Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8020/09.3T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
CONFISSÃO
MEIOS DE PROVA
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE SANÁVEL
PRAZO DE ARGUIÇÃO
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ COISAS/ NEGÓCIO JURÍDICO/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS -PROCESSO DECLARATIVO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO / RECURSOS
Doutrina: - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 106/107, 114/115 e 275/277; in RLJ 128, págs. 112 e ss.. e 138.
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, 2000, pág. 176.
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, pág. 102, 460/461.
- João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, págs. 131, 134, 135 e 137.
- João Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Almedina, 2010, 13.ª edição, pág. 19.
- José Alberto dos Reis, in Código Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 70.
- José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2011, Coimbra Editora, págs. 290, 291, 293, 330.
- José Lebre de Freitas, in A Confissão no Direito Probatório, pág. 160.
- José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2001, pág. 634.
- José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163.
- J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, págs. 155/156.
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina 2002, pág. 100, 102/103.
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição revista e actualizada, págs. 319, 320, 379/380.
- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 1994, págs. 336 e 337.
- Vaz Serra, RLJ, ano 102º, pág. 168.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 205º, N.º 1, 224º, N.º 1, 258.º, N.º1, 342.º, N.º 1, 344º, N.ºS 1 E 2, 352.º, 358º, N.º 1, 410º, N.º 1, 433.º, 436º, N.º 1, 441.º, 442.º, N.º 2, 798.º, 801.º, N.º 2, 804.º, N.º 1, 808º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 201.º, N.º1, 205.º, N.º1, 563.º, 655.º, N.º1, 712.º, N.ºS 1, 4 E 6, 722.º, N.º2, 729.º.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 3/99, DE 13-1: - ARTIGO 26.º.
NOVA LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – APROVADA PELA LEI N.º 52/2008, DE 28-8: - ARTIGO 33.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.11.2001, 19.03.2002, 15.10.2002, 25.02.2003, E 07.03.2006, TODOS ACESSÍVEIS IN WWW.DGSI.PT/JSTJ.
Sumário :

I - O depoimento de parte é um meio processual (arts. 552.º a 567.º do CPC) destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352.º do CC).
II - A confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente (art. 358.º, n.º 1, do CC), pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente.
III - Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis, não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de provocar a confissão.
IV - Se o legal representante da ré não reconheceu os factos a que depôs e, por isso, não houve redução a escrito (art. 563.º do CPC), não devia o tribunal, na motivação da decisão de facto negativa, fazer-lhe referência, porquanto ela só se justificava se houvesse confissão e a decisão fosse positiva.
V - Tal procedimento ou desvio ao formalismo processual prescrito na lei constitui apenas uma nulidade secundária, uma vez que não integra nenhuma das previstas nos arts. 193.º a 200.º do CPC (as chamadas principais, típicas ou nominadas) e a irregularidade cometida não influiu minimamente no exame e decisão da causa (art. 201.º, n.º 1, do CPC).
VI - Não tendo sido arguida no prazo fixado no art. 205.º, n.º 1, do CPC, essa irregularidade encontra-se sanada.
VII - Para além das situações em que a lei prevê especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato, a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito (cf. arts. 798.º e 801.º, n.º 2, do CC), não gozando dessa faculdade o contraente fiel no caso de simples mora ou retardamento da prestação, situação que só lhe dá o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento lhe causou (art. 804.º, n.º 1, do CC).
VIII - O incumprimento transitório – ou mora – de um contrato-promessa de compra e venda, traduzido na não realização da prestação, ainda possível, no prazo a que os contraentes se vincularam, não conduz ao incumprimento definitivo, se esse prazo não assumiu a natureza de fixo, absoluto ou essencial, sendo sim relativo.
IX - Tal seria conseguido através de interpelação admonitória, que se traduz na fixação de um prazo razoável, destinado a conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato, e, no acto dessa fixação, da imposição da cominação de resolução (automática) do contrato (interpelação cominatória), tudo a envolver uma intimação de cumprimento, a fixação de um termo peremptório (definitivo e fatal) e uma declaração de que a obrigação padecerá de incumprimento definitivo, se não for cumprida dentro desse novo prazo.
X - Para que ocorra uma situação de perda de interesse susceptível de justificar a assumpção de uma atitude resolutiva por parte do accipiens, torna-se necessário que a situação de retardamento no cumprimento da prestação em que o devedor se colocou ocasione um subjectivo, objectivamente perspectivado, desinteresse do credor na execução do contrato, cabendo-lhe alegar e provar os factos objectivos e concretos que substanciem a perda do interesse, susceptível de caracterizar o comportamento do inadimplente como equiparável à impossibilidade de cumprir conducente à liquidação da relação contratual (art. 342.º, n.º 1, do CC).


Decisão Texto Integral:



           
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório
I – No dia 25 de Maio de 2000, AA e sua mulher, BB, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC – Urbanização, Construção e Decoração, Lda e Caixa Económica Montepio Geral, alegando, em síntese, que:
Por contrato datado de 23 de Março de 1999, a ré CC prometeu vender-lhes a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente à porta 34, 2.º esquerdo do prédio urbano sito na ..., no concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º 02230, pelo preço global de Esc. 55.000.000$00 (cinquenta e cinco milhões de escudos).
Nesse acto, como sinal e princípio de pagamento, entregaram a quantia de Esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), devendo o restante ainda em dívida, no valor de Esc. 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos), ser pago no momento da escritura de compra e venda, a realizar até ao dia 30/6/1999.
Como nessa altura, a ré CC ainda não tinha concluído algumas obras indispensáveis à habitabilidade da fracção, sobre a qual incide hipoteca a favor da ré Caixa Económica, nem dispunha de licença de utilização, acordaram com aquela adiar, por algumas semanas, o prazo da outorga da escritura, tendo reforçado, no dia 28/6/1999, o sinal com a entrega àquela de mais Esc 10.000.000$00, passando a habitar na fracção, desde então, com a autorização da ré, nela fixando a sua residência.
Por diversas vezes, dirigiram-se à ré CC exigindo a celebração da escritura, deparando-se sempre com o obstáculo da inexistência da licença de utilização, pelo que devido ao protelar da escritura perderam todo o interesse na concretização do negócio prometido, assistindo-lhes o direito de resolver o contrato-promessa e exigir o dobro do sinal que prestaram.
Com tais fundamentos, concluíram por pedir o seguinte:
1. A declaração do incumprimento definitivo pela ré CC desse contrato-promessa da compra e venda.
2. A condenação da ré CC a pagar-lhes a quantia de Esc 50.0000.000$00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 7%, desde a citação até integral pagamento.
3. A condenação das rés a reconhecer o direito de retenção dos autores sobre a referida fracção autónoma;
 Os Réus contestaram a pugnar pela improcedência da acção, sustentando, em resumo, o seguinte: 
Contestaram autonomamente as rés a pugnar pela improcedência da acção, dizendo, em síntese, a Caixa Económica que não houve incumprimento definitivo por banda da ré CC e não gozam os autores do direito de retenção sobre a fracção autónoma objecto da promessa.
Por seu turno, ré CC, além de impugnar a versão factual trazida pelos autores sobre o incumprimento da promessa, contrapôs outra diferente, imputando o incumprimento aos autores, por não comparecerem à outorga da escritura, tudo a conferir-lhe o direito a resolver o contrato-promessa e a fazer seu o sinal prestado e, em reconvenção, pediu a condenação dos autores a ver reconhecida a resolução e a perda do sinal.
Houve réplica dos autores a impugnar os factos em que se ancora a reconvenção e a sustentar a sua improcedência.
Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, foi proferida sentença em que, na improcedência da acção e parcial procedência da reconvenção, absolveu as rés dos pedidos e declarou resolvido o contrato-promessa, com base em incumprimento dos autores, e condenou estes na perda do sinal bem como na restituição à ré CC da fracção autónoma.
Os autores apelaram, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa, depois de alterar a resposta ao ponto 14º da base instrutória (dando-o por não provado), revogado a sentença da 1ª instância, julgando improcedentes a acção e a reconvenção, com a consequente absolvição recíproca das partes dos pedidos formulados.
Inconformados, interpuseram os autores e a ré CC recursos de revista, finalizando os primeiros a sua alegação, com as seguintes conclusões:
1 Ao ter mantido, sem reparo, a resposta dada à matéria de facto pelo juiz da primeira instância, quando este baseia tal resposta na apreciação crítica conjugada e concatenada do depoimento de parte do legal representante da ré, o douto acórdão em revista violou o disposto no art.º 552º do CPC, posto que o depoimento de parte tem em vista a prova por confissão. Entendendo que o legal representante da ré não confessou, estava o juiz da primeira instância impedido de usar tal depoimento para fundamentar a sua convicção;
2 Querendo servir-se do depoimento de parte do legal representante da ré, deveria o juiz de primeira instância, nos termos do art.º 552º do CPC, ter dado idêntica possibilidade aos Autores, como forma de garantir o equilíbrio entre as partes.
3 Perguntando-se no ponto 8º da base instrutória se até 25.05.2000 (data da propositura da presente acção) a ré não respondera à solicitação constante da carta referida em F de factos assentes, deve considerar-se que se trata de facto negativo. E assim sendo deve o ónus da prova do contrário recair sobre a ré, dado ser extremamente difícil, se não mesmo impossível, para os Autores, que o alegaram, provar tal facto. Não tendo decidido neste sentido, os Senhores Desembargadores a quo interpretaram e aplicaram erradamente os art.ºs 342º e 344º do CC.
4 Tendo a resposta à matéria de facto controvertida, quer numa, quer noutra das situações, resultado de erro de aplicação de normas processuais, aplicáveis à produção de prova, deve o respectivo despacho ser anulado e ordenada a sua reformulação pela primeira instância com a subsequente alteração da sentença.
5 Ainda que assim não se entenda, deve sempre considerar-se que o douto acórdão da Relação fez uma errada interpretação e aplicação à factualidade provada dos art.ºs 442º e 808º do CC, devendo, por isso, ser revogado e substituído por decisão que julgue a acção totalmente procedente.
6 Partiram as instâncias do falso pressuposto de que sendo a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Sintra, o prazo de 15 dias concedido na interpelação constante da carta enviada pelo mandatário dos Autores a 22.11.1999 não era razoável. Ou seja, no errado entendimento das instâncias, o cumprimento das obrigações que para a ré resultavam do contrato-promessa dependia do comportamento de terceiros, pelo que estavam os AA condenados a esperar quanto necessário fosse.
7 Porém, nada foi alegado pela ré que pudesse ilidir a presunção de culpa que, nos termos do art.º 799º do CC, sobre si recai relativamente ao intolerável retardamento no cumprimento da obrigação de celebrar a escritura prometida.
8 Foi o próprio julgador da primeira instância, em flagrante contradição com a decisão proferida, quem considerou estar-se perante uma situação de retardamento da prestação ou mora debitoris por parte da ré promitente vendedora, com base no estipulado pelos art.ºs 801º e 804º do CC, sendo certo que a ré não demonstrou, como lhe competia, atento o disposto no art.º 342º, n.º 2 e 799º do CC, a ausência de culpa.
9 O prazo previsto para a outorga da escritura era de 30 de Junho de 1999, pressupondo-se que o edifício de que faz parte a fracção prometida aos Autores e ora recorrentes se encontrasse acabado, nessa data. Entre 30 de Junho e 22 de Novembro desse mesmo ano, data da interpelação para entrega dos documentos necessários à marcação da escritura, a ré tinha a obrigação de obter a licença de utilização, quanto mais não fosse recorrendo ao deferimento tácito do requerimento para a sua concessão, por força da aplicação conjugada do n.º 1 do art.º 26º, n.ºs 3 e 8, 27º, n.º 1, e 61º do DL n.º 445/91, de 20 de Dezembro, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL n.º 250/94, de 30 de Novembro.
10 Podendo e devendo a ré promitente vendedora ter obtido a licença de utilização ao abrigo das supra citadas normas reguladoras de deferimento tácito em tempo inferior aos dos cinco meses que mediaram entre o termo do prazo previsto para a outorga da escritura e a interpelação admonitória de 22.11.1999, deve ter-se por razoável o período de quinze dias concedido pelos Autores.
11 Deve, igualmente, ter-se por verificada a perda objectiva do interesse dos Autores na prestação, porquanto razões de certeza e segurança jurídicas aconselhavam a que, perante o inexplicado protelamento da outorga da escritura, os Autores receassem pela perda do sinal entregue, no elevadíssimo montante de 25.000.000$00, reacção essa perfeitamente natural em pessoas dotadas de senso e prudência comuns.
12 Nem, ao invés do que vem sustentado no douto acórdão em revista, se pode concluir o contrário da circunstância de os Autores terem continuado a residir na fracção objecto do contrato-promessa, pois que, com isso, visaram apenas salvaguardar o direito de retenção que lhes assiste em caso de resolução do contrato-promessa de compra e venda.
   Pedem, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, na parte em que confirmou a improcedência da acção e a sua substituição por outro que a julgue totalmente procedente.
Por sua vez, a ré concluiu, assim, a sua alegação:
1. Existem elementos no processo que determinam a manutenção integral da decisão de 1ª instância.
2. Os Autores recusaram-se a outorgar a escritura de compra e venda depois de marcada pela ré.
3. Os Autores, no instrumento notarial que outorgaram na data em que a referida escritura se encontrava marcada – 8 de Fevereiro de 2001 – declararam expressamente que “se justifica a sua recusa em outorgar a escritura”.
4. A escritura não foi outorgada por expressa recusa dos Autores, o que sempre foi confessado pelos Autores nos autos.
5. Os Autores recusaram outorgar a escritura definitiva de compra e venda com fundamentos que se vieram a provar não corresponderem à verdade.
6. A recusa expressa da outorga da escritura não teve qualquer fundamento válido e é, por isso, ilícita.
7. Mais, conforme resulta do referido instrumento notarial outorgado pelos Autores, estes não declararam apenas que não iriam outorgar a escritura na data agendada – 8 de Fevereiro de 2001.
8. Os Autores declararam que não iriam celebrar escritura em data alguma porque já tinham instaurado um processo judicial por incumprimento da parte vendedora.
9. Os Autores declararam expressamente à ré que não aceitavam a marcação da escritura.
10. No presente processo, as Autoras declaram: o incumprimento definitivo da ré e a resolução contratual.
11. Também aqui, com o seu comportamento, os Autores recusaram outorgar qualquer escritura de compra e venda e declararam que o contrato-promessa já não tinha qualquer valor por incumprimento definitivo da ré, tendo procedido à sua resolução.
12. Bem esteve o Tribunal da primeira instância, o qual considerou que foram os Autores que precipitadamente puseram fim ao contrato, porque estes expressamente recusaram (sem fundamento) o seu cumprimento na escritura de compra e venda e no presente processo declararam o incumprimento definitivo da ré e a resolução do contrato.
13. Veja-se a petição inicial onde expressamente consta a declaração de incumprimento definitivo da ré e a resolução do contrato, bem como a douta sentença da primeira instância e o douto acórdão da Relação que foram unânimes a declarar a falta de fundamento dos Autores, demonstrando-se inequivocamente o cumprimento da ré.
14. A declaração de resolução subsequente a tal comunicação deve ser equiparada a uma declaração antecipada e irreversível de incumprimento.
15. Os Autores disseram, em termos definitivos, que não outorgarão o contrato prometido.
16. A referência “o comportamento do promitente-comprador, ao tomar a iniciativa de, primeiro, e preliminarmente a esta acção, comunicar a rescisão do contrato e exigir o sinal em dobro e posteriormente propô-la, formulando essas mesmas pretensões, manifesta implicitamente, de forma clara, séria e inequívoca, a sua intenção de não cumprir a sua parte no contrato” aplica-se integralmente aos presentes autos.
17. Face ao comportamento dos Autores, a ré nada mais teria a fazer do que invocar o incumprimento definitivo destes, com as legais consequências (perda do sinal prestado, o que fez na reconvenção).
18. Esta manifestação de vontade confere à ré o direito de resolução do contrato e de fazer sua a quantia entregue, a título de sinal.
19. Não se vê porque razão a alteração da resposta ao quesito 14º seja fundamento suficiente para alterar a decisão sobre o pedido reconvencional julgando-o improcedente.
20. Saber se a recusa expressa dos Autores foi também acompanhada de não pagamento do imposto municipal de sisa não é relevante para o mérito do pedido reconvencional.
 Pede, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a reconvenção, e a sua substituição por outro que a julgue totalmente procedente.

