Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27800/15.4T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: CONTRA-PROMESSA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CUMPRIMENTO
RECUSA
Data do Acordão: 05/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
Doutrina:
-António Pinto Monteiro, Direito Comercial, Contratos de Distribuição Comercial, pp. 149 e ss.;
-Assunção Cristas, Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, II, pp. 53 e ss. e 78;
-Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, 1982, p. 165 ; Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, p. 293;
-Calvão da Silva, A Declaração da Intenção de não Cumprir, Estudos de Direito Civil e de Processo Civil, pp. 137 e 138 ; Sinal e Contrato-Promessa, 14ª ed., pp. 127 a 129;
-Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil, Pareceres, p. 137 ; Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 323;
-Carlos Ferreira de Almeida, Recusa de cumprimento declarada antes do vencimento…, Estudos em Memória do Prof. Doutor João de Castro Mendes, pp. 314 e ss.;
-Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed., pp. 584 e 585;
-Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7 ed., p. 258;
-Joana Farrajota, A resolução do Contrato sem Fundamento, Almedina, Teses de Doutoramento, p. 54 ; Os efeitos da Resolução Infundada por Incumprimento do Contrato, Dissertação para Doutoramento em Direito Privado pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, pp. 209 e ss.;
-Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, p. 1675;
-Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª ed., pp. 137, 138 e 209.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1 E 808.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 31-05-2005, PROCESSO N.º 05B1494, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-03-2011, PROCESSO N.º 4015/07.0TBVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-01-2012, PROCESSO N.º 25/09TBVCT.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-01-2015, PROCESSO N.º 473/12.9TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-02-2015, PROCESSO N.º 269/12.8TCFUN.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-07-2016, PROCESSO N.º 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 44/14.5T8VIS-B.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 03-12-2009, PROCESSO N.º 5679/06.7TVLSB.L1-8, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A declaração resolutiva infundada é apta a extinguir o contrato-promessa em curso, mas só representa um incumprimento definitivo quando significa o propósito de não querer ou não poder cumprir.

II - Só neste caso se poderá falar em incumprimento antecipado e definitivo do contrato-promessa, a justificar a atuação do regime do sinal.

III - Não é o que se passa quando a resolução emerge da representação que o declarante faz acerca da suposta inadimplência da contraparte, pois que este comportamento não representa uma recusa séria, perentória e definitiva de cumprimento.

IV - Nesta situação o contrato mantém-se, podendo a contraparte exigir o seu cumprimento (em espécie, sendo tal possível, ou através do sucedâneo indemnizatório), ou então resolvê-lo dentro do circunstancialismo do art. 808º do CCivil.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA demandou, pela Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto e em autos de ação declarativa com processo comum, BB, LIMITADA, peticionando que:

a) Sejam julgados definitivamente incumpridos os contratos-promessa celebrados entre Autora e Ré, por culpa exclusiva desta última;

b) Sejam julgados resolvidos os contratos por iniciativa da Autora, declaração que deve considerar-se efetuada à ré na data da interpelação extrajudicial remetida pela autora a 5 de Outubro e recebida pela ré a 7 de Outubro de 2015;

c) Seja a Ré condenada a restituir à autora a quantia de €80.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado, valor sobre o qual incidirão juros de mora à taxa legal contados desde o décimo primeiro dia após a interpelação e até efetivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, ter celebrado com a Ré, em Julho de 2014, dois contratos-promessa referentes a duas frações de um imóvel sito na cidade do Porto, tendo pago, a título de sinal, o valor global de € 40.000,00. A Ré, todavia, não outorgou os contratos prometidos, apesar da Autora lhe ter sucessivamente concedido prazos para o efeito, sendo certo que a Ré não desconhecia ser essencial para a Autora que esses contratos fossem outorgados até final de Março de 2015. Assim, em Outubro de 2015, remeteu à Ré comunicação escrita através da qual declarou resolver os aludidos contratos-promessa. Em consequência, tem a Autora direito aos efeitos que peticiona.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Disse, em síntese, que à data da celebração dos referidos contratos-promessa, não era proprietária do imóvel onde se situam as frações prometidas vender, o que era do conhecimento da Autora; que envidou todos os esforços para adquirir o imóvel, facto de que deu conhecimento à Autora; que não foi estabelecido um prazo determinado para a celebração dos contratos prometidos; que nunca estabeleceu prazos adicionais ou qualquer prazo para o término obras de restauro (interior e exterior) do prédio, bem como para o término da reconfiguração e restauração das habitações em causa; que a Autora, ao invocar a impossibilidade de prestação por parte da Ré, por não ser proprietária do prédio onde se situam as frações prometidas vender, age com abuso de direito.

Mais deduziu reconvenção, peticionando que:

- sejam julgados definitivamente incumpridos os contratos-promessa celebrados entre autora e ré, por factos imputáveis exclusivamente à autora;

- seja declarado perdido a favor da ré o sinal prestado em ambos os contratos-promessa, no montante total €40.000,00 (€20.000,00 x 2), nos termos do art.º 442.º, n.º 2, do C. Civil.

Alegou para o efeito que a Autora incorreu em incumprimento definitivo das promessas, por isso que resolveu sem fundamento os contratos-promessa.

A A. contestou os pedidos reconvencionais, mantendo o que alegara no seu articulado inicial.

