Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00653/07.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:CARLOS DE CASTRO FERNANDES
Descritores:IMPUGNAÇÃO;
PRESCRIÇÃO;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
Sumário:
I - A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, razão pela qual em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, sendo esta questão do conhecimento oficioso.

II – Não se dispondo dos elementos necessários para aferir da prescrição da dívida decorrente da liquidação em causa e não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual de impugnação, o Tribunal pode dela legitimamente não conhecer.

III – A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – «AA» (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou parcialmente improcedente a impugnação que deduziu contra as liquidações adicionais de IVA, relativas aos anos de 2002 (4.º trimestre), 2003 (1.º a 4.º trimestres) e 2004 (1.º e 2.º trimestres).

No presente recurso, o Apelante formula as seguintes conclusões:
1. A Recorrente aceita o decidido em a) do Dispositivo, não se conformando apenas com o decidido em b), que absolveu a Impugnada do pedido de anulação do ato de liquidação adicional de IVA relativo ao 2° trimestre de 2004, não estando de acordo com o decidido relativamente à liquidação adicional de IVA nº .........511 do montante de € 44.708,00.
2. O tribunal a quo andou bem quando considerou a existência de dois contratos, nomeadamente:
a) Um contrato de comodato do prédio pertencente à esfera jurídica do Impugnante e mulher, celebrado de forma gratuita, que está isento de IVA nos termos do nº 9 do artigo 29° do CIVA;
b) Um contrato de cessão de estabelecimento comercial efetuado pelo impugnante, na sua qualidade de empresário em nome individual, para a sociedade [SCom01..., Lda]., onde foram incluídos os bens móveis e as obras realizadas por remissão para as faturas nº ...01 e ...02, nos autos sob a forma de documentos nº 1 e 2 juntos à petição inicial de fls. ... - ....
3. O tribunal a quo sustentou na sua decisão que o Impugnante nada disse ou demonstrou quanto aos factos constitutivos da isenção de IVA nos termos do artigo 74° nº 1 da LGT quanto à liquidação adicional de IVA do 2° trimestre de 2004, porém, salvo o devido respeito pela opinião contrária, parece-nos que não lhe assiste razão. Isto porque,
4. Como se alcança da petição inicial, o Impugnante:
a) No item 26 alegou que "em 01/04/2004 vendeu móveis, utensílios, ferramentas, máquinas e instalações afetos à exploração do estabelecimento individual de turismo de habitação à sociedade [SCom01..., Lda]. pelo preço total de € 5.605,45 e de € 229.699,79, respetivamente."
b) No item 25 da petição inicial alega que tal venda estaria isenta de IVA por se subsumir ao previsto no nº 4 do artigo 3º do CIVA, como também se alcança das faturas nº ...01 e ...02, na forma de documentos nº 1 e 2 que juntou ao referido articulado.
c) No item 17 da petição inicial alega que a venda dos móveis, utensílios, equipamentos e instalações afetos à exploração do estabelecimento de turismo rural para a sociedade [SCom01..., Lda]. foi celebrada pelo Impugnante enquanto sujeito passivo de IRS, categoria B.
d) No ponto 16 da petição inicial também se alegou que o direito de utilização gratuita do prédio comodatado não prevê a utilização dos móveis, utensílios, equipamentos e instalações utilizados pelo Impugnante na exploração do estabelecimento comercial/industrial de turismo rural.
e) Na parte final do item 19 da petição inicial, o Impugnante alega que está isento de IVA ao abrigo do nº 4 do artigo 3º do CIVA, pois formaria um ramo de exploração (atividade) independente do prédio comodatado, e o adquirente é sujeito passivo de IVA.
f) E a final, sobre esta matéria, o Impugnante pediu no pedido A) que fosse declarada a inexistência dos factos tributários que serviram de fundamento às liquidações impugnadas e, consequentemente, a nulidade de tais liquidações, podendo a declaração de inexistência de um facto administrativo-tributário ser requerida a todo o tempo e por qualquer tribunal declarada.
5. Os bens discriminados nas faturas a que se referem os documentos nº 1 e 2 juntos à petição inicial desacompanhados do prédio comodatado não formam um ramo de atividade independente; mas tendo o prédio sido comodatado, a transmissão daqueles bens já consubstancia a cessão de estabelecimento, isenta do IVA ao abrigo do n° 4 do artigo 3º do CIVA.
6. Razão pela qual, o Impugnante conjuntamente com a esposa, comodataram o prédio que lhes pertence à sociedade Germano Costa Fonseca Lda., para posteriormente poderem transmitir o estabelecimento que nele já funcionava e que constituía um ramo independente de atividade, a de turismo rural; o que o Impugnante fez, na sua qualidade de empresário individual, e através das faturas ...01 e ...02 nas quais expressamente declarou que tais operações estão isentas ao abrigo do artigo 3º nº 4 do CIVA.
7. O Impugnante fez constar das referidas faturas o seguinte:
"Isenta ao abrigo do nº 4 do artigo 3° do CIVA. Os bens constantes da lista anexa a esta fatura constituem um estabelecimento ou ramo de estabelecimento suscetível de exercer um atividade e a sociedade adquirente está coletada em IVA."
Esta declaração beneficia do disposto no artigo 75° da LGT, segundo o qual se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita quando estas estiverem organizadas de acordo coma legislação comercial e fiscal.
8. As referidas faturas foram emitidas por «AA», contribuinte nº ...77, enquanto proprietário do estabelecimento comercial de turismo rural denominado "Casa ..." e enquanto sujeito passivo de IVA, e nelas o Impugnante declarou que os bens assim transmitidos constituíam um ramo de atividade independente. Essas declarações constam das escritas organizadas, quer do estabelecimento individual «AA» quer da sociedade [SCom01..., Lda].
9. Como se alcança do processo administrativo junto aos autos, a AT não pôs em causa os elementos de escrita da contabilidade organizada quer do estabelecimento individual «AA» quer da sociedade [SCom01..., Lda].; a AT não provou em parte alguma, como estava obrigada pelo artigo 74° da LGT, que os bens discriminados nas referidas faturas constituíam o ramo de atividade independente que o adquirente se encontrava a explorar.
10. O tribunal a quo apenas reconhece que a AT sustentou a alegação, sem o provar, de que os bens transmitidos descritos nas faturas não constituem um ramo de atividade independente (que se encontrava a ser explorado pelo Impugnante).
11. A AT caracterizou o Impugnante como sujeito passivo de IVA com início em 01/01/2000 na atividade de turismo em espaço rural como empresário individual coletado pela categoria B do IRS até 12/01/2006 (ponto 2 da petição inicial).
12. A AT aceitou que o Impugnante se encontrava coletado em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral (ponto 4 da petição inicial).
13. Ficou provado nos autos (facto 4) que a primeira contratante («AA» e mulher) entrega à segunda contratante ([SCom01..., Lda].), que os recebe, 4 quartos duplos, 1 cozinha, 1 sala de estar e sala de refeições e piscina instalados na fração identificada na cláusula primeira, que se destinam à atividade de turismo rural, não lhe podendo dar outro uso ou destino.
14. Permanece, pois, a dúvida sobre a existência do ato de liquidação adicional de IVA relativo ao 2° trimestre de 2004, já que de todo o processo não resulta qualquer prova feita pela AT de que os bens constantes das faturas não constituem um ramo de atividade independente. Por isso, entendemos que nos termos do artigo 100° do CPPT, o tribunal deveria ter determinado a nulidade da liquidação do segundo trimestre de 2004, conforme o pedido A), e no qual foi incluído.
15. Sobre a liquidação do 2° trimestre de 2004 já decorreram mais de 12 anos, pelo que, tal liquidação já prescreveu pelo decurso do tempo, ao abrigo do disposto no artigo 49° n° 2 da LGT, na redação vigente à data da liquidação adicional em causa, das reclamações e da impugnação, nomeadamente, o DL 398/98, de 17/12.
16. Concretamente, o Impugnante apresentou reclamação graciosa em 01/03/2006. O despacho proferido em 22/09/2008, por «BB», da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa do Serviço de Finanças de ...-1, reconheceu que o então reclamante e ora Recorrente, apresentou reclamação em 01/03/2006. Por facto não imputável ao reclamante, a respetiva decisão só foi proferida em 11/09/2008 e notificada ao reclamante em 22/09/2008. O que fez cessar a interrupção e a suspensão da prescrição prevista no nº 1 do artigo 49° da LGT, na redação vigente à data, somando-se neste caso o tempo que decorrer após esse período ao tempo que tiver decorrido até à data da autuação.
17. Parecem estar reunidos os pressupostos legais previstos no nº 2 do artigo 49° da LGT, na redação vigente naquela data correspondente ao DL 398/98, de 17/12, para declarar prescrita a dívida impugnada.
18. Por outro lado, o processo de impugnação foi instaurado em 15/03/2007. A sentença foi proferida em 29 de Maio de 2016, isto é, mais de 9 anos depois. Ao longo dos autos, o processo esteve parado mais de um ano, por culpa não imputável ao Impugnante.
19. Também os processos executivos n° .....................264 e .......................164 e Apensos instaurados para a cobrança das liquidações adicionais impugnadas estiveram parados, e sem garantia, por período superior a 1 ano. De facto, quando a garantia foi prestada já os processos executivos estavam parados há mais de 1 ano. O que fez cessar a interrupção e suspensão da prescrição prevista no nº 1 do artigo 49° da LGT.
20. Para efeitos da contagem do prazo de prescrição e do prazo de interrupção, torna-se necessário a junção aos autos dos referidos processos executivos.
21. O tribunal encerra contradição na sua fundamentação, na medida em que considera que cabia à AT o ónus da prova (artigo 74º nº 1 da LGT) dos factos que constituem o direito de emitir o ato de liquidação adicional (onde incluiu o ato de liquidação relativo ao 2º trimestre de 2004), que não logrou efetuar. E, por outro lado, não tendo a AT feito cessar a presunção de veracidade das declarações do Impugnante, posterga esse facto, decisivo, e valida a liquidação adicional assente no facto de se tratar de duas operações de venda tituladas pelas faturas acima referidas. Para tanto, adere ao argumento utilizado pela AT, segundo o qual os bens discriminados nas faturas, só por si, não permitem constituir o ramo de atividade independente que o adquirente se encontra a explorar, o que afasta a aplicabilidade da exceção a que se refere o artigo 3º n° 4 do CIVA.
22. A nosso ver, este argumento não colhe porque:
a) Primeiro, não sabem os autos se o estabelecimento comercial de turismo rural tinha na data em que os bens foram vendidos outros bens além dos discriminados. E se não existiam, o estabelecimento foi cedido na totalidade (quanto aos bens corpóreos) à sociedade comercial comodatária;
b) Depois, porque o prédio é do Impugnante, não pertencendo à sociedade comercial [SCom01..., Lda].
c) E ainda, o mais importante, porque tal como se retira do articulado de resposta às exceções deduzidas na contestação, o Impugnante o que pretendeu foi transmitir o estabelecimento comercial como um todo.
d) Por isso, não deve nem pode o tribunal a quo na sua apreciação crítica e na aplicação do direito, e com o sentido que se retira da decisão, por um lado, considerar a existência de uma cessão de estabelecimento comercial, e por outro lado, entender que as faturas (pela forma como se apresentam) não permitem constituir o ramo de atividade independente de turismo rural, para afastar a exceção prevista no artigo 3º n° 4 do CIVA. Apenas e só com objetivo de coletar imposto, onde ele não é devido.
23. Por conseguinte, andou mal o tribunal, devendo ad quem considerar-se a aplicação da exceção prevista no artigo 3º n° 4 do CIVA relativamente à liquidação adicional recorrida.
24. A sentença não se pronunciou também sobre a apreciação do pedido de vício de lei por decurso do prazo de caducidade, com importância para o desfecho dos autos.
25. Foram violadas as seguintes normas jurídicas, entre outras:
a) Artigo 3° n° 4 do CIVA
b) Artigo 29° n° 9 do CIVA
c) Artigo 74° da LGT
d) Artigo 49° da LGT
26. Pelo exposto, cometeu o tribunal a quo erro de julgamento na apreciação da lide.
Termina o Recorrente pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, sendo revogada a sentença recorrida.
A Recorrida (RFP) apesar de regularmente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
*
Os autos foram com vista à digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo esta emitido parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 375 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

-/-


II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. O Impugnante é um empresário em nome individual, tributado pela categoria B de IRS, pela atividade de turismo no espaço rural, com o código CAE 55233 até 12.01.2006 (cfr. relatório de inspeção que aqui se dá por integralmente reproduzido, a fls. 17 e ss do p.a.).
2. O Impugnante encontra-se enquadrado no regime normal trimestral de IVA (cfr. relatório de inspeção, a fls. 21 do p.a.).
3. Em 22.08.2001, foi celebrado um contrato intitulado de “contrato de comodato”, entre «AA» e «CC», na qualidade de PRIMEIRA CONTRATANTE, e a sociedade “[SCom01..., Lda]”, na qualidade de SEGUNDA CONTRATANTE (cfr. cópia do contrato de fls. 68 e 69 do p.a.).
4. Do contrato referido em 3 consta, entre outros, o seguinte:
(…)
Cláusula Primeira
A PRIMEIRA CONTRATANTE tem a qualidade de proprietária e comodante do prédio urbano, denominado “"Casa ..."” composto de casa de dois pavimentos, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...18, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., daquela freguesia, inscrito a seu favor pela inscrição ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ....
(…)
Cláusula Terceira
A PRIMEIRA CONTRATANTE entrega à SEGUNDA CONTRATANTE, que os recebe, quatro quartos duplos, uma cozinha, uma sala de estar e sala de refeições e piscina instalados na fração identificada na cláusula primeira, que se destinam ao exercício da actividade de turismo rural, não lhe podendo dar outro uso ou destino.
(…)
Cláusula Quinta
Este empréstimo decorrerá desde 22 de Agosto de 2001, até 21 de Agosto de 2002, renovável por períodos iguais, até qualquer comunicação em contrário por carta registada com aviso de recepção ou protocolada dirigida pela PRIMEIRA CONTRATANTE à SEGUNDA CONTRATANTE no sentido da sua restituição.
(…)
Cláusula Sétima
Por se tratar de um Contrato de Comodato a SEGUNDA CONTRATANTE nada pagará à PRIMEIRA CONTRATANTE durante a vigência do contrato a título de renda da parte da casa composta por quatro quartos duplos, uma cozinha, uma sala de estar e sala de refeições e piscina.
(…)
(cfr. contrato de comodato a fls. 68 e ss do p.a.)
5. Em 31.03.2004, foi celebrada uma escritura pública de “doação”, entre «AA» e «CC», na qualidade de primeiros outorgantes, e «DD», na qualidade de segunda outorgante, através da qual os primeiros outorgantes doaram à segunda um prédio urbano e um prédio rústico, ambos descritos na Conservatória do Registo Predial ... pela inscrição ... e inscritos na respetiva matriz sob os artigos ...1 e ...29, respetivamente (cfr. cópia da escritura pública de fls. 36 e ss p.a.).
6. No dia 01.04.2004, foi emitida pelo Impugnante, à sociedade [SCom01..., Lda], a fatura com o n.º ...01, no valor global de 5.605,45 EUR, da qual consta a descrição “Venda de imobilizado conforme lista anexa” (cfr. fatura a fls. 8 dos presentes autos físicos).
7. Na lista anexa à fatura referida em 6 vêm identificados os seguintes bens: computador, Moto Serra, Telemóvel, Pratos, Torradeira, Balança WC, Bicicleta, Utensílios Jardim, Telemóvel, Painéis porta entrada, CPU Intel Pentium (cfr. lista a fls. 9 dos presentes autos físicos).
8. No dia 01.04.2004, foi emitida pelo Impugnante, à sociedade [SCom01..., Lda], a fatura com o n.º ...02, no valor global de 229.699,79 EUR, da qual consta a descrição “Obras conforme contrato empreitada e lista anexa” (cfr. fatura a fls. 10 dos presentes autos físicos).
9. Entre os dias 08.08.2006 e 03.11.2006, na sequência das ordens de serviço n.º OI2006......64 e OI2006.....65, teve lugar um procedimento de inspeção externa ao Impugnante, relativo aos exercícios dos anos de 2002 a 2005 (cfr. ordens de serviço a fls. 77 e 78 do p.a. e relatório de inspeção tributária a fls. 20 e ss do p.a.).

10. Na sequência da inspeção referida em 9, foi elaborado um projeto de relatório da inspeção tributária, que foi enviado ao Impugnante através do ofício n.º......74/0506, datado de 07.11.2006, para efeitos do exercício do direito de audição (cfr. ofício a fls. 79 do p.a.).
11. Em 16.11.2006, o Impugnante veio pronunciar-se sobre o projeto de relatório referido em 10 (cfr. pronúncia a fls. 242 e ss do p.a.).

12. Em 04.12.2006, foi elaborado um relatório definitivo da inspeção tributária referida em 9 o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. relatório da inspeção de fls. 17 e ss do p.a.).

13. Do relatório de inspeção referido em 12, consta o seguinte:
(…)
- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Em 22 de Agosto de 2001, o sujeito passivo «AA», celebrou com a empresa [SCom01..., Lda], um contrato de comodato (ANEXO 1), ou seja, cedeu temporária e gratuitamente a esta sociedade e por períodos de um ano, renováveis automaticamente, o direito à exploração da actividade de turismo rural, nas instalações por si adquiridas e beneficiadas em termos de benfeitorias para o efeito.
Em auto de declarações de 3/11/2006, o Sr. «AA», afirmou:
“Que o contrato de comodato tinha sido renovado anualmente, desde a data do seu início, e que o mesmo se mantinha em vigor na data da transmissão da propriedade, por doação, à sua filha, realizada em 7 de Abril de 2004. Mais disse, que o referido contrato ainda subsiste.”
Salienta-se o facto de os órgãos sociais do comodatário, serem constituídos por, «AA» e mulher «CC» e pela filha, «DD».
Trata-se assim de uma cessão temporária de estabelecimento comercial, o que constitui uma prestação de serviços, tributável nos termos do n.º 2 alínea b) do art.º 4º do CIVA. “As prestações de serviços a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista … a fins alheios à mesma.”
O Ofício Circulado ...50 de 21 de Novembro de 1989, refere: “O n.º 4 do art.º 3”, não contempla as cessões temporárias de estabelecimento comercial”, verificando-se desta forma a exclusão da isenção mencionada.
Com efeito, o facto de não ter sido estipulada uma contrapartida não determina a inexistência de uma prestação de serviços, ainda que efectuada a título gratuito e, como tal, tributada de acordo com as disposições atrás referidas, sendo o valor tributável calculado de acordo com a alínea c) do n.º 2 do artigo 16º do Código do IVA, em função do valor normal do serviço, definido no n.º 4 do mesmo preceito.
Tendo em vista a determinação do valor normal do serviço e correspectivamente das bases tributáveis das prestações de serviços sujeitas a imposto, recorreu-se por um lado a informação disponibilizada pela Internet, no que respeita a preços praticados no mercado de arrendamento de imóveis da mesma natureza e em idêntica área geográfica e, por outro, ao valor do investimento realizado pelo sujeito passivo com o empreendimento de turismo rural. (ANEXO II)
Assim, foi consultado o site da Internet, ..., casas rústicas para arrendamento, tendo sido obtidos 2 resultados (Anexo III)
(…)
No contrato de comodato em causa, é referido na cláusula terceira, que a primeira contratante cede à segunda, quatro quartos duplos, uma cozinha, uma sala de estar, sala de refeições e uma piscina, que se destinam ao exercício da actividade de turismo rural.
Trata-se assim de um critério de comparação entre situações similares, para efeitos de determinação do valor normal das prestações de serviços a tributar, nos termos do n.º 4 do artº 16º do CIVA.
(…)
No tocante ao investimento realizado, considerou-se a situação hipotética de uma aplicação financeira à taxa de juro de 2%, obtida ao tempo no mercado, como investimento alternativo dos valores envolvidos pelo sujeito passivo, no empreendimento do turismo rural, que se estima ser de cerca de 325.080,08 €, decomposto no montante de 235.305,24€, correspondente a obras de beneficiação e mobiliário diverso, facturados à empresa [SCom01..., Lda], e no montante de 89.775,84 €, correspondente ao valor de aquisição do imóvel, resultando assim, uma renda mensal de 541,80 €.
Este valor, bastante próximo dos valores revelados pelos exemplos retirados da Internet, vem confirmar o preço normal de mercado, para a determinação das prestações de serviços a tributar, o valor mensal de 500,00 €.
1.1. – Cálculo do valor de IVA devido
(…)
Assim, tendo em conta que o IVA é um imposto de obrigação única, nos termos do art. 45.º da LGT, (redação dada pela Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro), o prazo de caducidade conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu, pelo que apenas se procede à determinação do IVA em falta, nos períodos: 4º trimestre de 2002, 1º, 2º, 3º e 4º trimestres de 2003 e 1º trimestre de 2004, conforme se demonstra no quadro seguinte:
PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO BASE TRIBUTÁVEL TAXA IVA IVA EM FALTA
4º TRIM 2002 1.500,00 € 19% 285,00 €
1º TRIM 2003 1.500,00 € 19% 285,00 €
2º TRIM 2003 1.500,00 € 19% 285,00 €
3º TRIM 2003 1.500,00 € 19% 285,00 €
4º TRIM 2003 1.500,00 € 19% 285,00 €
1º TRIM 2004 1.500,00 € 19% 285,00 €
TOTAL 9.000,00 € 1.710,00 €

2.- Em 1 de Abril de 2004, o empresário em nome individual, «AA», enquadrado no regime normal de periodicidade de IVA, emitiu as seguintes facturas de venda à sociedade [SCom01..., Lda]:
FACTURA N.º DATA DESCRIÇÃO VALOR
240001 1/04/2004 Venda de imobilizado conforme lista anexa 5.605,45 €
240002 1/04/2004 Obras conforme contrato de empreitada e lista anexa 229.699,79 €
Total
Juntam-se sob o (Anexo V), cópias destes documentos.
Contudo, não foi liquidado IVA nas facturas, considerando o sujeito passivo que estas operações se encontravam isentas, nos termos do n.º 4 do artº 3º do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
(…)
Acontece porém, que estes bens constantes das facturas mencionadas, como sejam, computador, motosserra, telemóvel, pratos, torradeira, balança W.C., bicicleta, utensílios de jardim, telemóvel, painéis de entrada, cpu e obras de beneficiação introduzidas no prédio do qual é proprietário o sujeito passivo, não permitem, por si só, constituir um ramo de actividade independente, no caso, de turismo rural, que o adquirente, [SCom01..., Lda], se encontra a explorar no âmbito de um contrato de comodato, estabelecido com «AA».
Assim, não se verificando no âmbito destas transmissões, os requisitos exigidos na mencionada legislação, ou seja, os bens transmitidos serem susceptíveis de constituir um ramo de actividade independente, não pode o empresário em nome individual, «AA», invocar esse preceito (nº 4 do artº 3 do CIVA) para afastar a liquidação do IVA devido pelas referidas operações, pelo que deveria ter procedido à liquidação e entrega nos cofres do Estado.
Não o tendo feito, considera-se IVA em falta, conforme se demonstra no quadro seguinte:
Período do Imposto FACTURA N.º DATA VALOR IVA EM FALTA

2º Trim. 2004
240001 1/04/2004 5.605,45 € 1.065,04 €
240002 1/04/2004 229.699,79 € 43.642,96 €
Total 235.305,24 € 44.708,00 €
(…)”
(cfr. relatório a fls. 17 e ss do p.a.).
14. Em 07.12.2006, o relatório de inspeção referido em 12 foi enviado à Impugnante através do ofício n.º ......10/0506 (cfr. ofício e registo do envio postal a fls. 81 e 82 do p.a.).

15. Entre 16.12.2006 e 13.01.2007, foram emitidas, em nome do Impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IVA correspondentes a períodos entre o 4º trimestre de 2002 e o 2º trimestre de 2004, com os seguintes montantes:
a) liquidação n.º ...07, no montante de 258,00 EUR;
b) liquidação n.º ...49, no montante de 258,00 EUR;
c) liquidação n.º ...51, no montante de 258,00 EUR;
d) liquidação n.º ...53, no montante de 258,00 EUR;
e) liquidação n.º ...55, no montante de 258,00 EUR;
f) liquidação n.º ...09, no montante de 258,00 EUR;
g) liquidação n.º ...11, no montante de 44.708,00 EUR.
(cfr. folhas 55 a 62 do p.a.).

16. A p.i. da presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 15.03.2007, mediante entrega presencial (cfr. p.i. a fls. 2 e ss dos presentes autos físicos).

*
Na sentença recorrida considerou-se, ainda, que:
«Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa e inexistem factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.»
*
A título de motivação, exarou-se na sentença apelada que:
«No que respeita aos factos provados, conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, dos depoimentos produzidos e ainda na posição assumida pelas partes em juízo, nos seus articulados.
Concretizando, toda factualidade dada como provada nos pontos 1 a 16 resultou documentalmente provada, tendo a decisão da matéria de facto sido efetuada com base nos documentos e informações oficiais indicados no elenco de factos provados, à frente de cada facto, tendo alguns dos factos resultado da prova conjugada de tais documentos com o depoimento testemunhal produzido, conforme melhor se verá.
Nos presentes autos, foram ainda inquiridas 3 testemunhas do Impugnante.
Primeiramente, foi inquirido o Sr. «EE», Eng.º Técnico.
Quanto à razão de ciência desta testemunha, que, como é sabido, consiste na fonte de onde advém o conhecimento da testemunha ou o modo como tomou conhecimento dos factos, a testemunha revelou um conhecimento direto e próximo dos factos, na medida em que acompanhou o Impugnante na implementação e no desenvolvimento do projeto de exploração de uma casa dedicada ao turismo no espaço rural. Segundo esta testemunha, o Autor tem uma grande estima pela propriedade em causa e não quis perder a propriedade da mesma. Afirmou ainda que o Impugnante não aufere qualquer contrapartida pela utilização do imóvel.
De seguida, foi inquirido o Sr. «FF», que foi o arquiteto responsável pelo projeto de recuperação da casa. Também esta testemunha revelou um conhecimento direto dos factos, porque demonstrou ter acompanhado o processo de legalização e o processo de obtenção de subsídios e de financiamento bancário. Segundo esta testemunha, o Impugnante viu-se a braços com a necessidade de criar uma sociedade familiar, em que a sua filha figurava como sócia, por forma a conseguir obter financiamento bancário, em virtude da idade do Impugnante. Esta testemunha afirmou sem hesitações que o prédio continua a ser do Impugnante e que nunca foi vendido.
Finalmente, foi inquirido o Sr. «GG», economista, que afirmou prestar serviços ocasionais ao Impugnante. Quanto à sua razão de ciência, a testemunha revelou um conhecimento muito próximo do desenvolvimento do projeto do Impugnante, bem como do tratamento contabilístico dado às operações em causa nos presentes autos. Também esta testemunha afirmou, sem hesitação, que o Impugnante não quis transferir o prédio para a propriedade da sociedade, quer pelo facto de o prédio ficar mais exposto ao risco, quer por questões fiscais, em caso de uma futura venda do mesmo. Afirmou sem hesitação que o contrato foi gratuito e que não é paga qualquer contrapartida.
Os três depoimentos produzidos foram depoimentos seguros, isentos de contradições, quer entre si, quer no confronto com os documentos juntos aos autos e as questões foram sempre respondidas pelas testemunhas com um grau de detalhe considerável, pelo que contribuíram para a formação da convicção deste tribunal quanto à factualidade dada como provada, corroborando o conteúdo dos documentos juntos aos autos.»

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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, no que tange às nulidades atribuídas à sentença recorrida, à prescrição da dívida e aos erros de julgamento a este imputados.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida nestes autos, pela qual se concedeu parcial provimento à impugnação intentada pelo ora Recorrente, intentada contra as liquidações adicionais de IVA, relativas aos anos de 2002 (4.º trimestre), 2003 (1.º a 4.º trimestres) e 2004 (1.º e 2.º trimestres).
As liquidações adicionais de IVA supra referidas assentam no relatório final proveniente de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT, no qual se concluiu pela aplicação de meras correções técnicas ou aritméticas à matéria tributável.
Assim, tendo a ora Recorrente obtido parcial provimento na sentença recorrida, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA relativas ao 4.º trimestre de 2002 e aos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2003, vem aquela agora questionar apenas o acerto do decidido em primeira instância no que tange à liquidação de IVA relativa ao 2.º trimestre de 2004 (liquidação n.º ...11, no montante de € 44.708,00).
Vejamos, então.
IV.1 – Da questão da prescrição.
Nas conclusões n.ºs «15» a «20», do presente recurso, a ora Apelante veio afirmar que a dívida decorrente da liquidação acima referida encontrava-se prescrita, solicitando a esta instância que procedesse à junção aos autos de vários processos executivos que identifica.
A propósito da questão do conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial, com os fundamentos a que aderimos, relatou-se no acórdão do STA de 08.01.2020, proferido no proc. n.º 01/99.0BUPRT (in www.dgsi.pt) que:
“[…] 2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar desde há muito, uniforme e reiteradamente, a prescrição da obrigação tributária não é fundamento de impugnação judicial, motivo porque nela não deve ser conhecida oficiosamente, sem prejuízo de aí poder ser conhecida a título incidental, enquanto pressuposto da utilidade da lide, este sim de conhecimento oficioso.
Sobre a questão, ficou dito no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 980/06 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cedd724eaaed289c80257295003cb2f6.): «Como é sabido, trata-se na impugnação judicial de um contencioso de anulação, que não de plena jurisdição – cfr. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, p. 43 e ss. –, sendo o seu objecto o acto tributário, através de “qualquer ilegalidade” ou “vício”, em vista da sua “anulação total ou parcial”.
Assim, se o pedido impugnatório procede, o tribunal anula o acto, pela existência de qualquer ilegalidade.
Pelo que tem este tribunal entendido que a prescrição da obrigação tributária – “da dívida exequenda”, na expressão legal –, embora de conhecimento oficioso, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal.
Na verdade, não pode confundir-se a validade do acto tributário com a sua eficácia.
[…]
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à “cobrança” do imposto e não tendo pois a ver com a sua validade ou existência do acto tributário e, em consequência, com a sua legalidade, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução».
Prossegue o mesmo acórdão, ponderando a prescrição, não como fundamento de impugnação judicial, «mas apenas como sustentáculo da inutilidade da lide e consequente extinção da instância», com a afirmação de que, então, esse conhecimento se fará «plenamente dentro da legalidade» e porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, «a lide impugnatória não tem qualquer utilidade». E explica porquê:
«Na verdade, a sua procedência não teria quaisquer consequências, uma vez que já não poderia, mercê da predita prescrição da dívida, ser instaurada execução fiscal, que se instaurada, logo soçobraria, mesmo sem oposição, dado o carácter oficioso do conhecimento da mesma.
Ou seja: a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária em termos de ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria pura inutilidade».
É este entendimento que tem vindo a ser seguido na jurisprudência de que o citado acórdão é um exemplo entre muitos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 1364/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/235ab3098a7e831580257f1e005090e9;
- de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo com o n.º 1118/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b84374a73dde81f8025806b0040bbbb;
- de 4 de Julho de 2018, proferido no processo com o n.º 1433/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f1fc96dd1f2c333c802582cd004aac60.): a impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação (cfr. arts. 99.º e 24.º do CPPT) e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 23 a 25. ).[…]”.
Acresce que, também de forma uniforme e reiterada tem o colendo STA vindo a entender que o conhecimento da prescrição em sede impugnatória, em qualquer instância, só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais (cf. entre outros, os acórdãos de 20.04.2020, proferido no processo n.º 0571/06.8BEPRT-0662/18 e de 04.07.2018, proferido no processo/recurso n.º 01433/17).
Ora, na presente apelação, a Recorrente veio invocar a prescrição da dívida decorrente da liquidação de IVA relativa ao 2.º trimestre de 2004. Para o efeito alegou que existiriam alguns processos de execução fiscal relativos à totalidade das liquidações inicialmente impugnadas, solicitando a apensação dos mesmos.
Porém, nos presentes autos, não se encontram apensados tais processos de execução fiscal, existindo a mera nota da eventual existência dos mesmos (cf. docs. referidos no n.º 16 da matéria de facto assente, na parte em que neles se faz alusão a certidões de dívida).
Por outro lado, como supra enunciamos e de acordo com a jurisprudência supra citada do STA, não está esta instância, na presente forma processual, obrigado a promover a junção dos ditos e alegados processos de execução fiscal, sendo que destes poderiam decorrer a existência de causas suspensivas e/ou interruptivas do prazo de prescrição aqui em causa, aqui desconhecidas.
Assim sendo, não dispondo esta instância dos elementos necessários para aferir da invocada prescrição da dívida decorrente da liquidação aqui referida e suscitada nas supra citadas conclusões do presente recurso e não estando esta instância obrigada à realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual, decide-se dela não conhecer, sem prejuízo de a questão referida poder vir a ser eventualmente suscitada noutros figurinos procedimentais/processuais.
Por isso, improcede o recurso nesta parte.
IV.2 – Da nulidade invocada.
Na visão da Recorrente, o Tribunal recorrido terá omitido a apreciação do pedido de apreciação da verificação da caducidade, com implicações no sentido decisório proferido nos autos.
Ora, se bem interpretamos a alegação da Apelante, estaríamos aqui perante uma eventual situação de omissão de pronúncia.
A este propósito relatou-se no acórdão deste TCA de 15.12.2022 proferido no processo n.º 0037/12.7BECBR (in www.dgsi.pt) que:
“[…] Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (Vide, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363). Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.11 e de 20.09.11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente.
[…]”
No caso presente, ao invés do invocado pelo Recorrente, a decisão jurisdicional ora sob escrutínio tomou efetiva posição sobre a questão da caducidade das liquidações impugnadas, tendo considerado que o apontado vício apenas se poderia verificar quanto às liquidações adicionais de IVA relativas ao 4.º trimestre de 2002 e à totalidade dos trimestres de 2003. Contudo, na perspetiva do julgador de primeira instância, a análise de tal vício estaria prejudicada face à decisão tomada quanto a outros vícios tidos por verificados quanto às sobreditas liquidações. Por isso, quanto à liquidação aqui em causa, verifica-se um juízo implícito de que não se verificou a alegada caducidade do direito de liquidar.
No entanto, de qualquer modo, resulta patente que tal questão não foi obnubilada na sentença recorrida, tal significando que não ocorreu a nulidade por omissão de pronúncia.
Assim, quanto a este item, terá que improceder o presente recurso.
IV.3. – Dos erros de julgamento quanto à interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 3.º e n.º 9 do art.º 29.º, ambos do CIVA, art.º 74.º da LGT e 100.º do CPPT.
Convém referir que na presente apelação, o Recorrente alega um conjunto de factos, não os contrapondo ao que foi decidido na sentença recorrida (cf. nomeadamente a matéria vertida nas conclusões números «4» a «8»). Assim, o conteúdo da referida alegação não tem qualquer sentido adversativo quanto à matéria de facto vertida na sentença recorrida, pelo que aquela se encontra aqui sedimentada.
A propósito da alegada invalidade da liquidação aqui em causa, na sentença recorrida formulou-se o seguinte raciocínio:
“[…]
Já quanto ao ato de liquidação n.º ...11, no montante de 44.708,00, relativo ao 2.º trimestre de 2004, tal liquidação não decorre nem se relaciona com o contrato de comodato, mas sim com duas operações de venda, tituladas por duas faturas emitidas pelo Impugnante, em que este não liquidou IVA com base na já referida exceção do n.º 4 do art. 3.º do IVA (cfr. pontos 6 a 8 do probatório a este respeito).
A respeito de tais faturas, sustenta a AT que os bens delas constantes, como sejam computador, motosserra, telemóvel, pratos, torradeira, balança, W.C., bicicleta, utensílios de jardim, telemóvel, painéis de entrada, cpu e obras de beneficiação do prédio, só por si, não permitem constituir o ramo de atividade independente que o adquirente se encontra a explorar, o que afasta a aplicabilidade da referida exceção do art. 3.º, n.º 4 (cfr. pontos 7, 12 e 13 do probatório).
O Impugnante nada vem dizer a este respeito na p.i., limitando-se a invocar vícios anulatórios dos demais atos de liquidação, cuja procedência vem analisada.
A este respeito, o Impugnante apenas se pronuncia na resposta que apresentou às “alegadas exceções” invocadas pela Exma. Representante da Fazenda Pública na contestação, afirmando que as faturas em causa contêm uma declaração implícita da pretensão do Impugnante de transmitir o estabelecimento comercial como um todo.
Ora, é na p.i. que o Impugnante deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direitos que servem de fundamento à ação, nos termos do art. 552.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT.
As alegações por si formuladas em sede de resposta à contestação surgem num momento processual em que já não lhe assistia tal oportunidade.
Assim sendo, e porque, desta feita, era ao Impugnante que cabia alegar e demonstrar o factos constitutivos da isenção de IVA de que se arrogava, nos termos do já referido art. 74.º, n.º 1, da LGT, não há que proceder à anulação do ato de liquidação adicional IVA n.º ...11, relativo ao 2.º trimestre de 2004.
[…]”
Assim, como já tivemos ocasião de frisar, na presente apelação, o Recorrente insurge-se apenas quanto à improcedência do pedido anulatório por referência à liquidação relativa ao 2.º trimestre de 2004. Ora, sob a apontada invalidade deste ato tributário, a sentença recorrida apenas formulou o discurso que vai acima referenciado e não o silogismo judiciário que o Apelante aqui formula. Ora, interpretando-se a sentença recorrida, consideramos que o que nela foi dito é que o então Impugnante, ora Recorrente, nenhum vício apontou em sede de petição inicial quanto à aludida liquidação que emerge da liquidação do IVA das duas faturas acima referidas. Deste modo, considerou o Julgador de primeira instância que a alegação de eventuais vícios da apontada liquidação teria que ter sido feita em sede de petição inicial e não em momento processual ulterior, como veio a acontecer. Ora, quanto a esta orientação do julgado, nada veio a opor o Recorrente na presente apelação, pelo que a mesma se mantém.
Por outro lado, há que ter presente que o que vai agora invocado pelo Recorrente se traduz, na prática, de uma tentativa de suscitar em sede recursiva a existência de novos vícios que não foram oportunamente alegados e que, dada a sua natureza, não são passíveis de serem aqui objeto de apreciação oficiosa.
No entanto, também é verdade que na sentença recorrida se faz apelo, ainda que genericamente, às regras do ónus da prova derivadas do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, atribuindo-se ao Recorrente o dever de alegar e demonstrar os factos constitutivos da isenção de IVA que perfilhava. Porém, lida esta leve referência dentro do decidido quanto a esta questão, entendemos que a mesma se destina unicamente a blindar o anteriormente julgado, no sentido que não havia sido devida e tempestivamente feita qualquer alegação referente ao direito à isenção invocada, subentendendo-se que nenhuma invalidade haveria, pois, que apreciar.
Assim sendo, logicamente, não se pode concluir que a sentença recorrida tenha feita uma interpretação e aplicação indevida do disposto no n.º 4 do art.º 3.º e n.º 9 do art.º 29.º, ambos do CIVA e art.º 74.º da LGT e 100.º do CPPT.
Por isso, também quanto a estes últimos erros de julgamento, terá que improceder o presente recurso.

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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário:
I - A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, razão pela qual em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, sendo esta questão do conhecimento oficioso.
II – Não se dispondo dos elementos necessários para aferir da prescrição da dívida decorrente da liquidação em causa e não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual de impugnação, o Tribunal pode dela legitimamente não conhecer.
III – A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras.

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V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente (por vencido).


Porto, 11 de abril de 2024

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Isabel Ramalho dos Santos
Paula Moura Teixeira