Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5527/16.0T8GMR.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
FACTOS JURIDICAMENTE RELEVANTES
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:

I. Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).

II. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

III. Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado totalmente improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1ª Adjunta - Rita Maria Pereira Romeira;
2ª Adjunta - Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente.

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Maria, residente na Rua da …, em Guimarães, J. P., residente na Rua …, em Vila Nova de Famalicão, E. P., residente na Rua …, em Guimarães, M. P., residente na Rua …, em Guimarães, G. P., residente na Rua de …, em Guimarães, J. P., residente na Travessa …, em Guimarães, A. P., residente na Rua do …, em Guimarães, e F. P., residente na Rua …, em Guimarães, (aqui Recorrentes), propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C. P., residente na Rua do …, em Guimarães, (aqui Recorrido), pedindo que:

· o Réu fosse condenado a reconhecer que pertence à herança de A. P. a quantia de € 23.486,93 (sendo € 18.160,00 a título de capital, e € 5.326,93 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva legal, contados desde o óbito de A. P. até à data da propositura da acção), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa legal, sobre a quantia de capital, contados desde 04 de Outubro de 2016 até integral pagamento;

· fosse declarada a perda do direito que o Réu tem na parte do dinheiro da herança de A. P. aqui reivindicado, em benefício dos restantes co-Herdeiros (aqui co-Autores).

Alegaram para o efeito, em síntese, que sendo todos filhos e herdeiros de A. P., falecido em 19 de Maio de 2009, e tendo o Réu antes de tal óbito levantado de Instituição Bancária parte do dinheiro que àquele pertencia, comunicou-lhes depois da morte do comum Progenitor que o mesmo havia deixado € 30.160,00 em dinheiro, o que lhe reiterou em 19 de Agosto de 2013, em ambas as ocasiões por escrito.
Mais alegaram que, tendo o Réu prometido restituir à herança aquela quantia, não o fez, não obstante interpelado para o efeito, nomeadamente pela cabeça-de-casal, aqui 1ª co-Autora (Maria); e, sendo para isso judicialmente demandado por ela, ficou então provado que pertencia efectivamente à herança a quantia de € 12.000,00 (por ter sido levantada após o óbito de A. P.), da qual o Réu apenas usara € 4.378,80 para pagamento de despesas da responsabilidade da herança, sendo por isso condenado a restituir-lhe € 7.621,20.
Relativamente aos remanescentes € 18.160,00 (€ 30.160,00 - € 12.000,00) objecto desta acção, foi a Cabeça-de-Casal considerada naquela outra parta ilegítima para os reivindicar, já que teriam sido levantados antes do óbito de A. P., cabendo por isso essa legitimidade ao conjunto dos co-Herdeiros.
Por fim, os co-Autores alegaram que, tendo o Réu sonegado dolosamente bens da herança (nomeadamente, a quantia aqui reclamada), não teria direito aos mesmos, nos termos do art. 2096º do C.C..

1.1.2. Regularmente citado, o Réu (C. P.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente, sendo ele próprio absolvido dos pedidos formulados.
Alegou para o efeito, em síntese, que tendo ficado provado na acção movida pela 1ª co-Autora (Maria), na qualidade de cabeça-de-casal, contra si, que, à data do óbito de A. P., apenas existia um saldo na conta bancária solidária em causa de € 12.000,00, não lhe poderia estar a ser aqui exigida a quantia de € 18.160,00.
Mais alegou estarem a ser desvirtuados os documentos em que teria referenciado a quantia de € 30.160,00 como pertença de A. P., porque os co-Autores propositadamente não referiram a sua utilização para pagamento de despesas ocorridas antes do seu óbito, de cerca de € 17.824,59, conforme ele próprio também lhes justificara (apenas por lapso lhes tendo afirmando que, à data da abertura da herança, a conta bancária tinha o saldo de € 30.160,00, quando lhes deveria ter dito que - possuindo antes aquele valor - restavam na altura € 12.355,00, por já ter empregue € 17.824,50 na satisfação de despesas várias).

1.1.3. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: saneador (reconhecendo tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da acção em € 23.486,93; definindo o objecto do litígio («apurar as consequências de alegada apropriação indevida de dinheiro pelo Réu, de conta propriedade do falecido»); apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para a realização da audiência de julgamento.

1.1.4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Face ao exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo o Réu C. P. dos pedidos efetuados.
(…)»
*
1.2. Recurso (fundamentos)
Inconformados com esta decisão, os co-Autores interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado provido e revogada a sentença recorrida, sendo substituída por acórdão que julgasse a acção totalmente procedente.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):
1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como demonstrados factos que omitiu no elenco dos provados, importando por isso ampliá-lo, por forma a que se aditasse um primeiro novo («O Réu em 19/05/2009, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, o documento junto com a petição inicial como nºs 2 e em19/08/2013, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, os documentos juntos com a petição inicial como documento nº 3, 4, 5 e 6»), e um segundo novo («O autor da herança, A. P. recebia três reformas, num montante global de cerca de € 800,00 (oitocentos euros) com os quais suportava despesas de € 600,00 (seiscentos euros), desde setembro de 2007»).

5 - Ora, da prova produzida em audiência, dúvidas não restam, que as “duas ocasiões distintas” em que o Réu comunicou aos restantes herdeiros que o progenitor tinha deixado a quantia de € 30.160,00, ocorreram após a morte do referido progenitor.

6 - Veja-se os concretos meios probatórios que fundamentam estes factos, designadamente, o depoimento e declarações de parte do próprio Réu, que foram gravados em registo digital no sistema informático “Citius” em uso no Tribunal “a quo”, nos termos do art. 155º, nºs 1 e 2, do CPC e que constam da respetiva gravação, de 14:37:51 a 15:11:20, foram acima transcritos e que, por brevidade, aqui se dão como reproduzidos.

7 - Embora da ata de audiência de julgamento não conste a respectiva assentada do depoimento do Réu, a verdade é que este, no seu depoimento, confirmou que as comunicações que efetuou aos restantes herdeiros ocorreram depois da morte do progenitor, tendo inclusive referido que os documentos entregues por si, estavam datados.

8 - Dos respetivos documentos facilmente se pode constatar a existência da data de 19/05/2009, ou seja, a data da morte do autor da herança, aposta nos documentos nº 2, 3, 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial e a data de 19/08/2013, aposta nos documentos nºs 3, 4, 5 e 6 juntos com o mesmo articulado.

9 - Do depoimento do Réu/Apelado, também resulta inequivocamente, que ele entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, os referidos documentos juntos com a petição inicial como documentos nºs 2, 3, 4, 5 e 6, o que aliás, resulta também do próprio texto da douta sentença recorrida, designadamente, da sua motivação de facto.

10 - Por isso, deveria ser dado como provado que o Réu em 19/05/2009, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, o documento junto com a petição inicial como nºs 2 e que em 19/08/2013, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, os documentos juntos com a petição inicial como documentos nºs 3, 4, 5 e 6.

11 - Da prova produzida em audiência de julgamento com relevância para uma boa decisão da causa, designadamente, para aferir da veracidade da versão do Réu, relativamente às despesas efetuadas com o dinheiro pertencente ao progenitor, é também muito importante analisar as declarações de parte prestadas pela autora E. P., gravadas em registo digital no sistema informático “Citius” em uso no Tribunal “a quo”, nos termos do art. 155º, nºs 1 e 2, do CPC e que constam da respetiva gravação, de 15:54:28 a 16:08:00, acima transcritas e que, por brevidade, aqui se dão como reproduzidas.

12 - Assim, dúvidas não restam que o autor da herança, A. P. recebia três reformas, num montante global de cerca de € 800,00 (oitocentos euros) com os quais suportava as suas despesas de € 600,00 (seiscentos euros), desde Setembro de 2007.

13 - Estes montantes, podem ser confirmados pela análise do extrato da conta bancária do autor da herança (Doc. nº 9 da petição inicial) e o referido depoimento não foi contrariado por qualquer forma na prova produzida na audiência de julgamento.

14 - Por isso, deveria também ser dado como provado que o autor da herança, A. P. recebia três reformas, num montante global de cerca de € 800,00 (oitocentos euros) com os quais suportava as suas despesas de € 600,00 (seiscentos euros), desde setembro de 2007.

2ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como provados factos considerados na sentença recorrida como indemonstrados, sendo esse o caso de «ter o Réu levantado o dinheiro antes de 19/05/2009 sem autorização do pai ou em proveito próprio» (ficando antes provado que «o referido A. P., na data da sua morte ou seja, em 09/05/2009, deixou como parte da respetiva herança a quantia em dinheiro de € 30.160,00 (trinta mil cento e sessenta euros»), e de «ter o Réu ocultado o dinheiro da herança» (ficando antes provado que «Réu, com a sua descrita conduta, procurou sonegar o dinheiro que pertencia à herança, ocultando dolosamente a sua existência, evidenciado o desígnio fraudulento de apropriação do mesmo dinheiro, para o fazer exclusivamente seu»).

15 - Da matéria de facto deveria ser também dado como assente que o autor da herança, o referido A. P., na data da sua morte ou seja, em 09/05/2009, deixou como parte da respetiva herança a quantia de € 30.160,00 (trinta mil cento e sessenta euros).

16 - De facto, da conjugação da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, a prova documental, testemunhal e dos depoimentos e declarações de parte do próprio Réu e dos Autores, e ainda segundo as regras da experiência e senso comum, esta seria a única conclusão lógica e fundamentada.

17 - Com efeito, é verdade que o Réu é tinha acesso à conta bancária do pai há vários anos.

18 - É também verdade que desde a data em que o pai ficou doente e acamado, ou seja, desde setembro de 2007, que o Réu começou a administrar sozinho a referida conta bancária do pai, designadamente, o dinheiro depositado, as reformas e as despesas.

19 - Também não está em causa na presente ação o montante de € 59.000, 00 (cinquenta e nove mil euros) que o Réu levantou da conta bancária do pai (pois mais ninguém o poderia ter feito), durante o período em que este estava acamado, ou seja, desde setembro de 2007 a 22/05/2009, embora pelas regras de experiência e senso comum, seja manifesto que tais levantamentos não têm qualquer justificação legítima, em face das despesas mensais do autor da herança.

20 - O que está em causa na presente ação, é o montante em dinheiro, que o referido A. P. deixou em herança na data da sua morte, que era pelo menos o de € 30.160,00.

21 - Este facto, é o que resulta inequivocamente da análise dos documentos nºs 2 e 3, 4, 5 e 6, entregues pelo Réu/Apelado, a todos ou a quase todos os Autores/Apelantes, após a morte do progenitor.

22 - Também não existe qualquer dúvida que tais documentos são da autoria do Réu, pois ele próprio a assumiu e resulta da motivação de facto da douta sentença recorrida.

23 - É certo que tais documentos não estão assinados pelo Réu e que, por isso, o seu valor probatório é livremente apreciado pelo tribunal.

24 - Agora, o que nos parece absolutamente contrário à prova produzida e às regras de experiência e senso comum, é concluir como se concluiu na douta sentença recorrida, ou seja, concluir que, embora o Réu tivesse comunicado aos restantes herdeiros, que o progenitor tinha deixado a quantia de € 30.160,00, isso se tratou de um lapso nas contas, no montante de cerca de € 17.824,50 de despesas, pois o que o Réu pretendia comunicar era que, o valor deixado era de apenas € 12.335,50.

25 - Aliás, veja-se que tal lapso, a existir, que não existiu, teria que ser repetido pelo menos por duas, vezes, pois a primeira comunicação verificou-se, logo após a morte do autor da herança, ocorrida em 19/05/2009, acompanhada pelo Doc. nº 2 e a segunda comunicação verificou-se em 19/08/2013, acompanhada dos documentos nºs 3, 4, 5 e 6.

26 - Acresce que as despesas alegadamente efetuadas pelo Réu no montante de € 17.824,50, não foram dadas como provadas e na sua maioria eram anteriores à morte do autor da herança e as que foram provadas, foram-no no processo que correu termos na Comarca de Braga, Instância Local de Guimarães, Secção Cível – J4, com o n.º 1705/15.7T8GMR, no qual foram descontadas ao dinheiro existente.

27 - A explicação do alegado lapso e das despesas apresentada pelo Réu no seu depoimento e declarações de parte é completamente inverosímil como se verifica pela gravação em registo digital no sistema informático “Citius” em uso no Tribunal “a quo”, nos termos do art. 155º, nºs 1 e 2, do CPC e que constam da respetiva gravação, de 14:37:51 a 15:11:20, acima transcritos, que, por brevidade, aqui se dão como reproduzidos.

28 - Do depoimento e declarações do Réu, é manifesto que ele tenta fazer-se passar por ignorante, quando da análise dos documentos se verifica que ele tinha perfeita noção daquilo que estava a fazer e a comunicar aos restantes herdeiros.

29 - Acresce que, da análise dos documentos, verifica-se manifestamente que o Réu, como comerciante que era, tinha perfeita noção da forma como os documentos foram elaborados, usando os sinais matemáticos apropriados, designadamente o sinal “-“ (menos) para as despesas e o sinal “+” (mais) para os créditos.

30 - Aliás, o tribunal “a quo” ao aceitar a explicação do Réu, fá-lo em manifesta violação do disposto no artigo 236º do Código Civil.

31 - De facto, a declaração efetuada pelo Apelado, quer verbalmente, quer através dos referidos documentos, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236º do Código Civil).

32 - Ora, dúvidas não restam que o Réu declarou aos restantes herdeiros que o pai tinha deixado a quantia em dinheiro de € 30.160,00. Que foi isso que os restantes herdeiros, como declaratários, entenderam dessa declaração. E que, seria sempre esse o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, poderia deduzir do comportamento do declarante.

33 - Assim, conjugando toda a prova produzida deveria ser dado como assente que o autor da herança, o referido A. P., na data da sua morte ou seja, em 09/05/2009, deixou como parte da respetiva herança a quantia de € 30.160,00 (trinta mil cento e sessenta euros).

34 - É ainda manifesto que o Réu, com a sua descrita conduta procurou sonegar o dinheiro que pertencia à herança, ocultando dolosamente a sua existência, evidenciado o desígnio fraudulento de apropriação do mesmo dinheiro, para o fazer exclusivamente seu.
3ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e aplicação das normas legais consideradas (face à alteração da matéria de facto que defendeu nas prévias alegações do seu recurso), importando por isso alterar a decisão e mérito (julgando-se procedente a acção).

37 - Pugna-se assim, pela prolação de acórdão que, emanado deste Venerando Tribunal da Relação, revogue a decisão recorrida, determine a alteração das respostas à matéria de facto da douta sentença recorrida nos termos sobreditos (art. 662º do C.P.C.) e, em consequência, julgue a acção totalmente procedente e por via dela, decida:
a) Ser o Réu condenado a reconhecer que pertence à herança deixada por óbito A. P. a quantia em dinheiro no montante de € 18.160,00 (dezoito mil, cento e sessenta euros), ordenando-lhe a sua restituição à mesma herança aqui representada pelos autores, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados da data do óbito do autor da herança até à entrega efetiva do dinheiro, juros que nesta data se liquidam em € 5.326,93 (cinco mil trezentos e vinte e seis euros e noventa e três cêntimos); e
b) ser declarada a perda do direito que o réu tem na parte do dinheiro da herança reivindicado na presente ação, em benefício dos restantes coherdeiros aqui autores.
*
1.3. Contra-alegações
O Réu (C. P.) contra-alegou, pedindo que fosse negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Alegou para o efeito, em síntese:

1 - Ter a prova produzida sido correctamente avaliada, não se justificando qualquer aditamento do elenco dos factos provados e diminuição do elenco dos factos não provados.

2 - Mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgado, mostrar-se a sentença correctamente proferida.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma

. permitia dar como demonstrados factos que omitiu no elenco dos provados, importando por isso ampliá-lo, por forma a que aditasse ali um primeiro novo («O Réu em 19/05/2009, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, o documento junto com a petição inicial como nºs 2 e em19/08/2013, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, os documentos juntos com a petição inicial como documento nº 3, 4, 5 e 6»), e um segundo novo («O autor da herança, A. P. recebia três reformas, num montante global de cerca de € 800,00 (oitocentos euros) com os quais suportava despesas de € 600,00 (seiscentos euros), desde setembro de 2007»);

. permitia dar como provados factos considerados na sentença recorrida como indemonstrados, sendo esse o caso de «ter o Réu levantado o dinheiro antes de 19/05/2009 sem autorização do pai ou em proveito próprio» (ficando antes provado que «o referido A. P., na data da sua morte ou seja, em 09/05/2009, deixou como parte da respetiva herança a quantia em dinheiro de € 30.160,00 (trinta mil cento e sessenta euros»), e de «ter o Réu ocultado o dinheiro da herança» (ficando antes provado que «Réu, com a sua descrita conduta, procurou sonegar o dinheiro que pertencia à herança, ocultando dolosamente a sua existência, evidenciado o desígnio fraudulento de apropriação do mesmo dinheiro, para o fazer exclusivamente seu») ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação das normas legais consideradas (nomeadamente, face ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto feita), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, julgando a acção totalmente procedente) ?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância
3.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, foram considerados provados os seguintes factos (aqui reordenados - lógica e cronologicamente - e renumerados):

1 - Desde 16 de Abril de 1990 que o Réu (C. P.) tinha sido autorizado a movimentar a conta bancária, no Banco A, de A. P., seu pai e dos aqui co-Autores.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

2 - Desde 2007, altura em que o estado de saúde de A. P. se deteriorou, que os Filhos (aqui irmãos, co-Autores e Réu) acordaram que seria o Réu a cuidar do património daquele, gerindo o dinheiro no interesse daquele.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

3 - Desde 2007 até 22 de Maio de 2009, foram levantados da referida conta bancária € 59.000,00 (cinquenta e nove mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 7)

4 - No dia 19 de Maio de 2009, na freguesia de …, concelho de Guimarães, faleceu A. P., no estado de viúvo de E. P., sucedendo-lhe como únicos herdeiros nove filhos, aqui co-Autores e Réu, já habilitados.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

5 - O Réu comunicou aos restantes Herdeiros, em duas ocasiões distintas, que o Progenitor havia deixado a quantia de € 30.160,00 (trinta mil, cento e sessenta euros, e sero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

6 - A 1ª co-Autora (Maria) assumiu o cargo de cabeça-de-casal da herança deixada por óbito do seu Pai; e, nessa qualidade, intentou contra o Réu uma acção com processo comum, que correu termos na Comarca de Braga, Instância Local de Guimarães, Secção Cível - J4, com o n.º 1705/15.7T8GMR, onde pedia que o ali (e aqui também) Réu fosse condenado a entregar a referida quantia de € 30.160,00, correspondente ao montante em dinheiro da herança.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3)

7 - Por sentença transitada em julgado, foi o Réu condenado a restituir à herança a quantia de € 7.621,20, correspondente à diferença entre o montante levantado da conta bancária depois da data da morte, acrescido do subsídio de funeral (€ 12.000,00 + € 1.585,00), e as despesas da herança por si suportadas (€ 5.963,80), tendo ainda sido decidido que a Autora, desacompanhada dos demais herdeiros, não podia exigir a quantia correspondente ao montante levantado antes da morte.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 4)
*

3.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão do Tribunal de 1ª Instância, foi considerado que, com «interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa, nomeadamente, que o Réu tenha ocultado dinheiro da herança, que tivesse levantado o dinheiro antes de 19/05/2009 sem autorização do pai ou em proveito próprio; que o Réu entregou, na mesma altura, outros documentos».
*
3.2. Modificabilidade da decisão de facto
3.2.1. Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
*
3.2.2. Âmbito da sindicância do Tribunal da Relação
Lê-se ainda, no nº 2, als. a) e b) do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.).
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3.2.2.1.1. Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo).

Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1) - , vêm sendo firmadas as seguintes orientações:

. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1);


. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo nº 1458/10.5TBEPS.G1);

. a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1);

. dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no nº 1 do art. 640º (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1);

. o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório);

. cumpre o ónus do art. 640º, nº 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 476/09.oTTVNG.P2.S1);

. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1);

. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1, e Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 449/10.0TVVFR.P2.S1);

. não deve ser rejeitado o recurso se o recorrente seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1);

. a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
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3.2.2.1.2. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto
Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10).
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3.2.2.2. Concretizando, considera-se que os co-Autores (Recorrentes) cumpriram o ónus de impugnação que lhes estava cometido pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C. (conclusão distinta de saber se, ao tê-lo feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).
Com efeito, indicaram nas suas conclusões de recurso: os concretos pontos de facto que consideraram incorrectamente provados (no caso, o ter-se omitido no elenco dos factos provados da sentença recorrida factos relevantes - um relativo aos documentos entregues pelo Réu aos Autores, e outro relativo às reformas auferidas por A. P. - , e o terem-se ali considerados não demonstrados dois factos que se encontrariam provados - relativos à composição da herança de A. P. e à sonegação de bens feita pelo Réu); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (no caso, as declarações de parte prestadas quer pelo Réu, quer pela 3ª co-Autora, e os documentos entregues pelo Réu aos o-Autores, juntos com a petição inicial); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o aditarem-se ao elenco dos factos provados da sentença recorrida dois novos, e o terem-se como provados dois outros nela considerados como não provados, relativos à composição da herança de A. P. e à sonegação de bens feita pelo Réu).

Prosseguindo na verificação do cumprimento do ónus de impugnação a cargo dos co-Autores, e relativamente ao juízo crítico próprio, assentou o mesmo numa diferente valoração feita dos depoimentos de parte prestados pelo Réu e pela 3ª co-Autora (E. P.), bem como numa diferente valoração os documentos entregues pelo Réu aos o-Autores, juntos com a petição inicial.
Crê-se, assim, que estará este Tribunal da Relação em condições de poder proceder (nos limites autorizados pelo art. 640º do C.P.C.) à reapreciação da matéria de facto pretendida pelos Recorrentes.
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3.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

3.3.1. Factos novos pretendidos aditar ao elenco dos provados (relativos a documentos entregues pelo Réu aos co-Autores, e relativo às reformas auferidas por A. P.)

Vieram os co-Autores (Recorrentes) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entenderem que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria que se dessem como demonstrados factos omitidos no elenco dos provados, importando por isso ampliá-lo, por forma a que se aditassem dois novos, um primeiro relativo a documentos entregues pelo Réu aos co-Autores («O Réu em 19/05/2009, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, o documento junto com a petição inicial como nºs 2 e em19/08/2013, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, os documentos juntos com a petição inicial como documento nº 3, 4, 5 e 6»); e um segundo, relativo às reformas auferidas por A. P. («O autor da herança, A. P. recebia três reformas, num montante global de cerca de € 800,00 (oitocentos euros) com os quais suportava despesas de € 600,00 (seiscentos euros), desde setembro de 2007»).

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, são ambos os factos ora pretendidos aditar inócuos e insuficientes para - de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados - alteraram a decisão da causa.

Com efeito, ficou assente nos autos, como facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2, que o «réu comunicou aos restantes herdeiros, em duas ocasiões distintas, que o progenitor havia deixado a quantia de € 30.160,00», consubstanciando o primeiro facto pretendido aditar apenas a precisão instrumental das ocasiões, e da forma, como esse reconhecimento foi feito («O Réu em 19/05/2009, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, o documento junto com a petição inicial como nº 2 e em19/08/2013, entregou aos restantes herdeiros, ou a quase todos, os documentos juntos com a petição inicial como documento nºs 3, 4, 5 e 6»).
Tendo essa precisão ficado desde logo reconhecida como correspondendo à realidade na motivação da decisão de facto da sentença recorrida (nomeadamente, quando nela se escrever que o «Réu admite que entregou a cada herdeiro os papeis juntos aos autos (fls. 23, v. a 25 v.)»), não foi a mesma vertida para o elenco dos factos provados por ser meramente instrumental daquele outro, ali enunciado sob o número 2.
Ora, e ainda que o aditamento agora pretendido realizar pelos co-Autores fosse concretizado, seria inócuo para alterar a decisão de mérito proferida, que repousa exclusivamente na alteração do elenco dos factos enunciados como não provados na sentença recorrida (relativos às alegadas composição da herança, e à sonegação dos seus bens pelo Réu).

Da mesma forma se entende relativamente ao segundo facto pretendido aditar, ex novo, pelos co-Autores, ao elenco dos factos provados (desta feita, relativo às reformas, e respectivos montantes, auferidas por António Pereia).
Com efeito, ficaram assentes nos autos, como factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 6 e sob número 7, que, desde «2007, altura em que o estado de saúde do pai se deteriorou, que os irmãos, aqui Autores e Réu, acordaram que seria o Réu a cuidar do património daquele, gerindo o dinheiro no interesse daquele» e que desde «2007 até ao 22/05/2009, foram levantadas da referida conta bancária 59.000 €», consubstanciando o segundo facto pretendido aditar apenas a eventual precisão instrumental da forma como o património de A. P. foi sendo alimentado ao longo dos anos.
Tendo essa precisão ficado desde logo reconhecida como correspondendo à realidade na motivação da decisão de facto feita na sentença recorrida (nomeadamente, quando nela se escreveu que o Réu, «desde que o pai ficou acamado, cerca de dois anos antes de falecer, continuou a gerir o dinheiro das pensões, depositadas na referida conta»), não foi a mesma vertida para o elenco dos factos provados por ser meramente instrumental daqueles outros, ali enunciados sob os números 6 e 7.
Ora, e de novo, ainda que o aditamento agora pretendido realizar pelos co-Autores fosse concretizado, seria inócuo a alterar a decisão de mérito proferida, que - conforme já se disse - repousa exclusivamente na alteração do elenco dos factos enunciados como não provados na sentença recorrida (relativos às alegadas composição da herança, e à sonegação dos seus bens pelo Réu).

Logo, e por falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir, rejeita-se o conhecimento do recurso relativo à pretensão dos co-Autores de verem aditados ao elenco dos factos provados dois novos, um primeiro relativo ao tempo e ao modo com comunicou aos restantes herdeiros que A. P. havia deixado a quantia de € 36.160,00, e um segundo relativo ao modo como o património deste ia sendo alimentado pelas pensões que recebia.
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3.3.2. Factos relativos à fazer parte da herança de A. P. a quantia de € 30.160,00 (facto não provado enunciado na sentença recorrida como «ter o Réu levantado o dinheiro antes de 19/05/2009 sem autorização do pai ou em proveito próprio»)

Vieram os co-Autores (Recorrentes) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entenderem que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria dar como provado o facto considerado na sentença recorrida como indemonstrado, relativo a «ter o Réu levantado o dinheiro antes de 19/05/2009 sem autorização do pai ou em proveito próprio» (ficando antes provado que «o referido A. P., na data da sua morte ou seja, em 19/05/2009, deixou como parte da respetiva herança a quantia em dinheiro de € 30.160,00 (trinta mil cento e sessenta euros»).

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes.
Assim, ponderou a mesma para este efeito:
«(…)
Relativamente aos restantes factos, o tribunal formou a sua livre convicção na ponderação crítica e confronto entre os meios de prova produzidos, as regras da experiência e o senso comum, tendo em conta as regras próprias da repartição do ónus da prova.
Dos depoimentos prestados nos autos, quer por partes, quer pelas testemunhas – que são todas familiares diretos e com interesse quase idêntico às partes -, resulta de forma unânime que o réu tinha acesso à conta do pai já há vários anos, tratando dos pagamentos determinados por este, e que desde que o pai ficou acamado, cerca de dois anos antes de falecer, continuou a gerir o dinheiro das pensões, depositadas na referida conta, sem que alguma vez tenha sido levantado qualquer problema.
Mesmo agora, não resultou dos autos, por qualquer meio de prova apresentado, que o Réu tenha levantado qualquer das referidas quantias sem autorização do pai ou em proveito próprio, prova que os Autores deveriam fazer, sendo certo que, como foi referido na sentença proferida nos autos n.º 1705/15.7T8GMR, a quantia levantada em vida do pai não pertence ao acervo hereditário, podendo apenas constituir uma dívida do Réu à herança, no montante correspondente ao que ilegitimamente se apropriou.
Nestes autos, os Autores limitaram-se a alegar que o Réu apresentou aos herdeiros um papel onde consta que na conta do pai existiam € 30.160 e, portanto, pedem que o réu entregue tal quantia à herança (descontado do já decidido no processo antecedente).
O Réu admite que entregou a cada herdeiro os papéis juntos aos autos (fls. 23 v. a 25 v.). Este documento, ainda que a autoria seja assumida pelo Réu, desprovido de assinatura e sem conteúdo declarativo contrário aos interesses do declarante, não tem eficácia probatória legal. Quer isto dizer que o seu coeficiente probatório é apreciado livremente pelo tribunal (artigo 366.º do Código Civil), de acordo com os outros elementos constantes dos autos.
E os elementos dos autos são parcos e não chegam para afastar as dúvidas levantadas, sendo certo que, desde logo, e efetivamente, a conta apresentava como saldo, à data da morte, a quantia de € 12.335,50, de acordo com o que resulta dos extratos juntos e da sentença proferida, que apenas considerou tal quantia como pertença ao acervo hereditário.
Assim, a referida quantia teria de ter sido antes levantada pelo réu, não podendo afirmar, por não alegado nem provado, que foi contra a vontade do titular.
Apenas o réu tinha acesso à conta e as despesas efetivamente feitas em vida do de cujus, confirmando as testemunhas e partes o seu desconhecimento, sendo o seu pedido sustentado apenas nos referidos papéis.
Ademais, o Réu junta uma relação de despesas efetuadas ao longo dos últimos anos, em vida do pai, no montante de € 17.824,50, tendo juntado documentos (fls. 105 e ss.) comprovativos do dispêndio de algumas das quantias, justificando assim, que o montante referido se tratou de um lapso, por não considerar as despesas efetuadas em vida. A estas verbas haveria ainda de se considerar o gasto mensal de € 600 para o lar e alimentação, ao longo de cerca de dois anos.
Não se podendo concluir em que condições o Réu levantou as quantias em vida do pai, e tendo existido vários gastos, não postos em causa pelos Autores, não se pode concluir do documento entregue pelo Réu que a quantia efetivamente existente na esfera do de cujus fosse a peticionada.
Não existiu qualquer prova dos restantes factos tidos como não provados.
(…)»

Face ao exposto, e antes de mais, enfatiza-se (para evitar futuras confissões) o que se julga decorrer claramente da sentença recorrida: a quantia em dinheiro de € 30.160,00, dita como fazendo parte da herança, só revestiria essa qualidade se tivesse sido integralmente levantada após a morte de A. P., pois, conforme resulta do art. 2031º do C.C., a «sucessão abre-se no momento da morte do seu autor»; e, tendo sido levantada antes da dita morte, constituiria quanto muito (isto é, provado outra adicional factualidade) um crédito da herança (provando-se que, sendo integralmente pertença de A. P., não fora gasta de acordo com a sua indicação, ou em seu proveito, tendo-se antes o Réu locupletado com ela, podendo por isso ser-lhe em vida exigida pelo seu único e legítimo Proprietário e, após a morte deles, pelos respectivos Herdeiros).
Assim, e precisando, face à primeira hipótese (ter sido a quantia de € 30.160,00 levantada da conta solidária de A. P. e do Réu depois da morte daquele), ficou provado em prévia acção judicial, e aqui aceite pelas partes, que naquela data o saldo da dita conta era apenas de € 12.000,00. Logo, e tal como explicitado supra, só esta quantia fez parte da herança de A. P..
Já relativamente ao remanescente de € 18.600,00 (reclamado nestes autos pelos co-Autores), constituiria o mesmo um crédito da herança, caso o Réu, tendo-a levantado antes do óbito do seu Proprietário, se tivesse apropriado dela, ou a tivesse utilizado em proveito próprio, cabendo indiscutivelmente aos co-Autores o ónus das respectivas alegação e prova (conforme art. 342º, nº 1 do C.C.).

Pretendendo os mesmos tê-lo satisfeito pelo alegado reconhecimento feito pelo Réu, em documento manuscrito que lhes entregou, de que a conta de A. P., em 19 de Maio de 2009, teria um saldo de € 30.160,00, reiterando esse reconhecimento em novo documento dactilografado que lhes entregou, com o mesmo conteúdo.
Contudo, e tal como ajuizado pelo Tribunal a quo, e igualmente aceite pelos co-Autores (Recorrentes), não se mostrando qualquer um desses dois documentos assinados pelo Réu, nem contendo claro e inequívoco reconhecimento da realidade de um facto que lhe fosse desfavorável e favorecedor da parte contrária, não pode valer como confissão (arts. 352º, 355º, nº 1 e nº 4, 358º, º 3 e nº 3, e 374º, todos do C.C.), sendo antes tais documentos livremente valorados pelo Tribunal (arts. 366º do C,C.).
Ora, e compulsados os mesmos, resulta do seu teor literal que a «Conta do Pai», ou o «Total da conta do Pai», era de € 30.160,00, mas não que esta quantia correspondesse ao seu saldo à data da respectiva morte (o que, reitera-se, sempre estaria desmentido pela anterior decisão judicial, aqui aceite pelos co-Autores).
Prosseguindo, veio o Réu veio: alegar que, tendo de facto levantado cerca de € 18.600,00 da dita conta solidária que possuía com o Pai, antes da morte deste, o fez por sua indicação e em proveito da manutenção do seu património, conforme estava autorizado desde 2007 pelos restantes Irmão, face à deterioração do estado de saúde e A. P.; explicar que o prendido reconhecimento de que toda a quantia de € 30.160,00 pertencia ao Pai, e que foi levantada da sua conta bancária (inequívoco), não pretendia equivaler ao reconhecimento de que existia à data a sua morte, tendo os escritos por si entregue aos demais Herdeiros, se lidos desse modo, resultado de um lapso seu (reportando-se a data ali indicada, de 19 de Maio de 2009, não ao saldo bancário existente ao óbito, mas à actualização de contas - receitas versus despesas - então passível e ser feita); e provar a realização de algumas das despesas invocadas.
Reconhece-se que, não sendo esta alegação do Réu a única conforme com o teor dos documentos em causa, não deixa de colher nos mesmos, e na demais matéria provada (v.g. relativa ao efectivo saldo bancário existente à data do óbito, à administração do património do Pai cometida pelos demais Irmãos desde 2007, à movimentação que fazia da conta solidária do Pai com o conhecimento de todos desde 1990, e à total ausência de anteriores suspeitas ou reacção sobre a sua idoneidade ou probidade para o efeito), verosimilhança.
Precisa-se, ainda, que não é de aplicar à interpretação de tais documentos as regras previstas nos arts. 236º e 237º, ambos do C.C. (conforme o defendem os co-Autores, nas suas alegações de recurso), uma vez que estão reservadas para as declarações negociais, o que manifestamente não é o caso dos documentos entregues pelo Réu aos seus Irmãos (v.g. não lhes propondo nos mesmos a celebração de qualquer negócio).
Ora, recorda-se, cabendo aos co-Autores o ónus da prova de que o Réu, tendo levantado antes da morte de A. P. a quantia de € 18.600,00, o fez sem o consentimento ou a autorização deste, e se apropriou dela em proveito próprio (e não ao Réu a prova da factualidade contrária) - como facto constitutivo do crédito da herança que aqui pretenderiam ver reconhecido - , não só não alegaram tais factos, como os mesmos não resultam provados dos documentos por si eleitos para os certificarem, ainda que conjugados com os depoimentos prestados em audiência (conforme audição integral e respectiva a que se procedeu).
Admite-se porém, sem dificuldade, que tais documentos constituam um princípio de prova, nomeadamente tendo presente que terá sido o próprio Réu quem os elaborou, ou - pelo menos - que foi ele quem os entregou aos demais Herdeiros, e que, estando habituado a administrar o património de A. P., seria expectável que ali fosse cuidadoso e rigoroso.
Contudo, cabendo aqui aos co-Autores fazer a prova afirmativa de uma realidade (que o Réu fez sua a quantia de € 18.6000,00, nomeadamente por não a ter despendido na conservação do património do Pai de todos eles), e não apenas o beneficiaram da fraqueza ou insuficiência da mera contraprova da realidade oposta feita pelo Réu (de que ele próprio efectivamente afectou aquela quantia em benefício da conservação do património de A. P.), não atingiu aquele referido princípio de prova o standard exigível para que se tivessem como demonstrados os factos que beneficiavam os co-Autores.
Reitera-se, por isso, aqui o juízo do Tribunal a quo, quando o mesmo afirmou que «os elementos dos autos são parcos e não chegam para afastar as dúvidas levantadas», num inequívoco reconhecimento que alguma prova foi feita pelos co-Autores, não atingindo porém o grau de suficiência exigível para que se tivesse por certa a sua tese.

Assim, e por falta de fundamento, improcede o recurso de impugnação da matéria de facto, apresentado pelos co-Autores (Recorrentes), relativo à sua pretensão de se alterar o facto não provado da sentença recorrida como «ter o Réu levantado o dinheiro antes de 19/05/2009 sem autorização do pai ou em proveito próprio» (substituindo-se por um outro, certificando que «o referido A. P., na data da sua morte ou seja, em 19/05/2009, deixou como parte da respetiva herança a quantia em dinheiro de € 30.160,00»).
*
3.3.3. Factos relativos à sonegação de bens da herança pelo Réu (facto não provado enunciado na sentença recorrida como «ter o Réu ocultado o dinheiro da herança»)

Vieram os co-Autores (Recorrentes) defender ainda a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entenderem que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria dar como provado o facto considerado na sentença recorrida como indemonstrado relativo a «ter o Réu ocultado o dinheiro da herança» (ficando antes provado que «Réu, com a sua descrita conduta, procurou sonegar o dinheiro que pertencia à herança, ocultando dolosamente a sua existência, evidenciado o desígnio fraudulento de apropriação do mesmo dinheiro, para o fazer exclusivamente seu»).

Precisa-se, decalcando de muito perto as alegações de recurso dos co-Autores, que eles próprios reconhecem que a pretendida prova deste facto resultaria do sucesso da prévia impugnação de facto realizada, como conclusão necessária do seu êxito: isto é, provando-se que o Réu se teria efectivamente locupletado, em benefício próprio, com € 30.160,00 pertença de seu pai, negando-o quando demandado judicialmente para os restituir, seria então manifesto que teria intentado sonegar bens da herança daquele.
Com efeito, assim se lêem as alegações de recurso, quando nas mesmas se escreveu (com bold apócrifo):
«(…)
Por último, é manifesto que o Réu, com a sua descrita conduta, procurou sonegar o dinheiro que pertencia à herança, ocultando dolosamente a sua existência, evidenciado o desígnio fraudulento de apropriação do mesmo dinheiro, para o fazer exclusivamente seu.
Assim, este facto também deveria ser dado como provado depois de reapreciada a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, os documentos e depoimentos gravados e acima transcritos.
(…)
34 - É ainda manifesto que o Réu, com a sua descrita conduta procurou sonegar o dinheiro que pertencia à herança, ocultando dolosamente a sua existência, evidenciado o desígnio fraudulento de apropriação do mesmo dinheiro, para o fazer exclusivamente seu.
35 - Por isso, este facto também deveria ser dado como provado depois de reapreciada a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, os documentos e depoimentos gravados e acima transcritos.
(…)»

Ora, não tendo os co-Autores logrado êxito na prévia impugnação da decisão de facto (nomeadamente, demonstrando que «o referido A. P., na data da sua morte ou seja, em 19/05/2009, deixou como parte da respetiva herança a quantia em dinheiro de € 30.160,00»), ficou igualmente por provar s sonegação de bens imputada por eles ao Réu.

Logo, e por falta de fundamento, igualmente improcede o recurso de impugnação da matéria de facto, apresentado pelos co-Autores (Recorrentes), relativo à sua pretensão de alterar o facto não provado enunciado na sentença como «ter o Reu ocultado dinheiro da herança» (substituindo-se por um outro, certificando que «o Réu, com a sua descrita conduta, procurou sonegar o dinheiro que pertencia à herança, ocultando dolosamente a sua existência, evidenciando o desígnio fraudulento de apropriação do mesmo dinheiro, para o fazer exclusivamente seu»).
*
Mantém-se, assim, integralmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, e não o tendo os co-Autores logrado, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, nº 2 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelos co-Autores, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos co-Autores (Maria, J. P., E. P., M. P., G. P., J. P., A. P. e F. P.,), e, em consequência em confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelos respectivos Recorrentes (artigo 527º, nº 1 e nº 2 do CPC).
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Guimarães, 11 de Julho de 2017.


(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(2ª Adjunta) (Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)

Consigna-se que a Exmª 1ª Adjunta (Sr.ª Juíza Desembargadora Rita Maria Pereira Romeira) votou em conformidade a decisão exarada supra, que só não assina por não se encontrar presente.
(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)