Seguindo a ação seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.

Sustentou que a ação devia proceder e a reconvenção improceder.

A Relação do Porto manteve a sentença da 1ª instância quanto à improcedência da ação. Mas julgou procedente a apelação na parte respeitante à reconvenção, julgando-a improcedente.

Inconformada com o decidido quanto à reconvenção, pede a Ré revista.

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

1. No que respeita à Reconvenção deduzida pela ora Ré/Recorrente, o Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão proferida pela primeira instância (que a tinha julgado totalmente procedente), por considerar que “Por outro lado, já vimos não constituir fundamento de resolução dos contratos, por parte da R., a resolução infundada dos mesmos por parte da A. - pois estamos antes, perante uma declaração ineficaz. O que conduz à improcedência da reconvenção.”

2. No caso em apreço, a Ré/ ora Recorrente, em reconvenção pediu a resolução dos contratos-promessa com fundamento na recusa anunciada da Autora em cumpri-lo, pelo envio à Ré/Recorrente, de uma carta de resolução, datada de 5 de Outubro de 2015 - facto 12 da matéria dada como provada com o seguinte teor: “…, perdi objetiva, efetiva e completamente, o interesse na celebração dos negócios … Por todo o exposto, deverão considerar resolvidos os contratos promessa supra referidos, com efeitos imediatos e, em consequência, deverá ser-me restituído em dobro o valor que prestei a título de sinal e princípio de pagamento em cada um daqueles contratos. Aguardo o prazo de 10 dias, a restituição da quantia ....”

3. Como se sabe, em sede de interpretação das declarações vale o disposto no artigo 236º nº 1 CCivil, que consagra a chamada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário.

4. Sem dúvida apreciável, somos a crer que uma pessoa, com estas características, interpretaria a posição da promitente compradora, Autora/Recorrida como uma revelação clara de já não querer cumprir os contratos, da celebração dos contratos prometidos já não lhe interessar, pretendendo resolvê-lo.

5. Ante do exposto, cremos que o entendimento perfilhado pelo douto Tribunal da Relação do Porto, no que respeita à eficácia e validade da resolução dos contratos-promessa operada pela Autora/ora Recorrida através do envio da carta de 5 de Outubro de 2015, constante dos factos 12 da matéria dada como provada, é errada, porquanto entendemos que a postura da Autora/Recorrida manifestada na carta enviada a 5 de Outubro de 2015, bem como, a adotada nos presentes autos, designadamente na sua petição inicial, notoriamente, pode e deve ser equiparada à daquela pessoa que, celebrado um contrato, tem um comportamento do qual resulta, sem mais e claramente, que não quer ou não vai cumprir com aquele contrato.

6. Por isso, entendemos que a declaração de resolução, realizada pela Autora/Recorrida, mesmo que infundada, é válida e produz efeitos, não gerando quaisquer direitos para a Autora/Recorrida, permitindo à Ré/Recorrente fazer seu o sinal.

7. A prevalecer a tese do Tribunal da Relação do Porto, a Autora/Recorrida poderia beneficiar sempre de uma situação a que deu causa, conscientemente e com vontade expressa e formalizada em sentido contrário, conduzindo a uma solução que acaba por obrigar o contraente não faltoso no caso Ré/Recorrente, que não incumpriu definitivamente o contrato-promessa, a ficar vinculado ao cumprimento de um contrato definitivamente incumprido pela contra parte, Autora/Recorrida, em virtude de esta ter procedido à sua resolução mas de forma infundada/ilícita.

8. Estaríamos, assim, a premiar o contraente faltoso, que infundadamente resolveu o contrato e, em consequência, a penalizar o contraente que cumpriu, no caso sub iudice, a ora recorrente.

9. Estando em causa, além disso, contratos-promessa celebrados em 2014 é, assim, por demais evidente que a manutenção em vigor destes conduz a uma solução injusta, em detrimento, neste caso, da Ré/Recorrente.

10. No entender da Ré/Recorrente, o douto acórdão recorrido colide, pois, com valores sociais dominantes que o direito visa tutelar pois, no seu entender, ninguém pode ser obrigado a cumprir um contrato resolvido, ainda que de forma infundada, pela contraparte e que esta, portanto, já recusou cumprir de forma expressa e categórica (quer pela carta enviada em 05 de Outubro de 2015, quer pelo petitório formulado na presente ação).

11. Tal declaração configura um incumprimento e é pressuposto suficiente de consequências jurídicas imediatas, como a exigibilidade do cumprimento ou a resolução do contrato, sem passar pelo artigo 808º CCivil.

12. Constitui, no nosso entender, uma modalidade de inadimplemento a declaração feita por um dos promitentes de que não irá cumprir ou de que não o poderá fazer. Sendo por isso, que o incumprimento definitivo ocorre sempre que, independentemente de interpelação, o contraente manifesta, de forma clara e definitiva a sua intenção de não cumprir o contrato.

