Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:61/11.7BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:01/23/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS/ACTIVIDADE ECONÓMICA
INCENTIVOS FISCAIS À INTERIORIDADE
INDISPENSABILIDADE DOS ENCARGOS FINANCEIROS
Sumário:I - O artigo 39.º-B, aditado ao EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (OE 2007), instituiu um regime de benefícios fiscais à interioridade para as empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior.
II-A remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, efetuada ex vi do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, não tem a virtualidade de derrogar o artigo 39.º B do EBF, designadamente excluindo a atividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício.
III - Interpretação contrária à consignada II) implicaria, não só a ilegalidade da referida Portaria, que, como regulamento de execução que é, não pode conter qualquer norma contra ou praeter legem, sob pena de nulidade, como inclusive implicaria a inconstitucionalidade do referido artigo 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, quer por violação do n.º 5 do artigo 112.º, quer por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, todos da CRP.
IV - Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, não tendo a dedutibilidade fiscal dos custos de estar adstrita a uma específica vinculação laboral.
V - Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
VI - Se as premissas que nortearam as correções respeitantes aos encargos financeiros mais não representam que juízos conclusivos, não colocando em causa que os empréstimos ocorreram e que foram, efetivamente, suportados custos financeiros, ficando por corporizar, densificar e demonstrar as realidades de facto que permitem recusar a dedutibilidade fiscal em termos de business purpose, ter-se-á de concluir que a AT não colocou fundadamente em causa a indispensabilidade do custo, e a concreta subsunção normativa no artigo 23.º do CIRC.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de CASTELO BRANCO, que julgou procedente a impugnação deduzida por S…, S.A., tendo por objeto a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2007, no valor de €21.191,50.

A Recorrente formulou as conclusões que infra se descrevem:

“1- Entende a sentença, a nosso ver mal, que impugnante pode usufruir da majoração de 30% das suas despesas de investimento, criada pela Lei 171/99 de 18 de Setembro que veio estabelecer medidas de combate à desertificação das zonas do interior, entretanto objecto de transposição e manutenção nas normas do Estatuto dos Benefícios Fiscais, concretamente dos seus art.°s 39.°A e 43.°, quando na verdade considerando os factos verificados e constantes do probatório, designadamente o enquadramento concreto da actividade económica desenvolvida pela impugnante, ora recorrida, das actividades portuguesas, não lhe assistia o direito a usufruir dos benefícios fiscais introduzidos pela Lei n.° 171/99 e constantes do art.° 39º- B do Estatuto dos Benefícios Fiscais no ano de 2007.

2- Na realidade, a regulação dos benefícios fiscais não ficou esgotada com a introdução do art.° 39.°-B da LGT, como aliás não se esgotava já no que constava da Lei 171/99. E diga-se que a não ser que se defenda uma aplicação rigorosa do princípio da separação de poderes, é relativamente frequente que regimes legais criados por lei da Assembleia da República, sejam desenvolvidos por normas emanadas do Governo quer sob a forma de decreto lei quer sob a forma de regulamento.

3- Por outro lado são até questões de maior distanciamento do legislador face às necessidades concretas de cada momento que justificam que em determinadas situações a regulação legal de determinadas realidades não seja esgotada pela lei. Ora parece-nos que foi justamente isso que terá acontecido com o regime dos benefícios relativos à interioridade, nomeadamente em função do que resultou da sua transposição para o EBF através do art.° 39.°-B, cujo n.° 7 veio dispor que a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.

4- Sublinhe-se que entre os diplomas regulamentadores deste regime de incentivos à interioridade se encontrava a Portaria 170/2002 de 28 de Fevereiro, a qual não só não foi revogada com a transposição deste regime para o EBF pela Lei 53-A/2006, como ainda, para ela veio a remeter o D.L. 55/2008 de 26 de Março, o qual veio a regulamentar o art.° 39~B do EBF.

5- Sendo que art.° 8.° n.° 2 desse Decreto Lei veio estabelecer que “às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela portaria 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida”.

6- Ou seja, não nos restam dúvidas de que em 2007 a aplicação e o aproveitamento do regime dos benefícios fiscais à interioridade constantes do art.° 39.°-B do EBF, teria que passar pelo cumprimento das regras introduzidas pela Portaria 170/2002.

7- E do que também não restam quaisquer dúvidas é que o art.° 2.° a) dessa Portaria exclui a agricultura e pesca, identificadas nas secções A e B da C.A.E. do acesso aos benefícios inicialmente previstos no art.° 7.° a 11.° da Lei 171/99 (e à data constantes do art.° 39.°-B do EBF), entre os quais se encontra o da majoração de custos.

8- O que resto, resulta de um imperativo de conformidade da legislação nacional com o Tratado que instituiu a comunidade europeia, que exclui as empresas cuja actividade principal seja a agricultura do acesso a auxílios do Estado.

9- A própria portaria 170/2002 no seu preâmbulo e no seu art.° 1.° refere que o seu objecto é fixar as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos previstos nos art.°s 7.° a 11.° da Lei 171/99.

10- Importa, no entanto, referir que a impugnante, ora recorrida, veio ainda defender o direito à aceitação da majoração nos custos com amortizações relativas a despesas de investimento com o que consta do relatório final da 01200900040. Entendendo que nessa ordem de serviço foi feito um reconhecimento por parte da Administração Tributária que as empresas agrícolas apenas estariam excluídas do beneficio da redução taxa, e já não dos restantes benefícios relativos à interioridade.

11- Sendo certo que as condições em que a AT fica vinculada a informações ou tomadas de posição dos seus serviços perante factos concretos, nomeadamente pressupostos de benefícios fiscais, estão claramente definidas na Lei. Concretamente no art.° 68.° da LGT e no art.° 57.° de CPPT. Parecendo-nos óbvio que em caso algum se poderiam aplicar tais normativos à situação em apreço. E finalmente, contrariamente à tese da impugnante, a análise que foi feita naquela ordem de serviço pela Senhora Inspectora ao exercício do seu direito de audição, não pode ser considerado um reconhecimento da Administração Tributária a qualquer benefício fiscal.

12- Com efeito, nos termos do n.° 2 do art.° 2.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as reduções de taxa bem como as amortizações aceleradas são benefícios fiscais. De acordo com o n.° 2 do art.° 5.° desse EBF, os benefícios dependentes de reconhecimento têm lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados. E de acordo com o n.° 3 da mesma norma, existe um procedimento próprio para esse reconhecimento que se encontra regulado no art.° 65 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Aí se estabelecem regras sobre a legitimidade, sobre a forma, sobre a competência e sobre a tempestividade para a apresentação, apreciação e reconhecimento desses benefícios.

13- Em particular o n.° 1 do art.° 65.° do C.P.P.T., dispõe que "... o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim..."

14- Do que resulta que só em procedimento especificamente dirigido à apreciação de um pedido de reconhecimento de benefício fiscal, apresentado pelo respectivo beneficiário, pode ser praticado um acto pela Administração Tributária com os efeitos de, fazendo esse reconhecimento, fazer nascer na esfera do interessado com efeitos declarativos, o benefício analisado.

15- Pelo que a sentença ao decidir como decidiu errou no julgamento de direito na interpretação e aplicação do art.° 39-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no sentido de considerar a majoração em 30% das amortizações das despesas de investimento, redundando, assim, na violação da citada norma, porquanto, deveria, ao invés, desconsiderar aquela majoração.

16- Quanto à dedução de despesa/custos com encargos financeiros, questão que se coloca é apenas como custo fiscal e que a sentença circunscreveu à questão com a prova da indispensabilidade do custo para a manutenção da fonte produtora à luz do disposto no art.° 23° do CIRC, e que a AT não colocou fundadamente em causa a dispensabilidade do custo.

17- Por uma questão de maior clareza, relembramos aqui que de acordo com a própria contabilidade da impugnante, esta contraiu empréstimos bancários num valor total de € 1 585 227,18, os quais geraram custos do exercício, concretamente juros por si suportados, no valor de € 86 848,17. A mesma contabilidade reflecte ainda operações de financiamento feitas pela impugnante em favor da S… SA, da qual aquela é a única accionista, no montante de € 960 399,80 conforme resulta dos factos provados (cfr. probatório 3.3.1.2. custos não aceites).

18- Com base em tal realidade factual concluiu a Inspecção Tributária que os encargos com os juros proporcionais aos empréstimos efectuados pela impugnante à S… S.A., no valor de € 52 616,41, não poderiam ser aceites fiscalmente por não cumprirem o requisito da indispensabilidade previsto no art.° 23.° do CIRC. Resumidamente são estes os factos e é esta a conclusão da Inspecção Tributária (cfr. probatório 3.3.1.2. custos não aceites).

19- E é fundamentalmente das conclusões da Inspecção Tributária que a impugnante e a sentença discorda. Ou seja, não põe em causa a existência dos empréstimos contraídos pela impugnante à banca, nem o valor dos juros que estes provocaram e que suportou no exercício em análise, nem mesmo os empréstimos e operações de financiamento que terá feito à S… SA, da qual é titular da totalidade do capital social.

