Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24243/20.1T8LSB.L1-7
Relator: ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE CIVIL
FACTOS CONSTITUTIVOS
RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Numa acção em que se pretende exercer o direito a indemnização por factos ilícitos emergentes de responsabilidade civil pelo exercício da actividade de intermediação financeira, ao autor, na qualidade de lesado, incumbe o ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito (art.º 304.º-A/1 do CVM e art.º 342.º/1 do C.C.), com excepção da demonstração da culpa, que se presume (art.º 304.º-A/2 do CVM).
II. A responsabilização do intermediário financeiro por prejuízos causados a clientes no âmbito da atividade de intermediação financeira não acarreta, automaticamente, a responsabilização dos respectivos administradores.
III. A imputação de responsabilidade directamente ao titular do órgão de administração do intermediário financeiro e/ou às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação (art.º 304º/5 do CVM) pressupõe a alegação e prova de concretas acções ou omissões em que essas entidades tenham incorrido, violadoras dos seus deveres, causadoras de prejuízos aos clientes do intermediário financeiro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
A intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B [… – Sociedade Gestora de Patrimónios, SA] e C, peticionando a condenação dos réus:
“i. a pagarem solidariamente uma indemnização ao A. no valor total de €219.011,02 (duzentos e dezanove mil e onze euros e dois cêntimos);
ii. a título subsidiário, caso o pedido anterior não seja julgado totalmente procedente no que diz respeito ao 2º R., deve ainda assim este ser condenado a responder pela satisfação do pagamento da quantia de €219.011,02 (duzentos e dezanove mil e onze euros e dois cêntimos) de acordo com a sua posição de fiador no âmbito da obrigação de restituição do valor da carteira de investimento assumida pela 1ª R. perante o A.
Às quantias peticionadas acrescem juros vincendos desde a data da citação dos RR.
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a 1ª Ré um contrato de gestão de carteira, tendo investido uma determinada quantia numa determinada “estratégia de investimento”; a 1ª Ré violou diversos deveres que sobre si recaíam na qualidade de intermediário financeiro no âmbito da relação contratual que manteve com o Autor, o que levou à perda do valor de €194.999,02; O 2º Réu teve uma intervenção directa na angariação do autor enquanto cliente e na formação da sua vontade em contratar, na assunção do compromisso de transferir o valor da carteira de investimento para a conta do autor, na manutenção da opacidade em torno dos motivos que justificaram o protelar da transferência dos valores devidos, o que conduz à sua responsabilização directa na sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré; acresce que a declaração escrita produzida pelo 2º Réu no dia 9 de dezembro de 2019, ao assumir a restituição das quantias devidas pela 1ª Ré ao Autor como um “compromisso pessoal” deve ser interpretada como a constituição de uma “fiança”.
Citados, os réus apresentaram contestação, alegando, em síntese, que não foram violados quaisquer deveres de informação, sendo o Autor uma pessoa com profundo conhecimento do mercado financeiro e dos riscos associados ao investimento feito; o contrato nunca foi resolvido e a desvalorização da carteira do Autor não era “definitiva”; o 2º réu sempre atuou como CEO da 1ª ré, nunca tendo assumido pessoalmente o pagamento de qualquer quantia, concluindo pela improcedência da ação e pedindo a condenação do Autor como litigante de má fé, em multa e indemnização.
O autor respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, assacando tal conduta aos réus.
Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Foi realizado julgamento, no âmbito do qual foi proferido o seguinte despacho (exarado em acta – ref. citius 412790531):
“Requerimentos de 26/01/2022 e de 03/02/2022:
Considerando que foi revogada a autorização para o exercício da atividade que vinha desenvolvendo e que, nessa sequência, foi requerida a liquidação judicial da 1ª Ré, tendo sido proferido despacho de prosseguimento, e que, nos termos do art.º 8º, nº 2, do DL n.º 199/2006 de 25/10, essa decisão de revogação da autorização para o exercício da sua atividade produz os efeitos de insolvência, sendo a mesma definitiva e sendo a liquidação judicial mera consequência legal daquela revogação, é inequívoco que se verificam as consequências jurídicas da insolvência.
No procedimento de insolvência funciona, como é consabido, o princípio da universalidade, segundo o qual todo o património do insolvente é apreendido para a massa e apreciada a respetiva responsabilidade obrigacional (cfr. art.º 1.º do CIRE).
Estabelece o art.º 90.º do CIRE que «os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência».
Daí que, por força do disposto no art.º 128.º, nº 3, do CIRE, não se consagre a possibilidade de o credor optar entre obter o pagamento do seu crédito no processo de insolvência ou em processo autónomo: se o credor não reclamar o seu crédito contra o insolvente no âmbito do processo de insolvência, jamais, com êxito, o poderá fazer valer.
Haja ou não decisão judicial a reconhecer o crédito na instância declarativa, nem por isso o credor está a salvo de ter de o reclamar no processo de insolvência, por força dos normativos legais supra enunciados, pelo que, aquela decisão para nada serve.
Uma sentença de condenação autónoma ao processo de insolvência seria destituída de qualquer efeito útil, já que o Autor, ainda que visse o seu crédito reconhecido por sentença, não poderia executá-la sobre os bens da massa insolvente e ser pago pelas forças da massa.
Este foi o entendimento perfilhado pelo Acórdão do STJ n.º 1/2014, de 08/05/2013, que veio uniformizar a jurisprudência no sentido de que, «transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do CPC».
Pelo exposto, decido declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na al. e) do art.º 277.º do Cód. Proc. Civil, no que respeita à Ré B
*
No mais, a defesa do 2º Réu não se prende com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, respeitando antes ao (de)mérito da causa, pelo que, não existe fundamento para a requerida “suspensão dos autos” até ao trânsito da decisão a proferir no apenso de verificação e graduação de créditos nos autos de liquidação da 1ª Ré.
Notifique.»
Foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo o Réu do pedido.
Mais decido absolver Autor e Réu do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Custas pelo Autor.
Registe e notifique.»
Inconformado com a sentença, veio o autor dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
“Da impugnação da matéria de facto não provada
1ª. Tanto o Recorrente – em declarações de parte (04.34 a 05.15, 13.58 a 14.10 e 18.06 a 20.00 da gravação das declarações do Recorrente constantes do suporte digital único) – como a sua mãe – depondo como testemunha (03.22 a 03.52 e 04.45 a 05.21 da gravação do depoimento da testemunha constante do suporte digital único) – apresentaram em audiência uma versão dos factos coincidente sobre o teor da reunião ocorrida no dia 10 de janeiro de 2020: a de que o Recorrido apresentou ao Recorrente as hipóteses de manter a sua carteira de investimento ou ao invés de solicitar o reembolso das quantias que a compunham; tendo o Recorrente escolhido a opção do reembolso, o Recorrido acedeu afirmando que a transferência dos respetivos valores seria realizada no mais breve prazo possível.
2ª. Portanto, duas das três pessoas presentes nesta reunião confirmaram de viva voz perante o Meritíssimo Tribunal a quo a factualidade constante dos pontos e), f), g) e h) da matéria de facto não provada ora impugnados, sem que da sentença recorrida conste a mínima reserva quanto à veracidade e espontaneidade das declarações de ambos.
3ª. Esta versão dos factos foi integralmente corroborada por diversas comunicações escritas que foram enviadas tanto pelo Recorrido como por GC (funcionária da 1.ª R.), antes e após a realização da referida reunião (cfr. doc. n.º 24, 27 e 28 juntos com a petição inicial, e transcritos nos factos provados n.º 35, 40 e 41 da sentença recorrida).
4ª. As referências feitas pelo Recorrido e por GC nas comunicações em questão (i) à existência de problemas decorrentes da atuação de um colaborador da 1.ª R., (ii) à necessidade de prestar informações quanto ao concreto montante que seria transferido para o Recorrente e (iii) ao momento que essa transferência seria feita consubstanciam a melhor demonstração de que a narração feita pelo Recorrente e pela sua mãe sobre o teor da reunião realizada no dia 10 de janeiro de 2020 é fidedigna.
5ª. O acervo probatório que o Recorrente ofereceu aos autos vai assim ao encontro do entendimento expresso pelo Venerando Tribunal ad quem no Acórdão proferido no dia 28 de maio de 201916: “As declarações de parte devem ser valoradas autonomamente, mas de forma integrada com os demais elementos de prova.
6ª. Como tal, a correta apreciação dos elementos probatórios indicados impõe que sejam considerados como provados os pontos e), f) g) e h) elencados pelo Meritíssimo Tribunal a quo na matéria de facto não provada da sentença recorrida.
Da impugnação da matéria de Direito
Da intervenção pessoal do Recorrido em diversos factos relevantes da relação contratual entre o Recorrente e a 1.ª R.
7ª. Contrariamente ao que o Meritíssimo Tribunal a quo considerou na sentença recorrida – “Ora, a verdade é que o Autor não alegou qualquer ação ou omissão do 2º Réu como tendo sido a causa do seu prejuízo”17 –, o Recorrente alegou diversas condutas do Recorrido como tendo violado deveres que para ele decorriam do CVM e que cuja violação conduziu à ocorrência de danos patrimoniais na sua esfera jurídica, as quais ficaram inclusivamente plasmadas em diversos factos da matéria considerada provada na sentença recorrida.
8ª. Essas condutas do Recorrido podem ser concretizadas (i) na assunção do compromisso de transferir para o Recorrente o valor do seu investimento, cfr. factos provados n.º 35 e 39 a 41, (ii) na manutenção da opacidade em torno da existência de perdas na carteira do Recorrido e dos motivos que justificavam o protelar da transferência dos valores relativos ao investimento realizado, cfr. factos provados n.º 34 a 41 e 44 e 45, e (iii) na tomada de posição final relativa à justificação das perdas sofridas pelo A. com os riscos inerentes ao contrato, cfr. factos provados n.º 46 a 51.
Da violação dos deveres de informação, de agir com boa fé e de proteger os legítimos interesses do Recorrente resultantes da concreta atuação do Recorrido
9ª. Nos termos do artigo 304.º n.º 5 do CVM, e em virtude da sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração da 1.ª R., o Recorrido estava sujeito ao cumprimento dos deveres de informação de agir com boa fé e de proteger os legítimos interesses do Recorrente resultantes da concreta atuação do Recorrido consagrados nos artigos 312.º do CVM (na redação em vigor à data dos factos) e 24.º da DMIF
II. Da violação do dever de informação
10ª. Especial ênfase merece a violação dos deveres informativos que recaíam sobre o Recorrido, na medida em este dever deveria ter um cumprimento ainda mais rigoroso conforme estabelecido pelo n.º 2 do artigo 312.º do CVM em virtude de o Recorrente ter sido qualificado pela 1.ª R. como sendo um investidor não profissional, algo que não podia deixar de ser do conhecimento do Recorrido tendo em conta a matéria de facto provada.
11ª. Decorre da factualidade provada que o Recorrente procurou por diversas vezes obter informações junto do Recorrido relativamente aos motivos que conduziram ao protelar da transferência dos valores compreendidos na sua carteira de investimento em virtude da descontinuação da estratégia de investimento ocorrida por iniciativa da 1.ª R. (cfr. facto provado n.º 30), bem como ao momento em que esse pagamento iria ocorrer e ao seu concreto valor.
12ª. Os motivos apresentados pelo Recorrido quanto à demora na transferência dos valores relativos ao investimento do Recorrente foram muito distintas ao longo do período decorrido entre outubro de 2019 e abril de 2020 – desde a demora relativa a um processo de auditoria em curso, a algo que se tinha passado com um dos membros da equipa do Recorrido, até ao efeito das medidas de confinamento decretadas em virtude da eclosão da crise pandémica motivada pelo vírus COVID-19 –, o que dificilmente poderá deixar de se qualificar como informação pouco clara e correta.
13ª. Ao longo do período decorrido entre outubro de 2019 e abril de 2020, nas várias comunicações e conversas ocorridas entre ambos apenas resulta provado que o Recorrido se comprometeu perante o Recorrente em restituir-lhe o valor do seu investimento, sem que se tenha demonstrado ter em algum momento referido a existência de perdas na sua carteira de investimento – pelo que claramente foi prestada informação que induziu o Recorrente em erro.
14ª. Resulta também expressamente da matéria de facto provada que o Recorrido apenas apresentou uma descrição vaga da situação na reunião realizada em janeiro de 2020 – ou seja, num momento em que já se tinha registado uma desvalorização da carteira do Recorrente no valor de €194.999,82 –, quando esse encontro tinha sido agendado a solicitação do Recorrente e precisamente com o propósito de obter esclarecimentos adicionais sobre o seu caso.
15ª. Não é de crer à luz das regras da experiência que um administrador minimamente diligente desconhecesse os motivos que conduziram a que a transferência de montantes para um cliente da sua empresa fosse protelada ao longo de largos meses, e muito menos que desconhecesse a existência de perdas numa carteira relativamente à qual foi por diversas vezes abordado quando tinham já sido registadas menos valias no valor de €194.999,82, restando concluir que o Recorrido prestou informação viciada ao ora Recorrente de forma deliberada, bem sabendo que a mesma não era completa nem fidedigna à realidade da situação.
16ª. Pode-se discutir se o Recorrido dispunha ou não ab initio dos dados necessários para prestar informação clara, completa e fidedigna; porém, a partir do momento em que de facto prestou informações ao ora Recorrente (independentemente da qualidade das mesmas), exigia-se que se tivesse inteirado dos contornos da situação concreta; e, caso tal não fosse possível, que comunicasse prontamente ao ora Recorrente não estar em condições de prestar as informações que ao longo do tempo foram sendo por este solicitadas.
Dos deveres de boa fé e de proteção dos legítimos interesses dos clientes
17ª. A violação de deveres perpetrada pelo Recorrido vai muito para lá da qualidade da informação por si prestada ao Recorrente: ela atingiu o vínculo de lealdade que deveria existir entre o Presidente do Conselho de Administração da 1.ª R. e de um cliente que com ele por várias vezes contactou e reuniu em virtude dessa qualidade, e tendo também por essa via desconsiderado de forma gritante a proteção conferida ao património desse investidor – o Recorrente.
18ª. Tendo o Recorrente sido mantido na ignorância sobre o momento e o ritmo em que tais perdas surgiram e se avolumaram, e ainda mais grave, tendo ao longo de todo esse período de 7 meses o Recorrido sempre assumido e reassumido o compromisso de que o valor da carteira de investimento seria a breve trecho e sem condições transferido para a conta bancária do Recorrente, este último ficou sem qualquer possibilidade ou incentivo em agir de modo a defender o seu património – contrariamente ao que teria ocorrido caso esta violação não se tivesse registado.
19ª. O culminar da atuação do Recorrido oferece-nos o pináculo da violação destes deveres: isto porque, depois de 7 meses ao longo dos quais sempre reforçou o compromisso inicialmente assumido pela 1.ª R. de que o valor do investimento do Recorrente seria transferido para a sua conta, nas missivas por si enviadas com data de 11 de maio e 1 de junho de 2020 mudou diametralmente de posição referindo apenas que a 1.ª R. iria desenvolver todos os esforços para compensar o Recorrente pelos danos que lhe tinham sido causados.
20ª. As condutas contraditórias assumidas pelo Recorrido, primeiro nos diversos contactos estabelecidos com o Recorrente entre outubro de 2019 e abril de 2020, e depois nas missivas enviadas em maio e junho de 2020, constituem uma clara situação de venire contra factum proprium, a qual não pode deixar de ser qualificada como uma violação ao dever de boa fé consagrado no artigo 304.º n.º 2 do CVM – ainda para mais quando esta norma exigia do Recorrido um comportamento norteado por “elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.
Das consequências atinentes à impugnação da matéria de facto
21ª. O eventual provimento que venha a ser concedido à impugnação da decisão sobre a matéria de facto servirá para evidenciar ainda mais a violação dos deveres já identificados por parte do Recorrido: também na reunião realizada no dia 10 de janeiro de 2020 o Recorrido afirmou que iria proceder ao reembolso dos valores compreendidos na carteira de investimento, sendo também de salientar que foi feita tábua rasa das instruções dadas pelo Recorrente, na medida em que a 1.ª R. prosseguiu com a realização de investimentos a seu bel prazer e a descoberto de qualquer mandato ou estratégia de investimento concedida para o efeito (cfr. factos provados n.º 30 e 52).
Da responsabilidade civil do Recorrido
22ª. Estas diversas atuações do Recorrido têm de ser qualificadas como culposas tendo em conta (i) o lapso temporal durante o qual ocorreram, (ii) as diversas posições distintas que o Recorrido foi assumindo ao longo do tempo, (iii) a impossibilidade de o Recorrido desconhecer que a sua atuação estava a ocorrer à margem da Lei e com graves consequências negativas para o património do A., e também o facto de ter plena aplicação a presunção de culpa estabelecida pelo artigo 304.º-A n.º 2 do CVM
23ª. Quanto aos danos patrimoniais sofridos pelo Recorrido, eles podem ser quantificados no valor total de €219.011,02: €194.999,82 resultantes da desvalorização da carteira de investimento do A., e €24.011,20 resultantes da falta de transferência para a conta do A. do valor remanescente da sua carteira – à exceção do valor de €10.000,00 transferido no dia 12 de setembro de 2019 (cfr. facto provado n.º 32) – calculado com referência à última indicação disponibilizada antes da descontinuação da estratégia de investimento promovida pela 1.ª R. (cfr. factos provados n.º 28 e 30).
24ª. Estes danos apresentam um evidente nexo de causalidade com a atuação do Recorrido, o que se compreende especialmente quando os deveres que foram por si violados têm precisamente como finalidade a salvaguarda dos interesses e do património do Recorrente enquanto investidor – especialmente considerando que este último é um investidor não profissional, e, portanto, merecedor de uma tutela acrescida à luz da Lei.
25ª. Independentemente da atuação dos demais serviços e funcionários da 1.ª R., caso o Recorrido tivesse cumprido os deveres que lhe são impostos pelo CVM enquanto titular do órgão de administração daquela entidade, os danos supra identificados não se teriam registado: não só porque a atuação da 1.ª R. deveria ter sido oportunamente ajustada para salvaguardar os interesses e o património do Recorrente, como mesmo que assim não fosse, este último poderia ele próprio tomar as ações adequadas para defender o seu património, caso tivesse conhecimento da depreciação que estava a afetar o seu investimento e não lhe fosse criada deliberada – e ardilosamente – a perspetiva de vir a ser reembolsado do valor integral do seu investimento.
26ª. Tendo a sentença recorrida violado o disposto nos artigos 304.º-A e 304.º n.º 5 do CVM, deve ser revogada e substituída por outra que condene o condene o Recorrido ao pagamento de uma indemnização a favor do Recorrente no valor total de €219.011,02 em virtude da responsabilidade civil decorrente das suas atuações em desrespeito aos deveres que lhe eram impostos pelo CVM.”
Conclui o recorrente que deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida.
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O recorrido C contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir das seguintes questões:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil conducentes à responsabilização do réu/apelado pelo pagamento da indemnização peticionada pelo autor/apelante, por violação de deveres (v.g. deveres de informação) no âmbito da actividade de intermediação financeira.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. Factos
Factos provados
O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos [transcrição]:
1. A 1ª Ré é uma sociedade anónima que se dedica à atividade de “administração de conjuntos de bens, designados por carteiras, pertencentes a terceiros, bem como a prática de todas as operações, ainda que conexas ou fins, que as sociedades gestoras de patrimónios possam legalmente realizar, nomeadamente: a gestão de carteiras de clientes, com a amplitude que por estes lhe for concedida; a prestação de serviços de consultoria em matéria de investimentos”.
2. O 2º Réu desempenha funções enquanto Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré.
3. O Autor tomou conhecimento da existência da 1ª Ré e da atividade por si levada a cabo por intermédio do 2º Réu.
4. O Autor conheceu pessoalmente o 2º Réu, em meados do ano de 2015, em virtude de ambos frequentarem o mesmo ginásio.
5. As conversas com o 2ª Réu eram, na ótica do Autor, especialmente interessantes, fruto do conhecimento que o primeiro aparentava deter sobre o funcionamento dos mercados financeiros.
6. No decorrer de uma conversa, o Autor afirmou que era cada vez mais difícil encontrar possibilidades de investimento que lhe oferecessem perspetivas de segurança.
7. No passado, o Autor realizou investimentos que registaram elevadas perdas (títulos obrigacionistas emitidos pela então Portugal Telecom).
8. A confiança demonstrada pelo 2º Réu na qualidade dos serviços prestados pela 1ª Ré, aliada aos conhecimentos que demonstrou ter sobre os mercados financeiros, criaram na mente do Autor a perspetiva de que a realização de um investimento com recurso aos serviços da 1ª Ré seria uma opção segura.
9. No dia 16 de abril de 2019, o Autor e a 1ª Ré subscreveram um “contrato de gestão de carteira”.
10. Nos termos do ponto 1. da cláusula 2ª, sob a epígrafe “(Objeto)”: “Pelo presente contrato, o Cliente confere mandato à B para administrar quaisquer valores que integrem a(s) Carteira(s) que venha(m) a ser criada(s) de acordo com o definido no Anexo I, conferindo-lhe, consequentemente, plenos poderes para, em seu nome e, ou, por sua conta e de forma discricionária, comprar, vender, subscrever e resgatar valores mobiliários, em Portugal e no estrangeiro, qualquer que seja a sua natureza, forma de representação e rendimento, exercer quaisquer direitos inerentes a esses valores mobiliários, bem como constituir instrumentos do mercado monetário e cambial, e, em geral,
praticar todas as operações que lhe estão legalmente autorizadas”.
11. Nos termos da Cláusula 11ª:
“1. Mensalmente, ou com outra periodicidade convencionada com o Cliente, mas não superior a 3 meses, a B enviará ao Cliente informação sobre a gestão dos investimentos efetuados no âmbito deste contrato, nomeadamente a composição e valorização da Carteira e respetiva rentabilidade, no período e nos últimos 12 meses a descrição dos movimentos a crédito e débito resultantes das transações realizadas, sem prejuízo de manter disponíveis para consulta do Cliente todos os documentos de suporte dos movimentos realizados na(s) Carteira(s).
2. A B designará um responsável pelo acompanhamento da Carteira do Cliente com quem este possa contactar diretamente e reunir, periodicamente, para exame global da atividade de gestão”.
12. O Ponto 4 das Condições Particulares, Anexas ao contrato, estabeleceu o seguinte:
“4.1. O envio da informação sobre a composição e valorização da Carteira, e respetiva rentabilidade (extrato de movimentos) é mensal, salvo pedido expresso do cliente para envio com periodicidade diferente.
4.2. A informação a dirigir ao cliente será enviada, por defeito, via CTT para o endereço postal ou via e-mail do primeiro titular mencionado no contrato, salvo pedido expresso do cliente”.
13. Nos termos do ponto 1. da Cláusula 17ª, “A B, na sua relação com os clientes, assegura um tratamento transparente e equitativo, dando sempre prevalência e absoluta prioridade aos interesses do Cliente (…)”.
14. Nos termos do ponto 6. da Cláusula 2ª: “A B fica, desde já,
autorizada a atuar como contraparte nas operações que realiza em nome e, ou, por conta do Cliente, mas sempre que adquirir para o Cliente valores emitidos ou detidos pela B ou ainda por entidades que pertençam aos órgãos sociais da B (…), deverá obter a prévia autorização do Cliente. Chama-se a atenção para o facto dos investimentos em instrumentos financeiros emitidos, detidos, geridos ou cuja contraparte seja a própria B ou outras entidades em que a mesma se insere, ser suscetível de potenciar conflitos de interesses”.
15. Nos termos do Ponto 2 das Condições Particulares, sob a epígrafe “ESTRUTURA DE CARTEIRA/PERFIL DE RISCO”, foi assinalada a seguinte opção:
“Outras Carteiras (IQUAL), com uma “alocação” de 100,00%, uma “comissão de gestão” de 1,0% e uma “comissão de performance” de 20,0%.
16. O Autor foi qualificado como um “Investidor Não Qualificado ou Não Profissional” no âmbito do contrato celebrado com a 1ª Ré.
17. Essa informação foi também disponibilizada por via de carta enviada pela 1ª Ré, através da qual o Autor tomou conhecimento de que em função dessa sua categorização tinha sido “inserido num perfil CONSERVADOR”, o que conferiria um “Maior nível de proteção, por se tratar de uma categoria de Clientes com menos informação e experiência”.
18. Em momento algum o Autor apresentou perante a 1ª Ré pedido para alteração da categoria de investidor que lhe foi atribuída.
19. Sobre a estratégia de investimento “IQAL”, o Autor recebeu um folheto informativo em língua inglesa intitulado “B Algo Strategy. Foreign Exchange Stategy” (Estratégia Algo B Estratégia de Mercados Cambiais).
20. O investimento inicial realizado pelo Autor junto da 1ª Ré perfez o montante de €75.000,00, cuja transferência para a conta indicada pela 1ª Ré foi ordenada pelo Autor junto da sua instituição bancária no dia 17 de abril de 2019.
21. Desde a fase inicial da relação contratual que o Autor teve problemas ao nível do acesso à sua área de cliente disponibilizada pela 1ª Ré.
22. O “Manual do Investidor” B, para o qual remetem diversas cláusulas do contrato, não foi disponibilizado ao Autor antes da celebração do contrato.
23. O Autor contactou GC – a gestora de cliente que lhe foi atribuída pela 1ª Ré – em diversas ocasiões, tendo-lhe enviado um e-mail a esse respeito no dia 13 de maio de 2019.
24. No dia 14 de maio de 2019, a 1ª Ré disponibilizou-lhe o “Manual do Investidor”.
25. Consta do Ponto 3.1 do Manual do Investidor, relativamente ao Investidos Não Qualificado ou Não Profissional: “Por se tratar de uma categoria de clientes com menos conhecimentos e experiência, beneficia de um nível de proteção maior”.
26. O dito Manual define o investidor com perfil “Conservador” como aquele que: “procura produtos com a garantia do capital investido e rendibilidades que espera pelo menos compatíveis com as taxas de juro de curto prazo. Este investidor é avesso aos principais riscos: de capital, rendimento e liquidez. Assume a preferência por investimentos de capital garantido, com prazo de vencimento mais curto, aos quais pode estar associado uma menor rendibilidade”.
27. No decurso do mês de junho de 2019, o Autor reforçou o seu investimento através da realização de uma transferência complementar para a 1ª Ré no valor de €150.000,00, a qual foi aceite por esta.
28. No dia 29 de julho de 2019, a carteira do Autor estava avaliada no montante de € 229.011,02.
29. O Autor enviou a FA um e-mail, no dia 7 de agosto de 2019, com conhecimento a GC, onde escreveu: “A minha conta jaz aparentemente inerte desde dia 29 de Julho e não devo ter de informá-lo de que não têm faltado tremores nos mercados mundiais. Peço-lhe, portanto (como todas as semanas ou quase) que me faça saber a quantas anda a minha conta (…)”.
30. No dia 8 de agosto de 2019, GC enviou ao Autor um e-mail informado que “infelizmente, o nosso “service provider” não consegue dar resposta às nossas necessidades, pelo que a B optou por descontinuar a estratégia de forma a poder aperfeiçoá-la e não ter novamente estes problemas quando a voltar a colocar em mercado. Deste modo, estamos a fechar todas as posições que estão abertas e serão efectuadas transferências para a sua conta à medida que as posições forem fechando”.
31. Por e-mail enviado no dia 19 de agosto de 2019, GC escreveu: “Conforme referido no email anterior, estamos neste momento a fechar todas as posições que estão em aberto.
A B está a fazer todos os esforços para que se consiga terminar este processo, de preferência antes do prazo previsto, que conforme lhe terá sido referido pelo Dr. C, é um processo que poderá requerer cerca de 3 meses até estar concluído”.
32. No dia 12 de setembro de 2019, o Autor recebeu uma transferência no montante de €10.000,00 realizada pela 1ª Ré.
33. Por e-mail enviado no dia 26 de setembro de 2019, GC escreveu: “Conforme referido em emails anteriores, a B continua com o processo de encerramento desta estratégia, processo este que está a demorar mais tempo do que o inicialmente previsto”.
34. Por e-mail enviado no dia 16 de outubro de 2019 GC escreveu: “Conforme conversa com o Dr. C, informo que a auditoria ainda está a decorrer e que estamos a fazer tudo o que é possível para acelerar o processo”.
35. No dia 9 de dezembro de 2019, o 2º Réu, em resposta a um e-mail do Autor escreveu: “Lamento isto estar a demorar tanto tempo e acima de tudo a causar-te problemas familiares. Contudo a única coisa que posso dizer-te é que irrespectivamente do que se tenha passado com um dos elementos da minha equipa, irás receber todo o dinheiro que tu e a tua família investiu nesta estratégia, sendo este um compromisso pessoal. No entanto, como compreenderás só o poderei fazer depois de terminar este longo processo que, neste momento, não consigo precisar quando terminará”.
36. Após estas comunicações, o Autor solicitou ao 2ª Réu a realização de uma reunião com o propósito de obter mais “esclarecimentos”.
37. No dia 10 de janeiro de 2020, o Autor e a sua mãe deslocaram-se às instalações da 1ª Ré, onde reuniram com o 2º Réu.
38. O 2º Réu limitou-se a apresentar uma descrição da situação em termos vagos.
39. O Autor enviou um e-mail ao 2º Réu, no dia 3 de março de 2020, escrevendo: “O email a concretizar a quantia ainda não chegou, e a minha mãe não sossega nem me dá sossego… por favor”.
40. Ao que o 2º Réu respondeu: “Já pedi que fosse feito. Vai chegar asap”.
41. No dia 5 de março de 2020, GC enviou um e-mail ao Autor, escrevendo: “No seguimento das conversas mantidas com o Dr. C, informamos que a B prevê começar a fazer as transferências do investimento inicial de forma gradual a partir do final do mês de Março”.
42. No dia 1 de abril de 2020, o Autor enviou um e-mail a GC a pedir “pelo menos uma noção do que se passa”.
43. Em resposta, GC, escreveu:
“Em virtude das últimas medidas adotadas e comunicadas pelo Governo Português, no âmbito da pandemia COVID -19, informamos que estamos a tomar todas as medidas necessárias de forma a reduzir os riscos associados ao desenvolvimento do surto e a garantir a continuidade dos serviços prestados.
Neste sentido, vimos por este meio informar que foi implementado o regime de teletrabalho e que a transferência será efetuada com a maior brevidade possível”.
44. O Autor enviou um e-mail ao 2º Réu, no dia 13 de abril de 2020, onde expôs as suas preocupações.
45. Em resposta, o 2º Réu escreveu: “Com esta nova situação, que trouxe novos desafios, e tendo todos a trabalhar em sistema de teletrabalho estou a tentar resolver todas as questões da melhor maneira”.
46. Em 11 de maio de 2020, o Autor recebeu uma carta, assinada pelo 2º Réu na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da B, nos termos da qual:
 “(…)
A B tem por base uma atuação que sempre se pautou pelo rigor e honestidade, e prosseguindo esses valores vem dar-lhe conhecimento de uma situação que se encontra ainda em curso resultando a sua conclusão na defesa dos nossos clientes e respetivos ativos.
Sendo do conhecimento de qualquer investidor que o investimento em instrumentos financeiros pode estar sujeito a riscos que levam à perda de parte ou de todo o capital investido (…).
Também será do seu conhecimento que nos últimos tempos os mercados financeiros têm tido um comportamento atípico (…).
Em consequência de um comportamento atípico nos mercados foi descoberta a atuação ilícita de um colaborador da B que, associada à atuação de uma instituição financeira externa, criaram uma situação que levou a que as carteiras sob gestão da B sofressem perdas.
Procedeu-se de imediato quer à imediata suspensão das transações, quer à suspensão do colaborador, para pormos em curso uma auditoria/investigação interna para apuramento de responsabilidades, que só agora nos permitiu alcançar as conclusões que, desta forma, partilhamos com os nossos Clientes.
Os factos que originaram esta situação tiveram por base a atuação de um colaborador da B e resultaram do desrespeito e da violação dos mecanismos de controlo (manter os níveis de risco nos níveis definidos pelo responsável da área de Investimentos), de reporte (informar e reportar a evolução) e supervisão implementados na B, que culminou com a atuação irregular da já referida instituição financeira.
(…)
A B tudo fará por meios legais para que os seus Clientes possam ser ressarcidos integralmente dos danos que as referidas condutas causaram.
A B efetuou, ainda, uma profunda reformulação de procedimentos de controlo, reporte e supervisão que só agora lhe permitem reatar com a normalidade e regularidade devida, a comunicação e envio de posições de carteira atualizadas aos seus Clientes, assim como a declaração de valias (em anexo) que como poderá verificar repercute a situação descrita (dado que a mesma ainda se encontra em resolução).
(…)”.
47. A 1ª Ré enviou ao Autor uma relação de “Mais Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, com referência ao ano fiscal de 2019, nos termos da qual a sua carteira registou perdas no valor total de €194.999,82.
48. Naquele documento, é feita referência ao “Código” dos “valores mobiliários” como sendo “G51 – Operações relativas a instrumentos financeiros derivados” e sob o “NIF do Emitente” consta “…”, o NIPC da 1ª Ré.
49. No “Manual do Investidor”, os derivados são descritos como:
“instrumentos financeiros cujo valor é calculado com base no valor de um outro instrumento (designado por ativo subjacente)” e “podem ser utilizados para proteção contra riscos financeiros ou para especulação sobre o preço futuro de taxas de juro, taxas de câmbio, mercadorias ou índices financeiros”.
50. Subscrita por advogado, foi enviada à 1ª Ré uma carta, datada de 22 de maio de 2020, como “Interpelação para pagamento dos montantes relativos à carteira do cliente A”.
51. Em resposta a esta interpelação, a 1ª Ré enviou ao Autor uma carta, assinada pelo 2º Réu na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, datada de 1 de junho de 2020, salientando que na data de celebração do contrato o ora Autor declarou “que pretendo investir na estratégia OC-IQAL e que reconheço os riscos associados a esta estratégia”, tendo a totalidade do investimento realizado sido exclusivamente aplicado na referida estratégia”, tendo a totalidade do investimento realizado sido exclusivamente aplicado na referida estratégia, reiterando, não obstante, “que tudo continuará a fazer por meios legais para que os seus Clientes possam ser ressarcidos integralmente dos danos que possam ter sofrido na sequência dos factos oportunamente reportados”.
52. O Autor veio posteriormente a receber quatro comunicações remetidas pela 1ª Ré, datadas de 31 de julho, 4 de setembro, 30 de setembro e de outubro de 2020, respetivamente, onde se indicava o “resumo das carteiras”, total investido, valor atual, valorização da carteira e rentabilidade efetiva (mês) e anual, valorizada em €29.886,45.
53. Nunca os Réus asseguraram qualquer retorno ou garantiram ausência de risco financeiro.
54. Em simultâneo com o contrato de gestão de carteira, o Autor assinou um documento, onde expressamente consta: “Declaro que pretendo investir na estratégia OC-IQAL e que reconheço os riscos associados a esta estratégia”.
55. No Anexo I ao Contrato de Gestão de Carteira (“Condições Particulares”) foi assinalado que “não se estabelecem restrições de mercados relativamente à carteira”.
56. No referido Anexo I, no Ponto “2. Estrutura de Carteira/Perfil de Risco”, consta que “O Cliente pode solicitar em qualquer momento e sem qualquer custo, a alteração do seu perfil de investimento. Deverá para o efeito, efectuar o pedido por escrito, o qual será uma adenda ao presente contrato”.
57. O Autor é fluente na língua inglesa.
58. O contrato de gestão de carteira foi disponibilizado ao Autor para que o pudesse ler e analisar antes da sua assinatura.
59. O Autor nunca solicitou qualquer esclarecimento, informação ou clarificação sobre qualquer das cláusulas do contrato.
60. O Autor apôs a sua assinatura no Contrato após a Cláusula 21ª da qual consta que: “O cliente declara que apenas subscreveu o presente contrato após o ter lido na íntegra (incluindo as Condições Particulares que constituem o seu anexo) e que a B se colocou à sua inteira disposição para prestar todos os esclarecimentos que considerou necessários”.
61. Nos termos da Cláusula 8ª do Contrato de Gestão de Carteira:
“1. A B obriga-se a desenvolver os seus melhores esforços com o objectivo de rentabilizar e valorizar a(s) Carteira(s), mas não poderá ser responsabilizada pelos resultados eventualmente desfavoráveis que sejam resultado de condições/oscilações verificadas nos mercados e desde que tenha actuado com diligência e nos exclusivos interesses do Cliente.
2. Dada a natureza das atividades desenvolvidas e do serviço a prestar pela B, no âmbito do presente contrato, o Cliente reconhece que foi informado e compreende os riscos inerentes à realização de operações sobre instrumentos e activos financeiros. Reconhece ainda, expressamente, que a B não poderá apresentar qualquer garantia ou assumir qualquer obrigação de apresentação de resultados nem de preservação do capital investido”.
62. O folheto informativo menciona o seguinte: “B’s strategy aims to provide capital preservation and a target gross return of 15% to 20% per annum, at the end of the investment horizon.” (A estratégia da B tem como objetivo facultar a preservação do capital e um rendimento bruto estimado de 15% a 20% por ano, no fim do horizonte de investimento).
63. Consta ainda do folheto: “it is important to have an extended investment horizon, which implies a lock in period of 3 years.” (É importante ter um horizonte de investimento alargado, o que implica uma imobilização do capital por um período de três anos).
64. É escrito no mesmo folheto que “past performance is not indicative of future results” (O desempenho passado não é indicativo de resultados futuros).
65. O folheto inclui uma descrição da natureza da estratégia por referência ao “HFRX Global Hedge Fund EUR Index”, em “Benchmark Description”, que evidencia “the strategies are asset weighted based on the distribution of assets in the hedge fund industry.” (As estratégias são baseadas numa composição proporcional de ativos correspondentes à distribuição de ativos na indústria dos fundos de cobertura de risco).
66. A carteira do Autor teve uma valorização positiva no valor de €24.299,48 entre 01 de abril de 2020 e 31 de dezembro de 2020.
Matéria de facto não provada
O tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
 a) no seguimento da conversa, o 2º Réu retorquiu: “para quem quer segurança: B”;
b) a falta de intenção do Autor em voltar a realizar investimentos nos mercados financeiros era do integral conhecimento do 2º Réu;
c) os resultados constantes das tabelas intituladas “Historical cumulative returns” e “Historical monthly returns” surgiam em linha com o que tinha sido apresentado pelo 2º Réu, tendo o Autor interpretado esses dados como sendo efetivos resultados obtidos no passado;
d) até ao momento em que o contrato foi assinado o Autor não se apercebeu de estar em causa uma mera simulação que em nada garantia o desempenho futuro da referida estratégia;
e) o 2ª Réu comunicou que tendo realizado uma “purga” materializada no afastamento dos membros problemáticos da equipa da 1ª Ré, a empresa estava finalmente em condições de retomar a sua atividade;
f) nesse sentido, apresentou duas alternativas ao Autor e à sua mãe: a manutenção do investimento realizado junto da 1ª Ré, de forma a ser reinvestido, ou o reembolso do valor da respetiva carteira;
g) o Autor comunicou ao 2º Réu a sua intenção de que fosse realizada a transferência dos valores para a sua conta;
h) face a isso, o 2º Réu informou o Autor de que o “pagamento” seria realizado assim que possível;
i) o 2º Réu afirmou perante o Autor que, caso fosse necessário, assumiria pessoalmente a responsabilidade pelo pagamento dos valores em questão;
j) em momento algum o Autor considerou que o seu investimento estivesse a ser canalizado para produtos de risco elevado;
l) nas conversas tidas com o Autor este sempre demonstrou um profundo conhecimento de temas económicos e geopolíticos, revelando estar detalhadamente informado e atualizado quanto a estes temas, tendo ainda revelado uma clara compreensão sobre o funcionamento dos mercados financeiros, com que lida há mais de vinte anos;
m) na reunião entre o Autor e o 2º Réu este fez uma explicação detalhada dos eventos;
n) era do perfeito conhecimento do Autor que a estratégia de investimento IQAL é composta do investimento num conjunto proporcional de moedas que pretende replicar a evolução do mercado cambial correspondente às moedas de referência.
*
III.2. Mérito do recurso
III.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Pretende o apelante que sejam considerados provados os factos julgados não provados nos pontos e), f), g) e h) da sentença recorrida.
Nos termos do disposto no art.º 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art.º 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resultando do corpo das alegações de recurso e respectivas conclusões que o recorrente cumpriu minimamente os ónus impostos pelo art.º 640º do CPC, importa apreciar a impugnação da matéria de facto.
São os seguintes os factos [julgados não provados nos pontos e), f), g) e h)] postos em crise, que o recorrente pretende que sejam julgados provados:
e) o 2ª Réu comunicou que tendo realizado uma “purga” materializada no afastamento dos membros problemáticos da equipa da 1ª Ré, a empresa estava finalmente em condições de retomar a sua atividade;
f) nesse sentido, apresentou duas alternativas ao Autor e à sua mãe: a manutenção do investimento realizado junto da 1ª Ré, de forma a ser reinvestido, ou o reembolso do valor da respetiva carteira;
g) o Autor comunicou ao 2º Réu a sua intenção de que fosse realizada a transferência dos valores para a sua conta;
h) face a isso, o 2º Réu informou o Autor de que o “pagamento” seria realizado assim que possível;
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente aos factos não provados da seguinte forma:
“Quanto aos factos não provados, os mesmos assim foram considerados por não ter sido feita prova suficiente ou ter sido feita prova em contrário.
Aquilo que possa ter sido efetiva e concretamente dito na reunião entre o 2º Réu, o Autor e a sua mãe, não ficou minimamente demonstrado. A referida “descontinuação” da estratégia de investimento, não permite concluir nos termos constantes da P.I., no sentido de se entender ter sido acordado o “pagamento” ou o “reembolso” do valor total investido sem mais, de imediato. Do teor dos e-mails trocados, e considerando que a desvalorização da carteira não era definitiva, o que transparece é que se pretendia procurar a recuperação do investimento e ir “reembolsando”, “as soon as possible”, ainda que mesmo com tal propósito não estivessem a ver resultados muito positivos.
No que respeita à alegada assunção pessoal de responsabilidade pelo pagamento “dos valores em questão” pelo 2º Réu, sem prejuízo do teor do e-mail junto, não é possível concluir, apenas pelas declarações do Autor, que assim tivesse sido. Mesmo acreditando no uso da expressão “dou-te a minha garantia pessoal que não irão perder um cêntimo do que investiram” não se consegue a partir daí, e só daí, formar a convicção certa e segura que a vontade declarada era a de assumir pessoalmente uma (qual?) dívida. Tal afirmação pode ser vista, e normalmente é, como uma força de expressão em como todos os esforços vão ser feitos, por quem a expressa, para alcançar um determinado objetivo, o que não equivale a pretender ficar pessoalmente obrigado perante a pessoa a quem se diz.”
O pedido de indemnização formulado pelo autor na presente acção funda-se na violação de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira, exercida pela R. B – Sociedade Gestora de Patrimónios, SA.
Tendo sido declarada a inutilidade superveniente da lide relativamente à 1ª R., face à sua situação de insolvência, sendo a mesma absolvida da instância, o objecto da acção reporta-se apenas ao apuramento da responsabilidade do 2º R. C.
Na alegação recursória, em sede de impugnação da matéria de direito, o recorrente afirma:
Independentemente da decisão que o Venerando Tribunal ad quem venha a proferir sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto supra deduzida, é inquestionável que o Meritíssimo Tribunal a quo andou mal ao considerar que o Recorrido não violou os deveres a que se encontrava no âmbito da sua relação com o Recorrente enquanto Presidente do Conselho de Administração da 1.ª R. – sendo que o anterior segmento do presente recurso apenas poderá vir a alargar a concreta extensão dos atos que consubstanciam essa violação.”
Reconhece, assim, o apelante que a eventual alteração da decisão de facto, julgando-se provada a apontada factualidade dada como não provada, em nada alteraria a decisão, referindo que dos factos provados já se extrai a violação por parte do recorrido dos deveres, nomeadamente de informação, que sobre o mesmo recaíam, pelo que o eventual provimento da impugnação da matéria de facto serviria apenas para evidenciar ainda mais a violação daqueles deveres.
 Como adiante melhor se explicitará, ainda que se considerassem provados os mencionados factos julgados não provados nos pontos e), f), g) e h) da sentença, tal seria absolutamente irrelevante para a decisão.
Ora, a jurisprudência dos Tribunais superiores tem entendido que a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para alcançar a alteração da decisão final.
Assim, face ao carácter instrumental da impugnação da matéria de facto, sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil, designadamente porque ainda que a impugnação da matéria de facto seja procedente, a decisão da causa não sofreria alteração, a reapreciação da matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um acto absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais, não sendo lícito realizarem-se no processo actos inúteis (arts. 2º/1 e 130º do CPC). Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt: TRG 10-09-2015 (Manuela Fialho), P. 639/13.4TTBRG.G1; TRG 11-07-2017 (Maria João Matos), P. 5527/16.0T8GMR.G1; TRP 01-06-2017 (Filipe Caroço), P. 35/16.1T8AMT-A.P1; STJ 17-05-2017 (Fernanda Isabel Pereira), P. 4111/13.4TBBRG.G1.S1; e STJ 13-07-2017 (Fonseca Ramos), P. 442/15.7T8PVZ.P1.S1.
Destarte, carecendo a pretendida alteração factual de qualquer relevo para a decisão, entendemos que a análise da impugnação da matéria de facto, na medida em que não seria susceptível de alterar a sorte do pleito quanto ao apuramento da responsabilidade civil do ora apelado, redundaria num exercício inútil, em violação do disposto no art.º 130º do CPC.
Pelo exposto, por inutilidade, considera-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto.
*
III.2.2. Apreciação jurídica
Insurge-se o apelante contra a sentença recorrida quando aí se afirma que “o Autor não alegou qualquer ação ou omissão do 2º Réu como tendo sido a causa do seu prejuízo”, esgrimindo o recorrente que “alegou diversas condutas do Recorrido como tendo violado deveres que para ele decorriam do CVM e que cuja violação conduziu à ocorrência de danos patrimoniais na sua esfera jurídica, as quais ficaram inclusivamente plasmadas em diversos factos da matéria considerada provada na sentença recorrida.”
Alega que “essas condutas do Recorrido podem ser concretizadas (i) na assunção do compromisso de transferir para o Recorrente o valor do seu investimento, cfr. factos provados n.º 35 e 39 a 41, (ii) na manutenção da opacidade em torno da existência de perdas na carteira do Recorrido e dos motivos que justificavam o protelar da transferência dos valores relativos ao investimento realizado, cfr. factos provados n.º 34 a 41 e 44 e 45, e (iii) na tomada de posição final relativa à justificação das perdas sofridas pelo A. com os riscos inerentes ao contrato, cfr. factos provados n.º 46 a 51.”
Convocando o alegado no art.º 235º da petição inicial e designadamente os artigos 304º/5 e 312º do Código de Valores Mobiliários (CVM, aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, na redacção vigente à data dos factos), sustenta que, em virtude da sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração da 1.ª R., o ora recorrido (2º R.) estava sujeito ao cumprimento dos deveres de informação, de agir com boa fé e de proteger os legítimos interesses do recorrente resultantes da concreta actuação do recorrido, tendo violado tais deveres.
O apelado pugna pela improcedência do recurso, entendendo que o A. não alegou nem provou qualquer facto ou actuação passível de consubstanciar acção ou omissão do recorrido causadora do alegado prejuízo.
Apreciemos.
Com a presente acção pretendeu o A. obter a condenação solidária dos RR. (B – Sociedade Gestora de Patrimónios, SA e C ) no pagamento de indemnização no montante de €219.011,02, acrescida de juros, fundando-se tal pretensão na celebração em 16/4/2019, entre o A. e a 1ª R., de um contrato de gestão de carteira, no âmbito do qual aquele investiu determinada quantia (€75.000 em 17/4/2019 e €150.000 em Junho do mesmo ano), na sequência do que os RR. teriam violado diversos deveres que sobre eles impendiam, inerentes à actividade de intermediação financeira.
Como foi exarado na sentença e se fez menção no relatório supra, o tribunal a quo declarou, em sede de julgamento, a inutilidade superveniente da lide relativamente à (1ª) R. B – Sociedade Gestora de Patrimónios, SA, face à sua situação de insolvência [em face da revogação da autorização para o exercício da actividade da 1ª R., foi requerida a liquidação judicial desta, sendo que, nos termos do art.º 8º/2 do DL n.º 199/2006 de 25/10, essa decisão de revogação da autorização para o exercício da sua atividade produz os efeitos de insolvência] absolvendo-a da instância (decisão transitada em julgado), pelo que a presente acção prosseguiu apenas para apuramento da responsabilidade do (2º) R. C.
Importa, assim, aferir se estão ou não verificados os pressupostos da responsabilidade civil imputada pelo A. ao 2º R/ora recorrido.
Como resulta da factualidade provada, em causa está um contrato de intermediação financeira, concretamente um “contrato de gestão de carteira”, mediante o qual o A. subscreveu um produto financeiro, no caso uma estratégia de investimento, tendo investido inicialmente €75.000 e posteriormente €150.000, alegando ter vindo a sofrer uma perda de €219.011,02, sendo €194.999,82 resultantes da desvalorização da carteira de investimento e €24.011,20 resultantes da falta de transferência do remanescente da sua carteira, à excepção da quantia de €10.000 transferidos em 12/9/2019 (facto provado 32) – cf. conclusão 23 do recurso.
Conforme decorre do art.º 304º/1 e 2 do CVM (versão também em vigor à data da celebração do contrato), os intermediários financeiros devem actuar de acordo com o princípio da boa fé, à luz de elevados padrões de diligência, correcção, lealdade, transparência e probidade comercial. É de assinalar que o nº 2 do citado preceito introduziu um novo padrão de aferição de culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família a que se refere aquele art.º 487º/2 do C. Civil, prescrevendo que “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.”
«O art.º 304º nº 2 estabelece, com efeito, um padrão de diligentissimus pater família, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.»  - v. Gonçalo Castilho, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, p. 210.
No que tange ao específico dever de informação, dispõe o art.º 7º/1 do CVM que “A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.”
Este dever é concretizado no art.º 312º do mesmo diploma, onde se estabelece:
“1 - O intermediário financeiro presta, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo as respeitantes:
a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b) À natureza de investidor não profissional, investidor profissional ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica;
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar:
i) Sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados, incluindo as medidas adotadas para mitigar esses riscos; e
ii) Em qualquer caso, a informação deve ser suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses e cumprir o disposto na legislação da União Europeia;
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, incluindo se o instrumento financeiro se destina a investidores profissionais ou não profissionais, tendo em conta o mercado-alvo identificado;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f) À sua política de execução de ordens, que contém informação sobre os locais de execução e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral ou organizado;
g) À proteção do património do cliente e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;
h)  Ao custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.”
Neste conspecto, pode ler-se no sumário do acórdão do STJ de 28/3/2019, P. nº 3771/16.9T8LRA.L1.S1, in www.dgsi.pt.:
«I. O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no art.º 312.º do CVM, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.
II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).
III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, a descontar o rendimento, entretanto percebido pelo Autor); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).»
Por seu turno, sob a epígrafe “responsabilidade civil”, estatui o art.º 304º A do CVM que:
“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
É à luz deste quadro legal que se deverá analisar a invocada responsabilidade do ora recorrido.
Tal responsabilidade existirá caso se mostrem verificados os requisitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, ou seja: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, sendo que quanto à ilicitude da conduta do intermediário financeiro compete ao cliente/investidor a prova do facto ilícito (cf. ac. STJ de 06/06/13, Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt), para além do nexo de causalidade; já no que se refere à culpa, a mesma presume-se nos termos do nº 2 do supra citado art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.
A este propósito, importa considerar o AUJ 8/2022, de 3 de Novembro, que embora referindo-se ao art.º 314.º do CVM na redação anterior ao DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro de 2007 - correspondente ao actual art.º 304.º-A do CVM - fixou a seguinte jurisprudência, na parte que agora releva (ponto 1): “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.”).
Acresce que, como sumariado nos pontos IX e X. do acórdão do TRL de 13/9/2018, P. 19549/16.7T8LSB.L1-2, relator Jorge Leal:
“IX. A responsabilização do intermediário financeiro por prejuízos causados a clientes no âmbito da atividade de intermediação financeira não acarreta, automaticamente, a responsabilização dos respetivos administradores.
X. A imputação de responsabilidade diretamente ao titular do órgão de administração do intermediário financeiro e/ou às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação pressupõe a alegação e prova de concretas ações ou omissões em que essas entidades tenham incorrido, violadoras dos seus deveres, causadoras de prejuízos aos clientes do intermediário financeiro.”
O tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão em apreço nos seguintes termos:
«Pretende o Autor, em primeira linha, que o 2º Réu, enquanto Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré, seja responsabilizado.
É certo que, nos termos do disposto no artigo 304º, nº 5, do CVM: “Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efetivamente a atividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de atividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência”.
Todavia, conforme se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/09/2018, citado pelo próprio Autor: “A imputação de responsabilidade diretamente ao titular do órgão de administração do intermediário financeiro e/ou às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação pressupõe a alegação e prova de concretas ações ou omissões em que essas entidades tenham incorrido, violadoras dos seus deveres, causadoras de prejuízos aos clientes do intermediário financeiro”.
Ora, a verdade é que o Autor não alegou qualquer ação ou omissão do 2º Réu como tendo sido a causa do seu prejuízo.
Como o próprio Autor reconhece: fica a dúvida sobre se as perdas resultaram “(i) de um comportamento atípico nos mercados”, (ii) da atuação ilícita de um colaborador da B”, (iii) da “atuação de uma instituição financeira externa”, ou (iv) da conjugação de todos estes fatores!”.
Defende ainda o Autor que o 2º Réu prestou uma fiança.
Nos termos do art.º 627º, nº1, do Cód. Civil, “O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”.
Por sua vez, preceitua o nº 1 do art.º 628º do mesmo Código que “A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal”.
A primeira questão que se coloca é a de saber qual o “direito de crédito” em causa, qual a “obrigação principal”? Não está sequer definida.
Em todo o caso, a “declaração” feita, no e-mail enviado pelo 2º Réu ao Autor: “Lamento isto estar a demorar tanto tempo e acima de tudo a causar-te problemas familiares. Contudo a única coisa que posso dizer-te é que irrespectivamente do que se tenha passado com um dos elementos da minha equipa, irás receber todo o dinheiro que tu e a tua família investiu nesta estratégia, sendo este um compromisso pessoal. No entanto, como compreenderás só o poderei fazer depois de terminar este longo processo que, neste momento, não consigo precisar quando terminará”, não consubstancia, de forma alguma, uma declaração expressa da vontade de prestar fiança.
Nesta conformidade, não se vê que possa o Réu ser responsabilizado pela “falta de restituição do capital investido”, pelo que, a ação terá que improceder.»
[realces e sublinhados nossos]
Concordamos inteiramente.
Com efeito, incumbia ao autor, nos termos do art.º 342º/1 do C. Civil, a alegação e demonstração dos factos constitutivos do direito que invocou, ou seja, dos pressupostos da responsabilidade do R., com excepção da demonstração da culpa, que, como vimos, se presume (art.º 304.º-A/2 do CVM).
Analisada a petição inicial, não descortinamos que concretos deveres teriam sido, segundo o autor, incumpridos pelo R. C, limitando-se o autor a tecer considerações genéricas sobre os deveres legais impostas aos intermediários financeiros e, no caso, à ré sociedade (1ª R).
Sublinhe-se que o contrato em causa – “contrato de gestão de carteira” (cf. facto provado 9.) foi celebrado entre o A. e a 1ª R. e não entre o A. e o 2º R., adiantando-se que nada se apurou que permita sustentar, como pretende o recorrente, que o 2º R., Presidente do Conselho de Administração da sociedade 1ª R. (facto provado 2),  se responsabilizou a título pessoal.
Tal como configurada a acção na petição inicial, a ilicitude resultaria do incumprimento por parte da 1ª ré dos deveres de informação a que estava obrigada nos termos do artigo 312º/1 do CVM [v.g. alíneas d) e e)], o que não havia permitido ao A. “obter um grau mínimo de informação sobre os motivos conducentes à perda quase integral do valor da sua carteira”.
Alegou, no essencial, que:
- “face aos diversos motivos invocados sem qualquer detalhe pela 1ª R. na missiva enviada, fica o A. na dúvida sobre se as perdas resultaram (i) “de um comportamento atípico nos mercados”, (ii) da “atuação ilícita de um colaborador da B”, (iii) da “atuação de uma instituição financeira externa”, ou (iv) da conjugação de todos estes fatores.” – cf. art.º 105º da petição inicial.
- (…) a 1ª R. limitou-se a informar o A. de que estariam em causa investimentos em instrumentos financeiros derivados e a disponibilizar os dados necessários para o preenchimento do respetivo quadro G51 da declaração de IRS – cf. art.º 106º.
- O A. veio posteriormente a receber quatro comunicações remetidas pela 1ª R. e datadas de 31 de julho, 4 de setembro, 30 de setembro e 31 de outubro de 2020, respetivamente, onde se indicava que a carteira de investimento do A. – de acordo com os dados mais recentes, valorizada em €29.886,45 – continuava a ser canalizada para a estratégia de investimento “OC-IQAL1” (cfr. doc. nº 34, 35, 36 e 37 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais) – art.º 120º
- Muito o A. estranhou esta situação, considerando que a 1ª R. lhe tinha comunicado a descontinuação da estratégia de investimento em questão no dia 8 de agosto de 2019 (vide doc. nº 19) – art.º 121º
- … bem como considerando a indicação expressa dada pelo A. à 1ª R. em diversas ocasiões – e, inclusivamente, perante o próprio 2º R. – de que pretendia que as quantias integrantes da sua carteira de investimento fossem transferidas para a sua conta, ao invés de serem reinvestidas. – art.º 122º
- Infelizmente, o que resulta das últimas comunicações enviadas pela 1ª R. é um desfecho contrário tanto às posições anteriormente assumidas pelos R./R., como às indicações expressamente dadas pelo A. – art.º 123º
- Até ao momento, o A. ainda não recebeu qualquer pagamento relativo ao valor por si peticionado, e cuja subtração ao seu património resultou – e continua a resultar – diretamente da atuação supra descrita dos R./R.- art.º 124º
No que respeita ao (2º) R. C, o A. limitou-se a alegar que “resulta dos factos aduzidos que o 2º R., Presidente do Conselho de Administração da 1ª R., teve uma atuação que deve igualmente conduzir à sua responsabilização pessoal, considerando o disposto no artigo 304º nº5 do CVM.” (art.º 234º da petição); e “Isto porque o 2º R. teve uma intervenção direta junto do A. em diversos momentos chave que conduziram à violação das normas legais supra identificadas: (i) na angariação do A. enquanto cliente e na formação da sua vontade em contratar com a 1ª R.; (ii) na assunção do compromisso de transferir o valor da carteira de investimento para a conta do A.; (iii) na manutenção da opacidade em torno dos motivos que justificaram o protelar da transferência dos valores devidos ao A.; e (iv) na tomada de posição final relativa à justificação dos danos sofridos pelo A. com os riscos inerentes ao contrato.” (art.º 235º da petição inicial)
Ora, da factualidade julgada provada não podemos extrair que com a sua actuação tivesse o R. C, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da B - Sociedade Gestora de Patrimónios, SA (entretanto, em situação de insolvência), violado qualquer dos deveres legais de informação ou emergentes do contrato celebrado com o A. 
Senão vejamos.
Decorre da factualidade apurada, no que respeita ao objecto do “contrato de gestão de carteira” subscrito pelo A. e pela R. sociedade,  que “o Cliente confere mandato à B para administrar quaisquer valores que integrem a(s) Carteira(s) que venha(m) a ser criada(s) de acordo com o definido no Anexo I, conferindo-lhe, consequentemente, plenos poderes para, em seu nome e, ou, por sua conta e de forma discricionária, comprar, vender, subscrever e resgatar valores mobiliários, em Portugal e no estrangeiro, qualquer que seja a sua natureza, forma de representação e rendimento, exercer quaisquer direitos inerentes a esses valores mobiliários, bem como constituir instrumentos do mercado monetário e cambial, e, em geral, praticar todas as operações que lhe estão legalmente autorizadas.” – facto provado 10.
Ficou assente que o contrato foi disponibilizado ao autor para que o pudesse ler e analisar antes da sua assinatura (facto 58); o autor nunca solicitou qualquer esclarecimento, informação ou clarificação sobre qualquer das cláusulas do contrato (facto 59); e o autor apôs a sua assinatura no contrato após a cláusula 21ª da qual consta que: “O cliente declara que apenas subscreveu o presente contrato após o ter lido na íntegra (incluindo as Condições Particulares que constituem o seu anexo) e que a B se colocou à sua inteira disposição para prestar todos os esclarecimentos que considerou necessários” (facto 60).
Ao A., enquanto investidor não qualificado ou não profissional”, foi disponibilizada informação, tomando ele conhecimento de que havia sido inserido num “perfil conservador” (facto 17).
Provou-se igualmente, relativamente ao dever de informação, que “1. Mensalmente, ou com outra periodicidade convencionada com o Cliente, mas não superior a 3 meses, a B enviará ao Cliente informação sobre a gestão dos investimentos efetuados no âmbito deste contrato, nomeadamente a composição e valorização da Carteira e respetiva rentabilidade, no período e nos últimos 12 meses a descrição dos movimentos a crédito e débito resultantes das transações realizadas, sem prejuízo de manter disponíveis para consulta do Cliente todos os documentos de suporte dos movimentos realizados na(s) Carteira(s).”
Extraimos também dos factos 20 e 27 que o A. investiu inicialmente, em 17/4/2019, o montante de €75.000 e posteriormente, em 29/7/2019, reforçou o seu investimento com mais €150.000.
O A. foi sendo informado acerca da evolução do investimento, tomando conhecimento, logo em Agosto de 2019, da descontinuidade da estratégia, seguindo-se troca de diversos emails (factos 30, 31, 33, 34, 35, 39, 41, 43, 44, 45), reunião para obter esclarecimentos (facto 36), emails enviado ao A. pelo 2º R. (factos 46 e 51), sendo referido na carta datada de 1 de Junho de 2020 assinada pelo 2º Réu na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, que na data de celebração do contrato o ora Autor declarou “que pretendo investir na estratégia OC-IQAL e que reconheço os riscos associados a esta estratégia”, tendo a totalidade do investimento realizado sido exclusivamente aplicado na referida estratégia”, reiterando, não obstante, “que tudo continuará a fazer por meios legais para que os seus Clientes possam ser ressarcidos integralmente dos danos que possam ter sofrido na sequência dos factos oportunamente reportados” (facto 51).
Mais se provou que “Nunca os Réus asseguraram qualquer retorno ou garantiram ausência de risco financeiro.” (facto 53); e “Em simultâneo com o contrato de gestão de carteira, o Autor assinou um documento, onde expressamente consta: “Declaro que pretendo investir na estratégia OC-IQAL e que reconheço os riscos associados a esta estratégia” (facto 54); Nos termos do ponto 2 da Cláusula 8ª do Contrato de Gestão de Carteira: “Dada a natureza das atividades desenvolvidas e do serviço a prestar pela B, no âmbito do presente contrato, o Cliente reconhece que foi informado e compreende os riscos inerentes à realização de operações sobre instrumentos e activos financeiros. Reconhece ainda, expressamente, que a B não poderá apresentar qualquer garantia ou assumir qualquer obrigação de apresentação de resultados nem de preservação do capital investido”.
Retiramos, seguramente, do acervo apurado que o A. foi devidamente informado da natureza e características do produto financeiro que decidiu subscrever, assim como dos riscos específicos associados aos instrumentos financeiros contidos na estratégia de investimento, sabendo que a mesma não era isenta de riscos e que não havia garantia do retorno do capital investido, circunstâncias que, aliás, não seriam estranhas ao A., dado que o mesmo no passado realizou investimentos que registaram elevadas perdas (títulos obrigacionistas emitidos pela então Portugal Telecom – facto provado 7).
O A. pretendia, com a presente acção, a condenação solidária dos RR.
Não estando aqui em apreciação a conduta da R. sociedade (que o tribunal a quo absolveu da instância), cabe pronunciarmo-nos apenas quanto ao R. C, cuja responsabilidade, enquanto Presidente do Conselho de Administração da 1ª R., tem de ser aferida à luz do supra citado art.º 304º/5 do CVM, o que implica necessariamente a verificação quanto ao 2º R. dos aludidos pressupostos da responsabilidade civil em matéria de intermediação financeira.
Fundando-se o pedido de indemnização emergente de responsabilidade civil na alegada violação do dever de informação por parte do R., competia ao lesado (A.) indicar qual ou quais o/s concreto/s deveres não cumpridos, especificando qual o facto que foi omitido, ou que falsa ou incorretamente lhe foi transmitido, e expondo a relevância objectiva dessa deficiente representação da realidade na formação da sua vontade de subscrever a estratégia de investimento (vide, neste sentido, acórdão proferido nesta Secção em 25/9/2018, Proc. n.º 7615/17.6T8LSB.L1, relator Carlos Oliveira).
Assim, o ora A. não logrou cumprir o ónus de prova do concreto ilícito que invocou como fundamento da presente ação, porquanto não se provou qualquer incumprimento de deveres de intermediário financeiro por parte do R., não resultando da matéria de facto provada que tenha sido praticado qualquer facto ilícito ao mesmo imputável. Nem ficou demonstrado que o R. não tenha agido de boa fé ou que não tenha agido de forma diligente, ou que tenha prestado um serviço contrário aos interesses do cliente, em violação do disposto nos arts. 304º e 311º do CVM.
Não se verificando o primeiro pressuposto da responsabilidade civil, improcede necessariamente o pedido formulado contra o R., mostrando-se prejudicada a apreciação dos restantes pressupostos.
Em síntese conclusiva, tendo improcedido a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e não merecendo censura a análise jurídica da sentença, impõe-se a sua confirmação.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (artigo 527º do CPC).
Registe e notifique.
*
Lisboa, 21 de Maio de 2024
Ana Mónica Mendonça Pavão
Paulo Ramos de Faria
Micaela Marisa da Silva Sousa