13. Ora, dos autos resulta inequivocamente, que a Autora/Recorrida não tem qualquer interesse, vontade e intenção no cumprimento dos contratos promessa, comportamento que é manifestado, por um lado na carta enviada à Ré/datada de 05 de Outubro de 2015 e, por outro no petitório formulado na petição inicial, designadamente os constantes das seguintes alíneas: b) ser julgados resolvidos os contratos por incitava da Autora, declaração que deve considera-se efetuada à Ré na data da interpelação judicial remetida pela Autora a 5 de Outubro e recebida a 7 de Outubro de 2015 e c) Ser condenada a Ré a restituir à Autora a quantia de € 80.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado, valor sobre o qual incidirão juros de mora à taxa legal contados desde o décimo primeiro dia após a interpelação e até efetivo e integral pagamento.

14. Assim, no caso em apreço, a declaração resolutiva produziu os seus efeitos na sequência do seu recebimento, dado tratar-se de declaração receptícia - i.é. sendo efetuada por simples declaração à outra parte, nos termos prescritos no artigo 436º nº 1 do CCivil, não carece de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial ela torna-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, como é característico das declarações negociais receptícias ou recipiendas (artigo 224º nº 1 do CCivil) - e, deste modo, operou-se a resolução definitiva dos contratos-promessa, independentemente desta ser lícita/fundada ou não.

15. Ora, sendo deste teor as implicações jurídicas que o comportamento da Autora/Recorrida arrastou, ao tomar a iniciativa de, primeiro, e, preliminarmente, à presente ação, comunicar à Ré/ora Recorrente a resolução do contrato, por carta datada de 5 de Outubro de 2015 (facto 12 da matéria dada como provada) e dela exigir o sinal em dobro e, posteriormente, propô-la, formulando essas mesmas pretensões, manifesta ela, de forma clara, séria e inequívoca, a sua intenção de não cumprir a sua parte no contrato.

16º Esta manifestação de vontade expressa, pela Autora/Recorrida, na carta de 05 de Outubro e no petitório da Petição Inicial, que deu origem aos presentes autos, não deixa, por isso, de ser concludente no sentido sufragado (artigo 217º nº 2 do CCivil), constituindo-se como causa de incumprimento definitivo por banda da Autora/Recorrida, conferindo à Ré/Recorrente o direito de resolução do contrato e de fazer sua a quantia entregue, a título de sinal - Cfr. Neste sentido, além da jurisprudência já citado, v.g, Ac. STJ de 20.05.2010, pº. 69/10, entre outos.

17. Assim, por tudo o exposto, impõe-se uma decisão inversa da recorrida e que julgue a reconvenção totalmente procedente, como o fez o tribunal de primeira instância, declarando-se perdido a favor da Ré/Recorrente o sinal prestado pela Autora/Recorrida em ambos os contratos-promessa, no montante total de € 40.000,00, por aplicação do regime estatuído no artigo 442º nº 2, do CCivil.

18. O Tribunal da Relação do Porto ao ter decidido, como decidiu, que os contratos-promessa infundadamente e ilicitamente destruídos pela Autora/Recorrida se deveriam manter em vigor e, ao não aplicar o regime sancionatório supra referido, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 442º, nº 2, 236º e 762º, nº 2, do Código Civil.

                                                           +

A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Recusa de cumprimento das promessas por parte da Autora,

- Procedência da reconvenção.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes (com a modificação feita operar pelo tribunal recorrido):

1. A 23 de julho de 2014, autora e ré celebraram contrato-promessa de compra e venda de bens futuros, nos termos do qual a ré prometeu vender e a autora prometeu comprar, a fração autónoma provisoriamente identificada pela letra “D” destinada a habitação, localizada no 1.º andar traseiras, do prédio urbano a constituir em regime de propriedade horizontal, pelo preço total de €72.500,00 (setenta e dois mil e quinhentos euros)

2. A título de sinal e princípio de pagamento a autora pagou à ré, naquela data, a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) ficando acordado que o remanescente do preço seria pago por duas vezes, a primeira no montante de €15.000,00 (quinze mil euros) a título de reforço de sinal, quatro meses após a assinatura daquele contrato e a segunda, no montante de €37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) no ato da escritura pública de compra e venda;

3. Na mesma data, celebraram também a autora e a ré um segundo contrato de promessa de compra e venda de bens futuros, nos termos do qual a ré prometeu vender e a autora prometeu comprar, a fração autónoma provisoriamente identificada pela letra “B” destinada a habitação, localizada no rés-do-chão traseiras, do prédio urbano a constituir em regime de propriedade horizontal, pelo preço total de €77.500,00 (setenta e sete mil e quinhentos euros) - conforme contrato promessa que se junta como documento n.º 2 da petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido;

4. A título de sinal e princípio de pagamento a autora pagou à ré, naquela data, a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) ficando acordado que o remanescente do preço seria pago por duas vezes, a primeira no montante de €15.000,00 (quinze mil euros) a título de reforço de sinal, quatro meses após a assinatura daquele contrato e a segunda, no montante de €42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros) no ato da escritura pública de compra e venda;

5. Ficou estabelecido na cláusula terceira de ambos os contratos-promessa o seguinte:

“1. A escritura pública de compra e venda será celebrada logo que toda a documentação do prédio (licença de utilização e certificado energético) esteja na devida ordem, mas esperando que tal aconteça até ao dia 31 do mês de março do ano de dois mil e quinze.”;

2. A marcação da escritura é da competência da primeira contraente que se comprometeu a informar a segunda contraente, por carta registada com aviso de recepção… com a antecedência mínima de 10 dias com indicação do dia, hora e local da celebração, devendo ambas as partes entregar atempadamente todos os documentos necessários à sua realização…“.

