Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4485
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: SEGURO DE VIDA
SEGURO INDIVISÍVEL
RESOLUÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: SJ200701310044851
Data do Acordão: 01/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Tendo ambos os cônjuges, casados segundo o regime supletivo de comunhão de adquiridos, celebrado um contrato de seguro de vida associado a um crédito hipotecário para aquisição da sua habitação, a comunicação da resolução contratual pela Companhia Seguradora, por inadimplemento do pagamento do prémio de seguro, tem de ser feita directamente a cada um dos cônjuges, não podendo ter-se o contrato por legalmente resolvido se a comunicação de rescisão foi apenas dirigida ao cônjuge marido.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA instaurou acção ordinária contra a Companhia de Seguros BB, S.A. pedindo que seja condenada a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº .../0000517/154811, que celebrou com a autora e o seu falecido marido CC, se encontrava plenamente em vigor à data do óbito deste, por não ter sido legalmente resolvido pela ré.
Alegou, em síntese, que:
- ela e o seu marido, na qualidade de segurados/pessoas seguras, celebraram com a ré um contrato de seguro do ramo vida, crédito habitação, titulado pela apólice nº .../0000517/154811, com o capital seguro de Esc. 12.007.576$00, sendo o pagamento do prémio mensal efectuado por débito na conta de depósito à ordem de que eram titulares no Banco ... (B...), tendo sido acordado que o beneficiário do seguro seria o Banco ... (B...), pelo capital dos empréstimos em dívida que contraíram junto deste último Banco;
- em 19/0212003, faleceu o seu marido CC, tendo a autora entregue no balcão do B... uma certidão de óbito do mesmo, a fim de ser accionado o mencionado seguro de vida;
- a ré recusou-se a accionar o seguro de vida e a entregar o montante dos empréstimos então em dívida ao beneficiário B..., invocando a resolução do ajuizado contrato de seguro e alegando que a respectiva apólice tinha sido anulada, por falta de pagamento dos prémios, desde 30/04/2002 ;
- a ré enviou apenas ao seu marido - e não a ela -, uma carta registada com aviso de recepção, datada de 26/02/2002, informando que se encontravam por liquidar os prémios desse seguro de vida, respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2001 e a Janeiro e Fevereiro de 2002, alertando para a «conveniência de proceder ao pagamento» desses prémios no prazo de 30 dias e acrescentando que se o pagamento não fosse efectuado o contrato se considerava resolvido;
- a invocada resolução unilateral do contrato de seguro é «ilegal e ineficaz», na medida em que a declaração resolutória não foi comunicada à autora, nem levada ao seu conhecimento, sendo certo que ela, enquanto segurada, é uma das partes do contrato, pelo que o direito de resolver o contrato também tinha de ser exercido contra si;
- não sendo válida a resolução do ajuizado contrato de seguro levada a cabo pela ré, tal contrato não pode deixar de ser havido como subsistente e em vigor, dotado de plena eficácia, à data do óbito do seu marido.
A ré contestou, aduzindo que a resolução do contrato de seguro do ramo vida que celebrou com a autora e seu falecido marido é «inteiramente lícita, válida e eficaz», concluindo pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
Entendendo que o estado do processo o permitia, sem necessidade de mais provas, conheceu o Senhor Juiz do mérito da causa no saneador, invocando o artº 510º, nº 1, al. b), do CPC, julgando a acção procedente, condenando a ré a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida, crédito habitação, titulado pela apólice nº .../000517/154811, que celebrou com a autora e o seu marido, não foi legalmente resolvido, pelo que se encontrava plenamente em vigor à data do falecimento deste último, ocorrido em 19/02/2003.
Inconformada, apelou a ré para a Relação do Porto, mas o saneador/sentença foi aí confirmado.
