua entrega, apenas são oponíveis entre as partes as cláusulas que constem da apólice, ressalvada a invocação de desconformidades contratuais resultantes de erro negociais (no caso do segurador: cf. art. 34.°, n.° 3 da LCS) ou de documento escrito (no caso do tomador do seguro: cf. art. 35.° da LCS).” Não obstante a apontada liberdade de forma quanto à celebração do contrato, a obrigatoriedade da redução a escrito das suas cláusulas não deixa de configurar o contrato de seguro como um contrato formal. Nesta medida, a interpretação do contrato fica sujeita aos cânones interpretativos consagrados nos arts. 236º e 238º do Código Civil. Por outro lado, é hoje largamente reconhecido que a grande maioria das cláusulas que integram as apólices de seguro é de qualificar como cláusulas contratuais gerais, pelo que os contratos de seguro constituem verdadeiros contratos de adesão, regendo-se pela LCCG. Neste sentido cfr., entre outros e por mais recentes, os acs. RG 11-07-2017 (Mª João Matos), p. 1301/15.9T8VCT.G1; STJ 02-11-2017 (Fernanda Isabel Pereira), p. 620/09.8TBCNT.C1.S1; e STJ 24-01-2018 (Olindo Geraldes), p. 534/15.2T8VCT.G1.S1. Daqui emerge a aplicação, no caso vertente, das regras de interpretação consagradas nos arts. 10º e 11º do RJCCG. 4.2.2. Do âmbito de cobertura do seguro e da exceção invocada pela ré B Como já fizemos referência, a principal questão a equacionar e decidir no presente recurso reside em determinar se os atos clínicos a que o autor se submeteu e que custeou na íntegra devem considerar-se abrangidos pelo âmbito de cobertura resultante do contrato de seguro que celebrou com as rés e consequentemente, se a ré B deve ser condenada a pagar ao autor a quantia correspondente a 99% de 50% do montante global daquelas despesas. Da factualidade provada resulta que as referidas despesas se reportam a uma cirurgia a que o autor se submeteu e às respetivas despesas de internamento (pontos. 25) a 28) dos factos provados). Da mesma factualidade resulta igualmente que antes de tal cirurgia ter tido lugar, foi apresentado junto da ré C um pedido de autorização para se proceder a tal intervenção, a ter lugar em hospital que integra a rede de cuidados de saúde C, e a ser executada por médico que igualmente faz parte da mesma rede (pontos 23) e 25) dos factos provados), tendo a ré recusado tal autorização, por considerar que para além de a despesa não ter sido autorizada, a mesma se reporta a atos médicos que não se acham “protocolados com qualquer prestador da Rede” C, e invocando o disposto nas cláusulas 10ª, nºs 2 e 4 e 20ª das condições gerais e especiais do contrato de seguro (pontos 24), e 34) a 40) dos factos provados). Contudo, percorrendo o elenco dos factos provados, não descortinamos um único facto que nos permita concluir ter resultado provado que a cirurgia a que o autor se submeteu não se encontrava contratualizada com o médico que a realizou e com o hospital em que a mesma teve lugar. Com efeito, o que a factualidade provada revela é apenas que as rés consideram que tais atos médicos não se acham protocolados[15], o que é coisa diferente … É certo que no presente recurso, a recorrente vem invocar que esse facto se acha provado por um documento que identifica (vd. art. 11. das conclusões de recurso). Contudo, nem a recorrente impugnou a decisão sobre matéria de facto, nem o referido documento (fls. 95-96) justifica a alteração oficiosa da matéria de facto (art. 662º, nº 1 do CPC). Não obstante, atenta a argumentação expendida por todas as partes nos presentes autos, é de concluir que todas aceitam como pressuposto da resolução da questão em análise que os atos clínicos a que o autor se submeteu não estavam contratualizados com os prestadores que os executaram. Nesta conformidade, não deixaremos de analisar a questão em apreço partindo da tese sustentada pelas rés de que efetivamente se tratava de atos clínicos que não foram objeto de contratualização com o hospital em que tiveram lugar e o médico que os executou. Aliás, cremos que no caso vertente essa circunstância não nos conduzirá a solução diversa da que resultaria se se tratasse de atos expressamente previstos nos respetivos protocolos. Com efeito, estabelece o nº 1 da Cláusula 10ª das Condições Gerais do contrato de seguro dos autos que o segurador garante às pessoas seguras o acesso direto aos médicos, hospitais ou unidades de saúde que em cada momento fizerem parte do “sistema integrado de cuidados de saúde C”. Note-se que nos termos constantes da Cláusula 1ª, nº 6 das Condições Gerais tal sistema compreende “os prestadores em rede convencionada, nomeadamente médicos hospitais, clinicas (…)”. E acrescenta o nº 2 da Clª 10ª que “relativamente a serviços que não estejam contratados com os prestadores de cuidados de saúde da rede C” se aplica “o regime de prestações indemnizatórias”[16]. Tal significa que se admite expressamente a possibilidade de o segurado beneficiar da cobertura do contrato quando estejam em causa atos que não tenham sido objeto de acordo entre as seguradoras e os prestadores da rede C. Por seu turno, a clª 20ª, nº 5 regula o modo como o segurado deve proceder para beneficiar da cobertura do seguro no regime das prestações indemnizatórias, estabelecendo que o mesmo deve solicitar à seguradora autorização para a realização dos atos médicos a que necessita de se submeter. E como dispõe o nº 4 da cláusula 10ª, o acionamento desta cobertura “depende de autorização expressa dos serviços clínicos do Segurador”. No caso vertente resulta da matéria de facto provada que as rés negaram tal autorização. Mas como é obvio, essa recusa não conduz necessariamente à conclusão de que o autor não tem direito ao reembolso reclamado. Com efeito, só uma recusa justificada poderá afastar o direito ao reembolso reclamado, na medida em que a decisão da seguradora não constitui um ato discricionário, mas antes se sujeita a critérios previstos no próprio contrato. Tais critérios são enunciados de forma muito clara no nº 4 da cláusula 10ª, que estabelece que a apreciação do pedido de autorização para a prática daqueles atos “É objeto de análise de processo clínico (…) e obedece, exclusivamente a critérios de natureza médica, de acordo com princípios da boa prática clínica” (sublinhado nosso). Daqui resulta que não assiste razão à recorrente ao sustentar que a circunstância de a intervenção a que o autor se submeteu não ter sido protocolada exclui o direito ao reembolso da respetiva despesa no regime de pretensões indemnizatórias, desde logo porque do nº 2 da cláusula 10ª se extrai precisa, expressa, e necessariamente a conclusão inversa. Na verdade, nos termos do disposto no art. 238º, nº1 do CC não pode esta cláusula interpretar-se num sentido que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, sendo certo que no caso vertente nada se apurou quanto à vontade real das partes, pelo que não se aplica o critério interpretativo do nº 2 do referido preceito, e que por força do disposto no art. 11º, nº 2 do RJCCG em caso de dúvida, sempre teria que prevalecer o sentido mais favorável ao segurado, o que igualmente apontaria no sentido inverso ao propugnado pela recorrente. Aliás a argumentação da recorrente parece apontar para uma certa coincidência entre os conceitos de “rede de prestadores” e “atos protocolados”, sugerindo que todas nas situações em que os atos médicos não constam de acordos previamente celebrados com prestadores de serviços devem ser tratados como tratamentos fora da rede de prestadores. Porém, como vimos, tal interpretação não tem nas cláusulas 10ª e 20ª das Condições Gerais do contrato dos autos qualquer sustento. Determinado o sentido a atribuir às referidas cláusulas, regressemos ao caso dos autos. E fazendo-o diremos que da factualidade provada resulta, de forma clara e abundante que a intervenção cirúrgica a que o autor se submeteu e o internamento que a mesma pressupunha se justificavam plenamente à luz das melhores práticas clínicas – cfr. pontos 11) a 22) dos factos provados. Em consequência, concluímos que ainda que os atos médicos a que o autor se submeteu não tivessem sido objeto de protocolo entre os prestadores e a rede C, tendo resultado igualmente provado que aqueles foram prestados em hospital e por médico que integram a rede C[17], sempre a recorrente estaria obrigada a reembolsar as despesas em que o autor incorreu, na proporção resultante do contrato de seguro[18], na medida em que tais atos médicos se justificavam à luz das leges artis, e o autor submeteu atempadamente o respetivo pedido, não constituindo a ausência de contratualização com os prestadores de serviços médicos fundamento válido para a recusa. Nesta conformidade é para nós irrelevante a circunstância de as rés não terem atempadamente informado o autor de que “este estaria limitado a um rol de práticas clínicas que previamente contratualizaram com prestadores” (ponto 49) dos factos provados), na medida em que já concluímos que a obrigação de reembolso invocada pelo autor nos presentes autos tem como fonte o próprio contrato de seguro, e se justifica independentemente da circunstância de tal informação não ter sido prestada. Assim sendo, temos por prejudicada a apreciação da relevância deste facto (art. 608º, nº 2, 2ª