Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
620/09.8TBCNT.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
QUESTÃO NOVA
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
QUESTIONÁRIO
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONTRATO DE ADESÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL – SEGUROS / SEGURO DE VIDA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – SENTENÇA / QUESTÕES A RESOLVER.
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 429.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 608.º, N.º 2.
REGIME DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25-10, COM AS ALTERAÇÕES SUBSEQUENTES, A ÚLTIMA EFECTUADA PELO DL N.º 323/2001, DE 17/12: - ARTIGOS 1.º, N.º 2 E 5.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 20-05-2015, PROCESSO N.º 17/13.5TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Um contrato de seguro de grupo (ramo vida) em que são intervenientes uma seguradora, uma instituição financeira (como tomadora e credora beneficiária) e uma pessoa singular (como aderente-segurada) constitui um contrato celebrado no âmbito de um esquema contratual com uma estrutura tripartida complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido plano de seguro.

II - Nestas situações, a seguradora e o tomador do seguro (a instituição bancária) celebram entre si um contrato de seguro que vai funcionar como o quadro em que, posteriormente, se estabelecem as situações ou relações de seguro (situações de risco) propriamente ditas.

III - Tal contrato de seguro reveste a natureza de contrato de adesão, no sentido que as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever, estando, assim, sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25-10.

IV - No âmbito do seguro do ramo vida releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham a proposta, assumindo-se estes como um instrumento para a seguradora alicerçar a decisão de contratar e proceder à avaliação concreta do risco que assume, daí o dever que assiste ao segurado de prestar declarações verdadeiras e exactas.

V - Por sua vez, está a seguradora obrigada ao dever de comunicar, na íntegra, aos aderentes as cláusulas contratuais gerais que se limitem a subscrever ou aceitar, devendo este ser realizado nos termos do n.º 1 do art. 5.º do DL 446/85, de 25-10, recaindo sobre a mesma o ónus da prova de que o cumpriu de forma adequada e efectiva (n.º 3 do aludido art. 5.º).

VI - Sem embargo da qualificação do contrato de seguro como de adesão e das exigências que a lei comete à seguradora, contraente mais forte, tal não exime o segurado de alegar a matéria de facto pertinente da violação dos deveres de comunicação e de informação.

VII - Não o tendo feito, nem tendo suscitado a questão ao longo processo, trazendo-a apenas à discussão na alegação do recurso de revista, sem ter sido submetida, previamente, à apreciação quer da 1.ª instância, quer do tribunal da Relação, reveste a mesma a natureza de questão nova que, não sendo de conhecimento oficioso, não cabe ao Supremo conhecer.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



    I. Relatório:


AA intentou, em 15 de Junho de 2009, no Tribunal Judicial de …., acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros BB, SA, pedindo que esta fosse condenada:

- a liquidar à Caixa Geral de Depósitos o montante ainda em dívida relativo ao  mútuo contraído pela autora e seu marido junto daquela entidade, no valor de € 46.077,07;

- a pagar à autora as prestações pagas por si à mesma Caixa Geral de Depósitos e à própria ré, desde Abril de 2007 até à data da propositura da acção, acrescidas de juros até pagamento, computando os vencidos em € 826,02;

- a devolver-lhe o valor por si pago a título de prémios de seguro desde a data da comunicação da sua incapacidade, no montante de €244,83, acrescido de juros vencidos e vincendos, sendo os primeiros no valor de € 23,43;

- a pagar-lhe todas as prestações decorrentes do empréstimo que a autora liquidar à Caixa Geral de Depósitos desde a data da propositura da acção até pagamento integral da quantia mutuada e, bem assim, a devolver-lhe o valor dos prémios que pagar desde a mesma data até integral liquidação do referido empréstimo.

Para o efeito, alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo vida para garantia do pagamento do empréstimo à Caixa Geral de Depósitos em caso de morte ou invalidez da autora.

Que sofre de depressão severa, com incapacidade de 100%, desde Novembro de 2003 e a ré recusa a responsabilidade, invocando “omissão de declarações” aquando da subscrição do contrato de seguro.

A ré contestou alegando, em suma, que a autora omitiu a sua depressão severa desde 1998, anterior ao contrato, o que exclui a sua responsabilidade em face do clausulado contratual, sendo que se a ré não contrataria nos mesmos termos se soubesse da pré-existência da doença. Mais alegou que os prémios correspondem à apólice em vigor, uma vez que a seguradora continua a correr todos os riscos, com excepção dos decorrentes da doença pré-existente.

Em réplica, a autora afirmou que apenas teve sintomas a partir de Julho de 2003 e só em Março de 2007 ficou a saber que a sua doença era definitivamente incapacitante.

Foi admitida a intervenção principal da Caixa Geral de Depósitos.

A Autora apresentou articulado superveniente, que foi admitido, alegando ter passado a sofrer de carcinoma, tendo-lhe sido atribuída incapacidade de 60%, que igualmente a impede de trabalhar.


      Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido o seguinte:

«pelo exposto, na parcial procedência da acção, absolvendo a Ré do demais peticionado, condena-se a mesma no seguinte:

a) - a liquidar à CGD o montante em dívida do empréstimo referido na apólice n.º 04…9, desde 1.6.2013 e até final do prazo do mútuo, em valor a apurar em incidente posterior.

b) - a pagar à A. os valores que esta pagar à CGD desde o presente momento por conta do mesmo empréstimo (em montante a fixar em liquidação posterior), até integral liquidação pela Ré do valor acima mencionado em a), com juros legais desde as datas em que a A. efectuar tais pagamentos à CGD.

c) - a devolver à A. os valores relativos aos prémios de seguro por si recebidos desta, desde 1.6.2013 e que venha a receber, com juros legais desde as datas de pagamento e até integral devolução das quantias a liquidar em incidente posterior.


          Inconformada, apelou a ré.

A autora recorreu subordinadamente.

      O Tribunal da Relação de …, por acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2016, julgou o recurso da ré procedente e improcedente o recurso subordinado da autora, revogando a sentença recorrida e absolvendo a ré do pedido.


       Desta decisão veio a autora interpor recurso de revista, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões:

«A) O acórdão ora recorrido assumiu sem qualquer espécie de crítica o ponto de visa da seguradora R., mas não consta do documento entregue à A. e por ela junta sob o nº. 1 com a petição inicial que a mesma tenha tido conhecimento do artº. 3º. das condições especiais da apólice do seguro de grupo de que era beneficiária e também não resulta do documento entregue à A. e por ela junta sob o nº. 1 com a petição inicial, que a mesma tenha tido conhecimento do artº. 2º., § 4º.º. das condições gerais da apólice do seguro de grupo de que era beneficiária, nem esse conhecimento resulta de qualquer facto considerado provado.

B) O que se escreve na informação entregue à A. e na rubrica relativa à declaração do estado de saúde é apenas isto: “Declaro que nos últimos 6 meses não tive qualquer alteração ao meu estado de saúde devido a doença ou acidente que me tenha impossibilitado de exercer a minha regular e normal actividade profissional. Mais declaro tomar conhecimento que está excluída qualquer incapacidade física já adquirida. A prestação de falsas declarações permitirá à Companhia de Seguros BB anular esta adesão, ficando sem efeito as garantias conferidas por esta Apólice”

C) Desta simples comunicação não se pode concluir, sem mais, que a A. tenha tomado conhecimento que, qualquer doença, mesmo que ela desconhecesse está excluída das garantias da apólice, apenas ficando a conhecer que essa existia relativamente às doenças que ela conhecesse e sobre as quais prestasse falsas declarações.

D) Em documento com o logotipo da R. e sobre a epígrafe “RISCOS EXCLUÍDOS” nenhuma referência se faz a essa situação objectiva, qual fosse a de que a existência de qualquer doença anterior, mesmo desconhecida significaria a exclusão da garantia.

E) Ora como bem se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011 (procº. 4867/07.3TBSTS.P1.S1), cujo relator foi o sr. Cons. Lopes do Rego, decidiu-se que: 1. No âmbito da celebração de um contrato de seguro multi-riscos habitação, configurável como contrato de adesão e visando segurar os danos provenientes de intempéries e inundações em certo muro de divisão e contenção de terras, celebrado por o proprietário ter verificado que, afinal, o originário seguro do imóvel não abrangia tal risco, recai sobre a seguradora um particular dever de informação e esclarecimento do segurado quanto ao exacto âmbito dos riscos efectivamente cobertos, de modo a resultarem, no momento em que se procede à alteração contratual, plenamente apreensíveis os limites, condições e exclusões da cobertura acordada.”

F) É isso que determina o diploma das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto- Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, pois dispõe o art. 1º., n° 1, do referido Diploma Legal que as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma, acrescentando o seu n° 2 que tal diploma se aplica igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar, e o seu n° 3 que o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”.

G) Por sua vez, o art. 5º. do citado Dec. Lei nº 446/85 prescreve que "1 -As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las” e o nº. 2 que “A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, estipulando o nº. 3 que “ O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais ".

H) Por sua vez, o art. 6º do mesmo diploma prescreve por seu turno que: " 1 - O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias: a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique” e que “2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados."

I) Não resulta dos autos que para além do documento junto pela autora sob o nº. 1 lhe tenha sido enviado qualquer outro com as cláusulas contratuais da apólice de seguro de grupo, a que ela aderiu e não sendo controvertido que o contrato discutido nos autos se configura efectivamente como contrato de adesão, o princípio da boa fé impunha efectivamente à seguradora um particular dever de informação, esclarecimento e comunicação sobre o âmbito efectivo da cobertura.

J) Nem sequer se demonstra, pois a seguradora nem sequer o alegou que tenha remetido à autora a apólice de seguro com as condições gerais e as condições especiais do seguro de grupo, a que ela aderiu, pelo que não se pode considerar adequadamente cumprido o dever de informação que impendia sobre a segurador,

K) O não cumprimento de tal dever da seguradora implica que tal cláusula limitativa seja efectivamente inoponível ao segurado.

L) Do documento 1 junto pela autora e único que ela tinha relativamente ao seguro, na posição da autora que aderiu ao seguro que a Caixa Geral de Depósitos lhe propôs para celebrar a escritura de hipoteca, a autora só poderia concluir sem dúvida que o contrato de seguro era nulo se fizesse falsas declarações sobre doenças que ela já conhecesse, mas o contrato manter-se-ia válido, com exclusão de riscos nos casos expressamente referidos de “riscos excluídos”.

M) Não sendo possível determinar qual a real vontade das partes, pois estamos perante os chamados contratos de adesão, deve a interpretação a seguir ser determinada pelas regras constantes do regime das Cláusulas Contratuais Gerais. Aprovadas pelo Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro e, nos termos desse diploma ganha realce a teoria da impressão do destinatário, aplicável por força do artº. 10º., como tem sido a interpretação jurisprudencial.-Cfr., a título de exemplo, o Ac. da Relação do Porto de 14.01.1997 (Araújo Barros) (Proc. 728/96) (CJ. Ref. 199/1997), ou, como foi decidido pelo ac. da Relação de Lisboa de 27.09.2005 (Ana Grácio) (Proc. 2733/05) (CJ, Ref. 8124/2005), “na interpretação das cláusulas contratuais gerais, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente”, conforme é determinado pelo artº. 11º., nº.s. 1 e 2 do mencionado diploma.

N) Deste modo, tem de ser revogado o acórdão recorrido que viola de forma flagrante o disposto nos artigos 1º., 5º., 6º., 10º. e 11º. do diploma das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto- Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, bem como o artº. 236º. do Cod. Civil, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação dos documentos juntos e dos factos provados.

O) Na sequência da revogação do acórdão da Relação de … e face à sentença da 1ª. instância, deve ser apreciado, em substituição, o recurso desta decisão (…).

P) Vem provado pela douta sentença recorrida – e já constava dos factos assentes – que (…).

Q) Resulta destes factos que se fosse declarada medicamente à A. – beneficiária do seguro contratado – uma Invalidez Total e Permanente por Doença (grau > 2/3), com um grau superior a 2/3 da capacidade total de trabalho, ou seja, desde que correspondente a 66,66%, a A. beneficiaria desse seguro e podia activá-lo, sendo um ponto em que não há discussão em que as partes estão de acordo e o julgador também interpreta estes factos 1 e 2 neste sentido.

R) O problema coloca-se quanto à relevância a dar ao facto 6 - 3.4.4.Incapacidade de trabalho X desde: 31/07/2003 a 100%...- e ao facto 7 - Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez.

S) Esta incapacidade de trabalho a 100% ou pensão por invalidez total foram atribuídas pelas entidades médicas e de segurança social na Suíça, onde eventualmente as tabelas são mais amigas dos doentes e/ou sinistrados do que as tabelas em Portugal, normalmente feitas e adaptadas aos interesses das seguradoras ou de quem tem de pagar.

T) Porque se trata de um negócio formal, a questão tem de resolver-se pelo teor do contrato de seguro e deste não resulta que só a incapacidade correspondente a uma invalidez de grau > 2/3, determinada segundo as tabelas em vigor em Portugal é que permitem accionar o seguro contrato pela A. na R.

U) Seguindo os ditames do artº. 238º. do Código Civil: 1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

V) Não sendo possível determinar qual a real vontade das partes, pois estamos perante os chamados contratos de adesão, deve a interpretação a seguir ser determinada pelas regras constantes do regime das Cláusulas Contratuais Gerais. Aprovadas pelo Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro.

X) Nos termos desse diploma ganha realce a teoria da impressão do destinatário, aplicável por força do artº. 10º., como tem sido a interpretação jurisprudencial e que “na interpretação das cláusulas contratuais gerais, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente”.

Y) É isso que é determinado pelo artº. 11º., nº.s. 1 e 2 do mencionado diploma, onde se estabelece: 1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. 2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.

Z) A dúvida suscitada sobre a qual das incapacidades conceder relevância, se a da tabela portuguesa que não teve qualquer intervenção no processo de declaração da incapacidade da A., se a tabela da lei Suíça que declarou a A. incapaz a 100% e até lhe reconheceu o direito a pensão por incapacidade total, a interpretação com sentido mais favorável ao destinatário é a que resulta da aplicação desta última.