Recorre agora de revista, tirando as seguintes conclusões:
1ª- A recorrida e o seu falecido marido não pagaram à recorrente os prémios de seguro seguintes: prémio de seguro no valor de 32,22 €, vencido em 01/11/2001; prémio de seguro no valor de 32,27 €, vencido em 01/12/2001; prémio de seguro no valor de 31,63 €, vencido em 01/01/2002; prémio de seguro no valor de 31,63 €, vencido em 01/02/2002;
2ª- Por carta datada de 26/02/2002 expedida sob registo e com aviso de recepção a recorrente comunicou que concedia o prazo de 30 dias para o pagamento dos mencionados prémios de seguro, sob pena de resolução do mencionado contrato de seguro do ramo vida;
3ª- Não obstante a recepção da referida carta, não foi efectuado o pagamento dos mencionados prémios de seguro;
4ª- O pagamento de prémios de seguro emergentes de contratos de seguro do ramo vida constitui acto de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal;
5ª- A obrigação de pagamento dos prémios de seguro emergentes do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos constituía dívida da responsabilidade da recorrida e do seu falecido marido;
6ª- O referido contrato de seguro do ramo vida foi válida, lícita e eficazmente resolvido;
7ª- Encontra-se controvertida a questão do efectivo conhecimento ou da falta do efectivo conhecimento pela recorrida da carta de resolução do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos;
8ª- Não constam todos os elementos necessários ao proferimento de decisão conscienciosa e segura relativamente ao pedido formulado pela recorrida;
9ª- Impõe-se levar à base instrutória a matéria de facto constante dos artigos 16º a 18º da petição inicial e 17º da contestação;
10ª- Ao decidir-se pela condenação da recorrente no reconhecimento da manutenção em vigor do contrato de seguro do ramo vida violou-se o disposto nos artigos 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907, 224º, nºs 1 e 3, 432º, nº 1, 436º, nº 1, 1.678º, nº 3, 1.681º, nº 1, 1.691º, nº 1, alínea a), e 1.724º, alínea b), do Código Civil, e 510º, nº 1, alínea b), e 511º, do Código de Processo Civil;
11ª- Impõe-se a procedência de todas as conclusões, devendo revogar-se o acórdão recorrido, absolvendo-se a recorrente do pedido, ou, quando assim não se entenda, ordenar-se a elaboração de matéria assente e de base instrutória, levando a esta a matéria de facto invocada nos artigos 16º a 18º da petição inicial e 17º da contestação.
Contra-alegou a recorrida sustentando a manutenção do decidido.
Com os vistos, cabe agora apreciar e decidir.
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e os documentos juntos aos autos, considerou o Senhor Juiz da 1ª instância assente a seguinte matéria de facto, que a Relação não alterou:
a) A Autora contraiu matrimónio, em 24/02/90, sob o regime da comunhão de adquiridos, com CC (doc. de fls. 15);
b) Por escritura pública outorgada em 17/12/97, na Dependência do Banco ..., na Maia, foi celebrado o contrato de «compra e venda e mútuo com hipoteca» titulado pelo doc. junto a fls. 17/22, nos termos do qual DD e mulher EE declararam vender à Autora e ao seu marido CC, que, por seu turno, declararam comprar, pelo preço de Esc. 10.700.000$00, que aqueles disseram já ter recebido, a fracção autónoma designada pela letra « C », destinada a habitação, no rés-do-chão direito e anexo para arrumos ao fundo do terreno, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Travessa..., nº 96, Campanhã, no Porto, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 57320 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 8912 ;
c) Nessa mesma escritura, interveio como terceiro outorgante o «Banco ..., S.A.», na qualidade de mutuante, tendo a Autora e o seu marido, na qualidade de mutuários, declarado que «solicitaram e obtiveram do " Banco ..., S.A." (…) dois empréstimos» no montante total de Esc. 13.200.000$00, «no regime de crédito bonificado, pelo prazo de vinte anos (…), a contar de hoje, de que se confessem solidariamente devedores», sendo um na quantia de Esc. 10.050.000$00 «para aquisição» da fracção mencionada na al. b) e «ora adquirida, a qual se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente», e outro na quantia de Esc. 3.150.000$00 «que se destina a obras de beneficiação da mesma fracção». «Para garantia de todas as responsabilidades assumidas» nos termos desse contrato, «juros e demais despesas inerentes», a Autora e o seu marido, na qualidade de mutuários, constituíram «hipoteca a favor do "B..."» sobre a mencionada fracção autónoma;
d) Dessa escritura pública faz parte integrante o «documento particular» junto a fls. 23/34, onde se encontram elencadas as «cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca concedido pelo Banco ..., S.A.», sendo que, de acordo com a cláusula 28ª, «os mutuários ficam ainda obrigados a efectuar Seguro de Vida, o qual deverá cobrir Morte, Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença e Invalidez Total e Permanente por Acidente, sendo o beneficiário o "B...", na qualidade de credor hipotecário privilegiado, pelo valor mínimo do montante dos empréstimos»;