6. Ficou estabelecido na cláusula quarta de ambos os contratos-promessa o seguinte:

“Os contraentes acordam em submeter o presente contrato à seguinte condição resolutiva:

a) se a Câmara Municipal do Porto não aprovar o projecto nos termos propostos, verificar-se-á a condição resolutiva prevista no número 1 desta cláusula e consequentemente será revogado o presente contrato-promessa, obrigando-se o promitente vendedor a devolver em singelo à promitente compradora o valor recebido a título de sinal, nada mais lhe sendo devido por força deste contrato ou sua revogação.“.

7. Convencionaram ainda as partes, na cláusula sétima de ambos os contratos-promessa, o seguinte:

“1. A primeira contraente terá direito, em caso de incumprimento definitivo do presente contrato imputável à segunda contraente, a fazer suas, todas as quantias recebidas, a título de sinal.

2. Sem prejuízo do disposto na cláusula quarta do presente contrato, a segunda contraente terá direito, em caso de incumprimento definitivo deste contrato imputável ao primeiro contraente, a exigir a restituição em dobro das quantias entregues a título de sinal.

3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, e portanto em alternativa, qualquer dos contraentes poderá exigir a execução específica do presente contrato-promessa, nos ermos do art.º 830º do C. Civil, considerando que a tanto se não opõe a natureza das obrigações assumidas”.

8. As frações prometidas comprar e vender seriam construídas no prédio urbano melhor identificado na alínea a) dos Considerandos dos contratos promessa juntos, estando em curso naquela data obras de reconfiguração e restauro interior e exterior, e sobre o qual seria constituída a propriedade horizontal;

9. Prédio que a ré, por contrato promessa de compra e venda de bem futuro, celebrado a 15 de abril de 2014, havido prometido comprar à sociedade CC, S.A., na qualidade de prometida dona e legítima proprietária, e celebrar a escritura pública de compra e venda seria até 180 dias após aquela data;

10. O prédio onde se situam as frações prometidas vender e comprar, mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º …, como prédio urbano, sito na Rua …, n.º … a .., da união de freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória, concelho do Porto e tem a seguinte descrição “Morada de casas de três andares para a frente e quatro para as traseiras com 83 m2, dependência com 14 m2 e pátio, sito em Cedofeita, na Rua do Almada n.º … a … “- tudo conforme melhor resulta da Certidão Permanente emitida pela Conservatória do Registo Predial do Porto, acessível mediante introdução do código PP-…..., que aqui se dá por integralmente reproduzida e que constitui o documento nº 3 junto com a petição inicial de onde constam os sucessivos averbamentos nele mencionados e que aqui se também se dão por integralmente reproduzidos; aditando-se os averbamentos constantes do documento junto em sede da presente audiência prévia que aqui se também se dão por integralmente reproduzidos.

11. A autora pagou, por força do contrato prometido, até esta data, à ré, a título de sinal, a quantia de €40.000,00 (conforme documentos que se juntam com os nº 4), €20.000,00 por cada fração, no pressuposto de que iria adquirir duas frações autónomas destinadas a habitação;

12. A autora, remeteu a 5 de Outubro de 2015, à ré a carta que constitui o documento nº 5 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzida, nomeadamente na parte em que a autora declara que “…por todo o exposto, deverão considerar resolvidos os contratos promessa supra referidos, com efeitos imediatos, e, em consequência, deverá ser-me restituído em dobro o valor que prestei a titulo de sinal e princípio de pagamento em cada um daqueles contratos. Aguardo pelo prazo de dez dias, a restituição da quantia…” - carta que a ré recebeu no dia 07 de outubro seguinte;

13. Por carta registada com a/r, datada de 19 de Outubro de 2015, a ré respondeu àquela missiva, invocando que “… a sociedade ora signatária não incorreu em mora nem em incumprimento definitivo no que concerne à realização da obrigação por ela assumida nos contratos promessa supra referenciados. Pelo exposto, atendendo ao convencionado, não há lugar à restituição do sinal pago, em singelo e por maioria de razão não há restituição do sinal em dobro…”.

14. A ré manteve negociações com a sociedade CC, SA e demais herdeiros.

15. No sentido de pressionar para a existência de acordo, em 24 de Junho de 2015, a ré requereu habilitação de adquirente e cessionário, no âmbito do referido processo de inventário.

15. A autora teve conhecimento do andamento dessas mesmas negociações.

16. No início de Setembro de 2015 foi transmitido à autora, pelo legal representante da ré, que as partes (herdeiros) estariam na iminência de um acordo, no âmbito do referido processo de inventário.

17. A autora, até à data da propositura da presente acção, não interpelou a ré para o término dessas mesmas obras.

18. As obras no prédio encontravam-se a decorrer normalmente.

19. Nunca foi dado nenhum prazo pela autora à ré, para o cumprimento da sua prestação.

20. A autora fez notar à ré, interesse e expectativa em adquirir as referidas fracções, motivados por circunstâncias da sua vida particular e pela localização geográfica do imóvel, no centro histórico da cidade, por se tratar de zona onde é sabido existir grande procura de imóveis para compra e arrendamento.