AA) Deste modo, estando provado que (facto 6) a autora sofre de “3.4.4.Incapacidade de trabalho X desde: 31/07/2003 a 100%...” e (facto 7) “Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez”, tem de concluir-se que a A. preencheu as condições exigidas pelo contrato de seguro, como beneficiária do seguro contratado – uma Invalidez Total e Permanente por Doença (grau > 2/3), por ser portadora de uma invalidez com um grau superior a 2/3 da capacidade total de trabalho.

BB) Tem de reconhecer-se, por isso, que, desde a data em que accionou o seguro respectivo – em 2007 – tem direito a ser eximida da obrigação de pagamento da prestação do empréstimo e do prémio do seguro, porque a R. deveria ter liquidado o empréstimo da A. referido no facto 10, tendo assim a A. direito a serem-lhe devolvidas todas as prestações que pagou de então até ao presente momento e tem de proceder a presente acção, condenando-se a R. a Ré no pedido formulado pela A.

CC) Ao decidir em contrário, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 238º., nº. 1 do Cod. Civil e os artigos 10º. e 11º. do regime das Cláusulas Contratuais Gerais. Aprovadas pelo Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro.

DD) Deve, na sequência da revogação do acórdão da Relação de …, ora recorrido, ser proferida em substituição outra decisão que julgue procedente a presente acção, nos termos referidos».


    Na sua contra-alegação a ré deduziu a seguinte síntese conclusiva:

A) A autora, à data da contratação, já era possuidora de doença que a veio a incapacitar.

B) Tal doença pré-existente causal da incapacidade alegada, acarretava a inaplicabilidade da apólice contratada, por esta excluir as pré-existências à data da contratação.

C) Não se chegou sequer a apurar qual a incapacidade total da autora através de exame médico-legal consonante com a lei, ou seja, na presença do examinado e dos exames a efectuar.

D) A autora/ recorrente omitiu a depressão grave e se a seguradora soubesse dessa pré-existência, não contrataria ou contrataria com a referida exclusão.

E) A autora/recorrente declarou ter tomado conhecimento que estava excluída qualquer incapacidade física já adquirida e que a prestação de falsas declarações permitiria à Companhia de Seguros BB anular a adesão à apólice, ficando sem efeito as garantias conferidas por esta apólice.

F) O dever de informação foi invocado pela primeira vez no recurso de revista, sendo matéria nova.

G) Dos factos provados, definitivamente pela relação, decorre que não houve violação desse dever.

H) O dever de informação, caso tivesse existido, é da responsabilidade da CGD, tomador, que foi interveniente mas não se defendeu de tal matéria porque nunca foi invocada.

I) Sabendo um contratante que o risco contratado já se verificou, o contrato de seguro seria sempre inexistente ou nulo por falta de objecto ou objecto impossível (280 do CC).


        Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


   II. Fundamentos:

      De facto:

       A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1 - Do documento denominado “Ramo Vida Grupo – Boletim de Adesão” (documento de fls. 12 a 15), emitido pela Ré, referente à apólice nº. 1../5…0, relativa a um seguro denominado “Caixa Seguro Vida – Protecção Mais”, consta, entre outros, o seguinte:

Nova Adesão X (manuscrito); Processo de empréstimo n.º 04…9; Empréstimo intercalar: Não X (manuscrito); Caixa Seguro Vida – Protecção Mais (sem período de carência, de acordo com o especificado na Nota informativa anexa); apólice 5 …0 (RVC) X (manuscrito); Pessoa a segurar …; N.º cliente CGD 9…5 …; Nome AA; Início do contrato: Data da Escritura 05/12/2001 …; Valor Seguro (valor do empréstimo concedido) € 54.142,22 Euros; Forma de pagamento: Mensal X (manuscrito) …; Estado de Saúde Actual…

1 - Tem tido baixa prolongada por doença? Não X (manuscrito)

2 – É portador de qualquer incapacidade ou defeito físico? Não X (manuscrito)

3 – Teve ou tem qualquer doença? Não X (manuscrito)

4 – Sofreu alguma intervenção cirúrgica? Não X (manuscrito)

5 – Durante os últimos 6 meses consultou um médico particular ou dos Serv. Médico-Sociais das Caixas de Prev.? Não X (manuscrito)

6 – O seu estado de saúde é perfeito? Sim X (manuscrito)

7 – Toma algum medicamento regularmente? Não X (manuscrito) …

Caixa Seguro Vida; Nota Informativa …; PROTECÇÃO MAIS; Especialmente concebida para garantir toda a segurança, desde a data de adesão ao seguro, através das seguintes coberturas: - Morte; - Invalidez Total e Permanente por Doença (grau > 2/3); - Morte por Acidente; - Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau > 50%); Definições …INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE POR DOENÇA (grau ≥ 2/3) Entende-se por invalidez Total e Permanente o estado que incapacite a Pessoa Segura, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões; INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA POR DOENÇA A Pessoa Segura é considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva, quando em consequência de doença, susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer que actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais …; Início e duração do seguro O Caixa Seguro tem início na data da sua aceitação por parte da Companhia de Seguros BB. A duração do seguro acompanha o prazo do empréstimo. As garantias do seguro cessam nas seguintes situações: - o cliente atingir os 70 anos; - o cliente atingir os 65 anos para a garantia Invalidez por Acidente; - o cliente atingir os 60 anos para a garantia de Invalidez por Doença; - liquidação do capital em dívida; - liquidação do capital por morte ou invalidez…”.

2 - Do documento denominado “Certificado de Seguro” (constante de fls. 16), consta, entre outros:

Tomador de Seguro Caixa Geral de Depósitos; Processo 004…9 …; Tipo de prestações fixas; Beneficiários Em caso de morte: Caixa Geral de Depósitos

Em caso de vida: Caixa Geral de Depósitos; Data de início: 05/12/2001; Capital Seguro desde 01/01/2008: € 49.462,32; Garantia: A companhia de Seguros BB, S.A. garante o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade do beneficiário em caso de: Morte; Invalidez total e permanente por doença; Invalidez total e permanente por acidente. Este certificado está relacionado com o Certificado n.º 10…5, titulado por: AA …”.

3 - A Autora entrega mensalmente à Ré o valor de € 31,77 por débito em conta na conta nº. 0035 …9, da Agência de … da Caixa Geral de Depósitos.

4 - Do atestado médico de fls. 25/26, datado de 4.4.08 e subscrito pelo médico CC, consta, entre o mais: “O médico abaixo-assinado atesta que a incapacidade de trabalho permanente de 100% de AA (…) começou em Novembro de 2003. Os sintomas apresentados antes deste período não justificaram uma paragem na actividade profissional”.

5 - Do relatório médico de fls. 28 a 42, datado de 4.3.05 (Seguro de invalidez federal SI) e subscrito pelo médico psiquiatra psicoterapeuta FMH, Dr. CC, consta, entre o mais:

Diagnósticos tendo repercussões na capacidade de trabalho:

Perturbação depressiva de grande severidade (F32.2)

Existente desde quando? 1998 (fls. 35) (…)

Historial (…) Em Novembro de 2004, AA consulta o Dr. DD, psiquiatra psicoterapeuta FMH (…) e a paciente consulta-me pela primeira vez a 03/02/05. (…) Análise (…) AA é colocada ao benefício de uma incapacidade de trabalho de 100% desde Novembro de 2003. Recebe finalmente período de licença COOP no final de Abril de 2004. (…) A perturbação depressiva de grande severidade, apresentada pela paciente, tem um contorno crónico, respondendo mal aos vários medicamentos psicotrópicos … Não se trata de uma perturbação de adaptação, ainda que a situação familiar de Irene seja particularmente pesada. A sua capacidade de trabalho exigida é nula em qualquer actividade. As limitações funcionais que Irene das Neves apresenta no plano psiquiátrico consistem numa perda de energia vital, tristeza, problemas de atenção e concentração, um cansaço importante, uma perturbação ansiosa com revelações de ataques de pânico em situação de agorafobia, levando a uma retracção social marcada…”.

6 - Do Relatório Médico Pormenorizado, ao abrigo do Regulamento 1408/71 (constante de fls. 45 a 65), consta, além do mais:

“(…) 3.4.4.Incapacidade de trabalho X desde: 31/07/2003 a 100%... 8. Síntese: A paciente apresenta um estado depressivo de elevada gravidade associado a um problema somático maior manifestando-se por dores difusas em todas as situações de mobilidade física ou psíquica. Evolução da patologia: Em estado de agravamento, o estado depressivo está a responder mal aos diversos medicamentos psicotrópicos; tentativas de suicídio; retirada social; crises de angústia… Défices funcionais: Em relação com um limite doloroso baixa (fibromialgia) posição estática (sentada, deitada, de pé, impossível para além de 30 minutos, transportes de cargas de mais de 3 kg impossível). Em relação ao exame anterior (realizado a 27 de Abril de 2005) Deterioração X… 11.3 É a segurada autónoma, isto é, não necessita da ajuda de uma terceira pessoa no seu trabalho em casa? Não X …motivo: fadiga; dificuldades em terminar as acções; é ajudada pelo marido na cozinha e na preparação das refeições e pela filha na louça e nas limpezas da casa 11.4 Pode a segurada exercer a tempo inteiro a sua actividade antiga de vendedora Não X… 11.5 É possível um trabalho adaptado? Não X …”.

7 - Do documento denominado “Projecto de aceitação da pensão”, emitido pelo Gabinete de seguro de invalidez para o Cantão de …, a 02/03/2007, relativo ao pedido de 26/08/2004 (constante de fls. 72 a 76), consta, entre o mais: “(…) Analisamos o pedido de pensão de invalidez e informamo-la de que as condições de concessão estão preenchidas. (…) Desde 22 de Outubro de 2003 (início do prazo de espera de um ano), a sua capacidade de trabalho é consideravelmente restrita. (…) A nossa decisão é consequentemente a seguinte: Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez…”.

8 - A Ré enviou à Autora carta datada de 02/07/2007 (documento constante de fls. 77), com o seguinte teor: “(…) vimos solicitar que os seguintes documentos nos sejam enviados: …Relatório anexo preenchido pelo assistente …Documento da Caixa Geral de Aposentações (ou outro documento similar) comprovativo. Com data de passagem definitiva à situação de reforma. …Atestado médico de incapacidade de multiusos…

9 - A Ré enviou à Autora, carta datada de 22/10/2007 (documento constante de fls. 78) com o seguinte teor: “Após análise detalhada de toda a documentação clínica em nosso poder, o Gabinete Médico da Direcção Vida emitiu o parecer de que houve Omissão de Declarações no Boletim de Participante. Assim, e ao abrigo das Condições Gerais da Apólice, não procederemos ao pagamento de qualquer indemnização relativa ao sinistro em referência”.

10 – Por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, de 22.8.2000, a A. e marido, pelo preço de onze milhões de escudos, compraram um prédio misto, tendo-lhe, no mesmo ato, sido concedido um empréstimo de idêntico valor pela Caixa Geral de Depósitos, tendo este sido lançado na conta de depósito à ordem n.º 1…5/0…, e sendo de 30 anos a contar daquela data o prazo para amortização do empréstimo, em prestações mensais constantes, de capital e juro (doc. de fls. 176 e ss.).

11- A A. nasceu a 8.1.1962 (doc. de fls. 118).

12 – O contrato de seguro referido em 1 está associado e visa garantir o empréstimo mencionado em 10, contraído pela A. e marido junto da CGD e no valor mencionado na apólice de fls. 16.

13 – Desde a data da propositura da acção (Junho de 2009), a prestação paga pela A. à CGD para amortização do mútuo supra mencionado era de € 255, 68, mensais (capital, juros e comissões), sendo de € 239, 43 em Setembro de 2011 (capital, juros e comissões) e de € 211,58, em 4.11.2014.

14 – Em 2003, apresentando depressão, a A. consultou, na Suiça (país para onde fora em 2002), a Policlínica do Sector Psiquiatria a oeste de …, tendo passado quatro semanas no Hospital em Novembro de 2003.[1]

15 – A A. solicitou à Ré, através da CGD, que aquela liquidasse o valor em débito relativo ao mútuo acima referido.

16 – Em Julho de 2003, a A. manifestou cansaço, falta de força, insónias, chegando a desmaiar.[2]

17 – Em Março de 2007, a A. foi notificada pelo Gabinete de Seguro de Invalidez para o cantão de … do seguinte: “Analisámos o pedido de pensão de invalidez e informamo-la de que as condições de concessão estão preenchidas. (…) Devido ao seu estado de saúde, não se encontra actualmente capaz de exercer a sua actividade profissional. Segundo os dados em nossa posse, apresenta uma incapacidade de trabalho e de ganhos de maneira ininterrupta desde 22 de Outubro de 2003 (…). A nossa decisão é, consequentemente, a seguinte: Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez (…)”.

18 – Entre 12.6.2013 e 17.6.2013, a A. foi internada para exérese de carcinoma ductal invasivo da mama esquerda, com éxegere de gânglio sentinela e linfadenectomia da mesma mama. Posteriormente, efetuou oito ciclos de quimioterapia e 30 sessões de radioterapia, tratamentos que se mantiveram até 2014. Apresenta prognóstico reservado.

19 – Por força da insuficiência venosa com edema do membro inferior direito, dos episódios depressivos graves, sem sintomas psicóticos e do carcinoma ductal invasivo da mama esquerda, submetido a tratamento médico-cirúrgico, de prognóstico reservado, a A. apresenta uma incapacidade permanente de 71, 84%.

20 – A A. continuou a pagar à Ré os prémios de seguro correspondentes à apólice em vigor.

       Decidida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação aditou aos provados os seguintes factos:

21 - A Autora, em resposta aos pontos 3 e 6 do questionário referido em 1., datado de 05/12/2001, omitiu que padecia de depressão grave.

22 - Foi com base nas respostas dadas pela Autora ao referido questionário que o seguro foi aceite pela Ré.

23 - Se esta soubesse daquela doença, o seguro seria por si aceite com a ressalva declarada na adesão, no art. 3º das condições especiais e no art. 2º, §4ª, das condições gerais da apólice, de que as doenças anteriores ao seu início estavam excluídas.

Com base na prova documental produzida, a Relação aditou ainda estoutros factos:

24 - Na adesão, a Autora declarou tomar conhecimento que está excluída qualquer incapacidade física já adquirida.

25 - No art. 2º, §4ª, das condições gerais da apólice, consta: “As omissões e as declarações inexactas ou incompletas, feitas pelo Tomador do Seguro e/ou pelas Pessoas seguras, que alterem a apreciação do risco, tornam nulas as garantias do contratos susceptíveis de por elas serem influenciadas.”

26 - No art. 3º das condições especiais da apólice (exclusões) consta: “A invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença de que a Pessoa Segura seja portadora à data da sua inclusão no seguro, não se encontra coberta, a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato.”

27 - Em 10 de Janeiro de 2012 foi detectado na Autora um carcinoma da mama esquerda em fase avançada, tendo sido submetida a tratamentos de quimioterapia que a impossibilitam de trabalhar.


       De direito:

       Na presente acção está em causa um contrato de seguro de grupo (ramo vida), com início em 5 de Dezembro de 2001, no qual intervieram a ré, ora recorrente, como seguradora, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., como tomadora e credora beneficiária do seguro, e a autora, como aderente-segurada.

Este contrato foi celebrado com a finalidade de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pela autora para com a Caixa Geral de Depósitos num contrato de mútuo para aquisição de um imóvel, em caso de morte ou invalidez total e permanente por doença da autora, mutuária.

Trata-se, como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2015, proferido na revista nº 17/13.5TCGMR.G1.S1, de um contrato celebrado no âmbito de um esquema contratual com uma estrutura tripartida e algo complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido plano de seguro; ou seja, a seguradora e o tomador do seguro (a instituição bancária) celebram entre si um contrato (de seguro) que vai funcionar como o quadro em que, posteriormente e no futuro, se estabelecem as situações ou relações de seguro (situações de risco) propriamente ditas.

      A autora accionou judicialmente aquela garantia perante a ré seguradora, por lhe ter sido atribuída uma incapacidade total e permanente (100%), pela autoridade na Suiça, com vista à liquidação por aquela do valor do débito contraído junto da Caixa Geral de Depósitos.

A ré seguradora, que havia já rejeitado o pagamento na sequência da participação que lhe foi feita pela autora, excepcionou a nulidade e a anulabilidade do contrato de seguro e, bem assim, a exclusão contratual prevista nas condições gerais e particulares da apólice do contrato.

A 1ª instância, com base na matéria de facto que julgou provada, teve por não verificadas quer a nulidade, quer a anulabilidade do contrato e, sem conhecer da questão da exclusão contratual, julgou a acção parcialmente procedente.

O Tribunal da Relação, na sequência da alteração introduzida na matéria de facto, considerou que, tendo resultado provado que a autora já sofria, aquando da celebração do contrato de seguro, da doença que veio a determinar a sua incapacidade – depressão grave –, deveria actuar a exclusão prevista na cláusula 3ª das condições especiais da apólice.

E decidiu acertadamente.

Estatui o Artigo 429.° (Consequência das declarações inexactas ou reticentes):

«Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, tornam o seguro nulo.

§ único Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé, o segurador terá direito ao prémio.»

À luz deste normativo as causas de invalidade do contrato de seguro são duas: a declaração inexacta e a reticência de factos ou circunstâncias.

Para assumirem relevância jurídica enquanto causas invalidantes, nos termos daquele preceito, seria necessário que, além de conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, tivessem podido influir na existência do contrato de seguro, isto é, que resultasse dos factos alegados e provados que a seguradora não teria celebrado o contrato se tivesse conhecimento exacto da realidade ou dos factos ocultados, ou, pelo menos, não o teria efectuado nas condições em que o fez.

     Ora, dos factos que a Relação julgou provados decorre que a autora, em resposta ao questionário formulado pela ré, omitiu que padecia de depressão grave, sendo que, não obstante essa omissão, ré aceitaria a proposta de seguro com a ressalva declarada na adesão, no artigo 3º das condições especiais e no artigo 2º § 4º das condições gerais da apólice, de que as doenças anteriores ao seu início estavam excluídas do seguro (cfr. pontos de facto 21, 22 e 23).

        Logo, a reticência da autora, traduzida na falta de declaração desse facto à ré aquando do preenchimento do questionário que acompanhou a proposta de contrato de seguro, não se reflectiria quer na vontade de a ré outorgar o contrato em causa, quer no seu clausulado. A ré sempre teria celebrado o contrato de seguro nas mesmas condições, caso tivesse sabido em tempo oportuno da depressão grave de que a autora sofria.

        Não se encontram, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da invalidade do contrato de seguro prevista no citado artigo 429º.

         Daí não deriva que a pretensão da autora deva ter acolhimento.

          Consta do artigo 3º das condições especiais da apólice que “a invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença que a pessoa segura seja portadora à data da sua inclusão no seguro, não se encontra coberta, a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato.”

      O que significa que, por força dessa cláusula contratual, ficam excluídas do âmbito do contrato de seguro as incapacidades resultantes de doenças pré-existentes, considerando a data de outorga do mesmo contrato, quer existisse ou não consciência da doença por parte da autora, segurada.

Como salientou o acórdão recorrido, sendo a doença anterior ao início do seguro não está protegida por este, dada a previsão da cláusula de delimitação negativa da cobertura do seguro inserta nas condições especiais da apólice.

Emergindo dos factos que o Tribunal da Relação julgou provados que a autora sofria já de depressão grave quando foi celebrado o contrato de seguro, doença que veio a ser causadora da incapacidade que lhe foi posteriormente atribuída, verifica-se a causa de exclusão de responsabilidade estabelecida no artigo 3º das condições especiais da apólice.

Suscita agora, pela primeira vez, a recorrente a questão da falta de informação sobre o conteúdo e alcance da cláusula em questão, alegando que a mesma não lhe foi cabalmente explicada.

Como se sabe, o contrato de seguro reveste a natureza de contrato de adesão, no sentido que as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever.

Está, assim, o mesmo sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto- Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações subsequentes, a última efectuada pelo DL n.º 323/2001, de 17/12), cujo artigo 1º, n° 2, determina a sua aplicação às cláusulas inseridas em contratos individualizados.

No âmbito do seguro em causa, do ramo vida, releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham a proposta, assumindo-se estes como um instrumento para a seguradora alicerçar a decisão de contratar e proceder à avaliação concreta do risco que assume. Daí o dever que assiste ao segurado de prestar declarações verdadeiras e exactas.

Por sua vez, está a seguradora obrigada ao dever de comunicar na íntegra aos aderentes as cláusulas contratuais gerais que se limitem a subscrever ou aceitar. Esta comunicação “deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência” (nº 1 do artigo 5º. do citado Dec. Lei nº 446/85), recaindo sobre o contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais o ónus da prova de que a realizou de forma adequada e efectiva (nº. 3 do aludido artigo 5º).

Alega a autora e recorrente não resultar dos autos que, para além do documento que juntou sob o nº. 1, lhe tenha sido enviado qualquer outro com as cláusulas contratuais da apólice de seguro de grupo a que aderiu, pelo que, não sendo controvertido que o contrato discutido nos autos se configura efectivamente como contrato de adesão, o princípio da boa fé impunha à seguradora um particular dever de informação, esclarecimento e comunicação sobre o âmbito efectivo da cobertura, dever que a ré não demonstrou ter cumprido, o que implica que tal cláusula limitativa não lhe seja inoponível.

 Sem embargo da qualificação do contrato de seguro como de adesão e das exigências que a lei comete à seguradora, contraente mais forte, nomeadamente ao nível do ónus da prova do cumprimento do dever de informação, tal não exime o segurado de alegar a matéria de facto pertinente à violação desse dever.

No caso dos autos, a recorrente não alegou tal facticidade, nem suscitou a questão ao longo do processo, trazendo-a apenas à discussão na alegação do recurso de revista.

Com efeito, esta questão surge colocada, pela primeira vez, em sede de recurso de revista sem ter sido submetida, previamente, à apreciação quer da 1ª instância, quer do Tribunal Relação.

Ora, no nosso direito processual civil os recursos ordinários são, por regra, recursos de reponderação, não podendo o tribunal superior ser chamado a decidir questões de facto ou de direito que não tenham sido colocadas na instância recorrida, mas apenas reapreciar a decisão proferida pelo tribunal hierarquicamente inferior, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso.

Reveste, por conseguinte, a natureza de questão nova a que a autora agora suscita – que não é de conhecimento oficioso e a que falta, aliás, o necessário substrato factual –, pelo que dela não cumpre conhecer.

Em consequência, deve manter-se o acórdão recorrido, ficando prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões em conformidade com o disposto no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil.


    III. Decisão:

Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 2 de Novembro de 2017


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado

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[1] Facto alterado pela Relação, o qual tinha a seguinte redacção: Em 2003, a A. apresentou um estado depressivo e de ansiedade grave que a levou a consultar, na Suiça (país para onde fora em 2002) a Policlínica do Sector Psiquiatria a oeste de …, tendo passado quatro semanas no Hospital em Novembro de 2003.

[2] Facto alterado pela Relação, cuja redacção primitiva era a seguinte: Em Julho de 2003, a A. começou a manifestar cansaço, falta de força, insónias, chegando a desmaiar.