proposição, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, ambos do CPC). Conclui-se pois que as rés não cumpriram a obrigação de reembolsar 50% do montante pago pelo autor, relativo à intervenção cirúrgica e internamento a que reportam os autos, com o limite contratualmente estabelecido de € 5.000,00[19]. À mesma conclusão chegaríamos, por maioria de razão, se tivéssemos concluído que os atos clínicos em questão se achavam previstos nos protocolos celebrados com o hospital e o médico que os prestaram porquanto se assim fosse, seria igualmente evidente o desrespeito do estipulado nas clªs 10ª e 20ª acima referidas. O incumprimento contratual em que as rés incorreram é de qualificar como definitivo, na medida em que para além de terem sido interpeladas pelo autor, declararam expressamente que não pretendiam cumprir[20] - cfr. art. 808º, nº 1 do CC. Porque assim é, assiste ao autor o direito de exigir judicialmente o cumprimento (art. 817º, nº 1 do CC), o que no caso se traduz na condenação das rés a pagar a quantia devida nos termos do contrato que celebraram. Carece por isso de fundamento a afirmação manifestada pela recorrente de que “o pagamento de qualquer indemnização nos presentes autos levaria a uma situação de enriquecimento sem causa”[21], na medida em que a prestação peticionada pelo autor tem como causa o incumprimento do contrato de seguro dos autos, razão pela qual não se verifica o requisito da falta de causa justificativa a que alude o nº 1 do art. 473º do CC. Tendo o autor despendido a quantia global de € 8.326,22[22], tem direito a exigir das rés o pagamento da quantia de € 4163,11, montante que corresponde a 50% da despesa, e é inferior ao limite de € 5.000,00 acima referido. A ré B responde na proporção contratualizadas de 99%[23]. A ré B encontra-se em mora pelo menos desde a data em que foi citada para a presente causa[24], o que a constitui na obrigação de indemnizar o autor – art. 804º, nº 1 do CC. A indemnização pela mora consubstancia-se no pagamento de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, desde a referida data até integral pagamento – arts. 804º, 805º, nº 1, 806º, nºs 1 e 2, e 559º todos do CC, e Portaria n.º 291/2003, de 08-04. 4.3. Síntese conclusiva Face ao supra exposto, conclui-se pela total improcedência do recurso, e consequente confirmação da decisão recorrida, embora com fundamento diverso. Por ter decaído, deverá a recorrente suportar as custas – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC. 5. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente, confirmando a decisão recorrida, embora com fundamento diverso. Custas pela recorrente. Lisboa, 5 de novembro de 2019 [25] Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva Micaela Sousa _______________________________________________________ [1] Art. 5º da contestação da ré C. [2] Art. 14º do referido articulado. [3] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117 [4] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119 [5] Despacho de fls. 132 – refª 388394070, de 03-07-2019. [6] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra 3ª Ed., p. 143. [7] “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 370, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf [8] Todos os arestos invocados no presente acórdão se encontram publicados em http://www.dgsi.pt e/ou e https://jurisprudencia.csm.org.pt/. A versão digital do presente acórdão contém hiperligações para todos os arestos nele citados que se mostrem publicados em páginas internet de livre acesso. [9] Art. 10º da contestação da ora recorrente. [10] Da qual se depreende que a violação do dever de informação foi encarada como contra-exceção. [11] vulgarmente designado “Lei do Contrato de Seguro”, e adiante designado pela sigla LCS. [12] “O contrato de Seguro na LCS de 2008”, ROA, ano 69, n.º 3 e 4 (jul.-dez. 2009), pp. 815-858, disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7Be96274ba-f961-4442-a4e4-46fb5338440e%7D.pdf, em especial, p. 819 e 822 [13] “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, 1999, p. 94. [14] Ob. cit., p. 836-837. [15] Cfr. pontos 24), 38), e 40) dos factos provados. [16] Ponto 47) dos factos provados. [17] Pontos 25) e 26) dos factos provados. [18] Pontos 5) e 45) dos factos provados. [19] Cfr. ponto 45) dos factos provados. [20] Cfr. pontos 34) a 42) dos factos provados. [21] Art. 16. das conclusões. [22] Pontos 27) e 28) dos factos provados. [23] Ponto 5. dos factos provados. [24] O que, relativamente à ré B, ocorreu em 23-05-2018 – cfr. aviso de receção de fls. 53, com a refª 19103976, de 24-05. [25]Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |