Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14415/20.4T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: DIREITO DE RESOLUÇÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – [O art.º 432/2 do CC] estabelece […] um limite legal (de sentido preclusivo) ao exercício do direito de resolução (e por uma impossibilidade absoluta [e objectiva] de restituição originada, em regra, por um facto imputável ao titular ocorrido antes da “declaração” resolutiva) […].” […A] mera impossibilidade temporária e “subjectiva” (v.g., relativa à restituição pelo vendedor das prestações já pagas […] não é impeditivo de resolução.”
II – Uma cláusula resolutiva não está condicionada (art.º 270 do CC) se a cláusula se limita a dizer que se o contrato for resolvido a parte terá que, no prazo de 10 dias, pagar um certo montante, sem dizer que a resolução fica sem efeito se esse montante não for pago.
III - A declaração de resolução de um contrato que não seja divisível, como no caso dos autos, tem de ser dirigida a todos os devedores, no caso de pluralidade destes.
IV – Se a cláusula resolutiva prevê que a comunicação tem de ser feita por carta registada com aviso de recepção (artigo 223/1 do CC), a comunicação só é válida e eficaz se for feita por esse meio.
V – Uma cláusula “resolutiva” sem fundamento e sem “dinheiro do arrependimento” não é válida.
VI – Equivale, com excesso, a incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da ré a conjugação da declaração de resolução infundada e sem o exigido a/r, com (i) a declaração de que não iria  cumprir o contrato, (ii) a falta de comparência à escritura do contrato definitivo para que entretanto foi convocada, e (iii) a invasão da fracção prometida vender e despejo por via de facto do promitente comprador.
VII – Deve ser integrado (artigo 239 do CC) o contrato-promessa que, prevendo várias outras situações que revelam que não se quis deixar a ocupação da fracção sem contrapartida, no entanto acaba por não se prever essa contrapartida para a hipótese de o contrato-promessa ser resolvido por incumprimento da ré promitente vendedora. Pelo que, ao abrigo de uma regra que integre o contrato, a ré tem direito a receber do 1.º autor um valor que a indemnize dessa ocupação. 
VIII – Se o possuidor altera a coisa durante a ocupação, o proprietário tem o direito de a repor no estado original à custa dele.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

PA e JC intentaram uma acção declarativa comum contra RJ, pedindo que:
a\ seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os autores e a ré em 21/06/2018, por incumprimento definitivo imputável à promitente vendedora (ré); e, em consequência, condenada esta (i) a devolver aos autores o dobro da importância que destes recebeu a título de sinal: 57.376,94€ ao 1.º autor, 5265,50€ ao 2.º autor; e, cumulativamente, (ii) ao pagamento ao 1.º autor de 1287,57€, a título de reembolso das despesas [bancárias] em que incorreu.
b\ Ou, em alternativa, caso assim não se entenda, a ré seja condenada no que é pedido em a\ por resolvido o contrato-promessa pela ré.
c\ E, em qualquer dos casos, com juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, até ao efectivo e integral pagamento, sendo que, no caso do pedido alternativo, tais juros devem ser contados desde a data de vencimento da dívida, ou seja, desde 29/09/2019.
Para o efeito, em síntese, alegaram que celebraram um contrato-promessa de compra e venda com a ré, em razão do qual lhe entregaram diversas quantias a título de sinal; mais tarde, a ré enviou comunicação ao 1.º autor destinada a rescindir o contrato, tencionando vender a fracção a terceiro; não obstante, a ré jamais devolveu, nem pagou, qualquer quantia pecuniária aos autores, de tudo o que lhe foi prestado no âmbito do negócio; apesar de terem marcado a escritura de compra e venda, a ré, promitente vendedora, não compareceu na data e local da escritura; o incumprimento definitivo do contrato-promessa é exclusivamente imputável à ré, que não só deixou de comparecer na outorga da escritura pública agendada, como clarificou a sua intenção de não cumprir ao que antes se obrigou.
A ré contestou, com vista à improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos, e formulou reconvenção contra os autores, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de 22.450,66€, a título de indemnização pela ocupação do imóvel descrito nos autos, no período compreendido entre 21/06/2018 e Junho de 2020, assim como nas despesas em que a ré incorreu na manutenção e nas reparações necessárias a colocar o imóvel apto ao fim a que se destina, após a desocupação, em Julho de 2020, pelo 1.º autor, quantia à qual deverão acrescer os juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento; operando-se a devida compensação entre os créditos dos autores e os da ré, caso o peticionado por aqueles venha a ser parcialmente procedente (a título subsidiário).
Alegou, em suma, que o incumprimento definitivo do contrato-promessa não pode ser imputável exclusivamente à ré, que resolveu atempada e validamente o contrato e, nesse sentido, terá apenas de devolver o sinal em singelo e as despesas em que os autores hajam incorrido na celebração do contrato-promessa e com a obtenção do crédito junto do banco; o montante global entregue pelos autores à ré, por conta do contrato-promessa e como sinal ou reforço de sinal, cingiu-se a 31.280,32€; as entregas mensais de dinheiro à ré tiveram que ver com a ocupação do imóvel em si pelo 1.º autor, no pressuposto de que o contrato viria a ser cumprido, em nada se relacionando com o pagamento do respectivo preço do imóvel; no período compreendido entre 21/06/2018 e Junho de 2020, o 1.º autor manteve-se no imóvel, ocupando-o desprovido de título, sendo devedor à ré, por essa ocupação, de 17.130€; após a desocupação do imóvel pelo 1.º autor e em virtude da actuação deste, a ré teve a necessidade de fazer reparações e obras de manutenção na fracção, as quais ascenderam ao valor de 5320,66€.
Os autores replicaram, pugnando pela improcedência da reconvenção deduzida, por não provada, com excepção do que se refere ao peticionado na alínea (a) do seu artigo 77, no valor de 111,17€.
(este TRL aproveitou neste relatório o relatório da sentença recorrida)
Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente: declara resolvido o contrato-promessa, por incumprimento definitivo imputável à ré; em consequência, condena a ré a devolver aos autores o dobro da importância que dos mesmos recebeu a título de sinal, sendo 57.376,94€ ao 1.º e 5265,50€ ao 2.º; com juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor (= 4 % ao ano), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; absolve a ré do pedido a\(ii). E, julgando parcialmente procedente a reconvenção, declara que o montante de 111,17€ é compensado a favor da ré/reconvinte, a deduzir aos 57.376,94€, assim perfazendo 57.265,77€ a pagar ao 1.º autor; absolvendo os autores do demais.
A ré recorreu da sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue improcedente a acção e procedente o pedido reconvencional - impugnando a decisão da matéria de facto e a decisão de direito.
Os autores contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.
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A ré, pessoalmente, já na pendência deste recurso neste TRL, apresentou documentos. Os autores pronunciaram-se no sentido da sua inadmissibilidade e do seu desentranhamento.
Este processo é um recurso, pelo que as partes têm que estar representadas por advogados (art.º 40/1-c do CPC). Para além disso, a junção de documentos num recurso tem, necessariamente, de levantar questões de direito, nem que seja para demonstrar o preenchimento dos pressupostos da admissibilidade dos documentos (artigos 423/2, 425 e 651 do CPC).
Assim sendo, o requerimento não é admissível e os documentos não podem ser admitidos, tendo que ser desentranhados, o que implicará a condenação da ré em multa (art.º 443/2 do CPC e 27/1-4 do RCP), que se fixa em 3 UC, porque a ré, pessoalmente, já fez vários outros requerimentos do mesmo género durante o processo, decorrendo deles e do respectivo resultado que ré sabe perfeitamente que não pode actuar de tal modo (a acção tem valor superior à alçada do tribunal) e que tal tem inevitáveis reflexos na tramitação processual, e não se condena em montante superior por desconhecimento do que é que se verifica quanto aos outros factores do art.º 27/4 do RCP.
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Questões a resolver: se o contrato não devia ter sido declarado resolvido por incumprimento da ré e se, por isso, os autores não têm direito à condenação desta nos pedidos; no caso de considerar que os autores não tinham este direito a esse título, importa ainda saber se não o terão à mesma, agora por resolução do contrato pela ré; em qualquer dos casos, importa ainda saber se a ré tem direito à indemnização pela ocupação do imóvel e ainda ao pagamento das despesas e reparações pedidas, com juros; no caso afirmativo, fica a questão da eventual compensação de créditos.
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Estão dados como provados os seguintes factos [tendo o facto 21 a redacção com rasura e itálico que resulta da decisão da impugnação da matéria de facto pela ré deduzida pela ré]:
1\ Em 21/06/2018, os autores e a ré celebraram entre si um contrato-promessa de compra e venda, pelo qual aqueles prometeram comprar, e esta prometeu vender-lhes, livre de ónus e encargos, pelo preço de 220.000€, a fracção autónoma designada pela letra H, correspondente ao 3.º andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Paço de Arcos […] (cf. documentos de fls. 25 a 32).
2\ Foi convencionado entre autores (promitentes compradores) e ré (promitente vendedora) que a escritura de compra e venda prometida seria outorgada a partir do dia 21/02/2020, cabendo aos primeiros marcar tal escritura (cf. documento de fls. 25 a 29).
3\ Para esse efeito, os autores dispunham do prazo de dois meses contado desde o dia 21/02/2020, ou seja, a escritura de compra e venda deveria ser marcada e celebrada entre o dia 21/01/2020 e o dia 21/03/2020.
4\ Para tanto, os autores estavam obrigados a, com 10 dias de antecedência sobre a data marcada para a outorga da escritura de compra e venda, notificar a ré da aludida marcação, indicando o dia, a hora e o local designados para a outorga.
5\ O contrato-promessa previa a possibilidade de os contraentes o resolverem unilateralmente, mediante comunicação à outra parte feita por carta registada com aviso de recepção até 120 dias antes do dia 21/01/2020.
6\ E, para que fosse resolvido pela promitente vendedora, estava a ré obrigada a, no prazo de 10 dias contados da comunicação, devolver aos promitentes compradores o sinal em singelo, acrescido do pagamento das despesas em que estes tivessem incorrido com a celebração do contrato-promessa e, ainda, das despesas que estes tivessem pago para obtenção de crédito para pagamento do preço.
7\ A partir de meados de Setembro de 2019, a ré impôs aos autores, como condição para a realização do contrato definitivo, um aumento do preço contratado, exigindo aos promitentes compradores 270.000€ (cf. documentos de fls. 33 a 37).
8\ Os autores não aceitaram esse valor – o qual entenderam ser extremamente inflacionado em face do preço contratado e especulativo em face das características do imóvel, e que viram como uma violação do contrato-promessa –, mas tentaram, ainda assim, uma negociação do preço convencionado, propondo-se pagar um valor superior ao contratado (cf. documento de fls. 35 a 37).
9\ A ré mostrou-se intransigente, dando como justificação que a sua mãe (que não é parte no contrato nem titular de qualquer direito quanto ao imóvel prometido) havia renegociado o crédito hipotecário que incide sobre o mesmo e que, por isso, não aceitava valor inferior a 270.000€ (cf. documento de fls. 35 a 37).
10\ De igual modo, jamais a ré devolveu aos autores o sinal em singelo, nem os reembolsou das despesas, conforme previa a cláusula 9.ª/2 do contrato-promessa (cf. documento de fls. 25 a 29).
11\ (…) Não o fez na íntegra, ou em parte.
12\ Até à presente data, a ré nunca pagou qualquer quantia aos autores.
13\ Tendo sempre recusado pagar a totalidade do valor suportado pelos autores, a ré alegou, nomeadamente, que todas as quantias pagas mensalmente pelos promitentes compradores não deviam ser consideradas como reforços de sinal.
14\ A ré enviou ao 1.º autor a carta que se encontra documentada a fls. 187v e 188 (aqui dada como integrada), com a data de 19/09/2019, sob registo e com aviso de recepção, que a recebeu, a comunicar a rescisão do contrato-promessa, invocando, para o efeito, exclusivamente (…) motivos familiares, e com o assunto rescisão do contrato-promessa e agenda para a devolução do sinal em singelo, acompanhada de uma minuta de acordo de revogação do contrato-promessa para análise (cf. docs. de fls. 38 a 39v, 187v e 188).
15\ A ré enviou ao 2.º autor a comunicação electrónica documentada a fl. 188v (e-mail aqui dado como integrado), com a data de 19/09/2019 (hora: 08:23), que o 2.º autor recebeu, à qual a primeira anexou missiva de teor idêntico à do ponto 14 supra, bem como a da dita minuta de acordo de revogação (cf. doc. de fls. 188v a 190).
16\ A ré enviou ao 2.º autor a carta documentada a fls. 190v (aqui dada como integrada), com a data de 23/12/2019, sob registo e com aviso de recepção, com o e-mail e seu anexo indicados no ponto 15 supra, e com o mesmo assunto rescisão do contrato-promessa e agenda para a devolução do sinal em singelo (cf. doc. de fls. 190v).
17\ Os autores responderam à ré, em 08/10/2019, por meio de carta registada com aviso de recepção e por e-mail, que o contrato não havia sido validamente resolvido, desde logo, por falta de cumprimento do disposto na sua cláusula 9.ª, razão pela qual o contrato-promessa se mantinha integralmente válido em vigor e a produzir os seus efeitos (cf. docs. de fls. 40 a 49v).
18\ (…) E os autores marcaram a outorga da escritura prometida para o dia 12/03/2020, às 11h, na sede da CGD, sita em Lisboa.
19\ Em 21/02/2020, por meio de carta registada com aviso de recepção e por meio de e-mail remetidos à ré, os autores notificaram-na, com a devida antecedência, para a realização da escritura de compra e venda prometida (cf. docs de fls. 50 a 57v).
20\ Embora a ré promitente vendedora tivesse tomado conhecimento da marcação da escritura, esta não compareceu à sua outorga (cf. doc. de fls. 58 e 59).
21\ No dia, hora e local marcados, esteve presente para outorgar a escritura de compra e venda o 1.º autor, o qual se encontrava em plenas condições para esse efeito, sendo que a não celebração de tal escritura se deveu apenas à falta de comparência da  não tendo comparecido a ré promitente vendedora (cf. doc. de fls. 58 e 59).
22\ A ré remeteu aos autores várias mensagens escritas e, também, e-mails, afirmando que não iria vender-lhes o imóvel (cf. docs de fls. 60 a 64).
23\ No respeitante à forma de pagamento do preço, o contrato-promessa previa na sua cláusula 3.ª que fosse efectuado do modo seguinte:
1\ O 2.º outorgante [promitentes compradores] entrega a título de sinal, na data de assinatura do presente contrato, 11.650€ à 1.ª outorgante [promitente vendedora], comprometendo-se a 1.ª outorgante a emitir o recibo da quantia entregue após confirmação do seu efectivo pagamento.
2\ O 2.º outorgante fará mensalmente e até à data da escritura a entrega de 660€ para reforço de sinal e pagamento da fracção, comprometendo-se a 1.ª outorgante a emitir recibos de todas as quantias entregues.
3\ Foi acordado que o 2.º outorgante poderá fazer entregas adicionais de quantias dentro das suas possibilidades à 1.ª outorgante, para reforço de sinal e pagamento da fracção, desde que a 1.ª outorgante não se oponha expressamente a tal.
4\ […].                                       
5\ O valor remanescente será pago no acto da escritura de compra e venda.
6\ A posse do imóvel objecto deste contrato-promessa, é nesta data, atribuída pela 1.ª outorgante ao 2.º outorgante, cessando a partir da presente data os pagamentos pela ocupação da fracção objecto do presente contrato” (cf. doc. de fls. 25 a 29).
24\ O 1.º autor pagou à ré, na data de outorga do contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, 11.650€ (cf. docs. de fls. 65 a 67v).
25\ A título de reforço de sinal e continuação de pagamento, o 1.º autor pagou mensalmente à ré 660€, o que fez durante 20 meses (entre Agosto de 2018 e Março de 2020, ambos inclusive), no montante total de 13.200€ (cf. docs. de fls. 68 a 94v).
26\ No dia 30/08/2018, os autores pagaram à ré, a título de reforço de sinal, 5000€, tendo sido 2.367,25€ pagos pelo 1.º autor e 2632,75€ pagos pelo 2.º autor (cf. docs. de fls. 95 a 99).
27\ Também a título de reforço de sinal, o 1.º autor pagou à ré 10€/mensais durante 20 meses, entre os meses de Agosto de 2018 e Março de 2020, ambos inclusive, num total de 200€ (cf. docs de fls. 100 a 107v).
28\ Durante toda a vigência do contrato-promessa, os autores sempre pagaram os montantes a que estavam obrigados a título de sinal e reforço de sinal.
29\ A ré sempre recebeu todos os reforços de sinal dos autores e, por várias vezes, foi a ré quem lhes solicitou que efectuassem pagamentos a esse título, designadamente pagamentos extraordinários de contribuições e impostos que a ela cabia pagar.
30\ Nos termos da cláusula 5.ª/2 do contrato-promessa:
Todas as obrigações inerentes à fracção objecto deste contrato-promessa, tais como taxas, impostos, seguros, imputáveis à 1.ª outorgante [ré], serão da responsabilidade desta até à data da outorga da escritura pública de compra e venda” (cf. docs de fls. 25 a 29).
31\ Porém, a título de reforço de sinal e a pedido da ré, foram pagas as seguintes despesas inerentes à fracção objecto de tal contrato, pelo 1.º autor e que cabia à ré suportar: IMI de 2018, no montante de 245,48€, e correspondente multa no montante de 19,10€ (cf. doc. de fls. 100 e 100v); IMI de 2019, no montante de 245,19€ (cf. doc. de fls. 108 e 108v).
32\ Foram pagos pelo 1.º autor, a título de reforço de sinal, a fim de ser emitida a guia para pagamento de IMT necessária à realização da escritura de compra e venda marcada, os IMI e as custas em 3 processos de execução fiscal, movidos contra a ré, sob os números […], nos montantes respectivos de 179,02€, 272,25€ e 269,28€ (cf. docs de fls. 109 a 114).
33\ Parte das quantias acima referidas foi suportada pelo 1.º autor directamente a agente de execução, em virtude de ter sido notificado da penhora desse crédito da ré no âmbito de processo executivo e para fazer a entrega dos montantes respectivos à ordem da agente de execução (cf. documentos de fls. 92 a 94v e 115 a 119v).
34\ Nessa medida, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa, foram pagos os montantes seguintes: pelo 1.º autor, 28.688,47€; pelo 2.º autor, 2632,75€.
35\ Para além dos acima mencionados montantes, o 1.º autor pagou, ainda, para efeitos de contratação do mútuo bancário celebrado para a aquisição da fracção em apreço, os valores seguintes (cf. doc. de fls. 120 a 122v):
- Seguro Empréstimo contrato-promessa contratado, 505,56€;
- Liquidação de Juros 1.ª prestação, 80,57€;
- Comissão de Processamento Liquidação, 2,85€;
- Imposto Selo Comissões, 0,11€;
- Imposto Selo sobre Juros, 3,22€;
- Comissão Celebração de Contratação, 172,58€;
- Imposto Selo Comissões de Contrato, 6,90€;
- Imposto Selo sobre Capital, 172,58€;
- Encargo Comissão de Estudo Empréstimo, 100€;
- Imposto Selo Comissão de Estudo Empréstimo, 4€;
- Processo de Avaliação de Imóvel, 239,20€;
36\ […] O que perfaz um total de encargos para contratação do mútuo para a aquisição do imóvel prometido, no valor global de 1287,57€, suportado pelo 1.º autor.
37\ O montante total despendido pelos autores contabiliza-se no valor pecuniário de 32.608,79€ (conforme listagem inserta no documento de fls. 123 e 123v).
38\ Até à data da “resolução do contrato”, a ré sempre assumiu que os pagamentos realizados pelos autores eram-no a título de sinal e de reforços de sinal (cf. docs. de fls. 25 a 29, 68, 68v, 70, 70v, 72, 72v, 74, 74v, 76, 76v, 77, 77v, 124, 124v e 125).
39\ Dessa data em diante, a ré passou a apresentar aos autores “propostas” de devolução de sinal, em valores que rondavam os 10.000€, com vista a convencer os autores a entregar-lhe o imóvel e, de seguida, celebrar novo contrato-promessa com terceiros (cf. doc. de fls. 126 a 128v).
40\ Da cláusula 9.ª do contrato-promessa, redigida por iniciativa da promitente vendedora, consta o seguinte:
1. Qualquer uma das partes pode livremente resolver o presente contrato por mera comunicação à outra parte desde que o faça mediante carta registada com aviso de recepção até 120 dias antes da data (21/01/2020) prevista na cláusula 4.ª supra.
2. Se o contrato for resolvido pelo 1.º outorgante este deverá, no prazo de 10 dias, devolver ao 2.º outorgante o sinal em singelo e deverá ainda pagar as despesas que este tenha incorrido na celebração do presente contrato e ainda as despesas que este tenha pago para a obtenção de crédito para pagamento do preço.
3. Se o contrato for resolvido pelo 2.º outorgante o 1.º outorgante deverá, no prazo de 10 dias, devolver o sinal em singelo.
4. Uma vez resolvido o contrato o 2.º outorgante obriga-se a desocupar o imóvel e a entregá-lo livre de pessoas e bens à 1.ª outorgante no prazo de 120 dias. (cf. documento de fls. 25 a 29).       
41\ O 1.º autor habitou o imóvel acima identificado na qualidade de arrendatário, desde 01/02/2016 até 21/06/2018, com uma renda mensal de 650€, data em que assinou o aludido contrato-promessa (cf. docs de fls. 186, 186v e 187).
42\ Na data da assinatura do contrato-promessa, acordaram as partes na entrega, a título de sinal, de 11.650€ pelos autores à ré, assim como no pagamento mensal de 660€ a título de reforço de sinal, até à data da escritura (cf. doc. de fls. 25 a 29, cláusula 3.ª, n.ºs 1 e 2).
43\ Mais ficou acordado entre as partes em atribuir, nessa data, a posse do imóvel ao 1.º autor, cessando também, a partir dessa data, os pagamentos pela ocupação da fracção, objecto daquele contrato (cf. documento de fls. 25 a 29, cláusula 3.ª/6).
44\ Os valores entregues pelo 1.º autor à ré, nos meses anteriores à assinatura do contrato-promessa (entre 01/02/2016 e 21/06/2018), pelo uso e fruição do imóvel em causa nos presentes autos, a partir de 21/06/2018, passaram a ser entregues à ré a título de reforço de sinal.
45\ O 1.º autor apresentou contra a ré as várias participações criminais que se encontram documentadas de fls. 129 a 139v, imputando-lhe a factualidade seguinte:
- a ré invadiu a fracção prometida vender, na ausência dos autores, e cortou os fios do alarme, tornando-o inoperacional;
- mudou, por sua iniciativa e sem o conhecimento dos autores, as fechaduras da caixa do correio e da garagem;
- alterou o contrato de abastecimento de gás e de electricidade;
- tentou enganar a PSP, intitulando-se proprietária da casa para, com o auxílio daquela força policial, entrar na casa, o que só não conseguiu porque o 1.º autor, avisado por vizinhos, esclareceu a PSP, recusando-se esta entidade a colaborar naquele acto e levantando o respectivo auto; e
- importunou por telefone a ex-mulher do 1.º autor […].
46\ Em 03/07/2020, a ré, pela força, arrombou a porta da fracção, tendo mudado a fechadura e tomado posse da casa, impedindo a entrada dos autores, tendo, posteriormente, chamado a PSP, alegando que a porta estava arrombada, o que não convenceu aquela força policial, a qual levantou e fez seguir o respectivo auto de notícia (cf. docs de fls. 140 a 141v).
47\ […] O que fez, aproveitando-se da ausência do 1.º autor nesse mesmo dia 3, instalando-se a ré no imóvel.
48\ A conduta assacada à ré levou a que os autores tivessem perdido o interesse na compra do imóvel prometido e a confiança nela, como contratante – fracção que se destinava a residência permanente do 1.º autor.
49\ (…) O qual deixou de ter gosto ou vontade em habitar a aludida fracção, deixando de ter interesse na sua aquisição.
50\ A ré enviou ao 1.º autor a comunicação electrónica documentada a fls. 142 e 142v (aqui dada como integrada), de 15/05/2020, da qual se retira que a mesma não tinha a possibilidade de devolver aos autores o sinal em singelo, carecendo à data de meios económicos para o efeito.
51\ Nos dias 18/03/2020 e 20/05/2020, a ré, aproveitando a ausência do 1.º autor durante o seu período de trabalho, arrombou a porta da garagem e a caixa do correio, mudando as respectivas fechaduras, o que deu origem a queixa-crime apresentada pelo 1.º autor (cf. docs de fls. 215 a 220).
52\ No dia 20/02/2020, a ré, na sua intenção de obrigar pela força à saída do 1.º autor da fracção em causa, à revelia do conhecimento e da autorização deste, mandou desligar o alarme e videoporteiro, o que deu origem a queixa-crime apresentada pelo 1.º autor (cf. docs de fls. 221 a 223v).
53\ O 1.º autor mandou limpar a fracção quando daí retirou os móveis e ao deixar o referido imóvel devoluto (cf. registos fotográficos de fls. 224 a 236 e 239 a 243).
54\ Em Fevereiro/Março de 2018, quando o 1.º autor ainda era inquilino da fracção, o frigorífico da marca Ariston, já com algum uso, e que fazia parte do equipamento da cozinha, estando encastrado no respectivo mobiliário, avariou-se deixando de fazer frio.
55\ O 1.º autor informou de imediato a ré, na sua qualidade de senhoria, solicitando-lhe a reparação daquele electrodoméstico, que fazia parte integrante da fracção.
56\ A ré recusou-se a mandar fazer e custear tal reparação.
57\ Por isso, o 1.º autor comprou um novo frigorífico, que ficou independente do restante do mobiliário da cozinha, frigorífico esse que levou consigo quando deixou de habitar na fracção; ficando aí o frigorífico encastrado, da marca Ariston, avariado.
57-A\ depois de a fracção ter sido ocupada pelo autor em 01/02/2016 um dos quartos foi pintado de amarelo e depois do autor ter saído a ré fez pintar a fracção toda de branco, serviço que tem o valor de 594,76€, incluindo mão de mão-de-obra e tintas.
58\ A ré, ainda em Agosto de 2019, comunicou ao 1.º autor que só cumpriria o contrato-promessa, realizando a escritura de compra e venda, se o preço da fracção fosse aumentado para o montante de 270.000€.
59\ […] Alegou que o andar havia sido avaliado por esse valor e que a sua mãe, que estaria envolvida no empréstimo que a ré contraiu para a aquisição da fracção, não aceitava vender por montante inferior àquele (cf. documentos de fls. 244 a 248).
60\ Como os autores recusaram o referido aumento de preço, a ré foi sempre ameaçando que colocaria termo ao contrato-promessa com base no previsto na cláusula 9.ª (“resolução do contrato”).
61\ Tendo decorrido, desde Setembro de 2019, negociações entre a ré e o mandatário dos autores, no sentido de, se possível, se chegar a um acordo quanto ao preço da venda da fracção.
62\ Nesse contexto, a ré baixou o preço, primeiro para 260.000€, depois para 255.000€ e, mais tarde, para 250.000€ (cf. docs de fls. 244, 245 e 248 a 250v).
63\ Numa derradeira tentativa de se alcançar um acordo, os autores propuseram pagar o preço de 240.000€, descontando a esse valor tudo o que já tinha sido pago a título de sinal, incluindo os reforços de sinal pagos mensalmente, o que a ré não aceitou.
64\ A necessidade de a ré efectivar a escritura era premente, devido a complicações financeiras várias, decorrentes da situação de desemprego e de problemas familiares.
65\ Os únicos encargos que o 1.º autor deixou ficar por pagar e que a ré teve de suportar (após aquele deixar o imóvel) foram duas facturas de electricidade e gás, referentes a consumos realizados pelo autor no período compreendido entre 24/04/2020 e 24/06/2020, no valor total de 111,17€ (cf. docs de fls. 196v e 197).
66\ Em 19/10/2021, o Ministério Público deduziu acusação contra a ré (na qualidade de arguida), imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar, a título doloso, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previstos e puníveis no artigo 190, n.ºs 1 e 3, do Código Penal (no âmbito dos autos de Inquérito n.º 305/20 […] – cf. doc. de fls. 368 a 374).
*
Da impugnação da decisão da matéria de facto
A ré entende que os factos 7 a 9 e 58 a 63 deviam ter sido dados como não provados com base no seguinte:
[…]
E. O tribunal ignorou o depoimento de parte, que foi prestado no início da audiência, de forma livre, espontânea, esclarecedora e sem contradições.
F. E ignorou que as declarações de parte confirmaram aquilo que a ré já havia referido.
G. Inexiste razão para a sua descredibilização pelo simples facto de terem sido prestações após a audição das declarações de parte do 1º autor.
H. Uma interpretação diferente se impunha retirar do depoimento e declarações de parte da ré.
I. Sendo certo que o depoimento de parte tem como função principal retirar declarações confessórias, o mesmo não poderá ser desvalorado enquanto elemento probatório, que deverá ser livremente apreciado.
J. Quanto às declarações de parte, elas têm valor probatório único e auto-suficiente para assentar a convicção do juiz.
K. A doutrina e jurisprudência, têm vindo a perfilhar, cada vez mais, o entendimento de que este meio de prova pode concorrer de forma única e exclusiva para a formação da convicção do juiz em determinado caso concreto, sem recurso a outros meios de prova.
L. Sendo esta uma posição mais ampla e permissiva sobre a potencialidade e centralidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz.
M. O entendimento mais limitado do valor das declarações de parte, e que o tribunal a quo acompanha, pode, até, consubstanciar-se uma violação do princípio da igualdade de armas, previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
N. Existem factos dados como provados que não deveriam assim ter sido.
O. E factos não provados que deveriam ter sido dados como provados.
P. Os factos provados 7 a 9 e 58 a 63, o tribunal a quo considerou como provada a circunstância de ter sido a ré a impor aos autores o aumento do preço de venda do imóvel, no seu entender, sem justificação.
Q. Tais factos estão incorrectamente julgados, face à prova produzida.
R. A ré explicou, de forma coerente, sincera e plausível, todo o circunstancialismo envolvente às contrapostas de aumento de valor – pese embora o tribunal assim não o tenha entendido.
S. Tendo conseguido evidenciar, de forma concreta e credível, que a proposta de aumento de valor do preço da escritura foi avançada pelos autores, como forma de assegurarem/garantirem, a realização definitiva do negócio.
T. Na verdade, como refere a ré, pese embora o clausulado que ficara reduzido a escrito no contrato promessa de compra e venda, nomeada e especialmente, a cláusula 4.ª, com a data para a celebração do contrato definitivo.
U. Existiu um compromisso de honra, ainda que verbal, de realização da escritura de compra e venda em Janeiro de 2019.
V. Situação essa, que foi determinante para a ré assinar o contrato de promessa de compra e venda, visto que as suas responsabilidades financeiras, sobretudo de pagamento da hipoteca, aliado ao facto de se encontrar desempregada, não lhe permitirem aguardar por um período tão longo, de mais um ano.
W. Foi assim criada na ré a legitima expectativa de celebração da escritura em Janeiro de 2019.
X. Não se tendo realizado a escritura na data acordada, não obstante todas as insistências e contactos da ré para que os autores diligenciassem nesse sentido.
Y. Face à inércia e silêncio dos autores, a ré transmitiu a sua intenção de rescindir o contrato, ao abrigo da clausula 9.ª, tal como as partes haviam acordado.
Z. E foi, assim, nesse seguimento que os autores apresentaram as propostas de aumento do valor.
AA. Contrapropondo a ré um outro valor, após conferência com a sua mãe, fiadora do empréstimo, e consultada a agente imobiliária, para que pudessem as partes encontrar um novo valor justo e equilibrado, de acordo com o mercado actual.
BB. O valor apresentado pela ré consubstanciou-se numa contraproposta, não tendo sido sua iniciativa nem tão pouco imposição.
CC. Assim, mal andou o tribunal ao quo ao ter dado como provados aqueles factos, quando existe prova contrária, conforme supra exposto.
Os autores contrapõem, para além do mais, o seguinte, em síntese:
Nas declarações [melhor: depoimento - TRL] da ré transcritas, a ré afirma que foram os autores que fizeram a proposta de aumento do preço e que essas propostas surgiram depois da rescisão do contrato. Ora, as mensagens de telemóvel enviadas pela ré, em que se fala dos valores são de 28/08/2019 e a carta da ré com a qual pretendeu a rescisão do contrato, junta a fls. 187v. e 188, é datada de 19/09/2019, ou seja, é posterior em cerca de 20 dias às mensagens acima referidas; por isso, anterior e não posterior à pretendida rescisão do contrato promessa pela ré. Por outro lado, em nenhuma dessas mensagens a ré refere qualquer proposta dos autores, como é natural que fizesse se estivesse a dar uma resposta a uma proposta prévia dos autores. Tal resulta de forma clara dos documentos juntos à PI sob os nºs 4, 5 e 6, bem como dos e-mails enviados pela ré juntos à réplica sob os nºs 28 e 29, esses, sim, posteriores á carta da ré para “rescisão” do contrato-promessa, e pelos quais se vê claramente que mesmo após essa “rescisão” a ré ainda insistiu, durante algum tempo, na venda do andar por preço superior ao ali acordado. E a conclusão que se retira destes documentos juntos aos autos, é confirmada de forma inequívoca pelo 1º autor nas suas declarações de parte prestadas na 2ª sessão da audiência de julgamento [os autores identificam os períodos das passagens na gravação]
Quanto ao compromisso de honra só a ré é que fala nele. Não existe no processo qualquer outra prova da existência de tal compromisso e consequente expectativa da ré da realização da escritura naquela data e tal é contrária ao previsto na cláusula 4.ª do contrato-promessa.
De salientar em sentido contrário à afirmação da ré, o constante no doc. 65 da PI, que é um e-mail da ré, datado de 21/01/2019 (mês em que a ré afirma que haveria um “compromisso de honra” para fazer a escritura de compra e venda), no qual a ré confirma uma reunião com o 2º autor para tratar de questões relativas às despesas do imóvel, conforme previsto na cláusula 5.ª; não se compreende que faltando apenas 10 dias para o termo do prazo segundo a ré, aquela não faça qualquer alusão a esse facto nesse e-mail.
Acresce que resulta do mesmo e-mail que a ré esteve assessorada por advogado […] redacção do contrato-promessa não se percebendo porque razão o alegado “compromisso de honra” não foi vertido para o contrato, constando do mesmo uma cláusula totalmente contrária ao alegado compromisso.
Por fim, o 1º autor nas suas declarações de parte nega terminantemente a existência desse “compromisso de honra”, explica que quando outorgaram o contrato-promessa ele tinha uma casa para vender e, por isso, precisava de mais tempo para a realização da escritura para pagar o preço com o capital resultante daquela venda, e como se chegou, por consenso, à data de 21/01/2020, a partir da qual deveria ser marcada a escritura.
Apreciação:
Não é verdade, ao contrário do que diz a ré, que o tribunal recorrido tenha ignorado o depoimento de parte e as declarações de parte da ré.
Vejam-se alguns dos §§ das 10 extensas páginas da fundamentação da decisão da matéria de facto do tribunal recorrido [os sublinhados foram colocados por este TRL]
“[…]
b) Do depoimento de parte da ré (ouvida à matéria dos artigos 11, 34, 44, 45 e 50 da petição inicial, bem como dos artigos 38, 45, 48 e 87 a 92 da réplica), em bom rigor, não se extraiu qualquer declaração confessória, ou seja, o mesmo revelou-se inapto para sedimentar a prova por confissão, à luz do disposto no artigo 352 do CC, posto que estivemos perante um discurso confuso, dispersivo em alguns dos seus aspectos, pouco estruturado e demasiado centrado em erigir a inveracidade da versão dos autores;
[…]
Relativamente aos factos não provados, o tribunal assim os considerou porquanto não foi produzida prova suficiente, ou foi produzida prova em contrário e infirmativa.
[…]
Em relação às declarações de parte da ré, também pouco coadjuvaram na tarefa da descoberta da verdade material, trazendo à liça uma perspectiva dos acontecimentos marcadamente “escorregadia” sobre os factos ainda por apurar. A propósito deste meio de prova, tem sido nosso entendimento, desde sempre, que, “(…) em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como «testemunha» ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas” (cf. ac. do TRP de 20/11/2014, 1878/11.8TBPFR.P2).
Esta vertente de “princípio de prova” propugna que as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo apenas coadjuvantes da prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova; ou seja, as declarações de parte terão de ser corroboradas por outros meios instrutórios, tendo em conta o óbvio interesse directo que a própria parte tem no resultado da demanda. Não pode aceitar-se que um meio de prova como as declarações de parte, isoladamente considerado, valha, como se uma “ilha” fosse, quando desligado de outros instrumentos instrutórios, na certeza de que, em princípio, as declarações correspondem à verbalização (oral e “confirmativa”) do que se encontra narrado, em texto escrito, na peça processual respectiva (no caso da ré, na contestação/reconvenção); será mera prova perfunctória.
Na situação em presença, por referência à factualidade que ficou por demonstrar, as declarações produzidas pela ré (aliás, incidentes sobre os artigos 9 a 15, 23, 27 e 29 da contestação) não perfizeram o limiar mínimo que permitisse tal sustentação, não encontrando nos restantes meios instrutórios o conforto probatório necessário para esse efeito (ressalva para o ponto 64 provado, vindo do artigo 10 e assumido pela ré, bem como para os pontos 14 a 16 provados). E muito menos tal sucedeu com a prestação do depoimento de parte, onde se visa, como é consabido e acima de tudo, a extracção de declarações confessórias (factos desfavoráveis), nos termos previstos no artigo 352 do CC, na articulação com os artigos 452 e seguintes do CPC.
As declarações da ré foram bastante confusas no seu âmago e alcance, sobretudo se comparadas com as do 1.º autor (mesmo se descartando alguma sua “erosão” pela circunstância de a ré ter optado por presenciar a audiência final na íntegra, assim se munindo de toda a informação para, eventualmente, poder ser rebatida ou corroborada em último lugar, com as declarações: cf. artigo 466/3 do CPC).
Aliás, sobre a admissibilidade legal de a própria parte, que assistiu ao desenrolar da audiência final, prestar declarações orais depois da restante prova produzida, pode ler-se o ac. do TRE datado de 22/11/2018, proc. 1299/16.6T8TMR.E1: IV - A inutilidade da prova por declarações de parte não é, no ordenamento jurídico português, fundamento da sua não admissão ou rejeição nem podendo a parte ser cerceada do direito de assistir ao julgamento para que as declarações de parte possam ter, na perspectiva do tribunal, algum préstimo.
Em todo o caso, não deixamos de assinalar que o facto de a autora ter assistido à audiência final acabou por comprometer, de alguma maneira, a credibilidade das suas afirmações – o que não deixa de ser um aspecto a sopesar em sede de livre apreciação de tal meio de prova, à luz do preceituado no artigo 466/3, segmento inicial, do CPC; no seu cotejo com as declarações do 1.º autor (que a nada assistiu).
Sobretudo, não pudemos dar crédito à versão ou óptica da ré de que existiria o compromisso de honra que a escritura fosse agendada para o mês de Janeiro de 2019, que os reforços a título de sinal seriam só até Janeiro de 2019, e ainda que ela, ora demandada, teria afirmado aos autores que apenas assinaria cinco reforços a esse nível. É que não há dúvida nenhuma de que as entregas em dinheiro à ré foram feitas a título de reforços de sinal e continuação de pagamento do preço que estava estipulado no contrato-promessa. Isso mesmo deflui do teor da cláusula 3.ª do contrato, onde até se previram entregas adicionais de quantias dentro das possibilidades dos autores, sendo o sobrante no acto da escritura: “O valor remanescente será pago no acto da escritura de compra e venda” (pode ler-se no n.º 5).
Ou seja, quanto às declarações de parte da ré, tirando uma ou outra referência pontual que foi ao encontro do seu depoimento de parte e de alguma prova documental junta (cf. documentos de fls. 186 a 190v), podemos afirmar que as declarações da ré configuraram um meio de prova algo isolado e sem a confortação de outros meios confluentes, não tendo solidez consistente para firmar os sobrantes factos carreados. A mesma parte reproduziu, grosso modo, o que havia alegado por escrito, mas sem conseguir superar a ausência de outras provas direccionadas nesse fito – o que a descredibilizou.
Ademais, o seu discurso oral apresentou-se como algo confuso, titubeante e incongruente, sendo mesmo contrário, em alguns aspectos, ao sentido e alcance do contrato-promessa junto, mormente a tudo o que foi convencionado em matéria de pagamento do preço.
Sublinha-se: num balanceamento valorativo da prova produzida no processo, ao abrigo da sua livre apreciação crítica, ficámos convictos em atribuir maior importância aos meios levados a efeito pelos autores; sendo certo que as testemunhas destes (e também as comuns) foram congruentes entre si e verosímeis, na sua conjugação, além do mais, com o acervo documental oferecido nas correspondentes petição inicial e réplica e, outrossim, com as declarações de parte provenientes do 1.º autor.
As mencionadas testemunhas falaram de um modo desinteressado, com bastante rigor, isenção e discursos convincentes, assim granjeando credibilidade, não parecendo ao tribunal que tivessem faltado à verdade. Como acréscimo, as declarações orais do 1.º autor também singraram em termos claramente positivos, encontrando um respaldo significativo na sobrante prova que os demandantes lograram produzir nos presentes autos, e com claro enfoque para a mencionada prova documental por eles oferecida, acompanhante tanto da petição inicial como da réplica. Para os autores, o contrato estava válido e pretendiam o seu cumprimento, dado que discordavam, por defeito, dos valores que a ré tencionava restituir, expressos na pretensa carta resolutiva. E nesse conspecto, eles continuaram a realizar os pagamentos mensais à ré, que os recebia, procedendo à marcação da escritura definitiva, sempre com vista ao cumprimento do contrato-promessa de 2018.
Em conclusão, tudo visto e ponderado, importa extrair as ilações seguintes:
- Os pontos (de facto) 1 a 5, 24 a 27, 31, 32, 35 e 36, em face do posicionamento manifestado nos artigos 1, 30 e 32 da contestação, foram alvo de aceitação expressa pela ré, pelo que ficaram de fora de qualquer controvérsia; de antemão, estão assentes;
- Os meios de prova carreados e requeridos pelos autores (declarações orais do 1.º autor, prova testemunhal e prova documental) foram relevantes para a demonstração, essencialmente, dos pontos (de facto) 6 a 13, 17 a 23, 28 a 30, 33, 34, 37 a 40, 42 a 63, 65 e 66;
- Os meios de prova carreados e requeridos pela ré (declarações orais desta e alguma prova documental) foram relevantes para a demonstração, apenas e unicamente, dos pontos (de facto) 14 a 16, 41 e 64;
- Relativamente aos factos indemonstrados (cf. pontos I a XII), o tribunal assim os considerou porquanto não foi produzida prova suficiente, ou foi produzida prova em contrário e infirmativa; nomeadamente, os meios de prova carreados e requeridos pela ré não tiveram a virtualidade de conferir solidez à facticidade em presença, sobretudo se confrontados com a supremacia manifesta de toda a prova trazida a juízo pelos autores.”
Posto isto,
Quanto ao depoimento de parte quase sempre se entendeu, de forma praticamente unânime e de acordo com o disposto no art.º 361 do CC, que apenas “o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.” Ou seja, que o que fosse declarado de favorável à parte que prestava o depoimento de parte, não podia ser apreciado livremente.
Por isso, e também devido ao que constava da epígrafe da secção do CPC que continha o regime do depoimento de parte - “prova por confissão das partes” – e do disposto nos art.ºs 356/2 e 352 do CC e ainda do então art.º 563 do CPC, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC anotado, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 497, diziam então que: “[O depoimento de parte] não constitui, no nosso direito, um testemunho de parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente […], mas um meio de provocar a confissão.” Não é de admitir, por isso, “a livre apreciação do depoimento sobre factos favoráveis”.
E Lebre de Freitas acrescentava: “O depoimento de parte não pode, aliás, ser, entre nós, diversamente valorado, ao contrário do que acontece em sistemas jurídicos, maxime os de tradição anglo-saxónica, que o sujeitam à livre apreciação do julgador, em juízo reportado à sua globalidade e abrangendo, por conseguinte, também o conteúdo favorável ao depoente” (Lebre de Freitas, A acção declarativa comum…, 2ª edição, 2011, Coimbra Editora, pág. 243).
Neste sentido, apenas por exemplo, o ac. do STJ de 16/10/2012, proc. 8020/09.3T2SNT.L1.S1: I - O depoimento de parte é um meio processual (art.ºs 552 a 567 do CPC) destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352 do CC). II - A confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente (art.º 358/1 do CC), pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente. III - Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis, não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de provocar a confissão. […]].
Durante uns poucos de anos antes da reforma de 2013 do CPC, uma parte da jurisprudência maleabilizou este entendimento com base nas considerações que levaram à admissibilidade, na reforma de 2013, do novo meio de prova declarações de parte (= testemunho de parte). Introduzido este pela reforma, impõe-se que se retome o rigor na interpretação do regime legal do depoimento de parte (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.ª edição, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 282, no entanto, entendem que a orientação contrária é defensável à luz do código actual), sob pena de clara violação do disposto no art.º 361 do CC.
Isto não impede que vindo a prestar-se, na mesma audiência, depoimento de parte e declarações de parte, nestas se possa fazer referência ao que se disse naquele, integrando assim este naquelas. Se tivesse sido este o caso, caberia à ré demonstrá-lo nesta impugnação da decisão da matéria de facto, invocando os dois. Portanto, não se afasta, em tese geral, a possibilidade de se vir a ter de considerar o que tiver sido dito pela ré a seu favor no depoimento de parte desde que isso seja invocado naqueles termos pela ré.
Ora, foi precisamente isto que fez o tribunal de 1.ª instância pois que - vê-se das partes sublinhadas por este TRL -, não deixou de considerar o depoimento de parte em conjugação com as declarações de parte, embora não tenha ficado convencido pelo que foi dito pela ré.
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Quanto às declarações de parte e sua desvalorização por a ré ter assistido à produção de prova
Quanto às considerações abstractas sobre as declarações de parte, elas só têm interesse na medida em que puderem ter influenciado a apreciação do valor daquelas declarações. Isto é, no caso só tem interesse a consideração genérica que a ré refere, com razão, ter sido feita pelo tribunal recorrido de que as declarações de parte têm menos valor quando a parte que as presta tiver assistido à produção de toda a prova, ao contrário da outra parte.
Assim, sem mais, trata-se de uma consideração de princípio, apriorística, seguindo uma posição de Luís Filipe Pires de Sousa [As declarações de parte. Uma síntese: “o valor probatório das declarações da parte não é indiferente à circunstância da parte ter assistido à produção da demais prova”, pelo que “o juiz, no início da audiência, questionará as partes sobre se admitem requerer a prestação de declarações de parte e, na afirmativa, recomendará que a parte não assista à audiência de julgamento”. Isto porque este autor, seguindo Mariana Fidalgo, entende, mal, “[c]aso a parte tenha assistido à restante produção de prova, serão menores – em termos objectivos - as possibilidades da parte prestar declarações com atributos propiciadores do seu convencimento e atendibilidade. O relato da parte será demasiado programado, rígido e excessivamente coerente, eivado de declarações oportunistas” - páginas 14-15], que não corresponde à interpretação correcta do regime legal das declarações de parte.
As declarações de parte estão previstas precisamente no pressuposto de que a parte, com todo o direito a isso, assistiu a toda a produção de prova e que, por isso, sente então a necessidade de esclarecer questões concretas que essa produção de prova levantou. Se não assistiu dificilmente pode sentir esta necessidade ou ter conhecimento de que, provavelmente, ficaram questões por esclarecer. Daí que se preveja, no art.º 466/1 do CPC, que “As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.”
Paulo Pimenta, por exemplo, diz “importa reconhecer que, no decurso da produção de prova em audiência, pode suceder que certos aspectos não fiquem suficientemente clarificados, havendo pertinência em esclarecer, precisar ou concretizar esses pontos, sob pena de escaparem à percepção do julgador ou tal percepção não ser a mais adequada. […]”
Depois o autor lembra que “ao contrário da generalidade dos meios de prova, que devem ser indicados em momento prévio, o requerimento relativo à prova por declarações de parte pode ser apresentado até ao início das alegações orais em 1.ª instância (art.º 466/1). […].”
E ainda acrescenta, “[fa]ce ao sistema probatório instituído, o mais provável é que a prova por declarações de parte tenha uma natureza essencialmente supletiva, isto é, será um meio de prova ao qual as partes recorrerão nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz. Nessas situações, embora não exclusivamente nessas, é natural que a parte seja levada a supor que o seu próprio depoimento terá a virtualidade de contribuir para que a convicção do juiz se forme em sentido favorável à sua pretensão.” (Processo Civil Declarativo, Almedina, 2.ª edição, 2015, pág. 386-387).
Lebre de Freitas, na 4ª edição da Acção declarativa, 2017, Gestlegal, refere-se ao funcionamento das declarações de parte “como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária […]” (págs. 322 – repare-se que ‘outros’ se refere a ‘elementos de clarificação’ e não a ‘provas’). E, junto com Isabel Alexandre, no CPC anotado, vol. II, Almedina, 3.ª edição, 2017, pág. 309, diz que é isso que acontecerá o mais das vezes porque a liberdade de apreciação da prova “não equivale a arbitrariedade” e que “[o] facto de as declarações de parte poderem ser requeridas já depois de produzidas todas as provas […] abona esse entendimento da sua função.”
Miguel Teixeira de Sousa, em 24/04/2017, n’ Um apontamento sobre as declarações de parte, publicado no blog do IPPC, diz:
“[…] não se pode dizer […] que, qualquer que seja a declaração que a parte venha a produzir, ela vai ser necessariamente apreciada de modo distinto em função da presença ou ausência da parte na audiência final, a ponto de o juiz dever advertir as partes de que a valoração das suas declarações só será a mais favorável se elas não tiverem estado presentes na audiência final.
Suponha-se, por exemplo, que a parte pretende realizar a contradita de uma testemunha (cf. art.º 521.º CPC), invocando que a mesma não podia ter estado presente no local do acidente. Dificilmente se imagina que a valoração desta contradita deva ser distinta consoante a parte tenha assistido ou não tenha assistido ao depoimento da testemunha.
Acresce que a assistência à audiência final é um direito da parte. Estranho seria que, sendo a regra a publicidade da audiência final (cf. art.º 606.º, n.º 1, CPC), a parte fosse precisamente o único sujeito a quem fosse recusado esse direito. Sendo assim, dificilmente se compreende que a parte possa sofrer qualquer consequência como resultado do exercício legítimo daquele direito.
Aliás, a fiabilidade das declarações da parte aumenta se a parte tiver pleno conhecimento do que se passou na audiência final e se quiser reagir, por sua iniciativa, contra alguma prova nela produzida. Em contrapartida, a ausência da parte da audiência final diminui o conhecimento por esta do que nela se passou e restringe a possibilidade de uma reacção espontânea da parte, o que contribui para aumentar o risco de o requerimento para a prestação de declarações ser apenas um expediente processual.
O conhecimento da prova produzida na audiência final é um pressuposto do correcto exercício pela parte do direito de requerer a prestação de declarações. Uma parte informada é uma parte da qual se pode esperar um comportamento racional, não temerário e não instrumentalizado, porque dificilmente se imagina que a parte se disponha a prestar declarações contra o que está solidamente provado. Não se pode dizer o mesmo de uma parte mal ou deficientemente informada sobre o que aconteceu na audiência final, naturalmente mais disposta a prestar declarações "a ver se pega".
3. Em conclusão: a circunstância de a parte ter assistido à audiência final pode constituir um factor relevante para a valoração das declarações realizadas pela parte; isso justifica que o juiz pondere essa circunstância no momento da apreciação da prova, mas não que o juiz assuma, a priori, que a presença da parte declarante na audiência final diminui o valor probatório das suas declarações. Por isso, não se justifica nenhuma advertência das partes quanto a uma desvalorização probatória das suas declarações se as mesmas forem realizadas quando a parte declarante tenha assistido à audiência final.”
Portanto, normalmente o que deverá ocorrer é que as partes, tendo assistido ao julgamento, no fim deste cheguem à conclusão de que há algum ponto de facto a esclarecer e que será útil, para esse efeito, prestarem declarações de parte. E devendo ser as coisas assim, não poderá o juiz desvalorizar, com base num juízo a priori, prejuízo ou preconceito, essas declarações de parte prestadas na sequência do que devia ser normal acontecer.
Mas, não se concordando com esse juízo do tribunal de 1.ª instância, vê-se que, no caso dos autos, embora o tribunal tenha chamado a atenção para o facto de a ré ter assistido a toda a prova, disse muito mais sobre essas declarações de parte prestadas pela ré, de modo a não deixar dúvidas que elas não tinham nenhum valor por razões que não têm a ver, no essencial, com o facto de ter estado presente durante a produção de toda a prova, pois que logo  acrescentou: “mesmo se descartando alguma sua “erosão” pela circunstância de a ré ter optado por presenciar a audiência final na íntegra […]”.
*
Quanto às considerações genéricas do valor auto-suficiente das declarações de parte para dar como provados factos favoráveis à própria parte, o que se impunha à ré era demonstrar isso mesmo em termos concretos no caso dos autos, pelo que será apreciado mais à frente.
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Posto isto,
Se se lerem novamente as conclusões da ré transcritas acima, vê-se que ela não invoca qualquer outro elemento de prova para além do seu depoimento de parte (nem sequer invocou, em concreto, qualquer passagem das próprias declarações de parte). Quer isto diz, segundo a ré, que não há que tomar em conta nenhum outro elemento de prova, que, por isso, ela não indica, para além do seu depoimento de parte. Isto resulta do teor das conclusões e também do corpo das alegações. Mesmo quando, indirectamente, se refere a outros elementos, como, por exemplo, e-mails, é só para dizer que eles não afastam a verdade do que está a dizer, não invocando, em concreto, um único do qual decorra, segundo ela, a confirmação do que ela está a dizer. Ou seja, há uma assunção explícita, por parte da ré, de que apenas o que ela diz é que vai no sentido por ela pretendido.
Por outro lado, saliente-se que não há um qualquer § das conclusões ou do corpo das alegações do recurso da ré destinado a tentar afastar as razões e os elementos de prova constantes da fundamentação da decisão da matéria de facto (que este TRL nem sequer transcreveu integralmente acima). Ora, segundo o art.º 346 do CC, “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” Quer isto dizer que a prova é apreciada pelo juiz primeiro tendo em conta a prova produzida pela parte onerada com o ónus da prova e, depois, tendo em conta a prova produzida pela contra parte. Pelo que, para dar como provado um facto, tem de haver prova produzida no sentido da sua verificação que o juiz tem de invocar (e no caso concreto invocou extensa e concretamente, sem deixar dúvida de que a prova existe e é muita e variada, toda inequivocamente a apontar no sentido dos factos provados; ela não se cita ou transcreve aqui, porque a ré não a discute). Assim sendo, uma impugnação da decisão da matéria de facto que se limite a indicar qual a prova que foi produzida pela parte contrária, no caso a ré, sem rebater, em simultâneo, como se ela não existisse, a prova produzida pela outra parte, no caso dos autores, está necessariamente a esquecer que há prova contrária que tem de ser afastada para convencer do que ela quer.
Isto é, no caso não se trata de saber se a ré pode provar o que afirma só com base no seu depoimento de parte – o que nunca foi defendido por ninguém (repare-se que se está a falar do depoimento de parte…), embora possa estar na lógica de algumas posições -, mas de a ré não ter em conta que foi produzida prova pelos autores que contraria a sua versão dos factos pelo que, como é evidente, não se pode limitar a dizer que ela disse isto e aquilo, sem argumentar contra a prova que foi produzida pela contraparte e invocada em concreto pelo tribunal recorrido,
Ora, o depoimento de parte da ré, tendo em conta a caracterização dele feita pelo tribunal recorrido, com a qual este TRL concorda lendo as passagens desse depoimento transcritas pela própria ré, por si só, não torna duvidosos todos os outros elementos de prova invocados pelo juiz que a ré nem sequer se preocupa em tentar demonstrar que não deviam ter servido para prova dos factos, nem, muito menos, convence que seja verdade o que ela diz.
Para além disto tudo, e mesmo dando de barato que ela, nas declarações de parte, disse o mesmo que já tinha dito no depoimento de parte ou lhe fez referência bastante de modo a entender que o integrava, a versão da ré não tem qualquer credibilidade porque ela quer que se acredite, contra o que consta dos factos provados (com base em prova indicada pelo tribunal e que a ré não põe em causa) que o contrato-promessa devia ter sido celebrado em Janeiro de 2019 (ou ela tinha essa expectativa) e como tal não aconteceu, ela, em meados de 2019 deu a conhecer aos autores a intenção de rescindir o contrato; perante isto, os autores fizeram propostas de aumento do preço para asseguraram a realização do contrato; ou seja, a versão da ré está baseada num pressuposto que é contrariado pelo contrato escrito por ela assinado: data da celebração em 2019 segundo ela, por compromisso verbal assumido ao mesmo tempo que o contrato (quando o contrato refere 21/01/2020); para além disso, a ré, nas passagens invocadas por ela do seu depoimento de parte, que seriam aparentemente coincidentes com as declarações de parte, integrando-as, nunca dá qualquer explicação para o facto de, existindo tal compromisso, não haver qualquer referência ao mesmo nas comunicações que dirigiu aos autores, entre elas a da própria rescisão do contrato, isto é, qualquer referência ao facto de o contrato já dever ter sido celebrado, ou, o que é o mesmo, de os autores estarem em incumprimento do contrato desde Janeiro de 2019.
Contra esta versão da ré, poderia ainda chamar-se à colação as contradições assinaladas pelos autores nas contra-alegações.
Quanto aos outros elementos de prova invocados pelos autores, não se vão utilizar, porque também não se vai considerar tudo o que a sentença indicou no sentido da prova dos factos agora em causa, pois que, como já se viu, a ré não pôs em causa essa prova.
Em suma, tendo os autores feito prova dos factos 7 a 9 e 58 a 63 – invocada pela sentença recorrida e não posta em causa pela ré -, e não tendo a ré, quanto a estes factos, invocado absolutamente nada mais, na impugnação da matéria de facto, do que o seu próprio depoimento de parte, alegadamente coincidente com o que terá dito nas alegações de parte, que não merece nenhuma credibilidade, aqueles factos não ficaram duvidosos, pelo que a impugnação improcede.
*
A ré entende, de forma confusa, que os factos 13 e 38 deviam ter sido dados como não provados e que, pelo contrário, deviam ter sido dados como provados os factos não provados II, V e VI, sendo que o teor destes é o seguinte:
II\ As entregas mensais de dinheiro à ré tiveram que ver com a ocupação do imóvel em si, por banda do 1.º autor, no pressuposto de que o contrato-promessa viria a ser cumprido, em nada se relacionando com o pagamento do respectivo preço do imóvel;
V\ Para além do clausulado no contrato-promessa, foi criada na ré, ainda que verbalmente pelo 1.º autor, a expectativa de que a escritura definitiva se poderia realizar em Janeiro de 2019, ou cerca, cerca de um ano antes em relação à data fixada no contrato-promessa;
VI\ E foi por isso que, em meados de Julho de 2019, volvidos vários meses sobre o mês de Janeiro daquele ano, sobre o qual recaía a expectativa da ré gerada pelo 1.º autor, aquela lhes comunicou sobre a sua intenção de rescindir o contrato-promessa;
A fundamentação desta pretensão da ré seria, aparentemente, a seguinte:
DD. Relativamente aos pontos 13 e 38 da matéria dada como provada, o tribunal a quo desconsiderou, por completo, o depoimento e declarações da ré nessa parte, encontrando-se, assim, incorrectamente julgados;
EE. A ré comprovou de forma assertiva de que fala a verdade, ao ter explicado ao tribunal o circunstancialismo envolvente ao compromisso verbal, compromisso de honra, assumido pelas partes aquando da outorga do contrato promessa de compra e venda, a respeito não só do prazo para a celebração da escritura de compra e venda, constante da cláusula 4ª do contrato, em que as partes, para além desse clausulado, assumiram o compromisso de celebração da escritura em Janeiro de 2019;
FF. E versão esta, que merece toda a credibilidade face a toda a situação financeira da ré e todos os constrangimentos que advieram pelo facto da escritura não se ter realizado nessa data, nomeadamente, os processos executivos com a entidade bancária, pelo incumprimento das obrigações inerentes à hipoteca;
GG. Recordando-se os autos que a ré se encontrava desempregada, sem qualquer rendimento, portanto, não sendo plausível que a mesma pretendesse um prazo tão alargado como seria o Março de 2020, para a concretização da venda;
HH. A mesma explica de forma pormenorizada e convincente, que o prazo para a celebração da escritura constante da cláusula 4ª, foi aposta “por acaso”, apenas tendo aceitado, porque de boa-fé, ingenuamente, acreditou na palavra dos autores.
II. E, que nesse seguimento, a mesma resultou de uma negociação e cedência entre as partes, em que a ré sugeriu a introdução da clausula 9ª, que permitia a livre resolução unilateral, por qualquer uma das partes, com devolução em singelo;
JJ. A respeito da rescisão e devolução em singelo, tendo as partes assumido, igualmente, o compromisso, de que, nessa circunstância, o valor da ocupação seria compensado ao valor a devolver;
KK. A posse não seria gratuita;
LL. Também ficou devidamente demonstrado pela prova documental nos autos, que a ré somente assinou 5 recibos de reforço de sinal, que foi o que havia acordado com os autores, no pressuposto da realização da escritura em Janeiro de 2019;
MM. Deveriam os factos II, V, e VI dos factos dados como não provados, terem sido considerados como provados, visto que a ré fez prova de que, existindo a rescisão, era necessária fazer o acerto de contas com a ocupação;
NN. Deveria ter sido considerado que os pagamentos mensais diziam respeito à própria ocupação do imóvel, que não fora acordada de forma gratuita;
No entanto, mais à frente, a ré volta a esta matéria aditando fundamentação à sua pretensão, agora dizendo que os factos não provados I, V e VI deviam ter sido dados como provados, porque: 
BBB. a verdade é que a ré fez prova dos condicionalismos e pressupostos envolventes à vontade negocial e aquilo que ficou, efectivamente, acordado entre as partes;
No corpo das alegações desenvolve assim:
Isto é, para além de terem as partes acordado a devolução em singelo, em caso de qualquer uma das partes avançar pela resolução unilateral do contrato-promessa, as quantias monetárias entregues mensalmente à ré, seriam consideradas como pagamento pela ocupação e não como reforços de sinal. Só assim seria se o contrato-promessa fosse cumprido, integralmente.
Recorde-se que a posse do imóvel foi atribuída ao 1º autor, por via do contrato-promessa e que o mesmo já habitava o imóvel, na qualidade de arrendatário, desde Fevereiro de 2016.
Para além disso, a ré não tinha nem precisava de convencer os autores a entregar o imóvel, visto que a consequência jurídica da resolução por si comunicada, seria a entrega do imóvel, por partes dos autores, no prazo de 120 dias, em conformidade com o disposto na cláusula 9/4 do contrato-promessa.
Noutra parte, alegadamente quanto aos factos não provados II e III, a ré ainda acrescenta que:
III - já se tendo referido supra no artigo 69 o ponto II, resultou das declarações da ré acima transcritas que ficou evidentemente provado que as partes acordaram que as entregas mensais seriam contabilizadas e consideradas enquanto ocupação do imóvel;
No corpo das alegações acrescenta:
Só assim não seria, caso o contrato promessa viesse a ser cumprido, em que seriam contabilizadas e consideradas enquanto reforço de sinal.
Assim, considerando a resolução do contrato-promessa, os valores entregues pelos autores entre o período compreendido entre 21/06/2018, data da celebração do contrato-promessa, e Junho de 2020, data da entrega do imóvel à ré, no montante de 17.130€ são efectivamente contabilizados a título de ocupação.
E ainda mais à frente, quanto ao facto não provado V a ré acrescenta:
RRR. O autor acaba por admitir [em passagens transcritas pela ré] que houve várias conversas com a ré no sentido de antecipar a escritura e que a data de Março de 2020 não era linear, podendo a escritura ser antecipada;
SSS. O 1º autor invoca que não poderia se comprometer com uma data antecipada na data da outorga do contrato promessa porque estávamos em plena pandemia, mas o contrato foi assinado em Junho de 2018, meses antes da altura pandémica;
TTT. Pese embora o tribunal tenha atribuído credibilidade à versão do 1º autor, em detrimento da ré, não pode ser convincente a sua versão de que essa expectativa nunca foi criada na ré, quando de facto a foi e o próprio sugere isso nas suas declarações;
UUU. Da prova produzida resultara, necessariamente, que os factos dados como não provados deveriam ser dados como provados e que seriam determinantes pela diferença qualificação jurídica que se impunha nos autos;
VVV. Impunha-se dar como provado nos autos, face a toda a prova produzida, que houve o compromisso verbal de celebração da escritura de compra e venda até Janeiro de 2019, não obstante o clausulado que ficara registado a escrito;
E depois ainda mais à frente, quanto ao facto não provado, VI, a ré ainda acrescenta:
WWW. Não tendo sido celebrada a escritura na data acordada, e ultrapassados mais de 6 meses sobre a mesma, a ré, legitimamente comunicou aos autores, a sua real intenção de rescindir o contrato promessa, ao abrigo da cláusula 9ª;
No corpo das alegações, em complemento, transcreve uma passagem das suas declarações de parte quanto ao ponto V.
Os autores contrapõem o seguinte:
Que a ré se recusou a pagar a totalidade do valor suportado pelos autores é indubitável. Basta ler as declarações da ré, transcritas nas alegações, para se chegar facilmente a essa conclusão. A que acresce o doc. 6 junto à PI no qual a ré afirma expressamente que o “montante que terá de ser pago ao abrigo do disposto no nº 2 da cláusula 9.ª não inclui o valor da ocupação do imóvel. Assim, chamo a sua atenção que o montante de 660€ mensais, que pagou desde Agosto de 2018, constitui o valor da ocupação do imóvel, sem esse valor ser considerado no valor da devolução em singelo, se qualquer das partes rescindisse o contrato”. E ainda o ponto 11 desse mesmo documento, onde a ré faz um cálculo do valor que, alegadamente, pretenderia pagar como devolução do sinal em singelo, não incluindo as quantias pagas mensalmente pelos autores a título de reforço de sinal, conforme previsto no contrato-promessa. Igual afirmação da ré consta também do doc. 7 junto à PI ou seja, a carta da ré enviada ao 1º A. para “rescisão” do contrato-promessa, onde se afirma, mais uma vez, que o valor pago mensalmente pelos autores seria “dedutível no valor da devolução em singelo”. Aliás, este documento foi igualmente junto pela ré como doc. 4 da contestação. Por tudo, o constante do facto 13 está totalmente de acordo com a prova constante dos autos e também com as próprias declarações de parte da ré, que a ré transcreve e que acusa a sentença recorrida de ter “desconsiderado”.
O mesmo se passa com o constante do facto 38. Basta consultar os documentos para onde remete a sentença neste ponto da matéria provada. Aliás, a própria ré na sua contestação admite expressamente que os montantes pagos mensalmente pelos autores à ré, o foram a título de reforço de sinal a partir da data de outorga do contrato-promessa.  Assim, no art.º 6 da contestação afirma-se: “Na data de assinatura do contrato-promessa, acordaram as partes a entrega, a título de sinal, da quantia de 11.650€ pelos autores à ré, assim como o pagamento mensal de 660€, a título de reforço de sinal, até à data da escritura, cf. estipulado nos nºs 1 e 2 da cláusula 3ª do contrato-promessa.” E nos artigos 7º e 8º: 7º “Mais ficou acordado entre as partes, em atribuir, nessa data, a posse do imóvel ao 1.º autor, cessando também, a partir dessa data, os pagamentos pela ocupação da fracção, objecto daquele contrato, cf. estipulado no nº 6 da cláusula 3ª do contrato-promessa. 8º Pelo que os valores entregues pelo 1.º autor à ré, nos meses anteriores à assinatura do contrato-promessa (entre 01/02/2016 até 21/06/2018, pelo uso e punição do imóvel em causa nos presentes autos, a partir de 21/06/2018 passaram a ser entregues àquela a título de reforço de sinal”. E, por fim, no art.º 54 do mesmo articulado: “O que levou a que, mensalmente, tal como vinha a acontecer nos meses anteriores, (desde Fevereiro de 2016) o 1.º autor continuasse a depositar o valor da renda mensal, com a diferença que tais montantes, a partir de 21/06/2018, fossem entregues a título de reforço de sinal, até à realização da escritura de compra e venda”. O que a ré admite expressamente na sua contestação, não é mais do que aquilo que vem estipulado na cláusula 3.ª/2-6 do contrato-promessa. O estipulado no contrato-promessa é de uma clareza inquestionável. Até à data da assinatura do contrato-promessa o 1º autor ocupou a fracção na qualidade de inquilino, com uma renda mensal de 650€, como a ré admite e é dado como provado em 41. A partir da outorga do contrato-promessa o 1º autor passou a pagar à ré 660€ mensais (mais tarde 670€) a título de reforço de sinal e pagamento da fracção, como estipulado na cl.ª 3/2, cessando a partir desta data (21/06/2018) os pagamentos pela ocupação da fracção, cuja posse foi atribuída pela ré ao 1º autor na mesma data. Aliás, como se vê pela consulta dos docs. 27 a 30 juntos à PI, a ré emitiu até certa data recibos da quantia de 660€ recebida mensalmente “a título de reforço de sinal”. A partir dessa data a ré deixou de emitir recibos, tendo, porém, o 1º autor sempre depositado mensalmente aquela quantia a favor da ré, sendo que os depósitos sempre tiveram a indicação de serem feitos como “pagamento de reforço de sinal” como se pode ver nos docs. 31 a 44 juntos à PI, quantias que a ré recebeu efectivamente, na sua totalidade, sem nunca pôr em causa a qualidade e natureza dos pagamentos efectuados pelo 1º autor.
Quanto aos factos não provados sob II e III os autores dizem:
Remete-se para o que acima se alegou quanto aos pagamentos feitos mensalmente à ré e à sua qualidade de reforços de sinal e continuação de pagamento da fracção. É certo que o 1.º autor se manteve a ocupar a fracção até ao dia 02/07/2020, sendo que no dia 03/07/2020 a ré se introduziu ilicitamente na fracção, através do arrobamento da porta, tomando posse da mesma de forma violenta, contra a vontade do 1º autor (facto 46). É também verdade que a partir de Abril de 2020 até à data da ocupação da fracção pela ré, o 1º autor ocupou a fracção não pagando qualquer quantia à ré. Nem tinha que o fazer. Na verdade, os autores tinham e têm um crédito sobre a ré resultante do incumprimento do contrato promessa por esta. Por outro lado, a posse da fracção foi transmitida ao 1º autor por força do acordado na cláusula 3.ª/6 do contrato-promessa. Pelo que, nos termos do disposto no art.º 755/1-f dispunha o 1º autor de direito de retenção sobre a fracção, o que invalida o pagamento de qualquer contrapartida por aquela ocupação. O 1º autor foi impedido de exercer esse seu direito que a lei lhe confere pela actuação criminosa da ré, ao apoderar-se da fracção pela força.
Apreciação:
Antes de mais registe-se que embora a ré também diga que o facto não provado I devia ter sido dado como provado, não tem uma palavra sequer quanto ao mesmo, facto esse que tinha o seguinte teor:
I. O montante global entregue pelos autores à ré, por conta do mencionado contrato-promessa e como sinal ou reforço de sinal, restringiu-se a 31.280,32€.
Portanto, não se vai dizer nada quanto a este facto (a nível da impugnação de facto…).
Quanto ao facto não provado III, que tem o seguinte teor -
III. No período compreendido entre 21/06/2018 e Junho de 2020, o 1.º autor manteve-se no imóvel, ocupando-o desprovido de título, sendo devedor à ré, a esse nível, 17.130€, correspondente às parcelas seguintes: De 21/06/2018 até Set2019, 9.890,00 (650€ de Julho de 2018 + 660€/mês x 14 meses, de Agosto de 2018 a Set2019); de Out2019 a Jan2020, 2.640€ (660€ x 4 meses); de Fev2020 a Jun2020, 4600€ (= 920€ de valor de renda mensal actual x 5 meses).
- a pretensão da ré traduz-se em discutir, a nível de Direito, se os autores são devedores de alguma coisa pela ocupação, pelo que é a nível de Direito que a questão terá de ser discutida.
Quanto aos factos provados sob 13 e 38, como os autores demonstram (de forma inequívoca, com a citação dos documentos e artigos dos articulados da ré), correspondem à posição assumida pela ré, pelo que não tem sentido a impugnação deles pela ré.
Quanto aos factos não provados sob II, V e VI:
Antes de mais, diga-se que vale aqui, no essencial, o que foi dito acima para a impugnação dos factos 7 a 9 e 58 a 63 quanto ao depoimento de parte e declarações de parte, embora com as seguintes ressalvas (i) agora, a ré também invoca passagens das suas declarações de parte; (ii) em LL acaba por ser invocada outra prova - 5 documentos e declarações de parte do 1.º autor (apenas para a questão da expectativa) - para tentar confirmar a versão da ré. Outra ressalva que se poderia fazer era que, agora, a prova era a fazer pela ré e a contraprova estaria a cargo dos autores. Mas isto só seria assim se a matéria em causa não fosse – como é - de impugnação.
Quanto aos factos não provados II e V acresce que a pretensão da ré se traduz em querer que o seu “testemunho de parte” sirva para prova de cláusulas contemporâneas contrárias a um contrato escrito, o que é considerado inadmissível pela norma do art.º 394/1 do CC.
Com efeito, dispõe o art.º 394/1 do CC: “É inadmissível a prova por testemunhas [o que vale, como é evidente, por maioria de razão, para o “testemunho de parte”], se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373 a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.”
Ora, o que consta daqueles factos II e V contraria expressamente o que consta do contrato promessa escrito (factos 2 e 23).
E não há nenhum começo de prova escrita que pudesse ser invocado para não aplicação da norma, visto que os 5 recibos de que a ré fala no recurso confirmam o que consta do contrato (é a ausência deles, que não é prova escrita, que a ré invoca como confirmação da sua tese).
É certo que no facto não provado V consta ‘expectativa’ e não ‘compromisso verbal’. E a expectativa, por si, não seria contrária ao que consta do contrato escrito. No entanto, como se vê das transcrições da ré, na síntese delas feita pela própria ré, ela usa alternativamente, como se fossem a mesma coisa, compromisso verbal e expectativa. Daí que, embora queira que fique provado o que consta de V, o que diz, na conclusão EE é que “A ré comprovou de forma assertiva de que fala a verdade, ao ter explicado ao tribunal o circunstancialismo envolvente ao compromisso verbal, compromisso de honra, assumido pelas partes aquando da outorga do contrato promessa de compra e venda, a respeito não só do prazo para a celebração da escritura de compra e venda, constante da cláusula 4ª do contrato, em que as partes, para além desse clausulado, assumiram o compromisso de celebração da escritura em Janeiro de 2019”.  Para além disso, sendo coisas diferentes, esse uso alternativo delas pela ré demonstra a artificialidade da construção que é feita no depoimento de parte / declarações de parte da ré. Aliás, essa artificialidade é reforçada com a interpretação das únicas passagens que a ré usa das declarações de parte do 1.º autor. Com efeito, embora ele admita que, a meio do ano de 2019, muito depois da celebração do contrato-promessa, possa ter sugerido à ré que talvez viesse a conseguir promover a celebração do contrato-definitivo antes da data que estava marcada, a ré faz de conta que o que ele disse se traduz em admitir que assumiu o compromisso, ou criou a expectativa, de celebrar o contrato em Janeiro de 2019 (apesar de ele o ter negado repetidamente).  
E, perante a falta de prova de II e V, é evidente que, só por si, as declarações de parte da ré, não convencem do motivo referido em VI.
Pelo que esta impugnação também improcede.
Entretanto, da fundamentação da ré, vê-se que parte substancial dela é dedicada a provar que houve um acordo verbal entre ela e os autores de que, caso o contrato-promessa fosse rescindido, os valores entregues pelos autores não seriam considerados reforço do sinal nem pagamento da ocupação do imóvel. Ora, por um lado, isto não consta formalmente dos factos 13 e 38 nem dos factos não provados II, III, V e VI. Por outro lado, a ré em lado algum da impugnação da decisão da matéria de facto sugere o aditamento de tal facto, embora a ré regresse à discussão desta matéria a propósito do facto provado 43. Seja como for, diga-se que de modo algum as declarações de parte da ré comprovam a existência de mais esse compromisso verbal – noutras alturas, considerado pela ré uma expectativa - invocado pela ré, resultando claro, da leitura do contrato, que as partes não tiveram a capacidade de prever tal hipótese.
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Quanto ao facto 21 a ré diz que:
OO. Resultou da prova produzida que a escritura nunca poderia ter sido realizada porque faltava a presença da outra parte compradora: o 2.º autor;
PP. A prova documental junta para sustentar este facto dado como provado, e no qual também se baseia o tribunal a quo, isto é, a declaração elaborada pela própria testemunha Tatiana Grilo, certifica algo distinto da realidade daquele dia, porquanto, não se encontrava presente a totalidade da parte compradora;
QQ. Foi no seguimento da válida resolução do contrato promessa de compra e venda que a ré não compareceu à escritura;
RR. Situação conhecida dos autores, bem como da própria instituição bancária;
SS. Resulta provado que a ré cumpriu com as formalidades exigidas, ao abrigo do disposto na cláusula 11ª do contrato-promessa, e em cumprimento com o disposto na própria cláusula 9º do mesmo contrato;
TT. A ré ao resolver o contrato-promessa no dia 19/09/2019, fê-lo no rigoroso cumprimento do prazo, forma e termos preconizados nesse contrato e livremente assinado por ambas as partes outorgantes;
UU. Os autores tomaram ambos conhecimento da comunicação de resolução unilateral do contrato-promessa, porquanto ambos responderam, prontamente, à comunicação de resolução, conforme os próprios fizeram prova nos autos;
VV. considerando-se ambos, independentemente da forma, eficazmente notificados;
WW. A comunicação de resolução é uma comunicação receptícia, nos termos do disposto no artigo 224/1 do CC, pelo que se torna eficaz logo que chega ou poder do destinatário ou dele é conhecida;
XX. À luz das regras constantes dos artigos 432 e 442, poderiam ter acordado a devolução do sinal em singelo, conforme o fizeram nos termos da cláusula 9.ª do contrato-promessa;
YY. O agendamento da escritura de compra e venda por parte dos autores (aliás, melhor dizendo, somente pelo 1º autor), foi uma manobra despropositada, no seguimento do exercício do direito à resolução unilateral por parte da ré;
Os autores contrapõem que:
Esta pretensão esbarra não só do que consta do doc. 14 da PI, como também do depoimento da testemunha, solicitadora, que elaborou aquele documento e deveria também ter elaborado o documento particular autenticado de compra e venda.  Como esta testemunha afirma e explica de forma clara no seu depoimento na parte transcrito pela ré no n.º 72 das suas alegações: a testemunha confirma que a parte vendedora não esteve presente na data e local previsto para a outorga do documento de compra e venda e que só por essa razão essa outorga não se realizou, pois estavam reunidos todos os restantes requisitos para que se concretizasse. Afirma expressamente (04:48): “Se a CGD agendou a escritura, é porque toda a documentação que foi enviada previamente estava em conformidade para efectuar a escritura. Sim, existe um departamento antes, que é a equipa de análise jurídica; eles é que dão o ok ao agendamento da escritura e se falhar algum documento ou algum documento não estiver em conformidade, a escritura não é agendada”.
É certo que o 2.º autor, também promitente-comprador não esteve presente, mas não está demonstrado que foi pela sua ausência que a escritura não se realizou. Desde logo porque, mesmo que estivesse presente, a escritura nunca se poderia ter realizado pela ausência da promitente vendedora. Depois, não resulta de nenhuma disposição do contrato-promessa que a escritura tivesse que ser realizada com os dois promitentes-compradores. Pelo contrário, sendo realizada apenas com um deles que pagasse a totalidade do preço ainda em débito, nenhum prejuízo decorria para a vendedora. Principalmente se o comprador fosse o 1º autor para quem tinha sido transferida a posse da fracção e tinha pago grande parte do sinal; por fim, e à cautela, o 2º autor estava “de prevenção” a cinco minutos do local da realização do acto, precisamente para poder ser chamado e comparecer se fosse necessário (cf. declarações de parte do 1º autor transcritas pela ré no nº 73º das suas alegações – 34:36).
Para além de tudo o mais, a ré admite expressamente (n.º 79 das alegações) que “a parte compradora bem sabia que a ré não iria comparecer”. Na verdade, a ré já tinha comunicado expressamente aos autores que não iria vender-lhes a fracção, como consta dos docs. 15 e 16 juntos à PI e está dado como provado em 22. Para além disso, tinha enviado ao 1º autor várias mensagens e e-mails a dizer que não iria comparecer à escritura (cf. declarações do 1º autor transcritas no n.º 75º das alegações da ré – 34:36). E ainda, como a própria ré informou os autores por e-mail, fez ela diligências junto do gestor de conta do 1º autor na CGD, “de forma a não prosseguir outra data de escritura ilícita” (cf. doc. 4 junto pela ré sob o nº4 com o seu requerimento junto aos autos em 16/03/2021, referência 38292473).
E, por fim mas não menos importante, a ré praticou, ainda antes da data marcada para a escritura, actos incompatíveis com qualquer intenção de a outorgar, como o que vem provado em 52.
Apreciação:
A certidão elaborada pela testemunha diz que “atendendo a que não se encontram presentes todos os intervenientes, tendo apenas comparecido o 1.º autor e a representante da CGD, dá-se o acto desmarcado por falta de comparência.” Não diz quem eram as partes intervenientes, nem se encontra junta a minuta do contrato definitivo que nos permita saber isso. Assim sendo, desse certificado não resulta que a escritura não se tenha realizado por falta de comparência da ré, mas apenas que ela não compareceu. Desse certificado também não consta que o 1.º autor estivesse em plenas condições para o efeito, nem nada que permita concluir que assim era. As passagens do depoimento da testemunha invocadas pelos autores para demonstrar o contrário, são inócuas para o efeito: a testemunha não diz qual era o teor da minuta do contrato definitivo e por isso não se sabe quem eram os intervenientes e sendo normal que os compradores fossem os dois autores, também não diz nada quanto ao outro autor, designadamente que este tivesse dado poderes ao 1.º autor para o efeito. E também não diz nada quanto à possibilidade de, sem mais, a minuta do contrato, preparada pela CGD, poder ser alterada de imediato. Ou de o 2.º autor estar disponível para comparecer de imediato.
Por outro lado, os autores não têm razão em dizer que não se demonstrou que foi pela ausência do 2.º autor que a escritura não se realizou, porque não era a ré que tinha que alegar e provar isso.
Quanto às demais considerações dos autores, elas são argumentos de Direito a ter em conta na parte da fundamentação de Direito deste acórdão se e quando for necessário.
Aqui, pois, há que dar parcial razão à ré, eliminando-se do facto 21 as partes que foram rasuradas na transcrição feita acima do facto 21, sendo substituídas pela parte em itálico.
*
Quanto ao facto 39 a ré defende que:
ZZ. Não existe qualquer evidência do que deu como provado o tribunal a quo: de que a ré pretendia convencer os réus a entregar-lhe o imóvel e celebrar, de seguida, um novo contrato promessa de compra e venda com terceiros;
No corpo das alegações desenvolve assim:
Todavia, da prova produzida, outra conclusão seria de retirar, porquanto no seguimento da comunicação de resolução do contrato-promessa, a ré concede aos autores um prazo de 10 dias para acordarem o valor da devolução do sinal em singelo, para reunirem e assinarem o acordo de revogação.
Para além de toda a prova documental junta aos autos, seja a comunicação de rescisão, seja todos os e-mails e insistências para o agendamento da reunião com os autores,
Atente-se, também, nas declarações da ré transcritas no artigo 55 destas alegações, em que a ré, expressamente, refere que pretendia devolver o valor em singelo, descontado o valor da compensação e acrescida das despesas com o processo de financiamento, suportado pelos autores junto da caixa geral de depósitos.
Portanto, o valor apresentado pela ré resultou desse apuramento de contas, de acordo com o compromisso de honra selado entre as partes,
Apreciação:
O tribunal deu como provado o facto e fundamentou a convicção indicando a prova para o efeito e a ré limita-se a dizer que da prova produzida – que não diz qual seja, para além de mais à frente se reportar, em termos genéricos, a toda a prova documental junta aos autos, o que é contrário ao ónus que lhe é imposto pelo art.º 640/1-b do CPC e por isso irrelevante – outra conclusão havia a tirar. Quanto às declarações de parte da ré, na parte transcrita, elas não desmentem a motivação dada como provada pelo tribunal: ela fala de outra motivação, mas não diz nada que convença minimamente que a motivação indicada não existisse.
Pelo que a impugnação improcede.
*
A ré entende que o facto 43 devia ter sido dado como não provado: 
CCC. Pois houve o efectivo acordo, ainda que verbal, que os pagamentos mensais seriam considerados na ocupação do imóvel, em caso de resolução do contrato promessa, por qualquer uma das partes;
No corpo das alegações desenvolve:
Não obstante o que as partes deixaram reduzido a escrito no contrato-promessa a respeito dos pagamentos pela ocupação da fracção, a verdade é que houve o efectivo acordo, ainda que verbal, que os pagamentos mensais seriam considerados na ocupação do imóvel, em caso de resolução do contrato promessa, por qualquer uma das partes.
Recorde-se as transcrições acima, e adicionalmente, o que refere a ré em sede de depoimento de parte ao minuto: […]
Os autores contrapõem:
Não obstante a vasta e clara prova documental junta aos autos, a ré pretende ver alterada a matéria de facto provada, ao que parece, no sentido de que os reforços de sinal, feitos mensalmente pelo 1º autor, não deveriam ser contabilizados no montante a pagar pela ré, a título de devolução do sinal, pela denúncia do contrato-promessa, ou, no caso em apreço, pelo seu não cumprimento.  Mais uma vez, a ré socorre-se exclusivamente das suas declarações de parte para pretender a alteração do decidido na sentença em recurso. E também, mais uma vez, invoca um alegado “compromisso de honra”, como já tinha feito anteriormente com o alegado acordo para realização da escritura em data diferente da estipulada no contrato-promessa. Esta tese peregrina da ré não encontra qualquer respaldo no estipulado no contrato-promessa. Para além de que, a partir da data de assinatura do contrato-promessa, o montante pago pelo 1º autor mensalmente, deixou de ser realizado como “valor de ocupação”, mas sim como reforço de sinal e pagamento, como está expresso claramente no contrato-promessa e a ré aceita na sua contestação.  Como tal, não se compreende como a ré continue a referir-se ao “valor da ocupação”. Não se compreende também que tendo sido a ré que, na sua própria versão, quem sugeriu ou impôs mesmo, a introdução no texto do contrato-promessa da cláusula 9.ª, não tivesse tido o cuidado de reflectir no texto dessa cláusula o tal “compromisso de honra” que agora invoca. Por fim, não deve deixar de salientar-se que o montante a que a ré foi condenada a pagar aos autores resulta do incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo que a tese que a ré descobriu nunca teria qualquer aplicação ou influência no resultado da presente acção.
Apreciação:
O facto 43 fala de uma coisa (um acordo/cláusula no contrato escrito) e a ré fala noutra (um acordo verbal adicional e contemporâneo do contrato escrito) e, no entanto, a ré apenas quer que o facto 43 seja eliminado. Ora, não dizendo nada quanto a 43 não poderia eliminar o facto (que está obviamente provado) e não propondo nada em substituição não poderia ser aditado nada (art.º 604/1-c do CPC) e, por isso, é inútil a discussão.
De qualquer modo, quanto ao que a ré diz, já na parte final da apreciação da pretensão da ré quanto aos factos não provados sob V e VI se disse, num § próprio (em que se faz referência a esta parte da impugnação da ré), que as declarações de parte da ré não convencem que seja como a ré aqui diz.
Ou seja, improcede a impugnação.
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A ré entende que o tribunal a quo andou mal ao ter dado como provado o facto 52:
EEE. A ré logrou fazer prova, através do seu próprio depoimento e das testemunhas que a operação de desligar o alarme e videoporteiro não teve qualquer intuito de obrigar, pela força, o 1º autor a entregar o imóvel, visto que a actuação, para além de não exigir intromissão na habitação, não implicou qualquer consequência gravosa para o 1º autor;
FFF. Não resultou qualquer constrangimento, visto que o alarme nunca deixou de funcionar, sem o sistema de vídeo porteiro;
No corpo das alegações invoca passagens do seu depoimento de parte e dos depoimentos das testemunhas PA e JS.
E explica: isto é, para além de não se exigir nenhuma autorização do 1º autor para tal actuação, ainda que se assim fosse, não resultou qualquer constrangimento, visto que o alarme nunca deixou de funcionar, sem o sistema de vídeo porteiro.
Os autores contrapõem que:
Que a ré mandou desligar por sua iniciativa e sem qualquer comunicação prévia ou autorização do 1º autor, que habitava a fracção, o alarme e o videoporteiro, é inquestionável.  Está provado pelos docs. 15 e 16 juntos pela própria ré à sua contestação, pelos documentos da autoria da ré juntos como nºs. 3 e 4 à participação crime que constitui doc.4 da réplica, pelos depoimentos das testemunhas PA (gravação da sessão de julgamento de 21/10/2022 das 15:15 às 15:32) e JS (gravação da mesma sessão das 14:55 às 15:10), e pelo depoimento da ré transcrito no n.º 130º das suas alegações.
Alega agora a ré que “a operação de desligar o alarme e vídeo porteiro não teve qualquer intuito de obrigar, pela força, o 1.º autor a entregar o imóvel” (n.º 133) ... “para além de se não exigir nenhuma autorização do 1.º autor para tal actuação”.
É chocante a desfaçatez de tais afirmações!
Serviu então para quê desligar o alarme e o videoporteiro da fracção, sem conhecimento e autorização do 1.º autor, que aí habitava? Foi só para mero divertimento da ré? Ou para dar trabalho à empresa que contratou para o fazer? E terá sido também com a mesma intenção lúdica que a ré no dia 08/03/2020 arrombou a porta da garagem da fracção e a caixa do correio e trocou as fechaduras, voltando a praticar esse acto ilícito em 20/05/2022? (facto 51). E para tudo isso não precisava de autorização do morador da fracção?
Por tão descabidas, as afirmações da ré não merecem qualquer outro comentário.
Apreciação
A ré, do facto 52, não está realmente de acordo com a intenção com que ali se diz que actuou (se desvaloriza a necessidade de autorização do 1.º autor é porque aceita que esta não existe, o que, aliás, é uma evidência). Ora, como é também evidente, da prática do facto em causa decorre a intenção com que ele foi praticado, na lógica das coisas e nenhuma das passagens dos depoimentos das testemunhas que a ré invocou diz alguma coisa de contrário a isto. Nem a ré nem as testemunhas nas passagens invocadas se pronunciam quanto à intenção. Pelo que improcede a impugnação.
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Quanto ao facto 54 – embora sem o identificar – a ré diz o seguinte:
HHH. O tribunal a quo optou por credibilizar a versão do 1º autor, quando foi feita prova bastante de que o frigorifico sempre funcionou quando este começou a habitar na casa;
No corpo das alegações desenvolve assim:
O tribunal a quo ignorou, por completo, o que referiram as seguintes testemunhas, de que transcreve as passagens: HM.
Todavia, o depoimento desta testemunha não poderá ser suficiente para dar como provado o facto em causa, visto que a testemunha começa por informar ao tribunal, nas suas declarações introdutórias e refere no final das mesmas, que só começou a prestar os seus serviços naquela casa em 2017,
Portanto, considerando que o 1.º autor habitava na casa já desde Fevereiro de 2016, comprova-se, assim, que a essa data o frigorifico funcionava e se, porventura, o mesmo se avariou, foi por causa única e exclusivamente imputável à actuação do 1º autor.
Assim, o tribunal a quo optou por credibilizar a versão do 1º autor, quando foi feita prova bastante de que o frigorifico sempre funcionou quando este começou a habitar na casa.
Os autores contrapõem que:
A existência de um frigorífico na casa quando o 1.º autor começou a ocupá-la como inquilino está aceite por acordo entre as partes, sendo que este electrodoméstico estava integrado na cozinha instalada.
Que esse frigorífico se avariou e a ré, enquanto senhoria, não o mandou reparar, obrigando o 1º autor a comprar outro; que o 1º autor deixou na casa o frigorífico avariado, a própria ré aceita.
Tudo é confirmado pelo depoimento das testemunhas HM, empregada doméstica do 1.º autor (depoimento gravado de 20.10.2022 das 14:40:18 às 14:52:29) e LR das 14:53:44 às 15:14:51).
Pelo que o constante do facto se deve manter.
Apreciação:
Nem a prova invocada, nem as alegações da ré, têm a ver com o facto 54. Este diz uma coisa (o frigorífico avariou durante o período em causa) e aquelas dizem outra (o frigorífico estava a funcionar antes do período em causa). Aliás, o facto 54 tem por pressuposto que o frigorífico estava a funcionar antes do período em causa, porque senão não se podia ter avariado nesse período…
Assim, naturalmente improcede a impugnação.
*
O facto não provado IV consta do seguinte [a numeração que se segue foi colocada por este TRL]:
[omitiu-se toda esta parte por falta de interesse]
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação, em síntese e só por tópicos (mas utilizando a construção e termos da sentença; as divisórias e as epígrafes são deste TRL, excepto a da parte I):
I
A pretensa resolução da ré não produziu quaisquer efeitos, nem seria apta a fazê-lo.
Desde logo, por força do disposto no artigo 432/2 do CC: “A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato”. A ré não se encontrava em condições de restituir o que havia recebido dos autores, ao que sempre estaria obrigada para efeitos de resolução do contrato-promessa. Ao revelar dificuldades de tesouraria, as quais resultaram em execuções fiscais e judiciais com penhoras contra si intentadas, a promitente vendedora nunca devolveu aos promitentes compradores nenhum dos valores que destes recebeu, nem total nem sequer parcialmente. De resto, a própria ré reconheceu, em comunicação electrónica e mensagem escrita remetidos aos autores, que não dispunha de meios económicos que lhe permitissem devolver o sinal, ainda que em singelo (cf. documento de fls. 142 e 142v [facto 50 – parenteses deste TRL]).
Acresce que a comunicação escrita enviada pela ré não se mostrou apta a rescindir o contrato em causa: a ré apenas remeteu comunicação da resolução, por intermédio de carta registada com aviso de recepção, a um dos promitentes compradores, o 1.º autor. A resolução, conforme decorre, desde logo, do disposto no art.º 346/1 do CC (na sua articulação com o estatuído no artigo 224.º do mesmo CC), opera por comunicação à contraparte. A comunicação destinada à resolução do contrato-promessa sempre teria de ser formalmente remetida [facto 40 - TRL], por meio de carta registada com aviso de recepção, dentro do prazo plasmado na cláusula 9.ª/1 a ambos os destinatários, sob pena de ser ineficaz e sempre inoponível ao (outro) promitente comprador a quem não foi enviada tal comunicação por esse meio, atempadamente, ou seja, ao 2.º autor (uma carta para este, sob registo e com aviso de recepção, só seguiu no dia 23/12/2019, sendo notoriamente extemporânea por referência à data de 21/01/2020. Para a efectivação da resolução as partes jamais convencionaram a via electrónica.
Por outro lado, e nos termos do acordado na mesma cláusula 9.ª [factos 40 e 6 - TRL], o direito à resolução unilateral, aí admitida, estava submetido à condição necessária de reembolso do recebido a título de sinal e reforços de sinal, bem como das demais despesas aí previstas, no prazo de dez dias. O que, como acima se demonstrou, a ré nunca fez, pois nada restituiu aos autores.
Por tudo se conclui que a pretensa resolução do contrato-promessa, por banda da promitente vendedora, não foi válida nem eficaz, não tendo produzido quaisquer efeitos na esfera jurídica dos autores (e jamais, no limite, na do 2.º autor).
II
O direito dos autores à resolução do contrato
Tendo o contrato-promessa permanecido válido e em vigor, os promitentes compradores, nesse pressuposto, vieram a agendar, com inteira legitimidade, a escritura de compra e venda, à qual, apesar de devidamente convocada, a ré não compareceu como promitente vendedora.
A ausência do 2.º autor, que se extrai do documento de fls. 58, 58v e 59, não teve qualquer relevância para a desmarcação do acto, na medida em que aquele estava contactável, mas, mais do que isso, poderia não figurar sequer como adquirente.
A não comparência da promitente vendedora no acto da escritura definitiva, acompanhada da conduta desviante seguida por aquela - a ocupação forçada da fracção prometida vender, a declaração aos autores da sua decisão peremptória de inobservar o antes prometido - não podem deixar de ser entendidas, objectivamente, como sintomáticas da sua intenção de incumprir a promessa de venda a que se obrigou perante os autores, o que constitui incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da ré.
Os autores foram completamente alheios à referida conduta da ré e, por vontade deles, teriam celebrado a escritura definitiva, segundo o agendamento por eles realizado (com a presença de uma representante da mutuante CGD).
Compreende-se, por conseguinte, terem os mesmos perdido todo o interesse em negociar com a ré e, objectivamente, em adquirirem aquela fracção (para o 1.º autor, de “má memória”), o que leva a que consideremos a obrigação como não cumprida por parte da ré, nos termos e para os efeitos do disposto no preceito 808 do CC.
Pelo que estes terão direito a receber da ré, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 442/2 do CC, em dobro, todas as quantias que lhe pagaram a título de sinal.
III
O sinal e o direito ao dobro
Os autores fizeram variadíssimas entregas de dinheiro à ré, a título de sinal (reforço) e princípio/continuação de pagamento do preço do imóvel prometido vender.
Não se demonstrou que o montante global entregue pelos autores à ré, por conta do contrato-promessa e como sinal ou reforço de sinal, se tivesse cingido a 31.280,32€; e que as entregas mensais de dinheiro tivessem a ver com a ocupação do imóvel em si, por banda do 1.º autor, no pressuposto de que o contrato viria a ser cumprido, em nada se relacionando com o pagamento do respectivo preço do imóvel.
Há que afastar a aplicação do previsto na cláusula 9.ª/2-3 do contrato-promessa (devolução do sinal em singelo), já que a mesma só faria sentido num cenário contratual – ora meramente quimérico – em que o acordado nessa cláusula se mostrasse validado para o circunstancialismo presente. Ou seja, não pode defender-se que os autores apenas teriam direito à devolução do montante do sinal em singelo, com base no que foi acordado na cláusula 9.ª, na medida em que se sobrepõe a resolução do contrato-promessa fundada na lei, à luz do preceituado no artigo 432/1 do CC. Não faria qualquer sentido convocar o que se estipulou sobre a resolução contratual na cláusula 9.ª, tendo em linha de conta a prevalência do regime legal do sinal (cf. artigo 442 do CC).
Daí que assista aos autores, o direito de exigirem da ré, o dobro do valor pecuniário prestado a título de sinal, de harmonia com as respectivas importâncias que cada um deles prestou à mesma ré.
IV
A inexistência do direito a indemnização pela ocupação
Não se provou que, no período compreendido entre 21/06/2018 e Junho de 2020, o 1.º autor se manteve no imóvel ocupando-o desprovido de título, sendo devedor à ré, a esse nível, de 17.130€.
Jamais se poderia considerar que o 1.º autor se manteve no imóvel ocupando-o desprovido de título naquele período.
Com efeito, bastaria atentar no conteúdo da cláusula 3.ª/6 do contrato-promessa, para logo se concluir em sentido contrário: “A posse do imóvel objecto deste contrato-promessa, é nesta data, atribuída pela 1.ª outorgante ao 2.º outorgante, cessando a partir da presente data os pagamentos pela ocupação da fracção objecto do presente contrato” (cf. documento de fls. 25 a 29).
Em todo o caso, há que sublinhar que o título sempre se verificaria, face ao crédito existente sobre a ré e ao disposto no artigo 755/1-f do CC (direito de retenção): goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos previstos no já referido artigo 442 do CC.
V
A inexistência de direito a indemnização pelas reparações e obras
Não se provou que após a desocupação do imóvel pelo 1.º autor, a ré teve de fazer reparações e obras de manutenção na dita fracção, que ascenderam ao valor global de 5209,49€, em virtude da actuação do 1.º autor.
Contra isto a ré diz o seguinte (para além de outras coisas que foi dizendo ao longo das outras conclusões, já transcritas acima):
XXX. O que veio, efectivamente, a acontecer [a rescisão do contrato], em 19/09/2020, quando a ré formalizou a comunicação de rescisão aos autores, de acordo com as formalidades exigidas contratualmente, isto é, carta registada com aviso de recepção para o 1º autor, e e-mail para o 2º - e mais tarde envio de carta registada com aviso de recepção para este último também.
YYY. A comunicação de rescisão foi válida e eficaz, tendo cumprido a sua forma e tendo chegado a ambos os destinatários, que confirmaram a sua recepção.
ZZZ. Ao abrigo do disposto, também, na cláusula 9ª, a ré comprometeu-se à devolução dos pagamentos efectuados, em singelo, acrescido das despesas suportadas pelos autores, com o processo de empréstimo junto da CGD, deduzidos o valor da compensação pela ocupação [corrigiu-se lapso de escrita - TRL], tal como as partes tinham, mais uma vez, acordado verbalmente.
AAAA. Andou mal o tribunal ao ter decidido como decidiu e ao ter declarado resolvido o contrato promessa por incumprimento definitivo imputável à ré, quando foi feita prova que o incumprimento se deveu aos autores.
Os autores contrapõem:
x) A pretensa “rescisão” do contrato-promessa pretendida pela ré através da carta com aviso de recepção datada de 19/09/2019 enviada ao 1.º autor, não foi válida e eficaz, porquanto:
i) Não seguiu a forma estipulada na cláusula 9.ª do contrato-promessa quanto aos dois promitentes-compradores;
ii) A ré não devolveu aos autores o sinal recebido no prazo estipulado no n.º 3 daquela cláusula, nem até hoje, e sempre declarou e demonstrou não estar disposta a devolvê-lo no montante devido, de acordo com o previsto no contrato;
iii) À data da pretensa resolução do contrato a ré não estava em condições de restituir o recebido, ou seja, a totalidade do sinal pago, por não ter condições financeiras para tal, pelo que nunca teria direito a resolver o contrato, nos termos do disposto no art.º 432/2 do CC;
y) O 1º autor ocupou a fracção prometida vender antes da data de outorga do contrato-promessa, na qualidade de inquilino, pagando pontualmente as rendas à ré; após a assinatura do contrato-promessa, ao abrigo do disposto no nº 6 da cláusula 2.ª daquele contrato, pela qual a ré transferiu para o 1º autor a posse da fracção; após a data marcada para a realização da escritura malograda por ausência da ré, no exercício do direito de retenção que a lei lhe confere, face ao crédito detido sobre a promitente vendedora resultante do incumprimento por esta do contrato promessa (art.º 755/1-f do CC).
[…]
bb) Sendo que é inquestionável, como acima se demonstrou, que os autores nada devem à ré a título da ocupação do imóvel.
Apreciação:
A resolução do contrato pela ré
A 1.ª razão invocada pelos autores e pela sentença para a ineficácia da resolução do contrato (art.º 432/2 do CC) pela ré está errada: a norma em causa está pensada directamente para as situações de impossibilidade de restituição em espécie: a restituição seria de uma coisa entretanto destruída, consumida ou alienada.
Neste sentido, Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo…, vol. II, Coimbra Editora, 2008, pág. 994, nota 2781: “A possibilidade de restituição do ‘que houver recebido’ refere-se obviamente ao objecto em espécie, e não apenas a uma restituição em valor, que, salvo o caso de insuficiência patrimonial, normalmente será possível.” E Brandão Proença, A resolução do contrato, no direito civil, Coimbra Editora, 1996, págs. 197-198 e nota 589: “Este preceito [art.º 432/2 do CC…] estabelece, assim, um limite legal (de sentido preclusivo) ao exercício do direito de resolução (e por uma impossibilidade absoluta de restituição originada, em regra, por um facto imputável ao titular ocorrido antes da “declaração” resolutiva) […].” Em nota acrescenta: “Falamos de impossibilidade absoluta (e objectiva) de restituição, pois a mera impossibilidade temporária e “subjectiva” (v.g., relativa à restituição pelo vendedor das prestações já pagas ou, pelo comprador de um prédio alienado sob reserva) não é impeditivo de resolução.” (tem-se ainda em conta as páginas, 466 e 467 das Lições do mesmo autor, citadas abaixo).
Ou seja, a norma do art.º 432/2 do CC trata daquela impossibilidade de restituição das coisas (que podem ter sido destruídas, consumidas ou alienadas), não se tendo encontrado qualquer autor (nem foi invocado pelos autores ou pela sentença recorrida) que admita que o facto de o devedor não poder restituir as prestações pecuniárias recebidas sirva de facto preclusivo do direito à resolução.
A 3.ª razão invocada também está errada. A cláusula 9.ª do contrato não condicionava a resolução à restituição do sinal. A cláusula 9.ª/2 está transcrita no facto 40 e a conclusão tirada no facto 6 é uma interpretação errada de tal cláusula. Nesta não se dizia – como tinha de dizer para ser uma condição resolutiva (art.º 270 do CC) – que caso a restituição não fosse feita a resolução ficava sem efeito (ou que só produziria efeitos nesta hipótese, caso em que se estaria perante uma condição suspensiva). A cláusula limitava-se a prever que o exercício da resolução implicava a constituição da obrigação de restituição do sinal em 10 dias.
Já a 2.ª razão invocada pelos autores e pela sentença está certa. A cláusula 9.ª/1 (facto 40) previa que qualquer uma das partes pudesse livremente resolver o presente contrato por mera comunicação à outra parte desde que o fizesse mediante carta registada com aviso de recepção, até 120 dias antes da data (21/01/2020) prevista na cláusula 4.ª. Ora, segundo o art.º 223/1 do CC: Podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada. Ora, esta presunção não foi ilidida, nem sequer a ré se tinha proposto ilidi-la. Assim, a resolução só seria eficaz se tivesse sido feita através de carta registada com a/r. E sendo duas as pessoas que integravam o 2.º outorgante, a resolução tinha que ser dirigida a ambas (art.º 436/1 do CC) por carta registada com a/r. Ora, a ré só comunicou a resolução do contrato ao 2.º autor por e-mail (factos 14 e 15). A carta com a/r que lhe acabou por enviar estava 3 meses fora de prazo e por isso é irrelevante (facto 16).
A resolução de um contrato que não seja divisível, como no caso dos autos, tem de ser dirigida a todos os devedores, no caso de pluralidade de devedores (Vaz Serra, Resolução do Contrato, no BMJ nº 68, págs. 239 e 240): “a resolução, como medida excepcional, só se adoptaria… contra todos os devedores… Isto, mesmo que… os devedores sejam solidários…”, citado no ac. do STJ de 31/01/2007, 06A4485;  Também a propósito da resolução do contrato de arrendamento, se diz que “colocando-se a questão da existência de uma pluralidade […] de locatários, apresenta-se como regra fundamental a necessidade de exercício do direito de resolução […] face a todos os que lhe estão sujeitos. A resolução exercida apenas contra um ou alguns dos […] locatários é ineficaz […]”: David Magalhães, A resolução do contrato de arrendamento urbano, Coimbra Editora, 2009, pág. 109, também citando Vaz Serra, loc. cit. – Brandão Proença sobre A resolução do contrato no direito civil…, Coimbra Editora, 1996, também remete para este mesmo estudo mas em separata, na nota 426, pág. 150, para o caso de pluralidade de credores e/ou devedores;           No mesmo sentido da necessidade da comunicação da resolução à autora e ao marido, vejam-se os acs. do STJ de 11/09/2012 (4578/07.0TBGDM.P1.S1– embora relativo a uma associação mutualista, os argumentos são os mesmos e aplicáveis sem reserva como até se vê do facto deste acórdão transcrever quase na íntegra, nesta parte, o de 2007), do TRG de 14/01/2010 (762/07.4TBFLG.G1) Sendo o contrato indivisível, a resolução só pode operar se a declaração respectiva tiver sido feita em relação a ambos os tomadores [mas o acórdão queria referir-se a segurados: a situação referia-se a segurados e não a tomadores; tomador era só o marido, como no caso dos autos – vejam-se os pontos 8 e 9 dos factos provados], ainda que estes respondam solidariamente pelo pagamento dos prémios de seguro; e do TRP de 12/05/2009 (0824635: I - O artigo 33 do Decreto de 21/10/1907, ao referir-se à resolução do contrato de seguro de vida estabelece expressamente que o segurado deve ser avisado, por meio de carta, de que se não satisfizer os prémios em dívida no prazo de 8 dias ou noutro que se ache convencionado na apólice, o contrato será considerado insubsistente. II - Assim era indispensável que a ré seguradora tivesse feito duas comunicações de rescisão do contrato de seguro, uma à recorrida, e outra ao marido. III - Quem contratou o seguro foram ambos os cônjuges, sendo os dois devedores dos prémios de seguro, no bastando à seguradora comunicar a resolução do contrato apenas ao marido). Também o ac. do STJ de 22/02/2022, proc. 5213/18.6T8VIS.C1.S1 (com o relator a dar conhecimento que mudava a posição assumida no ac. do TRC de 14/03/2017), sendo o último de uma série de outros do STJ nesse sentido: VII - Para se operar (e produzir efeitos) a resolução dum tal contrato de seguro individual, tem a seguradora que comunicar/declarar à outra parte a resolução e a “outra parte” são os dois cônjuges/tomadores/segurados. VIII - E, não havendo declaração resolutiva em relação a um dos cônjuges, isso significa, forçosa e necessariamente, que toda a relação contratual se mantém incólume, válida e vigente (mal-grado a falta de pagamento dos prémios), uma vez que a declaração resolutiva efectuada é insuficiente para extinguir a relação contratual (tal seguro individual).
A cláusula 11 que a ré invoca para contrariar o que antecede, tem a ver com outras comunicações que não a comunicação/declaração de resolução, como lembram os autores.
Mas, mais do que isso (ineficácia da resolução), a cláusula invocada pela ré é inválida: as partes não têm, nem se podem atribuir, desde logo, antes do início da execução do contrato, o poder de cumprir ou não os contratos conforme lhes apetecer sem quaisquer consequências (art.º 406/1 do CC). Daí que, quando uma parte não cumpra, a lei dá à outra parte o direito de requerer a execução coactiva da prestação (art.º 817 do CC) e nenhuma norma dá às partes a possibilidade de renunciar antecipadamente a esse direito. Ora, a cláusula que prevê um poder resolutivo arbitrário, não fundamentado (cláusula potestativa ad nutum), sem consequências, equivale a atribuir à parte o direito de cumprir ou não cumprir o contrato conforme muito bem lhe apetecer. Seria diferente se as partes tivessem previsto, como consequência desse poder arbitrário de desvinculação, o pagamento do “dinheiro de arrependimento” (multa penitencial ou arras penitenciais) que, evidentemente, não é o sinal apenas (pois que este é apenas a restituição do recebido).
Para tudo isto, veja-se Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento, em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor  Teixeira Ribeiro, II, Coimbra, 1979, págs. 403-405; Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2.ª edição, UCE/Porto, 2017, por exemplo, páginas 363-366 e 469-471 mas principalmente em A cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia…, páginas 299-332, especialmente 316 a 323; e Daniela Baptista, Da cláusula resolutiva expressa, págs. 197 a 226, especialmente 204 a 206, estes dois últimos publicados em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor, Henrich Ewald Hörster, Almedina, 2012; a posição contrária, defendida por vários autores, referidos nestes dois estudos, não convence, desde logo porque os casos específicos em sentido contrário previstos na lei não são generalizáveis e porque uma cláusula arbitrária deste género tiraria qualquer vinculatividade ao contrato e poria em causa os princípios da boa fé no cumprimento das obrigações e do equilíbrio contratual. Sobre estas cláusulas penitenciais, Ana Filipa Morais Antunes, em Comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCP/FD/UCE, 2018, páginas 1164-1165, com várias outras referências.
Pelo que, não fosse o facto de a resolução efectuada pela ré ser ineficaz por não ter sido feita através de carta registada para um dos autores, sempre se teria de declarar essa resolução como ineficaz por se basear numa cláusula inválida do contrato.
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Quanto ao direito à resolução do contrato pelos autores, estes e a sentença têm toda a razão.
Perante a resolução do contrato efectuada pela ré sem cumprir as formalidades que as partes se tinham imposto, por isso inválida e ineficaz (art.º 223/1 do CC), o contrato manteve-se em vigor. Essa resolução infundada e ineficaz pode ser vista, as mais das vezes, como um incumprimento definitivo por parte do declarante da resolução.
(dois exemplos podem ver-se, nos acs. do TRL de 23/06/2022, proc. 4525/20.3T8LRS.L1: “A resolução do contrato, quando baseada [em fundamentos não previstos na lei], revela uma vontade inequívoca de não cumprir, que pode ser [o que não quer dizer que tenha de ser, necessariamente - TRL] equiparada a uma recusa categórica de cumprimento, equivalente, por isso, a um incumprimento definitivo”; e do STJ de 22/05/2018, proc. 27800/15.4T8PRT.P1.S1, invocado pelos autores e pela sentença recorrida: “I - A declaração resolutiva infundada é apta a extinguir o contrato-promessa em curso, mas só representa um incumprimento definitivo quando significa o propósito de não querer ou não poder cumprir. II - Só neste caso se poderá falar em incumprimento antecipado e definitivo do contrato-promessa, a justificar a actuação do regime do sinal. III - Não é o que se passa quando a resolução emerge da representação que o declarante faz acerca da suposta inadimplência da contraparte, pois que este comportamento não representa uma recusa séria, peremptória e definitiva de cumprimento. IV - Nesta situação o contrato mantém-se, podendo a contraparte exigir o seu cumprimento (em espécie, sendo tal possível, ou através do sucedâneo indemnizatório), ou então resolvê-lo dentro do circunstancialismo do art.º 808 do CC.”
Se essa declaração for acompanhada, ainda, de declarações várias (facto 22), dirigidas à contraparte, por parte do mesmo contraente de que não vai cumprir o contrato, a conclusão do incumprimento definitivo do contrato reforça-se. E ainda se reforça mais se a contraparte, para não correr o risco de incertezas, a convoca para a celebração da escritura de compra e venda do contrato a cumprir e essa parte, declarante da resolução, não comparece à escritura (factos 20 e 21). E mais ainda se, como no caso, a ré invade e ocupa a fracção que tinha entregue ao 1.º autor para lá viver, para além de ter praticado factos anteriores que vão no mesmo sentido (factos 46, 47, 51 e 52). Tudo isto tem o inequívoco sentido de um incumprimento definitivo do contrato que dá à contraparte o direito de o resolver (que no caso foi feito implicitamente através da propositura da acção e do pedido de declaração de resolução) ou de pedir ao tribunal que o resolva (artigos 808/1 e 801/2 do CC).
(neste sentido, com desenvolvimento, Brandão Proença, Lições citadas, páginas 325 a 351; no caso a questão é linear e não merece mais desenvolvimentos)
Diz a ré que não foi só ela que não compareceu à escritura e tal decorre do facto 21 e não há nada que demonstre, ao contrário do que os autores e a sentença pretendem, que o 1.º autor estaria em condições de sozinho, celebrar o contrato, mas isto em nada afecta a conclusão do incumprimento definitivo pela ré. A convocação da ré para a escritura destinou-se a comprovar que ela não comparecia para celebrar o contrato definitivo – como ela dizia claramente e os autores quiseram confirmar - e essa não comparência verifica-se mesmo não estando também presente o 2.º autor.
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Do sinal em dobro
O incumprimento definitivo do contrato pela ré, com direito à resolução do contrato pelos autores, expressamente exercitado por eles através desta acção, dá-lhes o direito à restituição do sinal e a uma indemnização igual ao sinal (art.º 442/2 do CC).
Por força dos art.ºs 440 e 441 do CC e da cláusula 3.ª/1-2-3 (facto 23) e ainda do que consta, com várias repetições (que já vêm da petição inicial), dos factos 24, 29, 31, 32, 42 e 44, todas as quantias entregues pelos autores, promitentes compradores, são antecipação do pagamento do preço e, simultaneamente, são, ou presumem-se, sinal. Essas quantias totalizam 31.280,32€ (factos 24, 25, 26, 27, 31 e 32) e não os 31.321,22€ que é a soma do que consta do facto 34 [que, por sua vez, é uma conclusão/soma errada dos pagamentos dados como provados] nem o valor que consta do facto 37 [que é a soma de uma lista – doc. 64 da PI - que aliás não foi reproduzida nem dada por reproduzida, que inclui, segundo o seu título, também gastos com o empréstimo bancário].
 Assim, os autores têm direito a 31.280,32€ x 2 como sinal em dobro (sendo 57.295,14€ para o 1.º autor que pagou 28.647,57€ e 5265,50€ para o 2.º autor que 2632,75€), o que implica a correcção da decisão final, nessa parte, embora num valor diminuto.
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O valor da ocupação
A ré vê as quantias equivalentes ao valor que, antes do contrato promessa, o 1.º autor pagava a título de rendas, materialmente como rendas que, ficando o contrato-promessa sem efeito, deviam ser pagas pelo 1.º autor como contrapartida pela ocupação da fracção prometida vender e deixavam de valer como sinal.
As partes esclareceram expressamente a questão quanto à qualificação de tais quantias como sinal e antecipação do preço – quer no contrato quer nos factos provados, com inúmeras repetições vindas da PI e reproduzidas na sentença recorrida (factos 6, 23=cláusula 3 em todos os seus números mas especialmente no n.º 5 do qual resulta claramente que para além de sinal eram também antecipação do pagamento do preço, 24 a 27, 29, 31, 32, 34, 38, 42, 43 e 44) - e essa qualificação não pode ser posta em causa, para efeitos da consequência do sinal em dobro.
As partes nada disseram expressamente quanto - e nada permite concluir que tenham previsto tal questão - ao pagamento da ocupação da fracção se o contrato-promessa ficassem sem efeito por incumprimento da ré.
Tendo em conta que os 650€ que o 1.º autor pagava a título de renda (facto 41) antes da ocupação passaram, no valor de 660€, a ter por título uma cláusula do contrato-promessa (factos 42 a 44 entre outros…), a questão é a de saber se a ré deve ter direito ao pagamento do valor dessa ocupação a partir do momento em que o contrato-promessa ficou sem efeito e retroactivamente. Ou seja, se tem direito a 660€ x 24 meses (= 15.840€) – já que a ocupação foi de Julho de 2018 a Junho de 2020 inclusive. E isto independentemente (no sentido de ela já estar decidida) da questão do sinal.
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Para se perceber melhor a questão, ela, em termos materiais, traduz-se nisto:
Se se considerar que a ré tem direito ao valor da ocupação, os direitos finais das partes são:
Sinal em dobro (crédito dos autores): 31.280,32€ (18.080,32€ + 13.200€) x 2 = 62.560,64€
Valor da ocupação (crédito da ré): 15.840€.
Compensação entre estes créditos: 62.560,64€ - 15.840€ = 46.720,64€ para os autores.
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As coisas, como a ré as colocava seriam diferentes, porque ela dizia que os 660€/mensais não eram sinal (mas já foi decidido que eram); pelo que o resultado final, segundo a ré, seria:
Sinal em dobro = 18.080,32€ x 2 = 36.160,64€
Valor da ocupação: 15.840€
Compensação entre estes créditos 36.160,64€ - 15.840€ = 20.320,64€ para os autores.
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Portanto, se se considerar que a ré tem direito ao valor da ocupação, tal não quer dizer que se negue que os valores equivalentes ao que os autores pagaram tenham o carácter de sinal, isto é, eles mesmos assim vão receber um valor 46.720,64€, a título de sinal em dobro, que é muito superior ao que a ré queria pagar (20.320,64€). Mas não é igual ao valor de 62.560,64€ a que teriam direito sem pagarem à ré o valor da ocupação.
Ora, compreende-se que se o contrato-promessa fosse cumprido, ficando os autores proprietários da fracção, eles não tivessem que pagar nada autonomamente pela ocupação da fracção, porque se presumiria que o preço pago de 220.000€ incluiria o valor da ocupação, ou melhor, era como se a compra tivesse sido efectuada à data da celebração do contrato-promessa e, portanto, como se o 1.º autor a estivesse a ocupar, retroactivamente, a título de proprietário.
Mas não celebrando o contrato-definitivo, essa ocupação já não fica coberta e não se justifica que tal aconteça porque a ré já será responsabilizada pelo incumprimento do contrato, tendo que pagar o sinal em dobro (incluindo neste os 660€ mensais).
Isto seria diferente se as partes tivessem previsto que a ocupação, no caso de o contrato definitivo não vir a ser celebrado, não seria compensada.
Mas as partes não o previram, nem previram o contrário (apesar do que a ré diz na impugnação da matéria de facto, de forma perfeitamente artificiosa) e, por isso, o benefício, claro, que o 1.º autor teve com a ocupação da fracção durante aqueles 20 meses, não tem qualquer cobertura, nem justificação, a partir do momento em que o contrato é resolvido. Nem mesmo o direito de retenção invocado pelos autores serve para o efeito, mesmo que parcialmente. O direito de retenção justifica a retenção, não justifica que não se pague nada pelo gozo que se obtém com a posse da fracção.
É claro que as partes não previram o ponto em questão, por terem sido ultrapassadas pela qualificação dos pagamentos como sinal, reforço de sinal e antecipações de pagamento e pela tentativa de previsão destas hipóteses, quer caso o contrato se cumprisse quer fosse resolvido. Mas vê-se que, de acordo com a lógica do contrato, as partes não perceberam que, por força das cláusulas estipuladas, não tinham regulado a questão da contrapartida da ocupação caso o contrato fosse resolvido por incumprimento da ré, apesar de, obviamente, não quererem que essa ocupação fosse gratuita.
Assim, entende-se que há uma lacuna no contrato e que ela deve ser integrada, tendo em conta o que as partes, presumidas contratantes de boa fé, neste negócio oneroso, teriam determinado se tivessem previsto o ponto em questão (art.º 239 do CC). Ou seja, o pagamento, pelo 1.º autor (era ele que beneficiava da posse) de um valor mensal pela ocupação da fracção, equivalente ao valor da renda que o 1.º autor pagava antes da celebração do contrato-promessa (mas já não o valor especulativo e sem prova, de 920€/mensais que a ré pretende que conseguiria obter no período de Fev2020 a Jun2020, 4600€).
 (melhor justificação da forma de integrar a lacuna e dos pressupostos da possibilidade da integração, com referências doutrinárias e jurisprudenciais, para uma situação com algumas semelhanças neste aspecto, pode encontrar-se no ac. do TRL de 10/09/2020, proc. 27323/18.0T8LSB.L1, para onde se remete dado que, no caso, dada a evidência da situação, não se justifica estar a fundamentar melhor)
Pelo que a ré tem direito ao valor de 15.840€ a título de ocupação, a compensar com o crédito do 1.º autor reconhecido nesta acção.
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Quanto às reparações e obras
A mudança de pintura do quarto traduz-se, agora que o contrato-promessa está resolvido, na alteração pelo 1.º autor, de coisa que era e continua a ser propriedade de outrem, isto é, da ré. Ora, a alteração das coisas é prerrogativa do proprietário (art.º 1305 do CC). Assim, a ré tem o direito de, à custa do 1.º autor, voltar a pintar o quarto da cor original. E, mesmo que não se prove que já tenha pago a pintura, ou mesmo que não a tenha pago, tem direito ao seu custo.
Não se sabendo qual o valor do custo mas sabendo que a pintura de toda a fracção custou perto de 600€, o valor da pintura pode ser calculado com equidade, ao abrigo do art.º 566/3 do CPC, em cerca de 1/6 daquele (um quarto de uma fracção terá cerca de 1/6 da área do todo). Pelo que se fixa a indemnização em 100€.
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Custas:
Da acção:
Valor do pedido dos autores: 63.930,01€
Valor do pedido da ré: 22.450,66€
Valor total: 86.380,67€ = 100%.
Os autores obtiveram a condenação da ré a pagar-lhes 62.560,64€, mas foram condenados a pagar-lhe 16.057,17€, pelo que o valor final que obtiveram foi de 46.503,47€.
Pelo que a proporção do decaimento em relação ao valor total da acção é de 46,16% para os autores e de 53,84% para a ré.
Do recurso:
Na sentença recorrida, o valor final da condenação da ré foi de 57.376,94€ + 5265,50€ - 111,17€ = 62.531,27€.
A ré, com o recurso, queria obter a absolvição de 62.642,44€ e queria a condenação dos autores em 22.450,66€, ou seja, 85.093,10€ = 100%. Obteve apenas a condenação dos autores em mais 15.946€. Logo, o seu decaimento é de 81,26% e o dos autores é de 18,74%.
A ré tem o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso,
i\ corrigindo o valor daquilo em que a ré ficou condenada a pagar ao 1.º autor que passa a ser de 57.295,14€;
ii\ revogando a sentença na parte em que julgou improcedente o pedido da ré quanto à indemnização pela ocupação da fracção e quanto a parte do valor das obras, condenando-se agora o 1.º autor a pagar à ré ainda o valor de 15.840€ pela ocupação e 100€ pela pintura do quarto, pelo que o crédito da ré contra o 1.º autor tem o valor total de 16.057,17€ (incluindo os 117,17€ da sentença recorrida);
iii\ e alterando o valor da compensação do crédito do 1.º autor com o crédito da ré, que passa a ser de 41.237,97€ a favor do 1.º autor, que é aquilo que a ré fica agora condenada a pagar-lhe com juros nos termos constantes da sentença recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte,
- da acção, 46,16% pelos autores e 53,84% pela ré;
- do recurso, 18,74% pelos autores e 81,26% pela ré.
Mas a ré está dispensada de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
A ré vai condenada em 3 UC de multa pela tentativa, a 24/04/2023, de junção aos autos de documentos na pendência do recurso; os mesmos devem-lhe ser restituídos (desentranhados e ocultos dos autos) à sua custa.

Lisboa, 22/06/2023
Pedro Martins
Inês Moura
Higina Castelo