e) A Autora e o seu marido CC, na qualidade de segurados/pessoas seguras, celebraram com a Ré um contrato de seguro do ramo vida, crédito habitação, titulado pela apólice nº .../000517/154811, com início em 01/01/2002, com as coberturas exigidas pela cláusula 28ª referida na al. d), sendo o capital seguro de Esc. 12.007.476$00, tendo sido acordado que os prémios emergentes desse contrato teriam periodicidade mensal e que o pagamento dos mesmos seria efectuado por débito na conta de depósitos à ordem de que eram titulares com o nº ... - docs. de fls. 35 e 36;
f) Nesse contrato, foi acordado, ainda, que o beneficiário do seguro seria o «Banco ..., S.A.» pelo capital dos empréstimos em dívida mencionados na al. c) - doc. de fls. 36;
g) No seguimento do contrato celebrado entre a Autora e o seu marido e a Ré, esta última emitiu o respectivo certificado individual, junto a fls. 36, no qual figuram como segurados a Autora e o seu marido CC;
h) De acordo com a «Nota Informativa sobre as Condições Gerais e Especiais» desse contrato de seguro, inserta no verso da proposta de adesão junta a fls. 35, «o contrato permite mais do que um Segurado por Certificado Individual. Pode-se segurar parte ou a totalidade do capital em dívida. A percentagem de capital a segurar é determinada pelo Beneficiário». Dessa «Nota Informativa» consta, ainda: «A falta de pagamento do prémio, dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à seguradora após pré-­aviso em carta registada com pelo menos 8 dias de antecedência, proceder à anulação do Certificado Individual»;
i) Segundo o art. 8.1 das condições gerais, juntas a fls. 69/71, do contrato de seguro mencionado na al. e), «o não pagamento do prémio dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à Seguradora nos termos legais a faculdade de após pré-aviso em carta registada com pelo menos 8 dias de antecedência proceder à anulação do Certificado Individual»;
j) Os empréstimos concedidos pelo «B...» destinaram-se a fornecer à Autora e seu marido os meios financeiros para a aquisição da fracção, por não disporem do montante global necessário, sendo que o seguro de vida que contrataram com a Ré, associado a esse negócio, se destinou a assegurar que, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivo, por via de alguma debilidade económica em que fica, não se veja sujeito à contingência de não poder suportar os encargos bancários que, antes, recaíam sobre os dois, pondo em causa a estabilidade da própria morada de família, para além da garantia que constitui para a entidade mutuante, de que o capital emprestado será reembolsado;
l) Tais actos assumiram importância na vida da Autora e do seu marido, justificando a vinculação jurídica de ambos na assunção dos inerentes encargos e daí que ambos tenham outorgado a escritura de mútuo com hipoteca da própria casa de habitação e, de igual modo, tenham subscrito o impresso indispensável à formalização do seguro de vida;
m) Não foram pagos à Ré os prémios de seguro no valor de € 32,22, vencido em 01/11/2001, no montante de € 32,27, vencido em 01/12/2001, no quantitativo de € 31,63, vencido em 01/01/2002, e no valor de € 31,63, vencido em 01/02/2002;
n) A Ré enviou apenas a CC a carta registada com aviso de recepção, datada de 26/02/2002, junta a fls. 38, remetendo-a para a «Tv ... 96 RC Dto 4300-200 Porto», carta essa que foi recebida pelo referido CC em 18/03/2002 (doc. de fls. 80);
o) Dessa carta consta, designadamente: «Exmo Senhor CC; Tv ... 96 RC Dto 4300-200 Porto»; «Produto: Vida Crédito Habitação»; «Nº Cliente ...»; «N° Apólice: .../144811»; «Assunto: Recibo(s) por liquidar» «Recibo 02.12.96704 - Montante 32,27 EUR - Vencimento 2001/11/01» ; «Recibo 02.12.96705 - Montante 32,27 EUR - Vencimento 2001/12/01; «Recibo 03.03.80110 ­Montante 31,63 EUR - Vencimento 2002/01/01» ; «Recibo 03.04.69892 - Montante 31,63 EUR - Vencimento 2002/02/01» ; «Serve a presente para comunicar a V. Exa da conveniência de proceder ao pagamento do(s) prémio(s) acima indicado(s), da apólice em referência, no prazo de 30 dias a contar da data desta carta»; «Se o pagamento não for efectuado, o contrato considera-se resolvido ou reduzido caso V. Exa tenha adquirido esse direito, de acordo com o previsto nas Condições Gerais da Apólice»;
p) Em 19/02/2003, faleceu CC (doc. de fls. 37);
q) Após o falecimento do referido CC, a Ré recusou-se, na sequência de solicitação da Autora, a accionar o seguro de vida mencionado na al. e) e a entregar o montante dos empréstimos então em dívida ao beneficiário «B...», justificando tal facto com a resolução do contrato de seguro e alegando que a apólice tinha sido anulada, por falta de pagamento dos prémios, desde 30/04/2002.
