Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
534/15.2T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 6º SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
OBJECTO NEGOCIAL
OBJETO NEGOCIAL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
NULIDADE
BOA FÉ
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO CONSUMO – NULIDADE DAS CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS / CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS PROIBIDAS / DISPOSIÇÕES COMUNS POR NATUREZA / RELAÇÕES ENTRE EMPRESÁRIOS OU ENTIDADES EQUIPARADAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO.
Doutrina:
-António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, p. 98 e ss.;
-Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 6.ª Edição, Almedina, p. 55 a 59;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, Tomo I, 1999, p. 478 a 483;
-Pedro Romano Martinez, Cláusulas Contratuais Gerais e Cláusulas de Limitação ou de Exclusão da Responsabilidade no Contrato de Seguro, Scientia Iuridica , Tomo LV, n.º 306, Junho de 2006, p. 258.
Legislação Nacional:
REGIME JURÍDICO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (RJCCG), APROVADO PELO DL 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS, 12.º, 15.º 16.º, ALÍNEA A) E 18.º, ALÍNEA B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4 E 639.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 235/11.0TBFVN.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 20-12-2017, PROCESSO N.º 792/13.7TBFLG.P1.S1.
Sumário :
I - Na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais das apólices dos contratos de seguro caberá destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do art. 18.º, do DL 446/85, de 25-10, das que visam a delimitação do objecto de contrato, porquanto estas configuram-se plenamente válidas.

II - Nessa distinção importa antes de mais atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice.

III - Apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize ou esvazie a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar.

IV - A cláusula ínsita em contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual por danos causados pela actividade/funcionamento de máquina hidráulica de perfuração, que exclui da responsabilidade da seguradora os danos decorrentes das vibrações produzidas com a actividade da máquina, desrespeita o princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, arredando do âmbito da cobertura da apólice as causas mais comuns dos danos produzidos com a laboração da máquina.

V - E porque neste domínio a ponderação da boa fé deverá ser feita em função da confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis, conforme impõe o art. 16.º, al. a), do DL 446/85, de 25-10, a referida cláusula de exclusão consubstancia um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vinculo contratual estabelecido; por isso, é desproporcional e violadora do princípio da boa-fé. Consequentemente, há que a considerar proibida e, como tal, nula (arts. 12.º, 15.º e 18.º, al. b), do DL 446/85, de 25-10).
Decisão Texto Integral:


Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. AA e marido, BB, CC e marido, DD, e EE e marido, FF, intentaram contra GG, Lda. e HH, SA., acção declarativa de condenação, pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem-lhes indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos, nos seguintes montantes:

a) de €18.485, aos Autores AA e marido, BB(1.º AA), CC e marido, DD (2.º AA);

b) de €596,55, a AA e marido, BB(1.º Aa);

c) de € 40.825, a EE e marido, FF (3.ºAA);

d) juros de mora sobre as referidas quantias, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegaram para o efeito e essencialmente:

- terem os 1.ºs Autores, em Outubro de 2013, contratado com a Ré GG, Lda. a execução de em furo artesiano com vista à captura de água num prédio de que, conjuntamente com os 2.ºs Autores, são comproprietários (em partes iguais);

- ter a execução do referido trabalho produzido danos nos edifícios habitacionais implantados no terreno bem como nos logradouros adjacentes aos mesmo que são também propriedade dos Autores;

- ter a Ré GG, Lda., desde logo, assumido a responsabilidade pelo sucedido, requerendo, na qualidade de tomador do seguro referente à apólice n.º ..., a intervenção da Ré HH, SA, a quem participou a ocorrência;

- ter a Ré seguradora comunicado aos Autores que os danos provocados nas habitações tinham sido causados pela máquina hidráulica de perfuração propriedade da Ré GG, Lda., declinando porém a sua responsabilidade invocando que os danos em causa não se encontravam garantidos pelo contrato de seguro.

2. Após citação, a Ré GG, Lda. apresentou contestação, excepcionado a ilegitimidade plural activa (coligação ilegal dos 1.ºs e 2.º Autores com os 3.ºs Autores por inexistirem os requisitos para tal, designadamente uma causa de pedir única) e a sua ilegitimidade passiva (por não ser a empreiteira da obra, tendo-se limitado a fornecer a esta – GG, Lda. - a maquinaria para a execução da obra). Impugnou a factualidade alegada pugnando pela improcedência da acção.

                A Ré HH, SA. apresentou contestação tendo assumido a sua defesa por excepção (a sua ilegitimidade passiva e a ilegitimidade plural activa dos Autores nos termos invocados pela sua segurada) e por impugnação, alegando nesse sentido e fundamentalmente que os danos em causa não se mostram transferidos através do contrato de seguro celebrado.

3. No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções suscitadas. Após audiência de julgamento foi proferida sentença (em 25 de Janeiro de 2017), que julgou parcialmente procedente a acção condenando a Ré GG, Lda. a pagar aos 1.ºs e 2.ºs Autores a quantia de €15.992,77, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação, bem como a pagar aos 3.ºs Autores a quantia de €31.310,27, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação. Absolveu a Ré HH, SA. de todos os pedidos.

4. Inconformada a Ré GG, Lda. apelou, pugnando pela responsabilização da Ré seguradora nos termos do contrato de seguro celebrado.

