Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FALCÃO DE MAGALHÃES | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO MANIFESTA FALTA DE TÍTULO LIVRANÇA | ||
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Data do Acordão: | 11/19/2019 | ||
Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DE EXECUÇÃO DE COIMBRA – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 10º, Nº 5, E 703º, Nº 1, AL. C) DO NCPC; ART.º 65º DO CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO E PORTARIA N.º 28/2000, DE 27/01; ARTº 75º LULL. | ||
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Sumário: | Não é de entender existir manifesta falta de título executivo – v.g., para assim alicerçar o indeferimento liminar do requerimento executivo -, quando, apesar de essa conclusão ser arrimada na interpretação que, das normas aplicáveis, faz determinada corrente da jurisprudência das Relações, existe, também nos Tribunais Superiores, expressiva corrente jurisprudencial contrária em que se pode confortar a defesa da exequibilidade do título. | ||
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Decisão Texto Integral: | Uma vez que, ponderada a questão suscitada no presente recurso, se afigura ser simples a respectiva resolução, passa-se a proferir Decisão sumária (Art.º 656º, 652º, n.º 1, al c), ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, doravante designado com a sigla NCPC, para o distinguir daquele que o precedeu e que se passará a referir como CPC). I - Relatório1: A) - O BANCO I..., S.A, instaurou, fundado em documento que apelidou de livrança, execução para pagamento de quantia certa, contra H..., para obter deste o pagamento coercivo do montante inscrito na livrança e os respectivos juros de mora. Para o efeito, alegou, em síntese: No exercício da sua atividade comercial «[…] celebrou com o ora Executado H... um Contrato de Crédito nº ... Como garantia das obrigações emergentes do contrato o Executado subscreveu e entregou a livrança em execução. Sucede que o Executado deixou de cumprir com as suas obrigações contratuais. Pelo que o Exequente procedeu ao preenchimento da livrança no montante de €10.622,94 (dez mil, seiscentos e vinte e dois euros e noventa e quatro cêntimos) conforme estipulado na autorização de preenchimento. * C) O Exequente, notificado que foi desse despacho, dele interpôs recurso, tendo este sido recebido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. II - No final da sua alegação recursória o Apelante ofereceu as seguintes conclusões: ... A sentença recorrida viola, entre outras disposições que V. Exas doutamente suprirão, os artigos 75.º LULL e 703º, nº 1, al. c) do CPC. Terminou assim: “...deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos…». III - As questões: Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no domínio da legislação pretérita correspondente, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 2). E a questão a solucionar consiste em saber se o requerimento executivo podia, com fundamento na manifesta falta de título, ser indeferido liminarmente. IV - Fundamentação: A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I supra. B)- De harmonia com o disposto no artigo 10º, nº 5, do NCPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e, consequentemente, o tipo, a espécie da prestação e da execução que lhe corresponde, bem como os limites dentro dos quais se irá desenvolver. A livrança consubstancia título de crédito que se encaixa na previsão do artº 703, nº 1, c), do NCPC (cfr. al. c) do n.º 1 do art˚. 46º do pretérito CPC). O artº 75º da LEI UNIFORME RELATIVA ÀS LETRAS E LIVRANÇAS (LULL), estabelece: «A livrança contém: 1 - A palavra "livrança" inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título; 2 - A promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada; 3 - A época do pagamento; 4 - A indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento; 5 - Nome da pessoa a quem ou a ordem de quem deve ser paga; 6 - A indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada; 7 - A assinatura de quem passa a livrança (subscritor).». Por sua vez, dispõe o artº 76º da mesma LULL: «O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzira efeito como livrança, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes. A livrança em que se não indique a época de pagamento será considerada pagável à vista. Na falta de indicação especial, o lugar onde o escrito foi passado considera-se como sendo o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do subscritor da livrança. A livrança que não contenha indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado ao lado do nome do subscritor.». A manifesta falta ou insuficiência de título executivo consubstancia, como é sabido, motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do artº 726º, nº 2, a), do NCPC (art.º 812º-E, nº 1, a), do pretérito CPC, na redacção que a este código foi dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro). O Exequente, no requerimento inicial, segundo o nosso entendimento, funda a execução, tal como alega, numa livrança – putativamente subscrita pelo Executado – a que não falta nenhum dos requisitos exigidos no artº 75º da LULL, não lhe faltando, também, qualquer dos requisitos que, nos termos do artº 76º, obstariam a que não produzisse efeito como livrança. As falhas que, ao documento oferecido como título executivo, são imputadas no despacho recorrido, para não o reconhecer como livrança e, consequentemente, para lhe negar força executiva, não têm, salvo o devido respeito, uma tal virtualidade. Efectivamente, concordamos inteiramente com o entendimento expresso no Acórdão da Relação do Porto de 29/4/2008 (Apelação nº 0821381)3, onde se escreveu o seguinte, que, “mutatis mutandis”, é aplicável ao caso “sub judice”: «[…] não é verdadeira a afirmação de que a Portaria n.º 28/2000 veio criar uma nova livrança ou um novo modelo de livrança. O único modelo legal de livrança, enquanto título cambiário, é o que se encontra definido no art. 75.º da LULL e não pode ser alterado unilateralmente pelo Estado Português enquanto estiver vinculado à Convenção de Genebra relativa à Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, de 7 de Junho de 1930, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 23721, de 29 de Março de 1934. A intervenção legislativa que neste domínio tem ocorrido incide apenas sobre o modelo de impresso a adoptar como letra e livrança. Modelo que visa tão só os aspectos relativos ao tipo, ao formato e às dimensões do papel, bem como à cor, à tinta e ao tipo de impressão e outros caracteres similares. Sem qualquer interferência nos requisitos formais e substanciais da livrança como título cambiário, a que alude o art. 75.º da LULL. E tal intervenção é justificada por motivos meramente burocráticos e de natureza fiscal, completamente à margem das características cambiárias da letra e da livrança. Motivos que têm que ver com a sua adaptação a tratamento informático e à cobrança do imposto de selo, como expressamente é enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 387-G/87, de 30 de Dezembro, que refere que “as alterações introduzidas pelo presente diploma visam a adaptação da Tabela Geral do Imposto de Selo à normalização da letra, tendo em vista o seu tratamento informático”. As mesmas finalidades têm sido realçadas nos preâmbulos das diversas portarias que, entretanto, têm sido publicadas com as alterações a esses modelos, de que são exemplo as Portarias n.º 142/88, de 4 de Março, 545/88, de 12 de Agosto, 233/89, de 27 de Março, n.º 1042/98, de 19 de Dezembro, e
O que se acabou de expor é o bastante, pois, para negar a possibilidade de, no presente caso, se ter indeferido liminarmente o requerimento executivo com base na manifesta falta de título executivo, o que desde logo justifica a revogação do despacho que assim decidiu. Afigura-se, assim, que, do exposto, poder-se-á sumariar o seguinte: “Não é de entender existir manifesta falta de título executivo – v.g., para assim alicerçar o indeferimento liminar do requerimento executivo -, quando, apesar de essa conclusão ser arrimada na interpretação que, das normas aplicáveis, faz determinada corrente da jurisprudência das Relações, existe, também nos Tribunais Superiores, expressiva corrente jurisprudencial contrária em que se pode confortar a defesa da exequibilidade do título”.
1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original. 3 Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”. 4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase. 5 Processado e revisto pelo Relator |