Postos os factos, afigura-se não merecer censura a decisão da Relação, que se limitou, com brevíssimas considerações suplementares, a remeter para a fundamentação do saneador/sentença, nos termos do artº 713º, nº 5 do CPC.
Sendo os mesmíssimos os problemas essenciais agora trazidos à apreciação do STJ (as conclusões da apelação repetem-se praticamente ipsis verbis), improcedem em toda a linha perante a bem elaborada decisão da 1ª instância.
Apenas algumas breves notas antes de se negar a revista.
A resolução contratual pode fazer-se ou por acordo, ou judicialmente (se houver conflito entre os contraentes e um deles negar ao outro o direito de resolução), ou por declaração à parte contrária, hipótese esta que marca o momento da resolução, mesmo que haja necessidade de posteriormente obter declaração judicial de que o contrato foi legalmente resolvido (cfr. anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao artº 436º do C- Civil).
No caso vertente, tratando-se de uma rescisão por inadimplemento da obrigação de pagamento dos prémios do seguro de vida, só a última forma de resolução contratual (rescisão ope voluntatis) interessa abordar.
Diz o artº436º, nº 1 do C. Civil que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.
Essa rescisão, sendo obra do credor, e não do juiz, opera por vontade do primeiro, mas é necessário que este leve essa vontade ao conhecimento da outra parte, isto é que lhe comunique a sua decisão de resolver, por qualquer meio de comunicação, desde que se possa fazer a sua prova, considerando-se o contrato rescindido a partir do momento em que a comunicação for recebida pelo destinatário (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, págs. 463 e 464).
Segundo Vaz Serra (no Estudo “Resolução do Contrato”, no BMJ nº 68, pág. 227 e 228), no caso de resolução por não cumprimento do contrato não há necessidade de obrigar o titular do direito de resolução a pedir em juízo que esta seja decretada, bastando que ele declare directamente à outra parte que resolve o contrato, contando-se os efeitos da resolução da data em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade recipiendas, produz efeitos.
Resulta do artº 224º, nº 1 do C. Civil que a declaração negocial que tem um destinatário se torna eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida… .
O dispositivo começa por aludir à chega ao seu poder (recepção) do destinatário… e não ao seu conhecimento efectivo (percepção)…
Por isso, consagra a doutrina da recepção. Mas não será necessário que a declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do destinatário se por qualquer meio foi dele conhecida (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 268). Adoptou-se assim, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento… bastando que a declaração tenha chegado ao poder do declaratário (presumindo-se o conhecimento, neste caso, júris et de jure), mas provado o conhecimento não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração (anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao artº 224 da lei substantiva).
Ora, não bastava a declaração de resolução dirigida ao falecido marido da recorrida, pois era imprescindível que tal declaração tivesse também sido dirigida a esta, e que tivesse chegado à sua esfera de acção (caso em que se presumia o conhecimento), ou que se provasse o conhecimento, por ela, do teor da declaração directamente dirigida a ela (dispensando-se nesse caso a prova da recepção da declaração).
A circunstância de a recorrida ter casado segundo o regime de comunhão de adquiridos, de o pagamento dos prémios do seguro constituir um acto de administração ordinária, e de a obrigação de pagamento desses prémios constituir dívida da responsabilidade da recorrida e do seu falecido marido (4ª e 5ª conclusões recursórias) em nada interfere.