5. O Tribunal da Relação de Guimarães (por acórdão de 22 de Junho de 2017) concedeu provimento à apelação, pelo que revogou a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré Seguradora dos pedidos, condenando, solidariamente, as Rés a pagar aos 1.ºs e 2.ºs Autores a quantia de €15.992,77, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação; aos 3.ºs Autores a quantia de € 31.310,27, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação, deduzindo, quanto à Ré seguradora, a quantia de €1250, relativa à franquia contratual

6. Interpõe a Ré HH, SA recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - As presentes Alegações de Recurso visam impugnar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” no que à responsabilidade da recorrente diz respeito, atenta a matéria de facto dada como provada nos presentes autos.

2.ª – Consideramos que o tribunal recorrido interpretou de forma diferente o alcance da Clausula de Exclusão em que excluem da garantia da Condição Especial os danos, directa ou indirectamente, causados: (…)

Em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios; 

3.ª - Em nossa opinião, a cláusula de exclusão referida não enferma de qualquer tipo de ambiguidade.

4.ª - Note-se que, hoje em dia, decorrendo das normas dos artºs 32º nºs 1 e 2 e 34º nº2 Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS – D-L nº72/2008 de 16/4), e ao contrário do que era exigência do Código Comercial (do artº 426º cit. extraía-se que o contrato deveria ser reduzido a escrito, em formalidade que assim, e por decorrência da aplicação dos princípios gerais, se entendia ser um pressuposto da validade do contrato, uma formalidade “ad substantiam”), a formalização do contrato em documento escrito ou suporte eletrónico duradouro assume-se agora como mera formalidade de prova, um requisito/documento “ad probationem” do contrato (assim, Prof. Romano Martinez et al., Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2009, pg. 170).

5.ª - O contrato em causa nos autos consta da apólice, respetivas condições gerais e especiais, juntas aos autos, bem como, ao menos para efeitos de interpretação dos documentos probatórios, também da proposta de seguro junta aos autos;

6.ª - Estes documentos encontram-se, em parte, transcritos no elenco dos factos provados.

7.ª - A interpretação do contrato tem por base as normas legais dos artºs 236º a 238º CCiv, os princípios decorrentes da boa fé contratual (artº 762º nº2 CCiv), e o disposto no D-L nº446/85 de 25/10, quanto à parte do clausulado (ou todo ele) que possa revestir a natureza de cláusulas contratuais gerais.

8.ª - Ora, compulsado o artº 236º do Código Civil, verifica-se que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Todavia, porque se trata, no caso, de um negócio formal, o artº 238º vem restringir os termos do artº 236º, estipulando que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

9.ª - Trata-se da usualmente designada doutrina da impressão do destinatário, no  âmbito do princípio da proteção da confiança, impondo ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (Prof. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente, pg.206).

10.ª - Certo que a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (ut Prof. P. Mota Pinto, op. cit., pg.208).

11.ª - Vertendo agora para o caso concreto, vejamos o teor da Clausula contratual negociada:

CLÁUSULA 3• - EXCLUSÕES

1 - Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, excluem-se também da garantia da presente Condição Especial os danos, directa ou indirectamente, causados:

i) Em quaisquer terrenos, estruturas ou edificios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios:

12.ª - Pensamos que o que da letra da referida cláusula se infere é que estão excluídos os danos causados em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios.

13.ª - As vibrações referem-se, claramente, à máquina em si, ao seu funcionamento. São os danos causados pela vibração da máquina. Parece-nos clara esta interpretação…

14.ª - Pensamos que inexiste qualquer ambiguidade na interpretação de tal Clausula.

15.ª - Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objectivo da respectiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve.

16.ª - No caso vertente, estamos perante um negócio jurídico oneroso e formal, pelo que, o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato consubstanciado na respectiva apólice. 

17.ª - Ora, esta Clausula é perfeitamente clara, não criando qualquer dúvida de interpretação – Os danos provocados por vibrações da máquinas estão excluídos.

18.ª - Na verdade, um declaratário normal, colocado na posição da tomadora do seguro/ como aderente real, dela extrairia o único sentido que comporta, ou seja, que os danos causados pela vibração da máquina encontram-se excluídos.

19.ª - O sentido literal é também fiel a tal sentido, que é único.

20.ª - Em nosso entender, falecem as considerações vertidas no Douto Acórdão recorrido quando considera ambígua a referida Clausula de exclusão.

21.ª - Por outro lado, entende o Tribunal recorrido que se a cláusula fosse interpretada no sentido defendido pela apelada seguradora e seguido na sentença, e considerando as demais exclusões, ficaria sem objecto, que não fosse meramente residual, a cobertura contratada, o que nos levaria a considerar as pertinentes questões colocadas pela apelante.

22.ª - Ora, esta conclusão assim tirada pelo Tribunal recorrido não tem qualquer respaldo na matéria de facto, não foi alegada nos autos, não foi objeto de discussão nem foi produzida qualquer prova nesse sentido.

23.º - No entanto, assim não é: Basta ver que há um manancial de danos que uma máquina pode produzir e que se situam no elenco de uma situação súbita e imprevista – tais como o rebentamento de condutas subterrâneas, danos no prédio vizinho em consequência do trabalho, danos em bens de terceiro e, essencialmente, o enfraquecimento de fundações, considerando que o enfraquecimento de fundações dos prédios vizinhos àquele onde se procedem a escavações constitui o principal risco que decorre precisamente das escavações em subsolo.

24.ª - Diga-se que esta decisão do Tribunal da Relação é um decisão surpresa, cuja alegação e discussão nunca se suscitou nas instâncias. 

25.ª - Assim, entendemos que a inclusão de cláusula limitativa não constitui desrespeito das regras de boa fé nem, tão pouco, constitui uma limitação desproporcionada à responsabilidade assumida de indemnização de terceiros pelos danos resultantes da execução dos trabalhos.

26.º - Assim, não entendemos que a referida Clausula de exclusão seja ambígua ou contrária à boa-fé contratual.

Sem conceder, 

27.º - Ora, até pela matéria de facto apurada na sentença recorrida, se alcança que as vibrações só foram provocadas não pela atividade normal de execução de trabalhos – durante esse período nada aconteceu – mas porque o manobrador, temendo pela integridade do equipamento e na tentativa de o retirar do subsolo, aumentou a rotação desta até ao seu máximo durante cerca de 10 minutos provocando vibrações e oscilações de volume no solo;

28.ª - Ora, por aqui se alcança que este ato assim praticado, de formas consciente pelo manobrador, não configura uma situação súbita e imprevista, pois, aumentando a rotação para o seu limite máximo e durante 10 minutos, era muito provável que as vibrações acontecessem.

29.ª - Resultou, pois, provado, que esta não era a forma correta de atuação, ou seja, o manobrador sabia que a rotação a usar para fazer os trabalhos era em muito inferior à que estava a ser usada.

29.ª - Ora, o contrato de seguro apenas cobre situações súbitas e imprevistas e não situações previsíveis.

30.ª - Deste modo, e de acordo com a matéria de facto dada como provada, também os danos estariam excluídos da garantia do seguro, por convenção expressa na Clausula 7ª das Condições Gerais da Apólice de seguro, os danos que derivem, directa ou indirectamente, de:

(…)

f) Actos ou omissões dolosas ou de manifesta negligência do Tomador do Seguro, do Segurado ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis;

31.ª - Também por este segmento, a ação teria que improceder no que respeita à aqui recorrente.

Sem conceder,

32.ª - Diga-se que os contraentes podem ajuntar aos seus contratos as condições ou cláusulas que bem lhes parecerem, desde que tal clausula não contrarie qualquer princípio de interesse e ordem pública.

33.ª - Considerar nula a cláusula seria impor ao segurador uma responsabilidade sem contrapartida do respetivo prémio.

34.ª - Assim sendo e ao não assim decidir, o Acórdão recorrido violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.ºs 236.º, 238.º, 798.º, todos do Código Civil.”.

7. A Ré GG, Lda. pugnou pela improcedência do recurso.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil, doravante CPC), impõe-se conhecer a seguinte questão:
ð Da responsabilidade da Ré Seguradora pelos danos sofridos pelos Autores com a execução dos trabalhos executados pela Ré GG, Lda.

1. Os Factos provados

a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... e inscrita a favor dos primeiros e segundos Autores a aquisição do direito de propriedade, em compropriedade, do prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de … e …ºandar, com logradouro, sito no lugar de ... ou ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 60/... (antigo artigo 48/...);

b) Encontra-se descrito na matriz predial tributária de ... sob o nº .../... e inscrita a favor dos terceiros Autores a propriedade do prédio urbano, destinado a habitação, composto de casa de rés-do-chão com cozinha e casa de banho e primeiro andar com sala, 4 quartos, hall, casa de banho e cozinha, sito no lugar de ..., freguesia de ... e ...;

c) Relativamente a este último prédio, os terceiros Autores vêm possuindo ininterruptamente e de forma exclusiva os seus prédios, pagando as respectivas contribuições e usufruindo de todas as suas utilidades, habitando nos mesmos; neles fazendo e custeando todas as obras de beneficiação, tudo com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos, sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, sem soluções de descontinuidade, isto é, dia-a-dia, ano- a- ano, com a consciência de não lesarem o direito de quem quer que seja; exercendo tal posse sem violência e na convicção de serem os seus exclusivos proprietários;

d) A primeira Ré é uma sociedade comercial que tem como objecto social e é especialista na prestação de serviços de execução de furos artesianos ou de qualquer outro tipo para captação de água e respectivo tratamento e distribuição; escavações; perfurações, sondagens; fundações especiais, movimentação de terras, actividades e serviços que presta com intuito lucrativo;

e) No mês de Outubro de 2013, os primeiros Autores contrataram a primeira Ré para esta proceder à execução de um furo artesiano no prédio referido na alínea

a), com vista à captação de água, tendo a primeira Ré apresentado um orçamento para a execução da perfuração, revestimento e isolamento do furo, até aos 60 metros de profundidade, proposta que os primeiros Autores aceitaram, assim contratando tal trabalho;

f) Nos primeiros dias de Novembro de 2013, a primeira Ré instalou no prédio dos primeiros e segundos Autores o equipamento que entendeu necessário à realização do furo artesiano;

g) Execução que preparou e efectuou com total autonomia, utilizando os meios e técnica que entendeu adequados para o efeito, tendo aferido previamente quer a localização onde deveria realizar-se o furo, quer a zona envolvente, nomeadamente a existência dos edifícios implantados nos prédios referidos nas alíneas a) e b);

h) O prédio dos primeiros e segundos Autores dista cerca de 30 metros do local do furo;

i) O prédio dos terceiros Autores dista cerca de 10 metros do local do furo;

j) No dia 14 de Novembro de 2013, a primeira Ré, ao proceder à perfuração do solo, através do método da roto-percussão, mediante a utilização de ar comprimido, ficou com a broca encravada no subsolo devido aos materiais que se soltaram do terreno que estava a ser perfurado;

k) Temendo pela integridade do equipamento e na tentativa de o retirar do subsolo, o manobrador da máquina de perfuração aumentou a rotação desta até ao seu máximo durante cerca de 10 minutos provocando vibrações e oscilações de volume no solo;

l) Em consequência das vibrações e oscilações de volume no solo circundante a casa dos primeiros e segundos Autores ficou a padecer de:

– Fissuras nas paredes do corredor no sentido horizontal;

– Fissuras nas paredes da cozinha;

– Fissuras nos paramentos verticais do hall;

– Fissuras nas paredes e tectos interiores do quarto;

– Fissuras generalizadas nas paredes exteriores;

– Fissuras nas juntas de argamassa dos degraus das escadas exteriores;

– Fissuras generalizadas no pavimento exterior;

m) Em consequência das vibrações e oscilações de volume no solo circundante a casa dos terceiros Autores ficou a padecer de:

– Fissuras nas paredes interiores e exteriores da garagem, prolongando-se pela união dos paramentos verticais com os horizontais que separam o rés-do-chão do andar;

– Fissuras nas paredes junto às portas da sala;

– Fissuras verticais na parede da instalação sanitária;

– Fissuras nos azulejos, com algumas peças deslocadas, da instalação sanitária;

– Fissuras no granito das ombreiras da instalação sanitária; • Fissuras no pavimento da cozinha na ligação dos paramentos verticais com os horizontais;

– Descascamento das paredes de azulejo da cozinha originado pela pressão do paramento horizontal sobre o vertical;

– Fissuras nas paredes da cozinha na ligação dos paramentos verticais com os horizontais;

– Fissuras generalizadas e aleatórias nas paredes da cozinha;

– Fissuras nas pedras que constituem o pano exterior da parede dupla, mais acentuados nas juntas de assentamento das mesmas, nomeadamente, na parede da garagem nas juntas argamassadas das pedras do muro;

– Fissuras nas paredes exteriores rebocadas e pintadas na direcção horizontal da ligação dos paramentos verticais com os horizontais da laje de piso com a parede de pedra do rés-do-chão;

– Fissuras generalizadas e aleatórias nos pavimentos exteriores;

n) O valor dos trabalhos de reparação das fissuras apontadas na casa dos primeiros e segundos Autores ascende a € 14.944,50;

o) O valor dos trabalhos de reparação das fissuras e descascamentos na casa dos terceiros Autores ascende a € 30.012,00;

p) No trabalho de identificação, quantificação e avaliação, bem como na determinação do modo de reparação dos danos ocorridos nos prédios dos Autores, despenderam estes o valor de € 596,55;

q) Os Autores desde o dia do sinistro, ao verem as suas casas com fissuras, ficaram desgostosos e tristes;

r) As casas não foram reparadas;

s) Antes de efectuar o furo a primeira Ré não procedeu a um estudo prévio das características do solo; Atentas as características do solo onde foi realizado o furo – solo arenoso de fácil desprendimento - e em face dos métodos possíveis de efectuar o furo artesiano – (i) percussão, (ii) rotação com circulação directa ou inversa e (iii) roto-percussão – o mais adequado seria o método da rotação com circulação directa ou inversa;

u) A primeira Ré celebrou com a segunda Ré um acordo apelidado pelas partes de contrato de seguro de máquinas industriais móveis, titulado pela apólice nº ..., nos termos do qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade civil pelos danos ocorridos na máquina hidráulica de perfuração MJ 200, de acordo com as condições gerais e especiais que constam de fls. 53 a 64 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

v) Nos termos da cláusula 3ª das Condições Gerais do referido acordo, sob a epígrafe “Garantias”, “o Segurador garante uma indemnização ao Segurado pelos danos materiais imprevistos sofridos pelos Bens Seguros, devidos a causa externa acidental, que os obrigue a reparações ou substituições, mesmo que parciais, antes de retomarem o funcionamento normal, e resultem directamente de: a) Incêndio, queda de raio e explosão; b) Elementos da natureza tais como tempestades, inundações, cheias, sismos e abatimento ou deslize de terrenos; c) Furto, roubo ou sua tentativa; d) Desprendimento de terras, pedras ou rochas; e) Queda, choque, colisão, capotamento ou descarrilamento; f) Imperícia ou negligência ocasional de trabalhadores do Segurado ou de Terceiros; g) Qualquer outra causa externa não expressamente excluída no presente contrato;

w) De acordo com o ponto 7 das Condições Especiais, sob o título “Responsabilidade Civil Extracontratual”, e nos termos da Cláusula 2ª, sob a epígrafe, “Garantia”, “1 - o segurador garante até aos limites fixados nas Condições Particulares, o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e / ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e / ou materiais causadas a Terceiros, ocorridos e reclamados na vigência do presente contrato e que lhe sejam atribuíveis: a) Na qualidade de proprietário, locatário ou usufrutuário dos Bens Seguros descritos nas Condições Particulares; b) Pela sua actuação, ou dos seus trabalhadores, na utilização dos Bens Seguros; c) Quando do transporte dos Bens Seguros por via terrestre, salvo se este transporte por efectuado por Terceiros, caso em que as garantias desta cobertura só responderão subsidiariamente. (…) 2 - Quando o Segurado for o proprietário dos Bens Seguros e os alugue a Terceiros sem manobrador, as garantias desta cobertura ficarão limitadas às responsabilidades resultantes de avaria mecânica ou eléctrica intrínseca dos Bens Seguros e ainda à responsabilidade subsidiária que lhe possa ser imputável na qualidade de proprietário dos mesmos”;

x) E nos termos da Cláusula 3ª dessas mesmas Condições Especiais, “1 - Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, excluem-se também da garantia da presente Condição Especial os danos, directa ou indirectamente, causados: (…) d) Pela inobservância de regras de segurança impostas por disposição legal ou regulamentar; e) Pelo incumprimento de indicações das autoridades fiscalizadoras ou de segurança; i) Em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios; (…) 2 - Ficam ainda excluídos: (…) d) Os danos que, tendo em consideração a natureza dos trabalhos ou forma da sua execução, podiam prever-se como inevitáveis”.

2. O direito

O acórdão recorrido, ao invés da sentença, decidiu que a Ré Seguradora era solidariamente responsável pelos danos sofridos pelos Autores por efeito da celebração do contrato de seguro com a 1ª Ré.

            Este entendimento mostra-se alicerçado no seguinte raciocínio:

           - estar em causa contrato de seguro com duas coberturas relativo a uma máquina hidráulica de perfuração (seguro de danos ou de coisas e seguro de responsabilidade civil pelos danos causados pela máquina);

           - a máquina que procede à abertura de furo artesiano através da perfuração do solo por método roto-percussão, mediante a utilização de ar comprimido, não pode funcionar sem vibrações ou trepidação provocadas pelo movimento rotativo do seu trépano giratório;

           - a cláusula de exclusão em que a Seguradora fundamenta a não responsabilização pelos danos terá, por isso, de ser interpretada sem esquecer o elemento lógico de interpretação e segundo o princípio da boa-fé, pelo que as vibrações, remoção ou enfraquecimento aludidas na alínea i) da cláusula 3ª referentes às exclusões da Condição Especial reportam-se não à máquina em si, mas aos apoios da máquina;

           - esta interpretação, consentida pela letra da cláusula, coaduna-se com os princípios orientadores de interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais previstos nos artigos 10.º, 11.º, 15.º e 16.º, do DL 446/85, de 25-10, designadamente, a considerar-se cláusula ambígua, prevaleceria o sentido mais favorável ao aderente tendo em atenção o concreto contrato em causa;

            - no limite, tal cláusula, além de contrária à boa fé, sempre seria de considerar absolutamente proibida, nos termos do artigo 18.º, alínea b) do DL 446/85, de 25-10, e como tal, nula.  

            Conclui pois o acórdão que não tendo resultado provado que os danos foram causados pelas vibrações dos apoios da máquina hidráulica, mas da própria máquina, encontravam-se os mesmos abrangidos pelo contrato de seguro.

A esta decisão contrapõe o Recorrente defendendo que a cláusula de exclusão não padece de qualquer ambiguidade e a interpretação da mesma ao abrigo do disposto no artigo 236.º, do Código Civil, permite um único sentido, que é o literal, do qual resulta que os danos causados pela vibração da máquina se encontram excluídos. Argumenta, ainda, para o efeito e em defesa do seu posicionamento:

- que a interpretação encontrada pela decisão recorrida (de que a considerarem-se excluídos da cobertura do risco os danos causados pela vibração da máquina levaria a que a cobertura contratada fosse meramente residual, atenta a natureza e função da máquina) não tem qualquer respaldo na matéria de facto provada;

- o sinistro mostra-se igualmente fora do âmbito do contrato de seguro por o mesmo não configurar uma situação súbita e imprevista uma vez que os danos resultaram de um opção consciente do manobrador aumentando a rotação para o seu limite máximo e durante 10 minutos.  
           Os posicionamentos em confronto prendem-se, em primeira linha, com a interpretação da cláusula do contrato de seguro no que toca à problemática da exclusão da cobertura dos riscos por ele abrangidos.
            Vejamos.
           Está-se no âmbito de um contrato formal regido fundamentalmente pelas cláusulas da respectiva apólice, sem prejuízo das disposições do DL 72/2008, de 16-04 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro).
O contrato firmado, subscrito pela 1ª Ré, no que respeita à questão que neste âmbito assume relevância, caracteriza-se, essencialmente, pela sua natureza de contrato de adesão determinado pela circunstância de um dos outorgantes (o segurado) não ter qualquer intervenção na preparação das cláusulas respeitantes às condições gerais e especiais, limitando-se a aceitar o clausulado elaborado e proposto pela seguradora.
Neste tipo de contratos a liberdade negocial do segurado circunscreve-se, para além do que toca às Condições Particulares, apenas à possibilidade de celebração do negócio pois que, querendo firmar o contrato, é obrigado a aceitar o clausulado que, nesse sentido, lhe é imposto – artigo 1.º, do DL 446/85, de 25-10.
No caso dos autos, a cobertura do contrato de seguro subscrito pela 1ª Ré envolve duas vertentes: os danos ocorridos na máquina hidráulica de perfuração MJ200 (cláusula 3.ª, das Condições Gerais[1]) e a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela máquina (ponto 7 das Condições Especiais, cláusula 2.ª[2]). Nesta vertente da responsabilidade civil e para o que aqui assume cabimento, prevê a cláusula 3.ª, das Condições Especiais da Apólice, reportada ao âmbito das exclusões da cobertura do seguro:
1 - Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, excluem-se também da garantia da presente Condição Especial os danos, directa ou indirectamente, causados: (…) d) Pela inobservância de regras de segurança impostas por disposição legal ou regulamentar; e) Pelo incumprimento de indicações das autoridades fiscalizadoras ou de segurança; i) Em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios; (…) 2 - Ficam ainda excluídos: (…) d) Os danos que, tendo em consideração a natureza dos trabalhos ou forma da sua execução, podiam prever-se como inevitáveis.”.
Assim, em matéria de exclusões, de acordo com a alínea i) do ponto 7 da cláusula 3.ª das Condições Especiais, ficam excluídos do âmbito do contrato de seguro os danos directa ou indirectamente causados Em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios.
A questão que se coloca é a de saber se os danos sofridos nos edifícios dos Autores (a ressarcir pela 1ª Ré) em virtude dos trabalhos realizados com a máquina hidráulica de perfuração (danos decorrentes da laboração da máquina em consequência das vibrações e oscilações de volume no solo circundante[3]) estão (ou não) integrados no âmbito da cobertura do contrato face ao teor da citada cláusula de exclusão (3.ª, alínea i), das Condições Especiais).
Alicerçadas na interpretação da referida cláusula de exclusão as instâncias deram resposta oposta a esta questão.
Com efeito, enquanto na sentença foi considerado que o contrato de seguro tinha por cerne apenas a máquina e não a actividade desta, mostrando-se, por isso, plausível as exclusões acordadas[4], o acórdão recorrido partiu do pressuposto oposto: com a celebração do contrato de seguro a 1ª Ré pretendeu garantir a sua responsabilidade civil decorrente do funcionamento da máquina.
Importa, por isso, definir o sentido negocial decisivo a assumir dado não se encontrar apurada a vontade real das partes.
Atento o disposto nos artigos 236.º a 238.º, do Código Civil, a interpretação da declaração negocial deve valer com o sentido que um destinatário razoável (pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente), colocado na posição concreta do real declaratário lhe atribuiria (em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, dentro daquilo até onde ele podia conhecer) - teoria da impressão do destinatário. Tratando-se de uma negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto.
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração prevalece nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Refere Menezes Cordeiro que a interpretação do negócio jurídico deverá ser encarada como algo de essencialmente objectivo em que o ponto de incidência não recaia na vontade interior, mas num comportamento significativo sob a égide do princípio da tutela de confiança[5].
Ao invés do que a sentença parece pressupor, mostra-se inequívoco que o contrato de seguro em causa, para além de ter por objecto o risco inerente à própria máquina (danos materiais imprevistos sobre o objecto segurado) tem, concomitantemente, a natureza de seguro de responsabilidade civil em que a seguradora se obrigou a indemnizar terceiros dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados pela máquina, designadamente pela actuação do respectivo proprietário ou dos seus trabalhadores na utilização da mesma (cfr. alíneas a) e b) do n.º1 da cláusula 2.ª das Condições Especiais da apólice). Carece, por isso e desde logo, de sustentação o fundamento utilizado pela 1ª instância para justificar a não responsabilidade da Ré Seguradora pelos prejuízos sofridos pelos Autores com a actividade da máquina hidráulica de perfuração na execução do furo.
Na sequência do já sublinhado, não oferece dúvida de que o presente contrato de seguro se encontra sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais ínsito no DL 446/85, de 25-10, nomeadamente aos princípios consignados nos artigos 10.º, 11.º, 15.º e 16.º, que espelham e reforçam os critérios legais de interpretação do negócio previstos nos citados artigos 236.º a 238.º, do Código Civil.
            No quadro de tais parâmetros legais de interpretação entendeu o acórdão recorrido que a referida alínea i) da cláusula de exclusão sob apreciação se circunscrevia aos danos provocados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos apoios da máquina hidráulica e não da própria máquina, por ser esse o único sentido que permite dar significado à celebração do contrato uma vez que a interpretação proposta pela Ré Seguradora, tendo em conta as demais situações de exclusão previstas na mesma cláusula, redundaria numa cobertura praticamente sem objecto.
           Entendemos que a decisão recorrida percepcionou correctamente o sentido negocial que, por força do princípio da tutela da confiança, se impõe atribuir à cobertura dos riscos com a celebração do contrato de seguro - salvaguardar os danos provocados a terceiros pela laboração da máquina hidráulica (a 1ª Ré não se limitou à cobertura base referente apenas à máquina em si com capital seguro de 68.425,00 euros, mas alargou o respectivo âmbito à responsabilidade civil extracontratual, visando abranger a actividade da máquina com uma cobertura de capital seguro de 100.000,00 euros)[6]. Todavia, considerando que o contrato de seguro é omisso relativamente à definição, existência e cobertura de apoios da máquina hidráulica, a viabilidade da interpretação restritiva da cláusula levada a cabo pela Relação carecia de ser sustentada por matéria factual que permitisse precisar tais aspectos, nomeadamente o funcionamento dos referidos apoios.
           Por conseguinte, de acordo com os critérios legais que se impõem respeitar, entendemos, por isso, que a referida alínea i) da cláusula de exclusão não padece de qualquer ambiguidade e que o sentido pretendido com a mesma não pode ser aquele que lhe foi atribuído no acórdão recorrido (de as vibrações, remoção ou enfraquecimento se reportarem aos apoios da máquina e não à máquina em si).
           Cabe, por isso, averiguar se a mesma terá de ser considerada cláusula absolutamente proibida nos termos da alínea b) do artigo 18.º do DL 446/85, de 25-10.
           De acordo com este preceito, são absolutamente proibidas e, como tal, nulas (cfr. artigo 12.º, do DL 446/85, de 25-10), as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros.
            Reporta-se o preceito às estipulações, que sendo exoneratórias e limitativas da responsabilidade, têm directa projecção na obrigação de indemnização.
Como refere António Pinto Monteiro, trata-se de cláusulas destinadas a excluir ou limitar a responsabilidade do autor do facto danoso (circunscrever a responsabilidade a determinados parâmetros), que de outro modo seria responsabilizado pelo não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora das obrigações a que se achava adstrito[7].
Contudo, na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais nas apólices dos contratos de seguro caberá destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do citado artigo 18.º, das que visam a delimitação do objecto de contrato, porquanto estas configuram-se plenamente válidas [8].
Nessa distinção importa antes de mais atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice[9]. E, assim, apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize (ou esvazie) o objecto do contrato.
Reportando à situação dos autos, há que ter presente que na avaliação a fazer quanto à natureza proibida da cláusula de exclusão de responsabilidade sob apreciação não pode deixar de se ter em linha de conta a circunstância de a mesma estar inserida num contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual a Ré Seguradora assumiu perante a Ré segurada a obrigação de pagamento dos danos (patrimoniais ou não patrimoniais) causados a Terceiros pela actividade/actuação da máquina hidráulica, actividade que se traduz em trabalhos de perfuração do solo[10].
Nesta ordem de ideias e conforme faz realçar o acórdão recorrido “Atento o conceito de vibração (oscilação mecânica) e a natureza e função da máquina, esta não poderia operar sem a produzir e todos os danos por ela provocados, para além dos já excluídos nas alíneas J), K), L) e M) da cláusula 3ª n.º1, sempre resultariam da oscilação/vibração mecânicas aplicada pelas suas rotativas.”.
Evidencia-se pois que através da referida cláusula a Ré Seguradora fez introduzir uma limitação à responsabilidade assumida com o seguro que produziria o efeito de, praticamente, esvaziar a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar[11], isto é, a limitação dos danos operada pela cláusula em referência impossibilita a obtenção do objectivo visado com a celebração do seguro, que se cingia, precisamente, aos danos causados a terceiros pela actividade da máquina hidráulica[12].
E porque neste domínio a ponderação da boa fé deverá ser feita em função da “confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis[13], uma vez que por efeito da referida cláusula estariam excluídos da cobertura dos riscos do contrato de seguro firmado os danos decorrentes das vibrações produzidas com a actividade da máquina (em que se traduzem, afinal, as causas mais comuns dos danos produzidos com a laboração da máquina), cabe concluir que a mesma desrespeita esse princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, esvaziando o conteúdo útil do objecto e finalidade do mesmo.

Por conseguinte, a referida cláusula de exclusão não pode deixar de ser entendida como desproporcional, consubstanciando um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido e, nessa medida, violadora do princípio da boa-fé[14], que se impõe em todas as etapas do desenvolvimento da relação negocial: formação, integração/interpretação e cumprimento – cfr. artigos 227.º, 239.º e 762.º, n.º2, todos do Código Civil.
Consequentemente, em conjugação com o disposto nos artigos 15.º e 18.º, alíneas b), do DL 446/85, de 25-10, há que a considerar proibida e, como tal, nula (artigo 12.º, do mesmo diploma legal).
Defende ainda a Recorrente que o sinistro se encontra fora do âmbito do contrato de seguro por não configurar uma situação súbita e imprevista, mas de uma opção consciente do manobrador (aumentando a rotação para o seu limite máximo e durante 10 minutos).
Se bem se percepciona o entendimento da Ré ao fazer ênfase na circunstância dos danos a ressarcir não derivarem de uma situação súbita e imprevista[15], atento o teor da cláusula de garantia em causa (3ª das Condições Especiais), pretende fazer alusão a comportamento temerário por parte do manobrador eventualmente integrador de alguma das situações de exclusão previstas nas alíneas d) ou e) do n.º1 da Cláusula 3ª das Condições Especiais, ou na alínea d) do º2 da mesma cláusula.
Carece de qualquer fundamento tal posicionamento tendo presente as circunstâncias fácticas provadas pois que, conforme resulta do apurado sob as alíneas j) e k), quando da perfuração do solo, a máquina ficou com a broca encravada no subsolo devido aos materiais que se soltaram do terreno que estava a ser perfurado e que, temendo pela integridade do equipamento e na tentativa de o retirar do subsolo, o manobrador da máquina aumentou a rotação desta até ao seu máximo durante cerca de 10 minutos provocando vibrações e oscilações de volume no solo.
Assim sendo, tendo em atenção a nulidade da alínea i) do n.º1 da cláusula 3ª das Condições Especiais da Apólice e dado que não se verifica no caso qualquer situação que se mostre excluída do âmbito de cobertura do contrato de seguro firmado entre a 1ª Ré e a Ré Seguradora, há que manter a condenação solidária das Rés nos termos decididos no acórdão recorrido.

Improcedem, pois, na sua totalidade, as conclusões do recurso. 

                

III - Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido ainda que por fundamento não de todo coincidente.
Custas pela Recorrente.

                                                                                                              Lisboa, 24 de Janeiro de 2018

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

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[1] Alínea v) dos factos provados: “Nos termos do presente contrato, o Segurador garante uma indemnização ao Segurado pelos danos materiais imprevistos sofridos pelos Bens Seguros, devidos a causa externa acidental, que os obrigue a reparações ou substituições, mesmo que parciais, antes de retomarem o funcionamento normal, e resultem directamente de: a) Incêndio, queda de raio e explosão; b) Elementos da natureza tais como tempestades, inundações, cheias, sismos e abatimento ou deslize de terrenos; c) Furto, roubo ou sua tentativa; d) Desprendimento de terras, pedras ou rochas; e) Queda, choque, colisão, capotamento ou descarrilamento; f) Imperícia ou negligência ocasional de trabalhadores do Segurado ou de Terceiros; g) Qualquer outra causa externa não expressamente excluída no presente contrato.”.
[2] Alínea w) dos factos provados: “1 - o segurador garante até aos limites fixados nas Condições Particulares, o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e / ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e / ou materiais causadas a Terceiros, ocorridos e reclamados na vigência do presente contrato e que lhe sejam atribuíveis: a) Na qualidade de proprietário, locatário ou usufrutuário dos Bens Seguros descritos nas Condições Particulares; b) Pela sua actuação, ou dos seus trabalhadores, na utilização dos Bens Seguros; c) Quando do transporte dos Bens Seguros por via terrestre, salvo se este transporte por efectuado por Terceiros, caso em que as garantias desta cobertura só responderão subsidiariamente. (…) 2 - Quando o Segurado for o proprietário dos Bens Seguros e os alugue a Terceiros sem manobrador, as garantias desta cobertura ficarão limitadas às responsabilidades resultantes de avaria mecânica ou eléctrica intrínseca dos Bens Seguros e ainda à responsabilidade subsidiária que lhe possa ser imputável na qualidade de proprietário dos mesmos”.
[3] Cfr. alíneas l) e m) dos factos provados.
[4] Consta da referida decisão: “ (…) o que foi segurado pelo contrato celebrado – cfr. alíneas u) a x), do ponto II.1 – foi apenas a máquina, excluindo-se todos os danos causados a terceiros, designadamente, os causados em quaisquer terrenos, estruturas ou edifícios, causados por vibrações, remoção ou enfraquecimento dos seus apoios.
[5] Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, Tomo I, 1999, p. 478 - 483.
[6] Importa ter presente que a 1ª Ré foi responsabilizada pelos danos sofridos pelos Autores com fundamento no disposto no artigo 493.º, do Código Civil, por estar em causa o exercício de uma actividade potencialmente perigosa, actividade que consubstancia o objecto social da mesma (cfr. alínea d) dos factos provados).
[7] Cfr. Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, pp. 98 e ss
[8] Pedro Romano Martinez, “Cláusulas Contratuais Gerais e Cláusulas de Limitação ou de Exclusão da Responsabilidade no Contrato de Seguro”, in Scientia Iuridica – Tomo LV, n.º 306, Junho de 2006, p. 258; Acórdão do STJ de 15/04/2015 (processo n.º 235/11.0TBFVN.C1.S1), acessível através das Bases Documentais do IGFEJ.
[9] Cfr. Pedro Romano Martinez, obra citada.
[10] Tem pois o contrato de seguro por objecto uma máquina que, conforme foi considerado pelo acórdão recorrido, não pode funcionar sem vibrações ou trepidação provocadas pelo movimento rotativo do seu trépano giratório (presunção de facto levada a cabo pela Relação que este tribunal não pode exercer censura – cfr., entre outros, acórdão do STJ de 20-12- 2017, Processo n.º 792/13.7TBFLG.P1.S1). 
[11] Tendo presente os danos excluídos nas alíneas J), K), L) e M) da referida cláusula 3ª, n.º1, das Condições Especiais da Apólice.
[12] Ao invés do considerado pela Recorrente (cfr. conclusões 21 e 22) tal entendimento defendido pelo acórdão recorrido resulta do sentido interpretativo a retirar na avaliação do teor do clausulado da apólice.
[13] cfr. artigo 16.º, alínea a), do DL 446/85, de 25-10.
[14] A boa-fé consubstancia natureza de regra de conduta tendente a enformar o comportamento das partes a fim de possibilitar um adequado funcionamento do vínculo contratual traduzido no pleno aproveitamento da prestação e em evitar a ocorrência de danos para as partes. Nesse sentido, o princípio assenta em dois postulados essenciais: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, que consiste em avaliar as condutas de acordo com as consequências materiais para efeitos de adequada tutela dos valores em jogo, realizada de acordo com vários vectores, entre os quais, a idoneidade valorativa e o equilíbrio no exercício das posições. cfr. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 6ª edição, Almedina, págs. 55-59.
[15] Note-se que a vertente do seguro a atender no caso não é a relativa aos danos da máquina (reportados aos danos materiais imprevistos sofridos pela máquina devidos de causa externa e acidental – cfr. cláusula 3ª, das Condições Gerais da Apólice), mas a respeitante à responsabilidade civil extracontratual decorrente da actividade da máquina e que não se mostra delimitada nos termos da garantia referente aos danos da máquina, conforme claramente se evidencia do teor da cláusula 3ª, das Condições Especiais da Apólice.