Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA | ||
Descritores: | DEPOIMENTO DE PARTE CONFISSÃO MEIOS DE PROVA FORÇA PROBATÓRIA PLENA FUNDAMENTAÇÃO NULIDADE PROCESSUAL NULIDADE SANÁVEL PRAZO DE ARGUIÇÃO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO MORA INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA PERDA DE INTERESSE DO CREDOR INCUMPRIMENTO DEFINITIVO ÓNUS DA PROVA | ||
Data do Acordão: | 10/16/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ COISAS/ NEGÓCIO JURÍDICO/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS -PROCESSO DECLARATIVO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO / RECURSOS | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 106/107, 114/115 e 275/277; in RLJ 128, págs. 112 e ss.. e 138. - Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, 2000, pág. 176. - Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, pág. 102, 460/461. - João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, págs. 131, 134, 135 e 137. - João Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Almedina, 2010, 13.ª edição, pág. 19. - José Alberto dos Reis, in Código Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 70. - José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2011, Coimbra Editora, págs. 290, 291, 293, 330. - José Lebre de Freitas, in A Confissão no Direito Probatório, pág. 160. - José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2001, pág. 634. - José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163. - J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, págs. 155/156. - Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina 2002, pág. 100, 102/103. - Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição revista e actualizada, págs. 319, 320, 379/380. - Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 1994, págs. 336 e 337. - Vaz Serra, RLJ, ano 102º, pág. 168. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 205º, N.º 1, 224º, N.º 1, 258.º, N.º1, 342.º, N.º 1, 344º, N.ºS 1 E 2, 352.º, 358º, N.º 1, 410º, N.º 1, 433.º, 436º, N.º 1, 441.º, 442.º, N.º 2, 798.º, 801.º, N.º 2, 804.º, N.º 1, 808º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 201.º, N.º1, 205.º, N.º1, 563.º, 655.º, N.º1, 712.º, N.ºS 1, 4 E 6, 722.º, N.º2, 729.º. LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 3/99, DE 13-1: - ARTIGO 26.º. NOVA LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 52/2008, DE 28-8: - ARTIGO 33.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22.11.2001, 19.03.2002, 15.10.2002, 25.02.2003, E 07.03.2006, TODOS ACESSÍVEIS IN WWW.DGSI.PT/JSTJ. | ||
Sumário : | I - O depoimento de parte é um meio processual (arts. 552.º a 567.º do CPC) destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352.º do CC). II - A confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente (art. 358.º, n.º 1, do CC), pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente. III - Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis, não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de provocar a confissão. IV - Se o legal representante da ré não reconheceu os factos a que depôs e, por isso, não houve redução a escrito (art. 563.º do CPC), não devia o tribunal, na motivação da decisão de facto negativa, fazer-lhe referência, porquanto ela só se justificava se houvesse confissão e a decisão fosse positiva. V - Tal procedimento ou desvio ao formalismo processual prescrito na lei constitui apenas uma nulidade secundária, uma vez que não integra nenhuma das previstas nos arts. 193.º a 200.º do CPC (as chamadas principais, típicas ou nominadas) e a irregularidade cometida não influiu minimamente no exame e decisão da causa (art. 201.º, n.º 1, do CPC). VI - Não tendo sido arguida no prazo fixado no art. 205.º, n.º 1, do CPC, essa irregularidade encontra-se sanada. VII - Para além das situações em que a lei prevê especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato, a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito (cf. arts. 798.º e 801.º, n.º 2, do CC), não gozando dessa faculdade o contraente fiel no caso de simples mora ou retardamento da prestação, situação que só lhe dá o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento lhe causou (art. 804.º, n.º 1, do CC). VIII - O incumprimento transitório – ou mora – de um contrato-promessa de compra e venda, traduzido na não realização da prestação, ainda possível, no prazo a que os contraentes se vincularam, não conduz ao incumprimento definitivo, se esse prazo não assumiu a natureza de fixo, absoluto ou essencial, sendo sim relativo. IX - Tal seria conseguido através de interpelação admonitória, que se traduz na fixação de um prazo razoável, destinado a conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato, e, no acto dessa fixação, da imposição da cominação de resolução (automática) do contrato (interpelação cominatória), tudo a envolver uma intimação de cumprimento, a fixação de um termo peremptório (definitivo e fatal) e uma declaração de que a obrigação padecerá de incumprimento definitivo, se não for cumprida dentro desse novo prazo. X - Para que ocorra uma situação de perda de interesse susceptível de justificar a assumpção de uma atitude resolutiva por parte do accipiens, torna-se necessário que a situação de retardamento no cumprimento da prestação em que o devedor se colocou ocasione um subjectivo, objectivamente perspectivado, desinteresse do credor na execução do contrato, cabendo-lhe alegar e provar os factos objectivos e concretos que substanciem a perda do interesse, susceptível de caracterizar o comportamento do inadimplente como equiparável à impossibilidade de cumprir conducente à liquidação da relação contratual (art. 342.º, n.º 1, do CC). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – No dia 25 de Maio de 2000, AA e sua mulher, BB, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC – Urbanização, Construção e Decoração, Lda e Caixa Económica Montepio Geral, alegando, em síntese, que: Por contrato datado de 23 de Março de 1999, a ré CC prometeu vender-lhes a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente à porta 34, 2.º esquerdo do prédio urbano sito na ..., no concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º 02230, pelo preço global de Esc. 55.000.000$00 (cinquenta e cinco milhões de escudos). Nesse acto, como sinal e princípio de pagamento, entregaram a quantia de Esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), devendo o restante ainda em dívida, no valor de Esc. 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos), ser pago no momento da escritura de compra e venda, a realizar até ao dia 30/6/1999. Como nessa altura, a ré CC ainda não tinha concluído algumas obras indispensáveis à habitabilidade da fracção, sobre a qual incide hipoteca a favor da ré Caixa Económica, nem dispunha de licença de utilização, acordaram com aquela adiar, por algumas semanas, o prazo da outorga da escritura, tendo reforçado, no dia 28/6/1999, o sinal com a entrega àquela de mais Esc 10.000.000$00, passando a habitar na fracção, desde então, com a autorização da ré, nela fixando a sua residência. Por diversas vezes, dirigiram-se à ré CC exigindo a celebração da escritura, deparando-se sempre com o obstáculo da inexistência da licença de utilização, pelo que devido ao protelar da escritura perderam todo o interesse na concretização do negócio prometido, assistindo-lhes o direito de resolver o contrato-promessa e exigir o dobro do sinal que prestaram. Com tais fundamentos, concluíram por pedir o seguinte: 1. A declaração do incumprimento definitivo pela ré CC desse contrato-promessa da compra e venda. 2. A condenação da ré CC a pagar-lhes a quantia de Esc 50.0000.000$00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 7%, desde a citação até integral pagamento. 3. A condenação das rés a reconhecer o direito de retenção dos autores sobre a referida fracção autónoma; Os Réus contestaram a pugnar pela improcedência da acção, sustentando, em resumo, o seguinte: Contestaram autonomamente as rés a pugnar pela improcedência da acção, dizendo, em síntese, a Caixa Económica que não houve incumprimento definitivo por banda da ré CC e não gozam os autores do direito de retenção sobre a fracção autónoma objecto da promessa. Por seu turno, ré CC, além de impugnar a versão factual trazida pelos autores sobre o incumprimento da promessa, contrapôs outra diferente, imputando o incumprimento aos autores, por não comparecerem à outorga da escritura, tudo a conferir-lhe o direito a resolver o contrato-promessa e a fazer seu o sinal prestado e, em reconvenção, pediu a condenação dos autores a ver reconhecida a resolução e a perda do sinal. Houve réplica dos autores a impugnar os factos em que se ancora a reconvenção e a sustentar a sua improcedência. Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, foi proferida sentença em que, na improcedência da acção e parcial procedência da reconvenção, absolveu as rés dos pedidos e declarou resolvido o contrato-promessa, com base em incumprimento dos autores, e condenou estes na perda do sinal bem como na restituição à ré CC da fracção autónoma. Os autores apelaram, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa, depois de alterar a resposta ao ponto 14º da base instrutória (dando-o por não provado), revogado a sentença da 1ª instância, julgando improcedentes a acção e a reconvenção, com a consequente absolvição recíproca das partes dos pedidos formulados. Inconformados, interpuseram os autores e a ré CC recursos de revista, finalizando os primeiros a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1 Ao ter mantido, sem reparo, a resposta dada à matéria de facto pelo juiz da primeira instância, quando este baseia tal resposta na apreciação crítica conjugada e concatenada do depoimento de parte do legal representante da ré, o douto acórdão em revista violou o disposto no art.º 552º do CPC, posto que o depoimento de parte tem em vista a prova por confissão. Entendendo que o legal representante da ré não confessou, estava o juiz da primeira instância impedido de usar tal depoimento para fundamentar a sua convicção; 2 Querendo servir-se do depoimento de parte do legal representante da ré, deveria o juiz de primeira instância, nos termos do art.º 552º do CPC, ter dado idêntica possibilidade aos Autores, como forma de garantir o equilíbrio entre as partes. 3 Perguntando-se no ponto 8º da base instrutória se até 25.05.2000 (data da propositura da presente acção) a ré não respondera à solicitação constante da carta referida em F de factos assentes, deve considerar-se que se trata de facto negativo. E assim sendo deve o ónus da prova do contrário recair sobre a ré, dado ser extremamente difícil, se não mesmo impossível, para os Autores, que o alegaram, provar tal facto. Não tendo decidido neste sentido, os Senhores Desembargadores a quo interpretaram e aplicaram erradamente os art.ºs 342º e 344º do CC. 4 Tendo a resposta à matéria de facto controvertida, quer numa, quer noutra das situações, resultado de erro de aplicação de normas processuais, aplicáveis à produção de prova, deve o respectivo despacho ser anulado e ordenada a sua reformulação pela primeira instância com a subsequente alteração da sentença. 5 Ainda que assim não se entenda, deve sempre considerar-se que o douto acórdão da Relação fez uma errada interpretação e aplicação à factualidade provada dos art.ºs 442º e 808º do CC, devendo, por isso, ser revogado e substituído por decisão que julgue a acção totalmente procedente. 6 Partiram as instâncias do falso pressuposto de que sendo a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Sintra, o prazo de 15 dias concedido na interpelação constante da carta enviada pelo mandatário dos Autores a 22.11.1999 não era razoável. Ou seja, no errado entendimento das instâncias, o cumprimento das obrigações que para a ré resultavam do contrato-promessa dependia do comportamento de terceiros, pelo que estavam os AA condenados a esperar quanto necessário fosse. 7 Porém, nada foi alegado pela ré que pudesse ilidir a presunção de culpa que, nos termos do art.º 799º do CC, sobre si recai relativamente ao intolerável retardamento no cumprimento da obrigação de celebrar a escritura prometida. 8 Foi o próprio julgador da primeira instância, em flagrante contradição com a decisão proferida, quem considerou estar-se perante uma situação de retardamento da prestação ou mora debitoris por parte da ré promitente vendedora, com base no estipulado pelos art.ºs 801º e 804º do CC, sendo certo que a ré não demonstrou, como lhe competia, atento o disposto no art.º 342º, n.º 2 e 799º do CC, a ausência de culpa. 9 O prazo previsto para a outorga da escritura era de 30 de Junho de 1999, pressupondo-se que o edifício de que faz parte a fracção prometida aos Autores e ora recorrentes se encontrasse acabado, nessa data. Entre 30 de Junho e 22 de Novembro desse mesmo ano, data da interpelação para entrega dos documentos necessários à marcação da escritura, a ré tinha a obrigação de obter a licença de utilização, quanto mais não fosse recorrendo ao deferimento tácito do requerimento para a sua concessão, por força da aplicação conjugada do n.º 1 do art.º 26º, n.ºs 3 e 8, 27º, n.º 1, e 61º do DL n.º 445/91, de 20 de Dezembro, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL n.º 250/94, de 30 de Novembro. 10 Podendo e devendo a ré promitente vendedora ter obtido a licença de utilização ao abrigo das supra citadas normas reguladoras de deferimento tácito em tempo inferior aos dos cinco meses que mediaram entre o termo do prazo previsto para a outorga da escritura e a interpelação admonitória de 22.11.1999, deve ter-se por razoável o período de quinze dias concedido pelos Autores. 11 Deve, igualmente, ter-se por verificada a perda objectiva do interesse dos Autores na prestação, porquanto razões de certeza e segurança jurídicas aconselhavam a que, perante o inexplicado protelamento da outorga da escritura, os Autores receassem pela perda do sinal entregue, no elevadíssimo montante de 25.000.000$00, reacção essa perfeitamente natural em pessoas dotadas de senso e prudência comuns. 12 Nem, ao invés do que vem sustentado no douto acórdão em revista, se pode concluir o contrário da circunstância de os Autores terem continuado a residir na fracção objecto do contrato-promessa, pois que, com isso, visaram apenas salvaguardar o direito de retenção que lhes assiste em caso de resolução do contrato-promessa de compra e venda. Pedem, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, na parte em que confirmou a improcedência da acção e a sua substituição por outro que a julgue totalmente procedente. Por sua vez, a ré concluiu, assim, a sua alegação: 1. Existem elementos no processo que determinam a manutenção integral da decisão de 1ª instância. 2. Os Autores recusaram-se a outorgar a escritura de compra e venda depois de marcada pela ré. 3. Os Autores, no instrumento notarial que outorgaram na data em que a referida escritura se encontrava marcada – 8 de Fevereiro de 2001 – declararam expressamente que “se justifica a sua recusa em outorgar a escritura”. 4. A escritura não foi outorgada por expressa recusa dos Autores, o que sempre foi confessado pelos Autores nos autos. 5. Os Autores recusaram outorgar a escritura definitiva de compra e venda com fundamentos que se vieram a provar não corresponderem à verdade. 6. A recusa expressa da outorga da escritura não teve qualquer fundamento válido e é, por isso, ilícita. 7. Mais, conforme resulta do referido instrumento notarial outorgado pelos Autores, estes não declararam apenas que não iriam outorgar a escritura na data agendada – 8 de Fevereiro de 2001. 8. Os Autores declararam que não iriam celebrar escritura em data alguma porque já tinham instaurado um processo judicial por incumprimento da parte vendedora. 9. Os Autores declararam expressamente à ré que não aceitavam a marcação da escritura. 10. No presente processo, as Autoras declaram: o incumprimento definitivo da ré e a resolução contratual. 11. Também aqui, com o seu comportamento, os Autores recusaram outorgar qualquer escritura de compra e venda e declararam que o contrato-promessa já não tinha qualquer valor por incumprimento definitivo da ré, tendo procedido à sua resolução. 12. Bem esteve o Tribunal da primeira instância, o qual considerou que foram os Autores que precipitadamente puseram fim ao contrato, porque estes expressamente recusaram (sem fundamento) o seu cumprimento na escritura de compra e venda e no presente processo declararam o incumprimento definitivo da ré e a resolução do contrato. 13. Veja-se a petição inicial onde expressamente consta a declaração de incumprimento definitivo da ré e a resolução do contrato, bem como a douta sentença da primeira instância e o douto acórdão da Relação que foram unânimes a declarar a falta de fundamento dos Autores, demonstrando-se inequivocamente o cumprimento da ré. 14. A declaração de resolução subsequente a tal comunicação deve ser equiparada a uma declaração antecipada e irreversível de incumprimento. 15. Os Autores disseram, em termos definitivos, que não outorgarão o contrato prometido. 16. A referência “o comportamento do promitente-comprador, ao tomar a iniciativa de, primeiro, e preliminarmente a esta acção, comunicar a rescisão do contrato e exigir o sinal em dobro e posteriormente propô-la, formulando essas mesmas pretensões, manifesta implicitamente, de forma clara, séria e inequívoca, a sua intenção de não cumprir a sua parte no contrato” aplica-se integralmente aos presentes autos. 17. Face ao comportamento dos Autores, a ré nada mais teria a fazer do que invocar o incumprimento definitivo destes, com as legais consequências (perda do sinal prestado, o que fez na reconvenção). 18. Esta manifestação de vontade confere à ré o direito de resolução do contrato e de fazer sua a quantia entregue, a título de sinal. 19. Não se vê porque razão a alteração da resposta ao quesito 14º seja fundamento suficiente para alterar a decisão sobre o pedido reconvencional julgando-o improcedente. 20. Saber se a recusa expressa dos Autores foi também acompanhada de não pagamento do imposto municipal de sisa não é relevante para o mérito do pedido reconvencional. Pede, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a reconvenção, e a sua substituição por outro que a julgue totalmente procedente. Não foram produzidas contra-alegações e, uma vez colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir do mérito das duas revistas. II - Fundamentação de facto A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte: 1. No escrito particular denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 23 de Março de 1999 e subscrito por “CC – Urbanização, Construção e Decoração, Ldª”, como 1.º outorgante, e AA, como 2.º outorgante, ficou clausulado, além do mais, que: -o 1.º outorgante é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano sito na ..., no concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º 02230 (cfr. doc. fls. 14 a 17 – cláusula 1); -pelo presente contrato o 1.º outorgante promete vender ao 2.º outorgante e estes prometem comprar, livre de ónus, hipotecas ou outros encargos, pelo preço global de Esc. 55.000.000$00 (cinquenta e cinco milhões de escudos), a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente à porta 34, 2.º esquerdo (cfr. mesmo doc.- cláusula II, 1); -o preço acordado será pago como se segue: neste acto, como sinal e princípio de pagamento, Esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), o restante ainda em dívida no valor de Esc. 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos) será pago no acto da escritura de compra e venda (cfr. mesmo doc. – cláusula III); -o local, dia e hora da celebração da escritura de compra e venda, deverá ser marcada pelo 2.º outorgante, que de tudo avisará o 1.º outorgante, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias sobre a data pretendida, através de carta registada com aviso de recepção, devendo esta ser realizada somente após estarem concluídas e pronta a habitar a fracção autónoma e o 1.º outorgante esteja devidamente documentado para tal, devendo a mesma ser realizada até 30 de Junho de 1999. A escritura será celebrada com a licença de construção ou em sua substituição a licença de utilização (cfr.. mesmo doc. – cláusula IV, 1.); Na eventualidade da escritura de compra e venda não ser celebrada nos prazos estabelecidos por culpa imputável ao 2.º outorgante, este passará a pagar ao 1.º outorgante, uma compensação legal a taxa de juro média do Banco de Portugal sobre o montante ainda em dívida, até à celebração da escritura (cfr. mesmo doc. – cláusula IV, 2); -o atraso na escritura decorrente do facto não imputável ao 2.º outorgante confere ao 1.º outorgante o direito de resolver o presente contrato-promessa, com todas as consequências legais, ou de exigir o seu cumprimento imputando a este responsabilidade por todos os danos decorrentes do atraso (cfr. mesmo doc. – cláusula IV, 3); -o 2.º outorgante compromete-se a fornecer todos os documentos necessários por forma a permitir a celebração da escritura no prazo referido no prazo referidos na cláusula IV, bem como a assinar todos os documentos para tal necessários (cfr. mesmo doc. – cláusula VI); -constituem encargos para o 2.º outorgante as despesas relativas à SISA, escritura, registos provisórios e definitivos, contribuições fiscais e camarárias que possam advir a partir da data da ocupação ou da compra da fracção (cfr. mesmo doc. – cláusula VII); -as chaves da fracção objecto deste contrato apenas serão entregues ao 2.º outorgante na data da escritura de compra e venda, data em que passará a usufruir a fracção (cfr. mesmo doc. – cláusula VIII). 2. Da carta datada de 28 de Junho de 1999, enviada pelo Autor à ré “CC, Ld.ª”, consta, além do mais:… “Dado que até à presente data se encontram por realizar diversas obras vitais à habitabilidade da fracção autónoma referenciada, bem como diversas obras na área comum do imóvel que inviabilizam os normais acessos à fracção, não estão reunidas as condições mínimas de utilização da fracção. Assim, e até que se encontrem solucionados os problemas que a seguir se nomeiam, não é possível a realização da referida escritura pública.” … Em virtude da situação anteriormente descrita e dado que a escritura de compra e venda não se pode realizar por factos que são alheios e não imputáveis ao promitente comprador, passará a competir ao vendedor “CC, Ldª” a marcação de local, data e hora para a realização da referida escritura, somente após completa execução dos pontos acima enunciados. De acordo com solicitação expressa do 1.º outorgante do contrato promessa. E desde que todas as obras enunciadas anteriormente estejam executadas até ao próximo dia 08 de Julho de 1999, está o 2.º outorgante na disposição de proceder a um reforço de sinal estipulado na cláusula III do contrato promessa, no valor de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), que será entregue somente após a substituição da actual fechadura da entrada da fracção autónoma” (cfr. doc. de fls. 91, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 3. Em documento denominado de “ADITAMENTO AO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, datado de 28 de Junho de 1999, a ré “CC, Ldª” declarou ter recebido, nessa data, do Autor AA, o valor de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) como reforço do sinal da compra do apartamento sito na ..., fracção “F”, correspondente à porta 34, 2.º esquerdo, ficando, assim, por receber no acto da escritura de compra e venda o valor de Esc. 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos)” (cfr. doc. de fls. 18, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 4. Da carta datada de 26 de Outubro de 1999, endereçada pelo Autor à ré “CC, Ldª”, consta, além do mais: “Encontra-se, há muito, ultrapassado o prazo previsto no contrato promessa para a outorga da escritura. Como é do domínio público, actualmente, a mesma apenas poderá ser celebrada contra a exibição da necessária licença de utilização. Nesse pressuposto, agradecia a Vªs Ex.as me informassem, por escrito, se possuem tal licença (de utilização), facultando-me uma cópia simples da mesma ou caso ainda não disponham de tal documento, agradecia que me indicassem o prazo dentro do qual prevêem obtê-lo. …Pelo que me diz respeito, encontro-me disponível para a outorga da escritura a todo o momento …” (cfr. doc de fls. 19, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 5. Da carta datada de 04/11/1999, que o solicitador, DD, em nome e em representação da ré “CC, Ldª” endereçou ao Autor para a ..., consta, além do mais: “estranho o conteúdo da carta de V. Ex.ª datada de 26 de Outubro último, dado que eu e o seu anterior mandatário havíamos acordado lavrar a escritura em Agosto último. …Assim das duas uma: a) ou fazemos de imediato a escritura; ou b) V. Ex.ª sai, recebe o sinal e vendemos a um outro interessado” (cfr. doc. de fls. 20, cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido). 6. Da carta registada e com aviso de recepção, datada de 22/11/1999, enviada pelo mandatário dos Autores à ré “CC, Ld.ª”, consta, além do mais: “…O meu constituinte reitera que se encontra disponível para outorgar a prometida escritura de compra e venda. Aguardaremos, assim, que nos facultem a cópia da licença de utilização, para se proceder à marcação da escritura em conformidade com o disposto no ponto IVC do contrato-promessa. E, já agora, pedia que informassem da pessoa ou das pessoas que representarão a sociedade na escritura, facultando-me, igualmente, cópia da certidão do registo comercial da mesma sociedade. Direi, por último, em nome do meu constituinte, que este considerará não cumprido o contrato-promessa, se não lhe forem fornecidos, no prazo de 15 dias, os aludidos documentos necessários à marcação da escritura” (cfr. docs. de fls. 21 e 22 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 7. Em Maio de 1999, a ré “CC, Ldª” entregou aos Autores uma chave da casa objecto do contrato-promessa sub iudice. 8. Aquando do reforço do sinal efectuado em 28 de Junho de 1999, a ré “CC, Ldª” entregou aos Autores as restantes chaves da casa e das partes comuns do edifício, autorizando-os a habitá-la, os quais nela estabeleceram a sua residência. 9. Em 19/07/1999, 16/06/1999, 16/06/1999 e 13/07/1999, os SMAS DE SINTRA, “LTE – Electricidade de Lisboa e Vale do Tejo, S.A.”, “GLD – Soc. Distrib. de Gás Natural de Lisboa, S.A.” e “Portugal Telecom” celebraram com AA (o Autor) os respectivos contratos de fornecimento de água, fornecimento de electricidade, fornecimento de gás e de prestação de serviço fixo de telefone (cfr. docs. de fls. 23 a 26). 10. Os Autores vêm suportando o custo dos consumos de água, electricidade, gás e telefone, cuja facturação é emitida em nome do Autor (cfr. docs. De fls. 27 e 28). 11. Na relação de condóminos emitida pela administração do condomínio, relativamente à fracção objecto mediato do contrato-promessa sub iudice, figura como condómino o Autor e é em nome deste que são emitidos os recibos relativos às quotizações do mesmo condomínio (cfr. docs. de fls. 29 e 30). 12. Da carta datada de 15/01/2001, registada e com aviso de recepção enviada pela ré CC, Lda ao Autor, consta, além do mais: “…pela presente comunicamos que a escritura de compra e venda da referida fracção prometida comprar por V. Ex.ª e que habita desde Maio de 1999, se encontra marcada para o próximo dia 8 de Fevereiro de 2001, pelas 10 horas no 1.º Cartório Notarial de Lisboa” (cfr. doc. de fls. 92, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 13. À carta referida em 12. responderam os Autores através da carta registada com aviso de recepção, datada de 05/02/2001, assinada pelo seu mandatário e recepcionada pela mesma ré na sua sede social, da qual consta, além do mais: “1 – Encontra-se pendente nas Varas Mistas de Sintra, uma acção ordinária de condenação, intentada contra essa empresa e contra o Montepio Geral, no âmbito da qual se pede a restituição, em dobro, do sinal pago, bem como o reconhecimento do direito de retenção sobre a fracção objecto mediato do contrato-promessa. 2 – Assim sendo qualquer solução para o problema criado por Vªs Exas terá que efectuar-se no âmbito do citado processo” (cfr. doc de fls. 107 a 109, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 14. No dia 8 de Fevereiro de 2001, no 1.º Cartório Notarial de Lisboa, EE, na qualidade de gerente em representação da ré “CC Ld.ª” lavrou o INSTRUMENTO de fls. 94-95 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, nele declarando, além do mais: “Que notificou o comprador através de carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Janeiro de 2001, de que a escritura de compra e venda estava marcada para hoje, dia 8 de Fevereiro, pelas 10,00 horas, devendo proceder à entrega dos elementos necessários à feitura da mesma, incluindo o respectivo conhecimento do imposto municipal de sisa. … Que o comprador compareceu neste Cartório mas não se fez acompanhar do conhecimento do imposto municipal de sisa, o que só por si obstava à feitura da dita escritura” (cfr. doc. de fls. 94-95, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido) 15. No dia 8 de Fevereiro de 2001, no 1.º Cartório Notarial de Lisboa, AA lavrou o INSTRUMENTO de fls. 110-111 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, nele declarando, além do mais: “Acrescenta ainda que o andar prometido vender não se encontra ainda concluído não tendo ainda sido emitida a necessária licença de habitação e verificando-se a existência de numerosos defeitos, nomeadamente, problemas na canalização de águas residuais, infiltrações de água, falta de pintura nas paredes exteriores, entre outros, factos que consubstanciam igualmente um incumprimento do contrato por parte da promitente vendedora” (cfr. doc de fls. 110-111, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 16. A ré “CC, Ldª” possuía, desde o início das obras, a licença de construção do prédio que integra a fracção prometida. 17. Sobre a fracção autónoma correspondente ao andar objecto do contrato-promessa encontram-se registadas, a favor da ré Caixa Económica Montepio Geral, duas hipotecas voluntárias (cfr. doc de fls. 49 – certidão da 1.ª Conservatória do Registo predial de Sintra cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). 18. A Câmara Municipal de Sintra apenas procedeu à emissão da licença de utilização no dia 23 de Janeiro de 2001. 19. Em 15 de Janeiro de 2001, a ré “CC, Ldª” teve conhecimento de que a Câmara Municipal de Sintra emitiria a licença para o dia 23/01/2001. 20. Para o mesmo dia e hora e Cartório foi convocado também um outro promitente compradora de uma fracção autónoma do prédio sub iudice, que igualmente se recusou a outorgar a escritura. Muito embora não constem do elenco factual do acórdão recorrido, a Relação deu também provado, a fls. 1169, que: 21. Do processo camarário constante de fls. 692/699 dos autos resulta, entre o mais, que a ré CC apresentou um projecto de alterações (não se sabe em que data). 22. De tal projecto de alterações a ré apresentou o termo de responsabilidade, houve parecer técnico do jurista da edilidade no sentido de se formar o acto tácito de deferimento do requerimento aos 11/7/2000, deferimento do pedido de licenciamento de construção com incorporação dos projectos apresentados, pedido de licenciamento de utilização datado de 18/1/2001 e finalmente alvará de licença de utilização de 23/1/2001. IV – Decisão Nos termos expostos, negam-se as revistas e, ainda que por fundamentação distinta da constante do acórdão recorrido, julga-se a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo os autores do pedido de restituição do sinal e da fracção autónoma, mantendo, no mais, o acórdão recorrido. As custas de cada uma das revistas ficam a cargo dos respectivos recorrentes. * Lisboa, 16 de Outubro de 2012 António Piçarra (relator) Sebastião Póvoas Moreira Alves
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