20- E de facto parece-nos que nenhum destes factos pode ser questionado pela impugnante, desde logo por ser a sua própria contabilidade que os reflecte. No entanto, o que a impugnante veio defender é que os valores canalizados para a empresa sua associada não terão sido provenientes dos empréstimos bancários por si contraídos, mas sim de recursos próprios. E desta forma, os encargos financeiros por si suportados em resultado da contracção daqueles empréstimos, deveria ser aceite fiscalmente na sua totalidade enquanto custo do exercício.

21- Mas voltando ao decidido não colhe o argumento sentenciador “ que o simples facto de a impugnante emprestar dinheiro a uma sociedade participada não revela por si só a indispensabilidade do custo. Com efeito, se o empréstimo feito pela impugnante tiver carácter oneroso, existe um rendimento gerado pelo empréstimo, pelo que o juro do empréstimo bancário poderia ser susceptível de dedução. Já assim não será se o empréstimo se o empréstimo for realizado a titulo gratuito (neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.11.2011, proferido no âmbito do processo n.° 0107/11, disponível em www.dgsi.pt). Ora a Administração Fiscal nada refere quanto ao carácter gratuito ou oneroso da operação de financiamento da empresa participada, pelo que não podia a mesma, sem mais, concluir pela dispensabilidade. Sendo assim, verifica-se que a Administração Tributária não colocou fundadamente em causa a dispensabilidade do custo, motivo pelo qual não podia proceder à correcção em análise. Em consequência, afigura-se desnecessário apreciar se as quantias provenientes de empréstimo bancário foram ou não utilizadas para financiar a empresa participada.

22- Porquanto tal factualidade está provada ao longo do probatório e ao contrário do sentenciado a Administração Tributária colocou fundamente em causa a dispensabilidade do custo, pois identificou o custo/despesa/gasto desde logo conforme relatório de inspecção, dado por reproduzido na sentença e assim provado que “ não poderão os custos financeiros suportados nestas operações serem imputados ao s.p. uma vez que dizem respeito à empresa associada."(negrito nosso).E que “Nos termos do n.° 1 do artigo 23°. Do CIRC, só são considerados custos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora”, concluindo “ que os custos financeiros suportados relativos ao financiamento da empresa associada no valor de €52.616,41€ não poderão ser considerados custos do exercício, (cfr. probatório 3.3.1.2. - Custos não aceites) - Cfr.neste sentido Ac. STA de 24-09-2014, Proc. 0779/12 em II do seu sumario.

23-Ora tendo a AT colocado fundadamente a questão da dispensabilidade do custo, aqui chegados, impõe-se falar do requisito legal da sua indispensabilidade para ser aceite como custo fiscal. Na realidade, nos termos do art.° 23.° n.° 1 do CIRC, apenas considera custos ou perdas factualmente gastos), os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

24- Sendo certo que o ónus da prova, e fundamentalmente o ónus da alegação de factos justificativos dessa indispensabilidade cabia à impugnante, o que ela não fez.

25- Neste sentido, aplicável ao caso dos autos, veja-se o acórdão do TCA SUL de 30-11-2010, proferido no processo 04002/2010, em cujas conclusões se pode ler o seguinte:

“VI) -Para aferir da indispensabilidade dos custos há que ter em conta o intuito objectivo que levou o contribuinte a contrair o encargo que originou o empréstimo, sendo certo que tal intuito não se identifica com o concreto ânimo de quem tomou tal decisão pois o intuito objectivo é determinado a posteriori, tendo como referência todas as circunstâncias conhecidas no momento da decisão e nunca as posteriores. E, assim, se a decisão teve na sua génese tão só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu objecto social, tal como os seus sócios e gestores, bem ou mal não interessa, ao tempo o interpretaram, o custo não pode deixar de ser havido como indispensável; já se a motivação predominante for outra não deverá ser fiscalmente aceite.
VII) - Ê ao sujeito passivo que incumbe o ónus de alegação dos factos justificativos da necessidade do custo.
VIII) -Tendo a recorrente contraído empréstimos bancários e suportado juros e resultando provado que fez empréstimos aos sócios, não tendo sido contabilizados juros, dado que a recorrente não tem por escopo a actividade financeira pois tem como objecto social a indústria de produtos químicos e farmacêuticos, drogas e tudo quanto esta indústria e ramo de comércio se relacione, não se antolha a razão de contrair empréstimos com pagamento de juros e simultaneamente a prestação de empréstimos sem contabilização de juros. Em tal desiderato é forçoso concluir que não está provado que o intuito objectivo que determinou este encargo não foi o interesse da empresa nem o prosseguimento do seu escopo social, à míngua de qualquer outra prova sobre esta matéria”

26- Aliás a questão da indispensabilidade dos custos, a questão do ónus da sua prova, e a questão da não aceitação fiscal dos custos com juros de empréstimos contraídos e canalizados para financiamentos a empresas associadas é tratada de forma abundante na nossa Jurisprudência, quer até independentemente da operação económica a AT “pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídas não no interesse deste mas para a prossecução de objectivos alheios (quando se concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos”. Para além do acórdão acima referenciado vejam-se ainda, do STA, o acórdão 01077/08 de 20-05- 2009, o acórdão 01046/05 de 07-02-2007 e Ac. STA de 24-09-2014, Proc. 0779/12 em II do seu sumario, acabado de sumariar (negrito nosso).

27- Ora no caso em apreço, a impugnante, conforme resulta do probatório, não só não fez prova, ou melhor, até porque nem sequer alegou factos que justificassem a decisão de contrair os empréstimos em questão, bem como a sua indispensabilidade para a realização dos ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

28-Bem pelo contrário. Todos os factos que alega ao longo da sua argumentação conduzem à conclusão de que os empréstimos contraídos não foram de todo indispensáveis para a realização dos ganhos sujeitos a imposto, nem para a manutenção da fonte produtora, pois que o saldo das suas receitas operacionais até lhes terá permitido fazer empréstimos.

29- Sendo certo que de acordo com o Ac. do STA de 07-02-2007, Proc. 01046/05 “ Não constituem custos de uma sociedade, nos termos do artigo 23° do CIRC, os encargos por si suportados com empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efectuadas a uma sociedade associada pelos quais não cobrou quaisquer juros”.No mesmo sentido Ac. STA de 30-11-2011, Proc. 0107/11 e como resulta do relatório de inspeção dado como reproduzido na matéria de facto, segundo informação do TOC, o sujeito passivo, ora recorrida, detém a totalidade do capital, da S… SA, NIF 5….(negrito nosso).Neste sentido Ac. do STA de 20-05-2009, Proc. 01077/08, que no seu sumário Pontifica “À luz do art.° 23° do CIRC, não devem ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pela pelo impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total”.

30- Pelo que a AT não violou o art.° 23° do CIRC, mas sim a sentença ao decidir como decidiu errou no julgamento de direito na interpretação e aplicação do art.° 23° do CIRC no sentido de não rejeitar tal custo como custo fiscal, redundando, assim, na violação da citada norma, porquanto, deveria, ao invés, desconsiderar o referido custo.

31- Importa, por último referir que a sentença julgou procedente a impugnação mas anulou apenas parcialmente a liquidação adicional de IRC, do ano 2007, na parte referente à Matéria colectável no valor de EUR 70.571,41, tendo decidido em tais termos haveria que, em linha com a anulação parcial da liquidação, julgar parcialmente procedente, com o reflexo evidente na condenação em custas, pois como condenada a Fazenda Pública está apenas ela a suportar as custas em clara violação dos n.s° 1 e 2 do art.° 527° do CPC, “ex vi” da al .e) do art.° 2o do CPPT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deve o presente recurso merecer provimento e ser revogada a sentença recorrida, substituída por outra que julgando a impugnação improcedente, conserve a validade na ordem jurídica da respectiva liquidação com o que farão Vossas Excelências, Excelentíssimos Juízes Conselheiros, a costuma Justiça!”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído como infra se descreve:

A.O Exmo. Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença, aliás douta, da Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, proferida nos presentes autos, a 22 de Novembro de 2017, que julgou procedente a impugnação apresentada pela Recorrida contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativo ao exercício de 2007, interpôs contra ela recurso para este Venerando Tribunal.

B.A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pela ora Recorrida, «e, em consequência, anulo[u] o liquidação adicional de IRC, do ano de 2007, na parte referente à matéria colectável no valor de EUR 70.571,41.»

C.Decidindo, para o efeito, sem margem de crítica, e por essa razão, bem, a Mma Juiz a quo, por um lado, no sentido de que «conclui-se que a Administração Tributária carece de razão ao corrigir a matéria colectável declarada pela Impugnante referente à majoração de 30% das amortizações de despesas de investimento, uma vez que a mesma pode usufruir do referido benefício.», determinando, em consequência, «a anulação parcial da liquidação impugnada, na parte referente ò desconsideração da majoração em 30% das amortizações das despesas de investimento no valor de EUR 17.955,00»., e, por outro que, «o dedução do custo referente a juros suportados com empréstimo bancário, no valor de EUR 52.616,41, não pode ser rejeitada pela Administração Tributária, motivo pelo qual procede o vício de violação de lei alegado pela Impugnante».

D.Com efeito, entende a Recorrida que a sentença andou bem, quando anulou o acto sindicado, tendo-o feito em conformidade com a lei, de forma correcta, assertiva e justa.

E.Contudo, não foi este o entendimento da aqui Recorrente, a qual discordando da fundamentação de direito, levou a que o Exmo. Representante da Fazenda Pública apresentasse, contra a mesma, recurso, alicerçando o seu juízo de discordância, aludindo, para o efeito, por um lado, que:«(..) a sentença ao decidir como decidiu errou no julgamento de direito na interpretação e aplicação do art39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no sentido de considerar a majoração em 30% das amortizações das despesas de investimento, redundando, assim, na violação da citada norma, porquanto deveria, ao invés, desconsiderar aquela majoração.», e por outro, que: « (...) a AT não violou o art. 23.º do CIRC, mas sim a sentença ao decidir como decidiu errou no julgamento de direito na interpretação e aplicação do art.º 23.º do CIRC no sentido de não rejeitar tal custo como custo fiscal, redundando, assim, na violação da citada norma, porquanto deveria, ao invés, desconsiderar o referido custo.»

F.Com todo o respeito, não nos parece que estes argumentos apresentem qualquer aderência, quer aos factos dados como provados, quer ao direito aqui aplicável, devendo os mesmos ser totalmente rejeitados.

Porquanto,

G.Conforme resulta da douta sentença: «[a] convicção do tribunal quanto ò matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante do processo administrativo e dos autos conforme discriminado supra no probatório» tendo, nessa sequência, a Mma Juiz o quo considerado como provados os factos constantes da matéria dada como assente, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, os quais, aliás, foram integralmente aceites pelo Representante da Fazenda Pública, uma vez que não os colocou em crise.

H.Ora, da ponderação e aplicação do Direito aos factos dados como provados, entendeu a Mma Juiz o quo, de forma correcta a assertiva, por um lado, que era procedente o vício de violação de lei, por violação do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais (na redacção dada pela Lei n.s 53- A/2006, de 29.12), baseando tal ponderação, apreciação e fundamentação no sufragado pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0115/15, de 09.09.2015.

I.Aresto este que, de forma clara e transparente resolve a questão trazida a debate nos presentes autos - saber se uma sociedade cuja actividade económica seja de natureza agrícola pode, relativamente ao exercício de 2007, beneficiar do regime de incentivos à interioridade, previsto no artigo 39.º B do EBF- aferindo que:

«I - O art. 39.º-B, aditado ao EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), instituiu um regime de benefícios fiscais à interioridade para as «empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior».

II- Nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.s 55/2008 - diploma por que visa «0 Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais» - devia ser aprovada uma portaria, da competência conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, destinada a estabelecer as disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação do regime da interioridade, 0 integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa (n.s l) e, até lá, mantém-se em vigor a Portaria n.s 170/2002, de 28 de Fevereiro (n.s 2).

III- Sendo certo que a Portaria n.s 170/2002, de 28 de Fevereiro, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola [art. 2.s, alínea a)], a mesma, nessa parte, não pode considerar-se aplicável por remissão do referido art. 8.º n.s 2, do Decreto-Lei n.s 55/2008, na medida em que essa aplicação implicaria a revogação ou, pelo menos, a suspensão do art. 39.º-B do EBF.

IV- A interpretação contrária implicaria, não só a ilegalidade da referida portaria, que, como regulamento de execução que é, não pode conter qualquer norma contra ou praeter legem, sob pena de nulidade, como inclusive implicaria a inconstitucionalidade do referido art. 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.9 55/2008, quer por violação do n.9 5 do art. 112.9, quer por violação dos arts. 165.9, n.9 l, alínea i), e 103.9, n.9 2, todos da CRP.»

J.Assim sendo, adoptando e apoiando a Mma Juiz a quo, a sua decisão, quanto à aplicação do artigo 39.º B do EBF às sociedades agrícola, neste entendimento do Acórdão do STA, é manifesto que a mesma não padece de qualquer vício, sendo-lhe imerecida qualquer crítica ou censura, dado que é esta a posição defendida pela jurisprudência do nosso mais alto Tribunal - STA - sendo, igualmente, a que melhor espelha a aplicação do direito aos factos dados como provados, não havendo, consequentemente, qualquer erro de julgamento conforme lhe imputa o RFP.

K.No que toca ao alegado ao erro de julgamento quanto ao vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto quanto à dedução de despesas com encargos financeiros aduzido pela AT, entendeu e bem a sentença recorrida, depois de fazer referência ao disposto no n.s 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa - princípio da tributação das empresas pelo lucro real - e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 17.º, ambos do CIRC, que:« (...) a Administração Tributária desconsiderou os custos com os juros de empréstimos por considerar que o destino de parte do capital mutuado foi o empréstimo a uma sociedade detida pela Impugnante. Baseou-se no facto de a Impugnante ter contraído empréstimos bancários no valor total de EUR 1.585.227,18 a conta da empresa associada "S…, S.A." apresentar um saldo devedor no valor de EUR 960.399,80 para concluir que os custos financeiros suportados com aqueles empréstimos bancários na proporção daquele saldo devedor não podem ser considerados custo do exercício. Deste modo, a Administração Tributária concluiu pela inexistência de um custo dedutível para efeitos fiscais com base no facto de a Impugnante ter seguido interesses estranhos à actividade social, designadamente interesses de uma empresa sua participada.»

L.Ora, como bem ponderou a Mma Juiz a quo, quanto a esta matéria: «(...) o simples facto de a Impugnante emprestar dinheiro a uma sociedade participada não revela por si só a dispensabilidade do custo. Com efeito, se o empréstimo feito pela Impugnante tiver carácter oneroso, existe um rendimento gerado pelo empréstimo, pelo que o juro do empréstimo bancário poderia ser susceptível de dedução. Já assim não será se o empréstimo for realizado a título gratuito (...). Sendo assim, verifica-se que a Administração Tributária não colocou fundadamente em causa a dispensabilidade do custo, motivo pelo qual não podia procederá correcção em análise.»

M.Concluindo, a douta sentença recorrida, nesta sequência, convenientemente e bem que «o dedução do custo referente a juros suportados com empréstimo bancário, no valor de EUR 52,616,41, não pode ser rejeitada pela Administração Tributária motivo pelo qual procede o vício de lei alegado pela Impugnante.»

N.Face ao exposto, entende a Recorrida que a Mma Juiz a quo apreciou devidamente todas as questões suscitas no âmbito do presente processo de impugnação judicial, no sentido mais justo e consentâneo com a melhor interpretação do direito, pelo que, e nesta acepção, considera que não assiste razão à Recorrente nas alegações que apresentou, face à inexistência de qualquer erro de julgamento pela Mma Juiz a quo, não tendo, por essa razão, claudicada a sentença recorrida na apreciação da matéria de facto e de direito.

O.Segundo entende firmemente a ora Recorrida, deverá ser este último entendimento - e não o sustentado nas alegações de recurso - que deverá ser sancionado por este Venerando Tribunal, no sentido da manutenção da sentença recorrida.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente por não provado e, em consequência, mantida a decisão recorrida no sentido da procedência da impugnação judicial apresentada, CONFORME É DE INTEIRA E COSTUMADA JUSTIÇA!.”


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O STA, mediante decisão sumária declarou-se incompetente em razão da hierarquia.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA e emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

1. Em 26.03.2009, no âmbito da acção inspectiva iniciada ao abrigo da ordem de serviço com o n.º OI200900040, foi sancionado, pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Portalegre, o “Relatório/conclusões”, cuja cópia de fls. 38 a 47 do processo físico que aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:

“(…)
II.2 – Motivo da acção, âmbito e incidência temporal
O âmbito da acção foi parcial, incidindo apenas sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas colectivas (IRC) do exercício de 2007, (…).
(…)
III. – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III.1. – Em sede de IRC
III.1.1. – Benefícios fiscais relativos à interioridade
A Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, que vigorou até final de 2006, criou vários incentivos fiscais à interioridade de que podiam beneficiar as entidades cuja actividade principal se situasse nas áreas beneficiárias, aprovando medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior.
No exercício de 2007, após revogação da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, a regulamentação dos benefícios fiscais à interioridade passou a ser integrada no Estatuto dos Benefícios Fiscais, com a redacção do artigo 39.°-B, dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).
A regulamentação deste novo normativo, que surgiu com o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, e que actualmente corresponde ao artigo 43.º do mesmo diploma legal, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de 06, veio disciplinar os benefícios fiscais à interioridade, designadamente a possibilidade das entidades que exerçam a sua actividade nas áreas beneficiárias poderem usufruir de uma redução da taxa de IRC.
Contudo, para que os diversos sujeitos passivos possam usufruir do benefício mencionado devem atender aos requisitos e condições impostas para esse efeito e regulamentadas no referido Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março.
Ora, o artigo 8.° deste diploma legal determina que até à publicação de nova portaria regulamentar do integral respeito pela decisão da Comissão Europeia mantém-se em vigor o disposto na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.
Assim, de acordo com a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, o benefício fiscal de redução de taxa (anteriormente previsto no artigo 7.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, e, no exercício de 2007, previsto no artigo 39.º-B do Estatuto dos benefícios Fiscais) não é aplicável às actividades económicas do sector agrícola, tal como identificada, na secção A da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (CAE), revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93 de 14 de Maio.
Ora, conforme anteriormente referido, a sociedade em análise exerceu a actividade de agricultura classificada com o CAE 1112 - Cultura de leguminosas secas e sementes oleaginosas e ficou enquadrada, no exercício de 2007, no regime geral de tributação.
Atendendo a que a alínea a) do artigo 2.º da referida portaria exclui as actividades agrícolas do benefício de redução de taxa do IRC previsto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 171/99, verificou-se que o sujeito passivo, no ano de 2007, beneficiou indevidamente daquela redução de taxa, uma vez que aplicou, no cálculo do imposto, a taxa de 20%, tendo apurado €2.762,30 (€13.811,48 * 20%) de imposto.
Assim, e considerando que, conforme ficou demonstrado, o sujeito passivo não reúne os requisitos para beneficiar daquela redução de taxa, deverá ser calculado o imposto utilizando a taxa de IRC de 25%, nos termos do n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRC, a que corresponderá o valor de imposto de €3.452,87 (€13.811,48 * 25%).
(…)” – cfr. relatório de fls. 38 a 47 do processo físico.
2. A liquidação adicional de IRC emitida na sequência da acção inspectiva melhor identificada no ponto anterior do probatório foi objecto de reclamação graciosa e subsequente recurso hierárquico por parte da Impugnante – cfr. recurso hierárquico de fls. 62 a 81 do processo físico e projecto de decisão do recurso hierárquico de fls. 83 a 90 do processo físico.
3. Em 30.07.2010 o Técnico Tributário dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Portalegre elaborou o “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária”, no âmbito da acção inspectiva iniciada ao abrigo da ordem de serviço com o n.º OI200900199, que foi sancionado superiormente pelo Director de Finanças – cfr. projecto de relatório de inspecção tributária e despacho exarado na primeira página do mesmo de fls. 41 a 58 do processo administrativo.
4. Em 02.08.2010 foi enviado, em correio postal registado, o ofício, elaborado na mesma data, destinado a notificar a Impugnante do projecto de relatório de inspecção tributária – cfr. ofício e registo postal de fls. 39 e 40 do processo administrativo.

5. Em 13.09.2010 o Técnico Tributário dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Portalegre elaborou o “Relatório de Inspecção Tributária”
cuja cópia de fls. 1 a 20 do processo administrativo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“(…)
3.1.2. Exerce como actividade principal “Outras Culturas Temporárias n.e.” a que corresponde o CAE 001192. Iniciou a actividade em 01/10/1984, na área do Serviço de Finanças de Campo Maior.”
(…)
3.3 – Análise contabilística e fiscal
3.3.1 – IRC
3.3.1.1 – Benefícios fiscais relativos à interioridade.
Da análise efectuada aos documentos contabilísticos disponibilizados apuraram-se os seguintes factos:
A Lei 171/99, de 18 de Setembro, que vigorou até final de 2006, criou vários incentivos fiscais à interioridade de que podiam beneficiar as entidades cuja actividade principal se situasse nas áreas beneficiárias, aprovando medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior.
No exercício de 2007, após revogação da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, a regulamentação dos benefícios fiscais à interioridade passou a ser integrada no Estatuto dos Benefícios Fiscais, com a redacção do artigo 39.º-B, dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro Orçamento do Estado para 2007).
A regulamentação deste novo normativo, que surgiu com o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, e que actualmente corresponde ao artigo 43.º do mesmo diploma legal, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, veio disciplinar os benefícios fiscais à interioridade, designadamente a possibilidade das entidades que exerçam a sua actividade nas áreas beneficiárias poderem usufruir de uma redução da taxa de IRC bem como as amortizações relativas a despesas de investimento poderem ser abatidas ao rendimento colectável, com a majoração de 30% entre outras.
Contudo, para que os diversos sujeitos passivos possam usufruir do benefício mencionado devem atender aos requisitos e condições impostas para esse efeito e regulamentadas no referido Decreto-lei n.º 55/2008 de 26 de Março.
Ora, o artigo 8.0 deste diploma determina que até à publicação de nova portaria regulamentar do integral respeito pela decisão da Comissão Europeia mantém-se em vigor o disposto na portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.
Assim, de acordo com a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, os benefícios fiscais de redução de taxa e de majoração em 30% das despesas de investimento (anteriormente previsto nos artigos 7° e 8.° da Lei 171/99, de 18 de Setembro, e, no exercício de 2007, previsto no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais) não é aplicável às actividades económicas do sector agrícola, tal como identificada, na secção A da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (CAE), revista pelo Decreto Lei n.º 182/93, de 14 de Maio.
Conforme anteriormente referido, a sociedade em análise exerceu a actividade agricultura classificada com o CAE 1192 - "Outras Culturas Temporárias n.e.", ficou enquadrada, no exercício de 2007, no regime geral de tributação.
Atendendo a que a alínea a) do artigo 2.º da referida Portaria exclui as actividades agrícolas dos referidos benefícios, verificou-se que o sujeito passivo no exercício de 2007 beneficiou indevidamente da redução de taxa, uma vez que aplicou, no cálculo do imposto, a taxa de 20% e que relativamente às amortizações referentes a despesas de investimento deduziu o valo0r de 17.955,00€ no quadro 07 campo 234 (benefícios fiscais) da declaração mod. 22 e no anexo F, quadro 4 campo F174 (majorações aplicadas nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 39-B do EBF - benefícios à interioridade) da IES – Informação Empresarial Simplificada.
Relativamente ao benefício fiscal relacionado com a redução de taxa de IRC, foi emitida a ordem de serviço interna n. o 01200900040 de 09/01/2009 para regularização da referida taxa.
Assim sendo, relativamente aos benefícios fiscais à interioridade já referidos no presente relatório, para o exercício em análise, terá que ser retirado do campo 234 do quadro 7 da declaração Mod. 22 de IRC o valor de 17.955,00€ ( majoração de 30% das amortizações de despesas de investimento) uma vez que foi indevidamente abatido ao resultado liquido do exercício, dado que o sujeito passivo não reúne os requisitos para beneficiar desta majoração conforme ficou demonstrado.
3.3.1.2. – Custos não aceites
a)(…)
Assim, terá que ser retirado o valor de 2.685,00€ das respectivas contas de custos (Fornecimentos e Serviços externos).
b) Na análise efectuada aos elementos contabilísticos disponibilizados, constatou-se que o saldo das contas 2311 - empréstimos bancários de curto prazo apresenta um saldo no final do exercício de 500.000,00€ e a conta 2312 - empréstimos bancários de médio longo prazo um saldo no final do exercício 1.085.227,18€, o que totaliza um saldo final do exercício em empréstimos bancários no valor de 1.585.227,18€.
A conta 6811 – juros suportados – empréstimos bancários apresenta no final do exercício um saldo de 86.848,17€.
A conta 253907 – Accionistas/sócios - empresas associadas – S… SA apresenta um saldo devedor no final do exercício de 960.399,80€.
Segundo informação obtida junto do TOC, o sujeito passivo detêm a totalidade do capital da S… SA, NIF 5….
Não pondo em causa a existências destas operações de financiamento entre empresas associadas, que por diferentes razões serão justificáveis, contudo fiscalmente não poderão os custos financeiros suportados nestas operações serem imputados ao s.p. uma vez que dizem respeito à empresa associada.
Por outro lado estes custos financeiros suportados deveriam sim estar a influenciar o resultado fiscal da sua associada, reflectindo-se o impacto dos mesmos na correspondente desvalorização financeira da sua participação.
Sabemos que a empresa suportou custos financeiros no valor de 86.848,17€ referente a empréstimos bancários no valor de 1.585.227,18€.
Por outro lado sabemos que a conta 253907 - Accionistas/sócios – empresas associadas – S… SA apresenta um saldo no final do exercício de 960.399,80€.
Assim sendo, proporcionalmente os custos financeiros suportados pelo sujeito passivo relacionados com os empréstimos efectuados à empresa associada são no valor de 52.616,41€.
Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, só são considerados custos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva. Pelo exposto os custos financeiros suportados relativos ao financiamento da empresa associada no valor de 52.616,41€ não poderão ser considerados custos do exercício.
3.3.1.3 – Correcções efectuadas IRC
(…)
As correcções efectuadas em sede de IRC para o exercício em análise são no valor de 73.256,41€.
(…)” – cfr. relatório de fls. 1 a 20 do processo administrativo.

6. Em 17.09.2010 o Chefe de Divisão, em substituição, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Portalegre exarou, sobre o relatório identificado no ponto anterior do probatório e o parecer confirmativo do chefe de equipa, o seguinte despacho: “Concordo. Proceda-se como vem proposto.” – cfr. parecer exarado na primeira página do relatório de fls. 1 a 20 do processo administrativo.

7. Em 17.09.2010 foi enviado, em correio postal registado, o ofício, elaborado na mesma data, destinado a notificar o relatório e o despacho melhor identificado nos dois pontos anteriores do probatório à Impugnante – cfr. ofício e registo postal de fls. 37 e 38 do processo administrativo.

8. Em 23.09.2010 foi emitida, em nome da Impugnante a liquidação de IRC, com o n.º 20108310005149, referente ao exercício de 2007, no valor total de EUR 21.916,79, sendo a quantia de EUR 1.813,27 referente a juros compensatórios, valor que foi objecto de acerto de contas do qual resultou a pagar, até 10.11.2010, o valor de EUR 21.191,50 – cfr. liquidação e demonstração de acerto de contas de fls. 31 e 33 do processo físico.

9. Em 25.01.2011 deu entrada neste Tribunal a petição inicial dos presentes autos – cfr. carimbo aposto na primeira página da petição inicial a fls. 2 do processo administrativo.

10. Em 31.12.2004 a Impugnante registou na conta da “S…, S.A.” um saldo a débito no valor de EUR 1.145.709,80 e a crédito no valor de EUR 102.500,00 – cfr. extracto de conta de fls. 92 do processo físico.

11. Em 31.12.2005 a Impugnante registou na conta da “S…, S.A.” um saldo a débito no valor de EUR 1.187.959,80 e a crédito no valor de EUR 269.500,00 – cfr. extracto de conta de fls. 93 e 94 do processo físico.

12. Em 31.12.2006 a Impugnante registou na conta da “S…, S.A.” um saldo a crédito no valor de EUR 1.089.959,80 e a crédito no valor de EUR 285.000,00 – cfr. extracto de conta de fls. 95 e 96 do processo físico.

13. No exercício de 2006 o fluxo gerado pelas actividades operacionais da Impugnante foi de EUR 253.228,76, tendo recebido a quantia de EUR 559.222,66 de empréstimos bancários, a quantia de EUR 220.200,00 de empréstimos de sócios e a quantia de EUR 285.000,00 de amortização de empréstimo da empresa participada e pagado a esta empresa participada um empréstimo no valor de EUR 171.500,00 – cfr. demonstração de fluxos de caixa de fls. 245 e 246 do processo físico.

14. Em 31.12.2007 a Impugnante registou na conta da “S…, S.A.” um saldo a débito no valor de EUR 1.084.959,80 e a crédito no valor de EUR 124.560,00 – cfr. extracto de conta de fls. 97 e 98 do processo físico.

15. No exercício de 2007 o fluxo gerado pelas actividades operacionais da Impugnante foi de EUR 203.046,66, tendo recebido a quantia de EUR 693.832,33 de empréstimos bancários, a quantia de EUR 275.000,00 de empréstimos de sócios e a quantia de EUR 121.000,00 de amortização de empréstimo da empresa participada e pagado a esta empresa participada um empréstimo no valor de EUR 276.440,00 – cfr. demonstração de fluxos de caixa de fls. 245 e 246 do processo físico.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante do processo administrativo e dos autos conforme discriminado supra no probatório.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, e respetivos JC, do exercício de 2007, anulando a matéria coletável no valor de €70.571,41.

Importa, desde logo, ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

i. Incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que:

o Atento o âmbito de atividade desenvolvida pela empresa-agricultura, está afastada a possibilidade de majoração das despesas de investimento, ao abrigo do artigo 39.º B do EBF, face ao plasmado na Portaria 170/2002;

o Os encargos financeiros não se subsumem no artigo 23.º do CIRC, por não resultarem indispensáveis à obtenção de proveitos e para a manutenção da fonte produtora.

Vejamos, então.

Comecemos pelo erro de julgamento atinente à majoração das despesas de investimento.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, no exercício de 2007 a aplicação e o aproveitamento do regime dos benefícios fiscais à interioridade consagradas no artigo 39.°-B do EBF, teria que passar pelo cumprimento das regras introduzidas pela Portaria 170/2002.

Sendo que a letra do artigo 2. °, alínea a), dessa Portaria é clara, e exclui a agricultura e pesca do acesso aos benefícios inicialmente previstos no artigo 7.° a 11.° da Lei 171/99 (e à data constantes do artigo 39.°-B do EBF), entre os quais se encontra o da majoração de custos.

Mais enfatiza que, tal interpretação é, outrossim, a que melhor se coaduna com a matéria atinente à concessão de auxílios de estados, das quais se excluem as empresas cuja atividade principal seja a agricultura.

Conclui, assim, que a sentença incorreu em errada interpretação do artigo 39.º-B do EBF, considerando, ilegalmente, a majoração em 30% das amortizações das despesas de investimento.

Dissente a Recorrida propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que interpretou adequadamente o regime jurídico com a devida transposição para o caso vertente, apoiando-se, outrossim, em Jurisprudência uniforme.

O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a procedência aderindo à fundamentação jurídica constante do Acórdão do STA, proferido no processo nº 0115/15, de 09 de setembro de 2015, concluindo, por conseguinte, que carece de fundamento legal a correção da matéria coletável declarada pela Impugnante referente à majoração de 30% das amortizações de despesas de investimento, estando, assim, reunidos os pressupostos para poder usufruir do referido benefício.

Apreciando.

Comecemos por estabelecer o enquadramento normativo da questão, fazendo a necessária alusão à evolução legislativa e respetiva sucessão de regimes e competente ratio.

A Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, veio consagrar as “medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior”, incidindo “sobre a criação de infraestruturas, o investimento em atividades produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens” (cfr. artigos 1.º, n.ºs 1 e 2). Estatuindo, por seu turno, o artigo 7.º uma redução da taxa de IRC.

De relevar, igualmente, que o artigo 2.º, nº1, da aludida Lei, estabelecia que “as áreas do interior beneficiárias das medidas de discriminação positiva, adiante designadas áreas beneficiárias, são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais” e no n.º 2 do mesmo artigo que “compete ao Governo regular por decreto-lei a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior”.

Sendo que tal normativo, foi objeto de nova redação conferida pelo artigo 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, na qual se estatuía que: “compete aos Ministros do Planeamento e das Finanças regular por portaria, no prazo de 60 dias, os critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior”.

Portaria essa que veio a ser publicada, sob o n.º 1467-A/2001, de 31 de dezembro, nela se referindo expressamente que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, supracitada, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, se identificavam as áreas territoriais beneficiárias para efeitos do disposto na Lei n.º 171/99, de 18 de setembro.

Preceituando, ainda, o artigo 13.º daquela Lei n.º 171/99, de 18 de setembro que: “compete ao Governo aprovar por decreto-lei as normas regulamentares necessárias à boa execução da presente lei”.

Diploma regulamentar esse que veio a ser aprovado através do Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro, e cujo preâmbulo explicitava que “por serem suscetíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respetiva aplicação, notificados à Comissão Europeia”, nele se esclarecendo depois que “[n]o passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objeções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis”, motivo por que se encontravam “reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei”.

Sendo, outrossim, de convocar quanto a esse mesmo Decreto-Lei n.º 310/2001, particularmente, o seu artigo 6.º, o qual sob a epígrafe “Disposições comunitárias” preceituava que: “As disposições que se revelem necessárias para assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do Planeamento e do Trabalho e da Solidariedade.”

Portaria essa que veio a ser publicada, sob o n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, cujo objecto, tal como definido pelo seu artigo 1.º se coadunava com o: “fixar as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos previstos na Portaria n.º 56/2002, de 14 de Janeiro, e nos artigos 7.º a 11.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, com a redação introduzida pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro”.

Preceituando, para o efeito, o artigo 2.º da referida Portaria que: “Podem beneficiar dos incentivos mencionados no número anterior todas as atividades económicas, com exceção das seguintes: a) Agricultura e pesca, identificadas, respetivamente, nas secções A e B da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas - CAE, revista pelo Decreto-Lei n.º 182/93, de 14 de Maio; b) […]”.

Neste conspecto, há ainda que referenciar que a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro aditou o artigo 39.º-B, ao EBF, do qual se infere que foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que padecem de problemas de interioridade, tendo, assim, sido substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro.

Preceituava, assim, o n.º 1 do citado artigo 39.ºB, do EBF, que:

“Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes: a) É reduzida a 20% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respetivo Código, para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias.”

Dispondo, ainda, o n.º 7 do citado artigo 39.ºB do EBF que:

“A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças”.

De relevar, in fine, que a 26 de março de 2008 foi publicado o Decreto-Lei n.º 55/2008, o qual revogou o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro produzindo efeitos desde 1 de janeiro de 2007 (artigo 10.º), e cujo preâmbulo consignava que: “Com o aditamento do artigo 39.º-B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo sido substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.”

Sendo que, no artigo 6.º do referido Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, se consagrou que:

“1- Para efeitos da aplicação das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões que sofrem de problemas de interioridade, definidas no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são consideradas como áreas territoriais beneficiárias para os factos verificados em 2007 e 2008, aquelas que são identificadas na Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de dezembro.

2 - Para os anos subsequentes, compete ao Ministro das Finanças, em conjunto com os membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e o ordenamento regional, regular por portaria as áreas territoriais beneficiárias, as quais serão identificadas com base nos indicadores definidos no presente decreto-lei, construídos com os últimos dados estatísticos disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística”.

Sendo ainda de convocar o preceituado no artigo 8.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Disposições comunitárias”, o qual consagrava que:

“1- As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.

2- Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior.”

Daí dimanando, portanto, que ambas as Portarias evidenciadas anteriormente, a n.º 1467-A/2001, de 31 de dezembro e a n.º 170/2002, de 28 de fevereiro continuaram a ser subsidiariamente aplicáveis em matéria respeitante ao regime fiscal da interioridade, previsto, à data, no artigo 39.º-B do EBF: a primeira, para os anos de 2007 e 2008, ex vi do n.º 1 do artigo 6.º daquele diploma legal e relativamente às áreas territoriais beneficiárias; a segunda, enquanto não for publicada a Portaria a que alude o n.º 1 do artigo 8.º do mesmo diploma legal, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo e, designadamente, no que respeita à aplicação dos benefícios às atividades económicas beneficiárias.

Ora, visto o respetivo regime jurídico e tendo presente a situação de facto e a posição das partes, desde já, se adianta que a razão está do lado da Recorrida, não padecendo a decisão recorrida do erro de julgamento que lhe é assacado, visto que as regras previstas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro apenas poderão ser aplicáveis se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade.

Senão vejamos.

De referir, desde já, que a aludida questão tem sido objeto de julgamento, por diversas vezes, por parte do STA, no âmbito, designadamente, dos processos nºs 0115/15, de 09.09.2015, 494/16, de 18.05.2016, 493/16, de 18.05.2016, 482/16, de 12.10.2016, e 0206/13, de 14.10.2020.

Assim, uma vez que a questão analisada nos supracitados Arestos é, em tudo, idêntica à dos autos, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no último dos citados Acórdãos, do qual se extrata na parte que para os autos releva o seguinte:

“In casu apenas está em causa saber se a actividade económica exercida pela ora Recorrente pode ou não considerar-se beneficiária.

A sentença entendeu que não, pois entende que à situação é aplicável, por força do disposto no art. 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, que exclui a agricultura das actividades susceptíveis de beneficiar do benefício fiscal à interioridade e Louvou-se nos referidos acórdãos do Tribunal Constitucional para considerar que essa interpretação não enferma de inconstitucionalidade.

A Recorrente sustenta que não pode aplicar-se à situação a Portaria n.º 170/2002 na parte em que exclui a agricultura do âmbito do referido regime fiscal. Se bem interpretamos a motivação do recurso e respectivas conclusões, entende, com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que, prevendo expressamente o n.º 1 do art. 39.º-B do EBF as actividades beneficiárias – e, entre elas, a actividade agrícola –, não há que convocar a Portaria n.º 170/2002 para aferir se a actividade agrícola é ou não actividade beneficiária para efeitos de aplicação do regime fiscal à interioridade.

Afigure-se-nos que a Recorrente tem razão.

Vejamos:

É inequívoco que o art. 39.º-B do EBF, aditado pelo art. 83.º, n.º 1, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), previa a concessão de benefícios fiscais relativos à interioridade, designadamente, «[à]s empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola».

Ou seja, o referido artigo previa (como, depois, o art. 43.º do mesmo Estatuto) que os benefícios fiscais à interioridade se aplicam, entre outros, ao sector da agricultura.

É certo que, como deixámos já dito, o n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que veio estabelecer as normas de execução daquele art. 39.º-B do EBF, remetia, até ser aprovada a portaria conjunta por membro do Governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, cujo art. 2.º, alínea a), como deixámos já dito, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola.

Mas, será que do confronto entre o art. 39.º-B do EBF e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro resulta que o benefício fiscal à interioridade não é aplicável à actividade agrícola, como considerou a AT? Dito de outro modo, será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efectuada ex vi do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, tem a virtualidade de derrogar o art. 39.º-B do EBF, designadamente excluindo a actividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício? A nosso ver, não.

Desde logo, porque assim o não permite a hierarquia das normas. Vejamos:
Na verdade, a referida portaria constitui um regulamento, ou seja, citando o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 1100/11 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc5328f21fd98fb6802579c30059534e. ), «uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2.ª Edição, pág. 248)».

A referida portaria, quanto à relação com a lei e às suas funções, integra os regulamentos complementares ou de execução («Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções […], os regulamentos podem ser de execução, complementares ou independentes. Os regulamentos de execução executam a lei; os regulamentos complementares desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira exequibilidade; os regulamentos independentes contêm disciplinas materialmente inovatórias» (MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2007, pág. 246).), que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1548/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b977d4ce1df1371f80257d690031b143.) «consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo…são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.

Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.

Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento.”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».

Constituindo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, um regulamento (normas emanadas do exercício da função administrativa), importa ter presente que fica sujeita ao princípio da legalidade administrativa nas suas duas vertentes (Seguimos aqui de perto o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com o n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004, no Diário da República de 14 de Agosto de 2004 (https://dre.pt/application/file/716772), págs. 12589 a 12600, também disponível em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/33aaeac315ebfe1d80256e21003d5f11.): o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os actos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses actos têm de se fundar em leis (Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, págs. 131 e 132, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 922 e 923).

Assim, um regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, pág. 200. No mesmo sentido, também FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, volume II, Almedina, 2001, pág. 160, onde afirma que «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos “secundum legem”, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (ob. cit., pág. 160)).

Concluímos, pois, que a referida portaria não pode contradizer o disposto no art. 39.º-B do EBF (depois, art. 43.º do mesmo Estatuto), sob pena de nulidade (Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. e vol. cit., que, a págs. 256/257, afirmam: «Os regulamentos que violem a lei ordinária têm também como único desvalor admissível a nulidade. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até à sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação. Ou seja, o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto»).

E nem se diga que essa contradição foi querida pelo legislador, na medida em que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, resulta do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, diploma este através do qual – como deixámos já dito e é referido no respectivo Preâmbulo – visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais».

Desde logo, porque não é isso que resulta do teor do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, que diz apenas que «[à]s medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior», depois de, no n.º 1 do mesmo artigo referir que «[a]s disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social».

Ou seja, a nosso ver, o que resulta da letra da lei é que, em ordem a assegurar o respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa – que poderão ser considerados como auxílios de estado (Sobre a temática dos auxílios de Estado e com numerosas referências doutrinais, vide o primeiro de muitos acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 29/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4e814ebe3e52143980257b65003c2170. ) –, será aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social e que, até que essa portaria seja aprovada, serão aplicáveis àqueles incentivos as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.
Mas que decisão da Comissão Europeia é essa a que se refere o n.º 1 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março?

A nosso ver, não será outra senão aquela a que se refere o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro (que, como deixámos já dito, veio regulamentar a Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro). Conforme já referimos, no preâmbulo daquele diploma, depois de se referir que os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade criadas pela Lei n.º 171/99, «por serem susceptíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia», logo se esclarecia que «[n]o passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis», motivo por que se encontravam «reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei».
Ou seja, o Estado Português, porque o regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior constantes da Lei n.º 171/99 podiam ser considerados auxílios estatais (com finalidade regional), susceptíveis, pois, de contender com a política de concorrência prosseguida pela União Europeia [cfr. art. 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao então vigente art. 87.º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE)], procedeu à notificação da Comissão Europeia do respectivo projecto, nos termos do art. 88.º do TCE – hoje, corresponde-lhe o art. 108.º (Cujo n.º 3 dispõe: «Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.º, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final».) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) – (Segundo o estatuído no art. 108.º do TFUE (anterior art. 88.º do TCE) é da competência exclusiva da Comissão Europeia o exame permanente dos regimes de auxílios de Estado, em cooperação com os Estados-Membros, «com vista a impedir a entrada em vigor de ajudas contrárias ao Tratado, como se conclui do Acórdão Lorenz« (cfr. JOÃO NOGUEIRA DE ALMEIDA, A Restituição das Ajudas de Estado concedidas em Violação do Direito Comunitário, Coimbra, 1994, pág. 58 e segs.). Para tanto, é estabelecido um sistema de controlo prévio dos auxílios novos, previsto no n.º 3 do mesmo preceito e no art. 2.º do Regulamento do processo [Regulamento (CE) N.º 659/1999 do Conselho de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do art. 93.º do TCE], segundo o qual a Comissão deve ser informada, em devido tempo, dos projectos de auxílio, antes da sua execução.
«A fase preliminar do processo de controlo dos auxílios novos inicia-se, assim, com a notificação do projecto de auxílio, devendo os Estados […] utilizar, para o efeito, formulários recomendados pela Comissão. A obrigação de notificar previamente os projectos de auxílio é uma obrigação incondicional dos Estados relativos a auxílios novos, incluindo a modificação dos existentes […]» (cfr. ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, Auxílios de Estado e Fiscalidade, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 271).).

A essa notificação respondeu a Comissão em 19 de Setembro de 2001, informando «o Governo português de que, após ter examinado o regime em questão face às Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE C 74 do 10.3.1998) e das Orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE C 334 do 12.12.1995), decidiu, nos termos do artigo 87.º do Tratado e do artigo 61.º do Acordo EEE, não levantar objecções à sua execução, já que os auxílios acima referidos satisfazem as condições estabelecidas para poderem ser considerados compatíveis com o mercado comum ao abrigo das derrogações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 87.º do Tratado e nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 61.º do Acordo EEE» (A decisão da comissão europeia pode ser consultada em http://ec.europa.eu/competition/state_aid/cases/136246/136246_1153928_19_2.pdf.).

Mas, não podemos deixar de ter presentes duas circunstâncias relacionadas com essa notificação prévia e a respectiva pronúncia por parte da Comissão: por um lado, que o Estado Português, na consulta que efectuou à Comissão, logo deixou de fora a agricultura (bem como a pesca e a indústria carbonífera), o que, aliás, a Comissão deixou registado (No ponto II da decisão, ficou dito: «A Comissão regista o facto de o regime em questão visar estimular o desenvolvimento regional através da concessão de auxílios à realização de projectos de investimento e acções susceptíveis de contribuir para a criação de emprego e para a modernização e dinamização das empresas localizadas nas regiões menos desenvolvidas do interior de Portugal. A este título, beneficia de um orçamento anual de 10000 milhões de escudos (+/ - 50 milhões de euros) e será aplicável até ao final de 2003, fora dos sectores da agricultura e da pesca, bem como da indústria carbonífera»».); por outro lado, que os benefícios em sede de IRC ao abrigo do regime em análise também não foram aqui considerados, como a Comissão também deixou registado (Como ficou dito na referida decisão, na nota de rodapé com o n.º 1: «Nos termos do dispositivo projectado pelas autoridades portuguesas, algumas destas empresas [localizadas nas áreas elegíveis] poderão beneficiar igualmente de uma redução das taxas do imposto sobre o rendimento (a taxa normal do imposto seria fixada em 25%, em vez dos actuais 32%, enquanto a taxa reduzida de imposto, aplicável às empresas cujo rendimento anual não excede 150000 euros, seria fixada em 15%, em vez dos actuais 20%). Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».).

Ou seja, a referida notificação do Estado Português à Comissão para efeitos de averiguar da compatibilidade dos auxílios em causa com o TCE e a decisão desta não se referem à agricultura – porque o próprio Estado Português a excluiu do âmbito do regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior –, nem se referem ao IRC, porque, como a decisão da Comissão refere expressamente, «Esta vertente será contudo aplicada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 69/2001 da Comissão relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios de minimis (JOCE L 10 de 13.1.2001) e não é abrangida pela presente notificação».

Não será, pois, no respeito pela decisão da Comissão que poderá encontrar-se a justificação para afastar a aplicação dos incentivos em causa à agricultura e sustentar a exclusão desta actividade do âmbito daquela aplicação, nos termos da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, e até que seja aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social.

Aliás, no art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 não se diz – contrariamente ao que parece sustentar a AT na fundamentação liquidação adicional impugnada – que as medidas de incentivo, até à aprovação da referida portaria conjunta, só serão aplicáveis às actividades previstas no art. 2.º da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, ou seja, que estão excepcionadas do benefício a actividade da agricultura, nos termos da alínea a) desse preceito.

Mas, se assim fosse (ou seja, se da remissão efectuada pelo art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 para a Portaria n.º 170/2002 resultasse excluída a agricultura do âmbito de aplicação do regime o benefício fiscal à interioridade fixado pelo art. 39.º-B do EBF, na referida redacção), sempre teríamos de concluir pela sua ilegalidade: não podia o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, conferir à Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, a virtualidade – que a hierarquia das normas lhe não confere – de revogar ou, pelo menos, de suspender a aplicação do art. 39.º-B do EBF, que foi aditado ao EBF pelo art. 83.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Em conclusão, as regras previstas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro apenas poderão ser aplicáveis se e na medida em que não limitarem o âmbito do benefício fiscal relativo à interioridade.

Por tudo quanto deixámos dito, entendemos que a liquidação adicional – que a AT estribou no entendimento de que de os benefícios fiscais à interioridade, previstos no art. 43.º do EBF não contemplam a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, atento o disposto no n.º 2 da Portaria n.º 170/2002 de 28 de Fevereiro (cfr. facto provado sob o n.º 1), não pode manter-se com essa fundamentação, que foi a única utilizada pela AT.

E porque no domínio do contencioso de mera legalidade, em que se integra a impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados (Neste sentido, entre outros, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 19 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 874/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0afc57c5f9094163802573ca0057a626;
- de 2 de Março de 2011, proferido no processo n.º 49/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/247bcd945cbdcc068025784e0050fa15.

Sustentando a mesma tese, vide também, entre muitos outros e com numerosa indicação de jurisprudência e doutrina, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 371/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34ec720a1ff520008025790600465893.
Na doutrina, vide: - MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, pág. 479, que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, pág. 1329, onde que diz que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»; - MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, pág. 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».), não pode o tribunal, perante a constatação da ilegalidade do fundamento que suportou o acto impugnado, apreciar se aquela actuação poderia basear-se em quaisquer outros fundamentos. Por tudo o que ficou dito, o recurso merece provimento. A sentença recorrida será, pois, revogada e, na procedência da impugnação judicial, anular-se-á a liquidação adicional impugnada, tudo como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O art. 39.º-B, aditado ao EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), instituiu um regime de benefícios fiscais à interioridade para as «empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior».

II - Nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 – diploma por que visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais» – devia ser aprovada uma portaria, da competência conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, destinada a estabelecer as disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação do regime da interioridade, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa (n.º 1) e, até lá, mantém-se em vigor a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro (n.º 2).

III - Sendo certo que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola [art. 2.º, alínea a)], a mesma, nessa parte, não pode considerar-se aplicável por remissão do referido art. 8.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2008, na medida em que essa aplicação implicaria a revogação ou, pelo menos, a suspensão do art. 39.º-B do EBF.

IV - A interpretação contrária implicaria a ilegalidade da referida portaria por violação da hierarquia das normas, pois aquela, como regulamento de execução que é, não pode conter qualquer norma contra ou praeter legem, sob pena de nulidade.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, aderindo na íntegra à fundamentação jurídica supra expendida, e tendo por presente que in casu, a única questão controvertida e sindicada se coaduna com o âmbito de abrangência atinente à atividade económica exercida pela Recorrida, e a concreta possibilidade de usufruir do benefício em questão, ter-se-á de concluir, na linha do sentenciado e bem pela decisão recorrida, que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, efetuada ex vi do referido n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, não tem a virtualidade de derrogar o artigo 39.º B do EBF, designadamente excluindo a atividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício.

Uma nota final para evidenciar que, carece de qualquer relevo o evidenciado em 10) a 14), na medida em que tal causa de pedir não foi objeto de qualquer apreciação por parte do Tribunal a quo - naturalmente por a resultar prejudicada- não competindo, assim, qualquer dilucidação sobre a mesma.

Face ao exposto, improcede na íntegra a aludida alegação.

Prosseguindo, ora, com os encargos financeiros.

Como visto, a Recorrente, advoga, outrossim, erro de julgamento quanto à dedutibilidade dos encargos financeiros, porquanto inversamente ao sentenciado a AT colocou fundadamente em causa a indispensabilidade do custo.

Densifica, para o efeito, que a própria contabilidade da Impugnante, reflete que esta contraiu empréstimos bancários num valor total de € 1.585 227,18, os quais geraram custos do exercício, concretamente juros por si suportados, no valor de € 86.848,17.

Mais refletindo, a existência de operações de financiamento feitas pela Impugnante a favor da S… SA, da qual aquela é a única acionista, no montante de € 960.399,80.

Logo, nenhuma irregularidade e ilegalidade pode ser apontada à correção realizada, concernente aos encargos com os juros proporcionais aos empréstimos efetuados pela impugnante à S… S.A., no valor de € 52.616,41, não obstante não seja colocada em causa a existência dos empréstimos contraídos pela Impugnante à banca, nem o valor dos juros que estes provocaram e suportados no exercício em análise.

Vejamos, então.

Atentando no respetivo Relatório de Inspeção os fundamentos que legitimam a correção em contenda, são os que infra se descrevem:

Mediante análise dos elementos contabilísticos constatou-se:
· O saldo das contas 2311 - empréstimos bancários de curto prazo apresenta um saldo no final do exercício de 500.000,00€
· Conta 2312 - empréstimos bancários de médio longo prazo um saldo no final do exercício 1.085.227,18€,
· Totalizando, assim, um saldo final do exercício em empréstimos bancários no valor de 1.585.227,18€.
· A conta 6811 – juros suportados – empréstimos bancários apresenta no final do exercício um saldo de 86.848,17€.
· A conta 253907 – Acionistas/sócios - empresas associadas – S… SA apresenta um saldo devedor no final do exercício de 960.399,80€.
· Face a esses registos contabilísticos, conclui que há que corrigir a dedutibilidade fiscal dos custos financeiros suportados nestas operações por uma parte, respeitar a empresa associada, não obstante reconhecer e sublinhar que não é colocada em causa a existências destas operações de financiamento entre empresas associadas, que por diferentes razões serão justificáveis.
· Corporiza, assim, uma correção de €52.616,41, em ordem a um cômputo proporcional do total dos custos financeiros suportados pelo sujeito passivo, e os empréstimos à empresa associada, sindicando a falta de indispensabilidade do custo.

O Tribunal a quo, não validou este entendimento porquanto ajuizou que a AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, na medida em que não demonstrou os pressupostos de facto que permitiam, fundadamente, pôr em causa a indispensabilidade do custo, limitando-se a invocar a existência de empréstimos a uma associada, sem que, tão-pouco, se tenha apurado da concreta onerosidade ou gratuitidade do empréstimo.

Evidenciando, designadamente, que “[o] simples facto de a Impugnante emprestar dinheiro a uma sociedade participada não revela por si só a dispensabilidade do custo. Com efeito, se o empréstimo feito pela Impugnante tiver carácter oneroso, existe um rendimento gerado pelo empréstimo, pelo que o juro do empréstimo bancário poderia ser susceptível de dedução. Já assim não será se o empréstimo for realizado a título gratuito (neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.11.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0107/11, disponível em www.dgsi.pt). Ora, a Administração Fiscal nada refere quanto ao carácter gratuito ou oneroso da operação de financiamento da empresa participada, pelo que não podia a mesma, sem mais, concluir pela dispensabilidade do custo.

Concluindo, assim, que a AT não colocou fundadamente em causa a dispensabilidade dos custos financeiros, motivo pelo qual não podia proceder à correção em análise, subsumindo-se, por conseguinte, no artigo 23.º do CIRC.

E a verdade é que, atentando na fundamentação supra não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no arguido erro de julgamento, na medida em que interpretou adequadamente o regime normativo com a devida transposição para o caso vertente.

Senão vejamos.

Como visto, do teor do Relatório Inspetivo, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23.º do CIRC, e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal assentou apenas na falta de indispensabilidade dos aludidos custos.

Convoquemos, então, o quadro normativo com as devidas considerações reputadas de relevo.

Importa, relevar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nomeadamente os seguintes:

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso(…)”

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo, podendo, no entanto, aferir-se a existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (1-TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135).

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (2-Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.).

Significa, portanto, que um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. Logo, a AT apenas pode desconsiderar os custos que se demonstrar que foram contraídos para a prossecução de objetivos alheios.

Está, portanto, “[a]rredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.). (3-In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0627/16, de 28.06.2017.)

Em termos de ónus probatório, importa, ainda, relevar que impende, a montante, sobre a AT por em causa a indispensabilidade dos custos, competindo ao sujeito, após essa fundada sindicância, demonstrar que os custos cumprem, efetivamente, esse desiderato.

Uma vez convocado o regime jurídico e tecidos os considerandos de direito que para os autos relevam, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu nos erros de julgamento que lhe são assacados.

In casu, como visto, a decisão recorrida entendeu que a AT não pôs, fundadamente, em causa a indispensabilidade dos custos financeiros, sendo que o ónus da prova se encontra, primeiramente, na esfera da AT, e assim também o entendemos.

Senão vejamos.

Com efeito, as premissas que nortearam as correções respeitantes aos encargos financeiros mais não representam que juízos conclusivos, carecendo da concreta enunciação dos pressupostos de facto demonstrativos dessa falta de indispensabilidade.

Com efeito, e tendo por base a fundamentação contemporânea do ato, constante do respetivo Relatório de Inspeção Tributária, retira-se que a AT se limita a convocar os lançamentos contabilísticos atinentes aos empréstimos contraídos, aos empréstimos concedidos, e aos juros suportados, para daí, sem mais, retirar que parte desses encargos financeiros não são dedutíveis por respeitarem a uma empresa associada.

Mas, a verdade é que essa mera asserção de facto, não permite, sem mais, pôr em causa, entenda-se de forma fundada, a indispensabilidade do custo.

Note-se que, a AT não coloca em causa que os empréstimos ocorreram e que foram, efetivamente, suportados custos financeiros, limitando-se, de forma absolutamente conclusiva, a inferir que parte desses encargos respeitam a empresa associada, donde há que recusar, proporcionalmente, a sua dedutibilidade fiscal.

Ficam por corporizar, densificar e demonstrar as realidades de facto que permitem recusar a dedutibilidade fiscal em termos de business purpose, nada se discernindo, designadamente, quanto às razões pelas quais esses encargos financeiros, no concreto contexto do empréstimo em contenda, não são dedutíveis, quando não é, tão-pouco, ensaiada a sua real proveniência, e não se demonstrando, ademais, que o mesmo possua natureza gratuita, ou seja, que a Recorrida não exigiu, de todo, o pagamento de quaisquer juros. Não logrando, assim, mérito a alegação da Recorrente evidenciada em 22) e 25) na medida em que não tem o menor respaldo no acervo fático dos autos.

Por outro lado, é estabelecida uma proporção inferindo-se um valor que se reputa como adequado mediante confronto entre o empréstimo obtido e o empréstimo concedido e o total dos juros suportados, mas a verdade é que não é minimamente substanciado o apuramento dessa proporção, sendo que fica por demonstrar se os encargos financeiros apresentam uma linha de uniformidade tal -mormente, em termos de caraterísticas do empréstimo, condições particulares, diferentes tipos de taxas de juros e outras variáveis que carecem de valoração casuística- que legitimem esse apuramento, alegadamente, proporcional.

Aliás, nada é minimamente substanciado nesse e para esse efeito, nem, tão-pouco, é densificado em termos quantitativos esse apuramento, aventando-se, contudo, que o seu cômputo assenta numa “regra três simples”.

Logo, as razões avançadas pela AT não permitem descortinar que inexiste qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica. Até porque, como já evidenciado anteriormente, um custo indispensável não tem de ser um custo que diretamente implique a obtenção de proveitos, porquanto, existem custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, ao abrigo do citado normativo.

É certo que, nas alegações de recurso a ora Recorrente pretende, ora, demonstrar, de forma mais particularizada, outros pressupostos de facto que permitiam adensar essa, alegada, falta de indispensabilidade, mas a verdade é que, como é consabido, tais razões não relevam por redundarem em fundamentação a posteriori.

É certo, outrossim, que a ora Recorrente, enfatiza, nesta sede, que não se antolha a razão de contrair empréstimos com pagamento de juros e simultaneamente a prestação de empréstimos sem contabilização de juros, mas a verdade é que de uma leitura atenta do RIT, verifica-se que tal realidade nunca foi convocada e controvertida, bem pelo contrário.

Com efeito, é a própria AT que evidencia, de forma clara e expressa, no seu RIT que não põe “em causa a existências destas operações de financiamento entre empresas associadas”, reconhecendo, outrossim, “que por diferentes razões serão justificáveis.”

Sendo que, mais uma vez se sublinha e inversamente ao ora aduzido -e como bem ajuizou a decisão recorrida- a questão de serem ou não pagos juros pela empresa associada, nunca foi convocada, analisada e objeto de concreta valoração pela AT, no seu Relatório de Inspeção Tributária, a qual, como visto, se afiguraria de primacial relevância.

Mais importa relevar que a jurisprudência convocada pela Recorrente, não permite, per se, legitimar a correção em causa, na medida em que a questão em apreço redunda, como visto, numa falta de enunciação e demonstração das razões de facto que permitem sindicar, de forma fundada, a indispensabilidade do custo, ou seja, a montante e na esfera da AT, carecendo, portanto, de qualquer relevo uma eventual prova a jusante por parte da Recorrida.

Note-se, neste âmbito, que a Jurisprudência vem esclarecendo, de forma clara, quanto ao âmbito objetivo e concreta subsunção no artigo 23.º do CIRC, à luz do requisito da indispensabilidade que a dedutibilidade fiscal dos custos não se pode ater à natureza do encargo. Vide, designadamente, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido no processo n.º 01402/17, de 27.06.2018.

Face ao exposto, entende-se que competia, portanto, à AT pôr em causa a indispensabilidade dos custos financeiros através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes, ónus que, como visto, não foi cumprido no caso vertente.

Como tal, a AT não cumpriu o seu ónus probatório, no sentido de pôr em causa a indispensabilidade do custo em causa, motivo pelo qual improcede a sua pretensão.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.



Lisboa, 23 de janeiro de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Coelho da Silva)