Não foram produzidas contra-alegações e, uma vez colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir do mérito das duas revistas.

II -  Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1. No escrito particular denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 23 de Março de 1999 e subscrito por “CC – Urbanização, Construção e Decoração, Ldª”, como 1.º outorgante, e AA, como 2.º outorgante, ficou clausulado, além do mais, que:

-o 1.º outorgante é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano sito na ..., no concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º 02230 (cfr. doc. fls. 14 a 17 – cláusula 1);

-pelo presente contrato o 1.º outorgante promete vender ao 2.º outorgante e estes prometem comprar, livre de ónus, hipotecas ou outros encargos, pelo preço global de Esc. 55.000.000$00 (cinquenta e cinco milhões de escudos), a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente à porta 34, 2.º esquerdo (cfr. mesmo doc.- cláusula II, 1);

-o preço acordado será pago como se segue: neste acto, como sinal e princípio de pagamento, Esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), o restante ainda em dívida no valor de Esc. 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos) será pago no acto da escritura de compra e venda (cfr. mesmo doc. – cláusula III);

-o local, dia e hora da celebração da escritura de compra e venda, deverá ser marcada pelo 2.º outorgante, que de tudo avisará o 1.º outorgante, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias sobre a data pretendida, através de carta registada com aviso de recepção, devendo esta ser realizada somente após estarem concluídas e pronta a habitar a fracção autónoma e o 1.º outorgante esteja devidamente documentado para tal, devendo a mesma ser realizada até 30 de Junho de 1999. A escritura será celebrada com a licença de construção ou em sua substituição a licença de utilização (cfr.. mesmo doc. – cláusula IV, 1.);

Na eventualidade da escritura de compra e venda não ser celebrada nos prazos estabelecidos por culpa imputável ao 2.º outorgante, este passará a pagar ao 1.º outorgante, uma compensação legal a taxa de juro média do Banco de Portugal sobre o montante ainda em dívida, até à celebração da escritura (cfr. mesmo doc. – cláusula IV, 2);

-o atraso na escritura decorrente do facto não imputável ao 2.º outorgante confere ao 1.º outorgante o direito de resolver o presente contrato-promessa, com todas as consequências legais, ou de exigir o seu cumprimento imputando a este responsabilidade por todos os danos decorrentes do atraso (cfr. mesmo doc. – cláusula IV, 3);

-o 2.º outorgante compromete-se a fornecer todos os documentos necessários por forma a permitir a celebração da escritura no prazo referido no prazo referidos na cláusula IV, bem como a assinar todos os documentos para tal necessários (cfr. mesmo doc. – cláusula VI);

-constituem encargos para o 2.º outorgante as despesas relativas à SISA, escritura, registos provisórios e definitivos, contribuições fiscais e camarárias que possam advir a partir da data da ocupação ou da compra da fracção (cfr. mesmo doc. – cláusula VII);

-as chaves da fracção objecto deste contrato apenas serão entregues ao 2.º outorgante na data da escritura de compra e venda, data em que passará a usufruir a fracção (cfr. mesmo doc. – cláusula VIII).

2. Da carta datada de 28 de Junho de 1999, enviada pelo Autor à ré “CC, Ld.ª”, consta, além do mais:…

“Dado que até à presente data se encontram por realizar diversas obras vitais à habitabilidade da fracção autónoma referenciada, bem como diversas obras na área comum do imóvel que inviabilizam os normais acessos à fracção, não estão reunidas as condições mínimas de utilização da fracção. Assim, e até que se encontrem solucionados os problemas que a seguir se nomeiam, não é possível a realização da referida escritura pública.”

Em virtude da situação anteriormente descrita e dado que a escritura de compra e venda não se pode realizar por factos que são alheios e não imputáveis ao promitente comprador, passará a competir ao vendedor “CC, Ldª” a marcação de local, data e hora para a realização da referida escritura, somente após completa execução dos pontos acima enunciados.

De acordo com solicitação expressa do 1.º outorgante do contrato promessa. E desde que todas as obras enunciadas anteriormente estejam executadas até ao próximo dia 08 de Julho de 1999, está o 2.º outorgante na disposição de proceder a um reforço de sinal estipulado na cláusula III do contrato promessa, no valor de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), que será entregue somente após a substituição da actual fechadura da entrada da fracção autónoma” (cfr. doc. de fls. 91, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

3. Em documento denominado de “ADITAMENTO AO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, datado de 28 de Junho de 1999, a ré “CC, Ldª” declarou ter recebido, nessa data, do Autor AA, o valor de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) como reforço do sinal da compra do apartamento sito na ..., fracção “F”, correspondente à porta 34, 2.º esquerdo, ficando, assim, por receber no acto da escritura de compra e venda o valor de Esc. 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos)” (cfr. doc. de fls. 18, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

4. Da carta datada de 26 de Outubro de 1999, endereçada pelo Autor à ré “CC, Ldª”, consta, além do mais:

“Encontra-se, há muito, ultrapassado o prazo previsto no contrato promessa para a outorga da escritura.

Como é do domínio público, actualmente, a mesma apenas poderá ser celebrada contra a exibição da necessária licença de utilização.

Nesse pressuposto, agradecia a Vªs Ex.as me informassem, por escrito, se possuem tal licença (de utilização), facultando-me uma cópia simples da mesma ou caso ainda não disponham de tal documento, agradecia que me indicassem o prazo dentro do qual prevêem obtê-lo.

…Pelo que me diz respeito, encontro-me disponível para a outorga da escritura a todo o momento …” (cfr. doc de fls. 19, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

5. Da carta datada de 04/11/1999, que o solicitador, DD, em nome e em representação da ré “CC, Ldª” endereçou ao Autor para a ..., consta, além do mais:

“estranho o conteúdo da carta de V. Ex.ª datada de 26 de Outubro último, dado que eu e o seu anterior mandatário havíamos acordado lavrar a escritura em Agosto último. …Assim das duas uma: a) ou fazemos de imediato a escritura; ou b) V. Ex.ª sai, recebe o sinal e vendemos a um outro interessado” (cfr. doc. de fls. 20, cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido).

6. Da carta registada e com aviso de recepção, datada de 22/11/1999, enviada pelo mandatário dos Autores à ré “CC, Ld.ª”, consta, além do mais:

“…O meu constituinte reitera que se encontra disponível para outorgar a prometida escritura de compra e venda. Aguardaremos, assim, que nos facultem a cópia da licença de utilização, para se proceder à marcação da escritura em conformidade com o disposto no ponto IVC do contrato-promessa.

E, já agora, pedia que informassem da pessoa ou das pessoas que representarão a sociedade na escritura, facultando-me, igualmente, cópia da certidão do registo comercial da mesma sociedade.

Direi, por último, em nome do meu constituinte, que este considerará não cumprido o contrato-promessa, se não lhe forem fornecidos, no prazo de 15 dias, os aludidos documentos necessários à marcação da escritura” (cfr. docs. de fls. 21 e 22 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

7. Em Maio de 1999, a ré “CC, Ldª” entregou aos Autores uma chave da casa objecto do contrato-promessa sub iudice.

8. Aquando do reforço do sinal efectuado em 28 de Junho de 1999, a ré “CC, Ldª” entregou aos Autores as restantes chaves da casa e das partes comuns do edifício, autorizando-os a habitá-la, os quais nela estabeleceram a sua residência.

9. Em 19/07/1999, 16/06/1999, 16/06/1999 e 13/07/1999, os SMAS DE SINTRA, “LTE – Electricidade de Lisboa e Vale do Tejo, S.A.”, “GLD – Soc. Distrib. de Gás Natural de Lisboa, S.A.” e “Portugal Telecom” celebraram com AA (o Autor) os respectivos contratos de fornecimento de água, fornecimento de electricidade, fornecimento de gás e de prestação de serviço fixo de telefone (cfr. docs. de fls. 23 a 26).

10. Os Autores vêm suportando o custo dos consumos de água, electricidade, gás e telefone, cuja facturação é emitida em nome do Autor (cfr. docs. De fls. 27 e 28).

11. Na relação de condóminos emitida pela administração do condomínio, relativamente à fracção objecto mediato do contrato-promessa sub iudice, figura como condómino o Autor e é em nome deste que são emitidos os recibos relativos às quotizações do mesmo condomínio (cfr. docs. de fls. 29 e 30).

12. Da carta datada de 15/01/2001, registada e com aviso de recepção enviada pela ré CC, Lda ao Autor, consta, além do mais:

“…pela presente comunicamos que a escritura de compra e venda da referida fracção prometida comprar por V. Ex.ª e que habita desde Maio de 1999, se encontra marcada para o próximo dia 8 de Fevereiro de 2001, pelas 10 horas no 1.º Cartório Notarial de Lisboa” (cfr. doc. de fls. 92, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

13. À carta referida em 12. responderam os Autores através da carta registada com aviso de recepção, datada de 05/02/2001, assinada pelo seu mandatário e recepcionada pela mesma ré na sua sede social, da qual consta, além do mais:

“1 – Encontra-se pendente nas Varas Mistas de Sintra, uma acção ordinária de condenação, intentada contra essa empresa e contra o Montepio Geral, no âmbito da qual se pede a restituição, em dobro, do sinal pago, bem como o reconhecimento do direito de retenção sobre a fracção objecto mediato do contrato-promessa.

2 – Assim sendo qualquer solução para o problema criado por Vªs Exas terá que efectuar-se no âmbito do citado processo” (cfr. doc de fls. 107 a 109, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

14. No dia 8 de Fevereiro de 2001, no 1.º Cartório Notarial de Lisboa, EE, na qualidade de gerente em representação da ré “CC Ld.ª” lavrou o INSTRUMENTO de fls. 94-95 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, nele declarando, além do mais:

“Que notificou o comprador através de carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Janeiro de 2001, de que a escritura de compra e venda estava marcada para hoje, dia 8 de Fevereiro, pelas 10,00 horas, devendo proceder à entrega dos elementos necessários à feitura da mesma, incluindo o respectivo conhecimento do imposto municipal de sisa.

      …

Que o comprador compareceu neste Cartório mas não se fez acompanhar do conhecimento do imposto municipal de sisa, o que só por si obstava à feitura da dita escritura” (cfr. doc. de fls. 94-95, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido)

15. No dia 8 de Fevereiro de 2001, no 1.º Cartório Notarial de Lisboa, AA lavrou o INSTRUMENTO de fls. 110-111 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, nele declarando, além do mais:

“Acrescenta ainda que o andar prometido vender não se encontra ainda concluído não tendo ainda sido emitida a necessária licença de habitação e verificando-se a existência de numerosos defeitos, nomeadamente, problemas na canalização de águas residuais, infiltrações de água, falta de pintura nas paredes exteriores, entre outros, factos que consubstanciam igualmente um incumprimento do contrato por parte  da promitente vendedora” (cfr. doc de fls. 110-111, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

16. A ré “CC, Ldª” possuía, desde o início das obras, a licença de construção do prédio que integra a fracção prometida.

17. Sobre a fracção autónoma correspondente ao andar objecto do contrato-promessa encontram-se registadas, a favor da ré Caixa Económica Montepio Geral, duas hipotecas voluntárias (cfr. doc de fls. 49 – certidão da 1.ª Conservatória do Registo predial de Sintra cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

18. A Câmara Municipal de Sintra apenas procedeu à emissão da licença de utilização no dia 23 de Janeiro de 2001.

19. Em 15 de Janeiro de 2001, a ré “CC, Ldª” teve conhecimento de que a Câmara Municipal de Sintra emitiria a licença para o dia 23/01/2001.

20. Para o mesmo dia e hora e Cartório foi convocado também um outro promitente compradora de uma fracção autónoma do prédio sub iudice, que igualmente se recusou a outorgar a escritura.

Muito embora não constem do elenco factual do acórdão recorrido, a Relação deu também provado, a fls. 1169, que: 

21. Do processo camarário constante de fls. 692/699 dos autos resulta, entre o mais, que a ré CC apresentou um projecto de alterações (não se sabe em que data).

22. De tal projecto de alterações a ré apresentou o termo de responsabilidade, houve parecer técnico do jurista da edilidade no sentido de se formar o acto tácito de deferimento do requerimento aos 11/7/2000, deferimento do pedido de licenciamento de construção com incorporação dos projectos apresentados, pedido de licenciamento de utilização datado de 18/1/2001 e finalmente alvará de licença de utilização de 23/1/2001.

III – Fundamentação de direito
A apreciação e decisão dos dois recursos, delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil[1]), passam pela análise e resolução das seguintes questões por eles colocadas a este tribunal:
A – revista dos autores
q  Violação das regras de direito probatório, por relevância indevida do depoimento de parte do legal representante da ré CC e ainda por não se ter dado como provado o art.º 8º da base instrutória
q  Resolução do contrato-promessa, por incumprimento da ré CC e perda de interesse dos autores na concretização do contrato prometido.
B – revista da ré CC
q  Resolução do contrato-promessa, por incumprimento dos autores
Apreciemos, então, separadamente cada uma dessas questões.
1 – Violação das regras de direito probatório
Os autores insurgem-se, em primeiro lugar, quanto à valoração dada ao depoimento do legal representante da ré CC e ainda por não se ter dado como provado o art.º 8º da base instrutória, ou seja, que “até 25/5/2000 (data da propositura da acção) a Ré “CC Ldª” não respondeu à solicitação constante da carta referida em F) dos factos assentes”.
Como se sabe, radica nas instâncias a competência para apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio e cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, salvo situações de excepção legalmente previstas, conhecer apenas da matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto, ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (art.ºs 722.º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil), podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (art.º 729.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).
A Relação tem, assim, a última palavra relativamente à fixação da matéria de facto, só a esta instância competindo, em regra, censurar, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 4 do artº 712.º do Cód. Proc. Civil, a decisão proferida nesse particular pela 1.ª instância, limitando-se o Supremo Tribunal de Justiça, no exercício da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o regime/enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados (cfr. art.º 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, art.º 33º da Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e art.º 729º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil).
Pese embora as apontadas limitações, no que respeita à matéria factual, o art.º 722º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil expressamente admite, como atrás já se disse, o conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça de questões referentes a pontos de facto nos casos de “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Sobre esses aspectos relativos à matéria probatória, o Supremo Tribunal de Justiça poderá exercer o controlo e decidir do juízo formado pela Relação sobre a matéria de facto, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou com violação da força probatória fixada[2].
Nessas situações, do que se tratará é de saber se a Relação, ao proceder da forma como o fez, se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria (direito probatório), o que, no fundo, constitui matéria de direito, caindo, por isso, na esfera de competência própria e normal do Supremo Tribunal de Justiça.
Esclarecido isto e focando-nos, agora, sobre o primeiro dos aspectos em que os autores desdobram a invocada violação do direito probatório, a indevida valoração do depoimento de parte prestado pelo legal representante da ré CC, vê-se que, na verdade, o tribunal de 1ª instância indicou como motivação das respostas negativas dadas aos art.ºs 1º a 8º e 17º da base instrutória aquele depoimento e os de diversas testemunhas.
O depoimento de parte é, como se sabe, um meio processual (art.ºs 552º a 567º do Cód. Proc. Civil) destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352º do Cód. Civil).
No caso, o depoimento do legal representante da ré CC foi requerido pelos autores e incidiu sobre os referidos pontos (art.ºs 1º a 8º e 17º da base instrutória), que continham factos alegados pelos mesmos como fundamento da resolução do contrato-promessa e cujo reconhecimento, a ser feito, favorecia-os. A confissão, cuja força probatória plena (art.º 358º, n.º 1, do Cód.Civil) assenta «na regra da experiência segundo a qual ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro»[3]. Se a parte confessa determinado facto que, em princípio, teria interesse em ocultar ou negar, então é admissível, dada a sua logicidade, concluir que esse facto se apresenta como verdadeiro.
Todavia, a confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente, pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente, não constituindo «prova a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária»[4]. Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis, não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de provocar a confissão.
Ora, no caso vertente, o legal representante da ré CC não reconheceu os factos a que depôs e, por isso, não houve redução a escrito (art.º 563º do Cód. Proc. Civil), pelo que, como bem se equacionou no acórdão recorrido, não devia o tribunal, na motivação da decisão de facto negativa, fazer-lhe referência, porquanto ela só se justificava se houvesse confissão e a decisão fosse positiva.
Tal procedimento ou desvio ao formalismo processual prescrito na lei constitui apenas uma nulidade secundária, uma vez que não integra nenhuma das previstas nos art.ºs 193º a 200º do Cód. Proc. Civil (as chamadas principais, típicas ou nominadas) e a irregularidade cometida não influiu minimamente no exame e decisão da causa (art.º 201º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).
Com efeito, os factos ínsitos nos referidos pontos da base instrutória foram considerados não provados, com base no questionado depoimento de parte e nos depoimentos de outras testemunhas, e, decidindo a impugnação dessa matéria de facto efectuada pelos autores na apelação que interpuseram, a Relação entendeu que se deveriam manter como não provados, ancorando-se, tão só, nos depoimentos das testemunhas. Significa isto que a aludida irregularidade cometida pela 1ª instância em nada interferiu, afinal, na dilucidação dessa matéria factual. Aliás, essa irregularidade, além de inócua e irrelevante, encontra-se sanada, por não arguida no prazo fixado no art.º 205º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
Improcede, pois, quanto a este aspecto a pretensa violação do direito probatório.
E o mesmo sucede relativamente ao segundo aspecto, ou seja, o resultante de não se ter dado como provado o art.º 8º da base instrutória. Nele perguntava-se se “até 25/5/2000 (data da propositura da acção) a ré “CC Ldª” não respondeu à solicitação constante da carta referida em F) dos factos assentes”[5] e sobre o mesmo recaiu também, como se viu, impugnação por banda dos autores, tendo a Relação na reapreciação que efectuou, no âmbito da apelação, decidido manter a resposta negativa.
Sobre esse juízo formulado no domínio da livre convicção do julgador (art.º 655.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), é vedado ao Supremo exercer censura e sindicar a respectiva substância (art.º 712º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil), sendo certo ainda que, como bem se analisou e decidiu, no acórdão recorrido, a situação não se enquadra em qualquer dos casos previstos no art.º 344º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil, por indemonstrado se encontrar que a ré CC culposamente tornou impossível a prova do facto, inexistir presunção legal, dispensa ou liberação do ónus de prova dos autores e não se vislumbrar sequer excepcional dificuldade da prova desse facto negativo que alegaram e lhes cabia demonstrar (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil).
2 - Resolução do contrato-promessa, por incumprimento da ré CC e perda de interesse dos autores na concretização do contrato prometido
As instâncias qualificaram convergentemente o acordo celebrado entre os autores e a ré CC, em 23/3/99, como contrato-promessa (art.º 410º, n.º 1, do Cód. Civil), qualificação que não obteve reparo das partes e merece a nossa inteira concordância.
Dessa categoria de contrato “nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial, a declaração de vontade correspondente a um outro negócio cuja futura realização se pretende assegurar, o chamado negócio prometido ou negócio definitivo”[6], sendo-lhe aplicáveis, segundo o princípio da equiparação ou da correspondência, as mesmas regras (requisitos e efeitos) do último, mas dele se destacando-se pelo regime específico e próprio atinente ao sinal, quando ele tenha sido constituído, mais concretamente no plano do sancionamento, adveniente do não cumprimento, que daí decorre para os contraentes faltosos.
Na verdade, quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, ao invés, verificando-se o incumprimento definitivo da parte de quem o recebeu, confere a quem o prestou a faculdade de exigir o dobro do que tiver prestado (art.ºs 441.º e 442.º, n.º 2, do Cód. Civil). Porém, só o incumprimento definitivo e culposo comina o regime previsto no art.º 442.º, n.º 2, do Cód. Civil, não se bastando a lei com uma situação de retardamento ou incumprimento para além do tempo de cumprimento da obrigação, ou seja da ocorrência de mora de qualquer dos contraentes, tal como acontece com a generalidade dos contratos[7].
Definida em linhas muito genéricas e esquemáticas a figura do contrato-promessa e a aplicação do regime de cumprimento a esse tipo de contrato, foquemo-nos na questão que constitui nuclearmente o objecto do recurso: a resolução do contrato-promessa que ambas as partes desencadearam.
A resolução do contrato está prevista nos art.ºs 432º e ss. do Cód. Civil e consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado[8], produzindo, em princípio, os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade (art.º 433º do Cód. Civil).
O direito de resolução «é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, o que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito, melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo»[9]. Uma vez verificado o fundamento resolutivo, o contraente fiel pode decidir livremente se pretende manter a relação contratual ou pôr-lhe termo. Cabe-lhe, só a ele, optar ou não pelo mecanismo resolutivo, cuja forma tanto pode ser extra-judicial ou judicial[10].
 No primeiro caso, a resolução é obtida, sem o recurso ao tribunal, e realiza-se por iniciativa do próprio contraente fiel, através de declaração receptícia ao contraente faltoso (art.ºs 436º, n.º 1, do Cód. Civil), produzindo os seus efeitos extintivos logo que tal declaração chegue ao poder ou ao conhecimento do destinatário (art.º 224º, n.º 1, do Cód. Civil)[11]. Se houver litígio sobre esse ponto ou temática, o tribunal será, então, chamado, não a resolver o contrato, mas a verificar se a resolução juridicamente se operou, ou seja, se o contraente fiel reunia as condições necessárias para poder romper o contrato por vontade unilateral[12].
Essa «acção não será resolutória, de natureza constitutiva, mas de simples apreciação ou, quando muito, de condenação. Numa palavra, não se segue o sistema da resolução ope iudicis, mas o da resolução ope voluntatis »[13]. Esta opção do legislador justifica-se pela «necessidade da imediata tutela dos interesses do contraente que se considera materialmente legitimado a resolver o contrato», dando-se «ao tribunal um papel essencialmente certificativo, por controlo a posteriori, ao confirmar ou infirmar a legitimidade material da declaração de resolução»[14].
Para além das situações em que a lei prevê especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato, a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito (cfr. art.ºs 798º e 801º, n.º 2, do Cód. Civil), não gozando dessa faculdade o contraente fiel no caso de simples mora ou retardamento da prestação, situação que só lhe dá o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento lhe causou (art.º 804º, n.º 1, do Cód. Civil).
Antes de mais, interessa ter presente que os autores não dirigiram à ré CC qualquer missiva a manifestar a sua vontade de fazer cessar o contrato-promessa, tendo-o feito só com a propositura desta acção, em 25 de Maio de 2000. Não houve, assim, resolução extrajudicial e, como a ré CC tomou conhecimento dessa vontade, quando foi citada para os termos da acção, ocorrida no dia 8 de Maio de 2001, há que apurar se os autores tinham ou não fundamento para exercitar esse direito potestativo.
Sabe-se que «o paradigma do fundamento resolutivo é o incumprimento superveniente, culposo, total ou parcial, traduzido na falta definitiva de cumprimento (por impossibilidade ou recusa de cumprimento) dos deveres de prestação e certos deveres de conduta tidos por relevantes no contexto contratual»[15]. Esse incumprimento terá de ser forte e revelar «determinada gravidade (apreciada sobretudo pela intensidade da possível culpa, pela amplitude, pelas consequências o reiteração da violação e, portanto, em função do todo da relação contratual) está em sintonia com a finalidade do instituto da resolução (ratio extrema ou ultima ratio) e permite submeter a figura a um controlo axiológico balizado pela boa fé e, mais concretamente, pelo abuso do seu exercício perante um incumprimento insignificante, pouco prejudicial, ou alegando o credor mera conveniência pessoal ou um aproveitamento das circunstâncias»[16].
No caso em apreço, temos dois momentos importantes na vida do contrato-promessa: o primeiro corresponde ao acordo inicial quanto ao local, o dia e a hora da celebração da escritura da compra e venda; o segundo é a carta de 20/11/1999 remetida pelo mandatário dos autores á ré CC.
Do acordo inicial consta que a escritura “deverá ser marcada pelo 2.º outorgante (o autor), com a antecedência mínima de 15 (quinze dias sobre a data pretendida, através de carta registada com aviso de recepção, devendo esta ser realizada somente após estarem concluídas e pronta a habitar a fracção autónoma e o 1.º outorgante esteja devidamente documentado para tal, devendo a mesma ser realizada até 30 de Junho de 1999”. Mais acordaram que a escritura seria celebrada com a licença de construção ou em sua substituição a licença de utilização.
O termo desse prazo não fez presumir a perda do interesse dos autores na outorga da escritura, na medida em que vieram a celebrar um aditamento ao contrato, no dia 28/6/1999, reforçando o sinal e entrando na posse da fracção da qual fizeram, desde então, sua residência.
Na aludida carta remetida pelo mandatário dos autores à ré CC, com data de 22/11/1999, diz-se expressamente que “encontro-me disponível para a outorga da escritura a todo o momento”, solicitando igualmente que lhe fosse facultada cópia da licença da utilização para poder proceder à marcação da escritura, para terminar assim: “(…)Direi, por último, em nome do meu constituinte, que este considerará não cumprido o contrato-promessa, se não lhe forem fornecidos, no prazo de 15 dias os aludidos documentos necessários à marcação da escritura”.
Como bem se salientou no acórdão recorrido (e já o fizera também a sentença), a licença de utilização da fracção autónoma passou a ser, por força da alteração legislativa operada pelo DL 281/99, de 27/7, um dos documentos necessários para a outorga da escritura. Até então era possível fazer a escritura só com a licença de construção que a ré CC possuía, como se alcança do ponto 16. do elenco factual provado, e, confrontada com essa exigência legal e essencial para os autores, teve que desencadear o necessário procedimento administrativo tendente à sua obtenção junto da Câmara Municipal de Sintra, processo esse moroso e complexo que envolve não só a actuação do construtor mas também a eficiência das entidades administrativas a quem a lei impõe a emissão do alvará final.
Nada permite concluir que a ré CC tenha sido negligente, pois, como se vê do respectivo processo camarário constante de fls. 692/699, resulta que apresentou um projecto de alterações, com termo de responsabilidade, a que se seguiu o parecer técnico do jurista da edilidade no sentido de se formar o acto tácito de deferimento do requerimento, no dia 11/7/2000, deferimento do pedido de licenciamento de construção com incorporação dos projectos apresentados, pedido de licenciamento de utilização datado de 18/1/2001 e finalmente alvará de licença de utilização de 23/1/2001.
Ora, neste contexto merece o nosso inteiro aplauso a conclusão a que convergentemente as instâncias chegaram sobre a irrazoabilidade do prazo de 15 dias fixado pelos autores na carta datada de 22/11/99. Mais, não se compreende que os autores que continuavam a usufruir da fracção autónoma tenham avançado para a resolução do contrato-promessa, em Maio de 2000, quando o desencadeado procedimento administrativo estava em curso em ordem a ser ultrapassado o problema gerado pela indicada alteração legislativa e cujo termo dependia não exclusivamente da ré CC.
Ponderando tudo isso, propendemos para acompanhar o entendimento convergente das instâncias no sentido de considerar que não se estava perante uma situação de incumprimento definitivo por banda da ré CC e perda objectiva do interesse dos autores (art.º 808º, n.º1, do Cód. Civil), que o mesmo é dizer não existir fundamento para estes resolverem o contrato.
Na verdade, o incumprimento definitivo do contrato-promessa tem, na sua origem, um incumprimento transitório – ou mora – traduzido na não realização da prestação, ainda possível, no prazo a que os contraentes se vincularam, prazo esse que, no caso, nunca assumiu a natureza de fixo, absoluto ou essencial, sendo sim relativo[17], pelo que a sua ultrapassagem não conduziu ao incumprimento definitivo.
Tal seria conseguido através de interpelação admonitória que se traduz na fixação de um prazo razoável, destinado a conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato, e, no acto dessa fixação, impor também a cominação da resolução (automática) do contrato (interpelação cominatória), tudo a envolver portanto uma intimação de cumprimento, a fixação de um termo peremptório (definitivo e fatal) e uma declaração de que a obrigação padecerá de incumprimento definitivo, se não for cumprida dentro desse novo prazo, que corresponde a “uma ponte essencial obrigatória de passagem do atravessadouro (lamacento e escorregadio) da mora para o terreno (seco e limpo) do não cumprimento (definitivo) da obrigação”[18].
Por outro lado, para que ocorra uma situação de perda de interesse susceptível de justificar a assumpção de uma atitude resolutiva por parte do accipiens, torna-se necessário que a situação de retardamento no cumprimento da prestação em que o devedor se colocou ocasione um subjectivo, objectivamente perspectivado, desinteresse do credor na execução do contrato, cabendo-lhe alegar e provar os factos objectivos e concretos que substanciem a perda do interesse, susceptível de caracterizar o comportamento do inadimplente como equiparável à impossibilidade de cumprir conducente à liquidação da relação contratual (art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil).
 Os autores não lograram demonstrar factos que permitam extrair uma conclusão objectiva de que tenham perdido o interesse na celebração do contrato de compra e venda da fracção autónoma em que habitam e de que fazem sua residência, apresentando-se inócua a invocação feita no art.º 31º da petição inicial (razões de segurança jurídica), sem qualquer substrato factual consistente e credível e, além disso, como antes se disse, nunca transformaram a situação de mora em que a ré CC entrou em incumprimento definitivo, não se mostrando, por isso, válida a resolução contratual impetrada pelos mesmos.
Nesta conformidade, improcedem, em toda a linha, as conclusões dos autores.
3 - Resolução do contrato-promessa, por incumprimento dos autores e perda de interesse da ré CC na concretização do contrato prometido
Resta, por fim, a revista da ré CC que se centra na reconvenção que deduziu e que na sentença foi acolhida com êxito, enquanto o acórdão recorrido a denegou.
Dado que toda a problemática da revista da ré gira à volta da resolução do contrato-promessa vale aqui tudo o que antes se disse sobre esse direito extintivo, modo de o tornar validamente eficaz e condições do seu exercício, adiantando-se, desde já, que a ré não logrou demonstrar que perdeu interesse na celebração do contrato de compra e venda da fracção autónoma e também não transformou a situação de mora dos autores em incumprimento definitivo, não se mostrando, por isso, válida a resolução contratual que impetrou, com a dedução da reconvenção que, nessa medida, terá de naufragar.
Com efeito, na carta de 15/01/2001 em que a ré deu a conhecer aos autores o dia, hora e local da outorga da escritura definitiva não consta, de modo explícito, que a licença de utilização já tinha sido emitida, nem se faz alusão a qualquer consequência a ser retirada da fixação dessa data e da não realização da escritura nessa data, o que, nos termos já antes referidos, obsta a que a mesma possa ser entendida como uma interpelação admonitória dirigida aos autores. Falta a necessária cominação da resolução (automática) do contrato (interpelação cominatória), com a clara fixação de um termo peremptório (definitivo e fatal) e a declaração de que a obrigação passará a ser tida por definitivamente incumprida, se não for cumprida dentro desse prazo.
Nem, por seu turno, se deve equiparar a atitude dos autores de não outorga da escritura a recusa antecipada e irreversível de incumprimento, na medida em que, como decorre da carta que enviaram àquela, com data de 5/2/2001, remetiam a solução do problema para o âmbito da acção, acrescentando no instrumento lavrado, na data aprazada pela ré para a escritura (8/2/2001) que o andar não se encontrava ainda concluído e existiam diversos defeitos, o que, na sua perspectiva, justificariam a não intervenção na escritura. No apontado contexto, não parece de considerar essa atitude como manifestação clara, séria e inequívoca de não cumprir em que a ré possa alicerçar validamente a resolução do contrato-promessa que entende-se ainda se mantém «vivo» e «erecto», por não resolvido fundadamente por qualquer das partes.
Vale isto por dizer que a reconvenção, tal como sucede com a acção, não poderá ter êxito, improcedendo tudo o que, em contrário, a ré argumentou e concluiu a esse propósito.

IV – Decisão

Nos termos expostos, negam-se as revistas e, ainda que por fundamentação distinta da constante do acórdão recorrido, julga-se a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo os autores do pedido de restituição do sinal e da fracção autónoma, mantendo, no mais, o acórdão recorrido.

As custas de cada uma das revistas ficam a cargo dos respectivos recorrentes.


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Lisboa, 16 de Outubro de 2012

António Piçarra (relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves


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[1] Na versão anterior à introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, uma vez que o processo foi instaurado antes de 01 de Janeiro de 2008, data em que entrou em vigor tal diploma legal (cfr. os seus art.ºs 11º, n.º 1, e 12º, n.º 1). Embora a sua numeração (8020/09) faça crer que se trata de processo posterior, cabe esclarecer que se iniciou em 25 de Maio de 2000 e que aquela numeração derivou da sua posterior redistribuição na entretanto criada comarca-piloto da Grande Lisboa Noroeste.  
[2] Cfr., neste sentido, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2001, pág. 634, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, 2000, pág. 176.
[3] Cfr. José Lebre de Freitas, in A Confissão no Direito Probatório, pág. 160.
[4] Cfr, José Alberto dos Reis,  in Código Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 70.
[5] A carta aludida no ponto 6. do elenco factual provado.
[6] Cfr. João Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Almedina, 2010, 13.ª edição, pág. 19, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição revista e actualizada, págs. 379/380, e Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, pág. 102.
[7] Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 22.11.2001, 19.03.2002, 15.10.2002, 25.02.2003, e 07.03.2006, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jstj.
[8] Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 106/107 e 275/277, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, pág. 319, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina 2002, pág. 100, e J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, págs. 155/156.
[9] João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, pág. 131.
[10] Cfr., a este propósito, Antunes Varela, obra citada, pág. 276, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina 2002, págs. 102/103, e Mário Júlio de Almeida Costa, obra citada, págs. 319/320.
[11] Cfr. Vaz Serra, RLJ, ano 102º, pág. 168.
[12] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina 2002, pág. 103.
[13] Cfr. Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pág. 460/461.
[14] Cfr. José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2011, Coimbra Editora, pág. 293, e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 1994, págs. 336 e 337.
[15] Cfr. José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2011, Coimbra Editora, pág. 290, e João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, págs. 134 e 135.
[16] Cfr. José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2011, Coimbra Editora, pág. 291. João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, págs. 135 e 137.
[17] Cfr., sobre o que deve entender-se por estes tipos de prazos, José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2011, Coimbra Editora, pág. 330, e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 114/115.
[18] Cfr Antunes Varela, in RLJ 128, págs. 112 e ss e 138.