21. A autora destinaria um dos imóveis a arrendamento – tendo já interessada – e o outro à sua própria habitação (ou de sua irmã).

22. Em 2 de Dezembro de 2015, as partes (herdeiros) lograram transigir no processo de inventário, transação que foi homologada por sentença, aguardando-se apenas o registo da aquisição por parte da sociedade CC, SA, para que todos os contratos-promessa pudessem ser integralmente cumpridos.

23. Desde a data prevista para a conclusão dos contratos definitivos, 31 de Março de 2015, tem a autora concedido vários prazos suplementares para a sua celebração em reuniões realizadas a pedido da autora.

24. A autora nunca liquidou à ré o montante de €30.000,00 (€15.000,00 x 2 frações), a título de reforço de sinal.

25. À data da propositura da ação ainda não havia sido transferida para a Ré a propriedade do imóvel.

De direito

Está em causa apenas o mérito do pedido reconvencional.

Diferentemente do que sucedeu na 1ª instância, o tribunal ora recorrido entendeu que os contratos-promessa não se extinguiram por força da resolução feita operar pela Autora, apesar de infundada, e daqui que não haveria que fazer atuar o regime do sinal como pretendido pela Ré.

É contra este entendimento que se insurge a Ré.

Sustenta a Recorrente que a declaração resolutiva emitida pela Autora através da carta de 5 de Outubro de 2015 representa (ou deverá ser equiparada a) uma recusa antecipada e definitiva de cumprimento das promessas, logo incorreu a Autora em incumprimento definitivo dos contratos.

Mais sustenta que a declaração resolutiva da Autora foi infundada, mas é válida e produz efeitos no confronto da Ré, não gerando quaisquer direitos para a Autora mas permitindo à Ré fazer seu o sinal, pois que representa para todos os efeitos o propósito inequívoco de não cumprimento das promessas.

Observa também que a declaração não carecia de ser confirmada ou ratificada judicialmente, tornando-se eficaz logo que chegou ao poder da destinatária, como é próprio das declarações receptícias.

Ora, que a declaração resolutiva da Autora foi infundada, é coisa de que não duvidamos. Isso mostra-se assumido na sentença da 1ª instância e no acórdão recorrido, razão pela qual improcedeu a ação, e nada disto está aqui já em discussão.

Também não duvidamos que a declaração em causa, de natureza potestativa, se traduziu numa declaração unilateral e receptícia tendente à extinção dos contratos, tornando-se eficaz logo que chegou ao poder da destinatária.

Ainda, não duvidamos que a resolução não demandava qualquer intervenção judicial constitutiva-condenatória, mas apenas admitia, e como aliás sucedeu, uma subsequente (controlo a posteriori) intervenção judicial certificativa (simples apreciação).

Cremos, porém, que a Recorrente carece de razão quando pretende que a declaração resolutiva emitida pela Autora representa (ou deverá ser equiparada a) uma recusa antecipada e definitiva de cumprimento das promessas, e, como assim, que incorreu em incumprimento definitivo dos contratos, a justificar a perda dos sinais constituídos.

Isto pelo seguinte:

Como é sabido e consabido, a resolução do contrato é uma forma de extinção ou destruição do vínculo contratual válido, mediante declaração receptícia (torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida), unilateral, irrevogável e potestativa. Quando não convencionado de outro modo pelas partes, depende de um fundamento legal e tem por pressuposto necessário a ocorrência de circunstâncias (subjetivas ou objetivas) posteriores à conclusão do contrato frustrantes do interesse da sua execução ou desequilibradoras da relação de equivalência económica entre as prestações. Como decorrência de um direito potestativo, a declaração resolutiva traduz-se no poder de, pela simples manifestação de vontade do declarante, produzir efeitos jurídicos que se projetam inelutavelmente na esfera jurídica do declaratário, sem que este o possa impedir. Como nos diz Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed., pp. 584 e 585), o declaratário fica numa situação de sujeição (isto por oposição a adstrição a um dever jurídico).

Se o devedor declara antecipadamente não estar disposto a cumprir a obrigação que assumiu, ou se adota um qualquer comportamento que revela inequívoca ou categoricamente a intenção de não cumprir a prestação, incorre desde logo em incumprimento, a qualificar como definitivo. Neste caso, o credor fica automaticamente legitimado a resolver o contrato, não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (ou, no limite, havendo já mora do devedor, fica liberto da compulsão de transformar a mora em incumprimento definitivo habilitante da resolução). Trata-se de ponto frequentemente afirmado na literatura jurídica (v., por todos, e sem necessidade de apelar aqui a toda uma produção doutrinária e jurisprudencial reiterada e quase inabarcável, Carlos Ferreira de Almeida, “Recusa de cumprimento declarada antes do vencimento…”, in Estudos em Memória do Prof. Doutor João de Castro Mendes, pp. 314 e seguintes; Calvão da Silva, “A Declaração da Intenção de não Cumprir”, in Estudos de Direito Civil e de Processo Civil, pp. 137 e 138; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7 ed., p. 258, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª ed., pp. 137 e 138).

No caso vertente é verdade que a Autora pretendeu extinguir os contratos, resolvendo-os, invocando inclusivamente (como consta da carta de resolução) a sua perda de interesse na manutenção deles e exigindo a entrega dos sinais em dobro (“….perdi objetiva, efetiva e completamente, o interesse na celebração dos negócios … Por todo o exposto, deverão considerar resolvidos os contratos promessa supra referidos, com efeitos imediatos e, em consequência, deverá ser-me restituído em dobro o valor que prestei a título de sinal e princípio de pagamento em cada um daqueles contratos”).

Contudo, só pode falar-se, com um mínimo propriedade, em recusa antecipada de cumprimento quando, precisamente, o devedor se recusa a cumprir (ou seja, opta por não cumprir). E isto acontece quando o devedor, culposamente, ou não quer já cumprir (por razões próprias, de sua exclusiva e arbitrária autodeterminação) ou não pode cumprir (por não ter adquirido ou por ter perdido as condições necessárias de o fazer). Não já quando, querendo e podendo normalmente cumprir, resolve o contrato como reação à representação, ainda que infundada, de inadimplência que faz do desempenho contratual da contraparte. Como se aponta no Acórdão deste Supremo de 31 de Maio de 2005 (processo nº 05B1494, relator Luis Fonseca, disponível em www.dgsi.pt), “Para se concluir que uma declaração de resolução de um contrato promessa cujas razões invocadas se verificou não terem fundamento constitui uma recusa de cumprimento, há que apurar qual foi a intenção do declarante da resolução do contrato”.

No caso vertente nada desponta provado que indique que a Autora não quis ou não pôde cumprir as promessas (muito pelo contrário, mostra-se que tinha todo o interesse nos contratos, como resulta do facto do ponto 23), de sorte que não parece adequado falar-se em rompimento definitivo dos contratos e em recusa antecipada de cumprimento. O que se mostra, ao invés, é simplesmente, repetindo, que a Autora pretendeu pôr termo aos contratos como reação à representação que fez do comportamento supostamente inadimplente da Ré.

E é nesta perspetiva que deve ser equacionada no caso a aplicação do nº 1 do art. 236º do CCivil, convocado pela Recorrente. Esta norma consagra a chamada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário. Ora, uma pessoa com estas características interpretaria a posição da Autora nos termos sobreditos, e não como manifestação de um propósito de não querer (por razões próprias, de sua exclusiva e arbitrária autodeterminação) ou não poder (por não ter adquirido ou por ter perdido as condições de o fazer) cumprir os contratos. De resto, foi assim que a Ré interpretou as coisas, pois que na carta de resposta à carta resolutiva significou tão-somente não concordar com a resolução, não resolvendo, por seu turno, os contratos nem reclamando fazer seus os sinais que recebera.

Donde, julgamos que não se poderá concluir por um incumprimento contratual antecipado e definitivo por parte da Autora e, consequentemente, pela procedência da reconvenção. Ao invés, afigura-se que o comportamento da Autora, pois que não deixa de ser ilícito e culposo (violador dos contratos), se pode equiparar (isto partindo do princípio, que os factos porém não revelam, que a promitente-vendedora se colocou entretanto em condições de cumprir as promessas), isso sim, a uma situação de mora (sobrestação indevida no cumprimento).

É certo que para alguma doutrina, a declaração de resolução ilegítima (infundada) destrói a relação contratual no momento em que se torna eficaz. Neste sentido se conduzem, com maior ou menor ênfase, Assunção Cristas (Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, II, pp. 53 e seguintes), António Pinto Monteiro (Direito Comercial, Contratos de Distribuição Comercial, pp. 149 e seguintes), Brandão Proença (A Resolução do Contrato no Direito Civil, 1982, p. 165; Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, p. 293), Pedro Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, p. 209), Calvão da Silva (Estudos de Direito Civil e Processo Civil, Pareceres, p. 137; Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 323). Particularmente vernáculo é o entendimento de Assunção Cristas, quando afirma (p. 78) que “… o contrato não se mantém e os efeitos que porventura possam vir a ocorrer resultam de um cumprimento forçado e não da manutenção puramente artificial do contrato. Não fará sentido (…) falar em extinção irreversível ou reversível do contrato, consoante a resolução tenha ou não justificação. O cumprimento forçado, a ocorrer, não encontra a sua razão de ser num contrato que afinal se mantém, mas é efeito do próprio incumprimento da obrigação em causa. A fonte do direito do credor é legal e não já convencional. Não faz, pois, sentido procurar manter judicialmente um contrato resolvido por declaração de uma parte à contraparte. Resolvido o contrato infundadamente, e excluindo os casos em que possa haver lugar ao cumprimento forçado da prestação em falta (que, contudo, não corresponde a um renascimento do contrato), resta a via indemnizatória para reparar os danos produzidos”.

Mas o ponto não é linear.

Já para Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, p. 1675, nota 4861), se a declaração resolutiva é carecida de fundamento jurídico e o declarante não é titular do correspondente direito potestativo, então estamos perante a ineficácia da declaração, por isso que inexiste o direito de resolução. Neste caso, não havendo direito de resolução, não pode haver lugar à extinção do contrato, sendo que a sentença que reconhece a inexistência de fundamento de resolução tem como efeito a declaração de que o contrato não se extinguiu[1]. Este ponto de vista é subscrito por Joana Farrajota (A resolução do Contrato sem Fundamento, Almedina, Teses de Doutoramento, p. 54). Em outro escrito (Os efeitos da Resolução Infundada por Incumprimento do Contrato, Dissertação para Doutoramento em Direito Privado pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa[2], pp. 209 e seguintes), esta autora reitera o entendimento de que a resolução infundada constitui um ato ilícito, e, como tal, não é válida, deixando de ser apta a produzir (total ou parcialmente) os efeitos pretendidos pelo autor da declaração.

Também Pedro Romano Martinez, apesar de defender como princípio que a resolução infundada tem efeito extintivo do contrato, esclarece (ob. cit., pp. 209 e 210) que se a relação contratual cuja resolução foi judicialmente declarada ilícita ainda pode ser executada, o vínculo obrigacional subsiste, mantendo-se o contrato. Igual ideia desponta na doutrina de Brandão Proença (A Resolução…, ob. cit., p. 165), embora descartando o caso de haver culpa, quando observa que “… a declaração de resolução feita no pressuposto do incumprimento alheio infundado, também não pode conduzir (…) a uma decisão judicial que coloque o declarante em estado de incumprimento (face a uma representação infundada e não culposa do incumprimento da contraparte) em vez de manter a eficácia do contrato entre as partes”.

Calvão da Silva (Sinal e Contrato-Promessa, 14ª ed., pp. 127 a 129), depois de afirmar que “se o comportamento do devedor exprime o real, o firme e deliberado propósito de que não cumprirá por não querer ou não poder, não se justifica que o credor tenha de aguardar a data do vencimento para poder lançar mão dos meios jurídicos que lhe permitam desvincular-se do contrato”, aduz o seguinte: “Naturalmente, a declaração ou o comportamento inequívoco de não cumprir pode ser o do promitente-comprador, por exemplo: recusa persistente, reiterada e terminante de outorgar a escritura pública do contrato prometido; declaração resolutória, caprichosa ou arbitrária, sem justificação ou fundamento – o que não acontecerá se o promitente-vendedor estava em falta, alegada (legítima ou ilegitimamente) para a fundamentar: esta declaração resolutiva não poderá valer como recusa séria, perentória e definitiva de cumprimento”. Este último inciso ajusta-se rigorosamente ao caso vertente.

Com préstimo para a discussão em causa, diga-se que neste Supremo Tribunal de Justiça já se concluiu (acórdão de 5 de Fevereiro de 2015, processo nº 269/12.8TCFUN.L1.S1, relator Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt) que “não se reconhecendo a validade da resolução fundada na (…) cláusula resolutiva expressa, subsiste o contrato-promessa; tal declaração resolutiva, efetuada nesse contexto, não equivale sem mais a uma declaração de vontade de não cumprimento definitivo do contrato-promessa subsistente”.

Diferente visão se teve, é certo, em outra mais jurisprudência. Assim:

- “não existindo uma situação de mora contratual da responsabilidade da ré e não existindo incumprimento definitivo nos termos invocados pela autora, esta não tem direito e consequente fundamento legal para resolver o contrato promessa de compra e venda com base na perda de interesse, que não logrou demonstrar (…). E sendo assim, a autora na qualidade de promitente compradora tem de assumir a responsabilidade pelo rompimento do contrato promessa em apreço, quando infundadamente resolveu o contrato, o que, no caso configura uma situação de incumprimento definitivo por banda da autora, circunstancialismo que, no caso dos autos, implica que a ré, como promitente vendedora, tenha direito a fazer seu o sinal entregue nos termos do art. 442.º n.º 2, do CC.” (Acórdão de 15 de Janeiro de 2015, processo nº 473/12.9TVLSB.L1.S1, relator Tavares de Paiva, disponível www.dgsi.pt);

- “A declaração resolutiva produz seus efeitos na sequência do seu recebimento, dado tratar-se de declaração receptícia e, deste modo, opera-se a resolução definitiva do contrato, independentemente desta ser lícita ou não. (…) [O autor] ao tomar a iniciativa de, primeiro, e, preliminarmente, a esta acção, comunicar aos RR a rescisão do contrato e deles exigir o sinal em dobro e, posteriormente, propô-la, formulando essas mesmas pretensões, manifesta ele, de forma clara, séria e inequívoca, a sua intenção de não cumprir a sua parte no contrato. Esta manifestação de vontade, se bem que tácita, não deixa, por isso, de ser concludente nesse sentido (…) constitui-se como causa de incumprimento definitivo por parte do A. e confere aos RR o direito de resolução do contrato e de fazer sua a quantia entregue, a título de sinal”. (Acórdão de 10 de Janeiro de 2012, processo nº 25/09TBVCT.G1.S1, relator Martins de Sousa, disponível em www.dgsi.pt);

- “A declaração resolutiva, sendo uma declaração receptícia, produz os seus efeitos logo que recebida pela contraparte, ficando resolvido definitivamente o contrato, independentemente de tal resolução ser legal ou ilegal”. (Acórdão de 22 de Março de 2011, processo nº 4015/07.0TBVNG.P1.S1, relator Moreira Alves, disponível [só o sumário] em www.dgsi.pt);

- “[A] declaração de resolução, devidamente notificada ao devedor, tem de considerar-se eficaz, fazendo cessar a relação contratual que existia entre as partes: trata-se de uma declaração receptícia, que se torna definitiva e irrevogável a partir do momento em que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (art. 224º).

Aliás, mesmo que fosse infundada, pode entender-se que a declaração de resolução não deixaria de ser eficaz, no que respeita à insubsistência do vínculo contratual. (…)

Mesmo que assim se não entenda, sempre seria de considerar, como tem sido entendido, que a declaração de resolução, mesmo que infundada e ilegítima, corresponde a uma recusa de execução do contrato, equivalendo a uma declaração séria e firme de não cumprir.

Tal declaração deve ser equiparada a uma declaração antecipada e irreversível de incumprimento, uma vez que, ao fazê-la, o declarante afirma em termos categóricos e definitivos que não outorgará o contrato definitivo; ou, pelo menos, tem implícita uma declaração inequívoca de não cumprimento do contrato, colocando o declarante em situação de incumprimento definitivo”. (Acórdão de 27 de Abril de 2017[3], processo nº 44/14.5T8VIS-B.C1.S1, relator Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt);

- “a resolução ainda que infundada faz cessar o contrato. (…)

[M]esmo que se entenda que a resolução infundada não é eficaz sempre se poderia considerar que uma declaração de resolução equivale a uma declaração antecipada de incumprimento do contrato (…). (Acórdão de 29 de Julho de 29 de Julho de 2016[4], processo nº 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1, relator Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido vai o Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2009 (processo nº 5679/06.7TVLSB.L1-8, relator António Valente, disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário se pode ler que:

- “A comunicação dos promitentes-compradores de que perderam o interesse na subsistência do contrato, decidindo assim resolvê-lo, sem que exista fundamento legal para isso, configura um incumprimento definitivo dos mesmos promitentes-compradores.

- O qual, nos termos do art. 442º nº 2 do Código Civil, confere ao promitente vendedor o direito de fazer sua a quantia adiantada a título de sinal”.

Pela nossa parte, vale o que acima ficou exposto, e que se poderá sintetizar da seguinte forma (tendo em vista que estamos a lidar com contratos-promessa): a declaração resolutiva infundada é apta a extinguir o contrato-promessa em curso, mas só representa um incumprimento definitivo quando significa o propósito de não querer ou não poder cumprir. Só nestes casos se poderá falar em incumprimento antecipado e definitivo do contrato-promessa, a justificar então a atuação do regime do sinal. Não é o que se passa quando a resolução emerge da representação, ainda que ilícita e culposa, que o declarante faz acerca da suposta inadimplência da contraparte, pois que este comportamento não representa (nem equivale a) uma recusa séria, perentória e definitiva de cumprimento. Nesta hipótese o contrato mantém-se, podendo a contraparte exigir o seu cumprimento (em espécie, sendo tal possível, ou através do sucedâneo indemnizatório), ou então resolvê-lo, posto que dentro do circunstancialismo do art. 808º do CCivil.

Passando ao caso concreto, vê-se (assim foi judicialmente certificado) que a resolução feita operar pela Autora foi infundada. Porém, desde que a resolução não teve o sentido de uma recusa séria, perentória e definitiva de cumprimento, os contratos-promessa não se extinguiram. Cremos que está correto o acórdão recorrido quando conclui que os contratos se mantiveram, e que a Ré, caso também pretendesse a sua resolução (o que, de resto, nem sequer pediu na reconvenção[5], limitando-se a pretender a declaração de incumprimento da Autora e a fazer seus os €40.000,00 dos sinais como efeito automático da resolução da Autora), teria de alegar e provar os respetivos fundamentos à luz do art. 808º do CCivil. O que de todo em todo não fez.

Improcede pois o recurso, não tendo o acórdão recorrido violado as normas legais que a Recorrente indica.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas do recurso.

                                                           +

Sumário

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Lisboa, 22 de Maio de 2018

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo

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[1] Este autor observa ainda que se se admitisse a extinção do contrato por efeito da resolução infundada, então estar-se-ia a impedir o credor de exercer o direito à execução específica (quando esta fosse possível), permitindo-se assim ao devedor que se quisesse eximir à execução pôr fim ao contrato, resolvendo-o mesmo sem para tanto ter fundamento. Mais observa o autor que, tendo em vista que a obrigação de indemnizar depende de culpa, sempre que o comportamento do devedor ao resolver infundadamente o contrato não fosse culposo, deixar-se-ia o credor sem qualquer proteção
[2] Documento acedido em https://run.unl.pt/bitstream/.../18555/1/Farrajota_2013.pdf
[3] O relator do presente acórdão subscreveu, como adjunto, este acórdão. Embora as circunstâncias de facto tratadas nos dois acórdãos não seja idênticas, o relator esclarece que, revista a questão, lhe parece agora juridicamente mais consentâneo o entendimento vertido no presente acórdão.
[4] Idem
[5] Ainda que se possa entender que a invocação do incumprimento definitivo da Autora e a dedução da pretensão de fazer suas as quantias que recebeu, tem implícita a declaração de resolução dos contratos (v. a propósito o Acórdão deste Supremo de 10 de Janeiro de 2012 (processo nº 25/09TBVCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt) e Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 73.