A recorrida também é parte no articulado contrato de seguro de vida, tendo assumido por via dele direitos e obrigações, como pessoa física e jurídica distinta que é.
O próprio artº 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907, ao referir-se à resolução do contrato de seguro de vida estabelece expressamente que o segurado deve ser avisado, por meio de carta, de que se não satisfizer os prémios em dívida no prazo de 8 dias ou noutro que se ache convencionado na apólice, o contrato será considerado isubsistente.
Era por conseguinte indispensável que a recorrente tivesse feito duas comunicações de rescisão do contrato de seguro, uma à recorrida, e outra ao marido.
Na verdade, quem contratou o seguro foram ambos os cônjuges, sendo os dois devedores dos prémios de seguro, não bastando à seguradora comunicar a resolução do contrato apenas ao marido.
Galvão Telles, no Manual dos Contratos em Geral, pág. 353, expende que a rescisão extrajudicial resulta de uma declaração de vontade recipienda porque para produzir efeitos terá de ser levada ao conhecimento do outro ou dos outros interessados.
Reportando-se aos contratos indivisíveis (como é o dos autos, por ser legalmente impossível resolver o contrato de seguro só em relação à recorrida ou só em relação ao seu marido) escreveu Vaz Serra (ibidem, págs. 239 e 240) que a resolução, como medida excepcional, só se adoptariacontra todos os devedores… Isto, mesmo que… os devedores sejam solidários.
Improcede, destarte, a pretensão da absolvição do pedido.
E improcede também a pretensão alternativa do prosseguimento dos autos com a elaboração da especificação e da base instrutória, por alegada existência de matéria de facto articulada, controvertida e com relevância para o desfecho da lide, carecida de investigação para se mostrarem reunidas todas as condições indispensáveis à decisão conscienciosa do pleito.
A recorrida articulou nos itens 16º, 17º e 18º do petitório que: nunca fora avisada, por escrito, da falta de pagamento de quaisquer prémios, nem da intenção da ré de resolver o contrato de seguro (16º); alguns dias após a ré se ter recusado a accionar o seguro de vida e a entregar o montante dos empréstimos em dívida ao beneficiário, a autora, ao compulsar os haveres que o marido havia deixado na viatura automóvel que utilizava, encontrou, ainda por abrir, uma carta endereçada pela ré apenas ao marido, e só a ele, com data de 26.2.2002 (17º); abriu a carta e verificou que a mesma informava que se encontravam por liquidar os prémios do referido seguro de vida, com referência aos meses de Novembro e Dezembro de 2001, e Janeiro e Fevereiro de 2002, o que ela em absoluto ignorava (18º).
Contudo, a própria recorrente reconheceu nos autos que não comunicou directamente à recorrida a falta de pagamento dos prémios e a vontade de resolver o contrato caso não fossem pagos no prazo suplementar, e a falta dessa comunicação à recorrida é que verdadeiramente releva para a solução jurídica do caso, não se justificando de modo algum a quesitação dos três referidos itens da petição inicial.
Por outro lado a recorrente, alegou, no artigo 17º da contestação, que a autora tomou conhecimento da referida carta datada de 26.2.2002, que enviou, em que concedeu o prazo suplementar de 30 dias para pagamento dos prémios de seguro em débito.
Mas, ao invés do que sustenta na revista, não tem, por tudo quanto já se disse, qualquer interesse levar o teor desse artigo da contestação à base instrutória, até porque, além de demasiado vago, não refere em que data tal conhecimento teria ocorrido (pode ter ocorrido só após a morte do marido da recorrida, como esta articulou no item 17º do petitório).
Era absolutamente necessário que a recorrente tivesse dirigido também directamente à recorrida uma declaração de vontade de resolver o contrato (caso não fosse regularizado o débito dos prémios do seguro), e que essa declaração tivesse chegado à posse dela ou pelo menos que se provasse que tomou conhecimento do seu teor, pois a resolução, como diz o artº 436º nº 1 do C. Civil, é feita mediante comunicação à outra parte, e a recorrida também era parte no contrato, pelo que se acorda em negar a revista, condenando a recorrente nas custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Janeiro de 2007

Faria Antunes (relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves