Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1315/18.7T8PBL-A.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
INTERRUPÇÃO
SUSPENSÃO
LEI ESPECIAL
REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IMPROCEDÊNCIA
RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
Apenso:
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
À interrupção da prescrição prevista no n.º 2, do art.º 187.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, não é aplicável o disposto no n.º 3, do art.º 49.º da LGT.
Decisão Texto Integral:

1. Relatório.

O INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL IP apresentou reclamação de créditos, relativos a contribuições em divida, no âmbito da execução requerida contra AA, que a impugnou invocando, além do mais, que as contribuições anteriores a 19 de setembro de 2018 se encontram prescritas.

O Reclamante respondeu à matéria da exceção e o tribunal proferiu sentença, Julgando improcedente a exceção e reconhecendo e graduando o crédito reclamado


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Inconformada com a sentença, a executada dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por decisão que declare a prescrição das contribuições em dívida anteriores a setembro de 2018.

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O Tribunal da Relação proferiu acórdão, julgando a apelação “…procedente apenas no atinente à prestação de novembro de 2006, declarando-se que em relação à mesma já decorreu o prazo de caducidade, com a legal consequência; no mais se mantendo a sentença.”.

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De novo inconformado, a Executada interpôs recurso de revista por entender que não existe dupla conforme e a título subsidiário também revista excecional, formulando as seguintes conclusões:

I. Mediante o presente recurso pretende a recorrente impugnar a douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação que julgou parcialmente procedente a apelação, com invocação de fundamento jurídico diferente do manuseado pela sentença.

II. Sendo substancialmente diferente o percurso ou o raciocínio jurídico da decisão da Relação e o da 1.ª instância, estaremos perante fundamentação essencialmente diferente, para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

III. A desconformidade entre a decisão proferida pelo Tribunal de 2.ª instância e a do Tribunal de 1.ª instância, decorrente da alteração, ainda que parcial da mesma, obsta ao funcionamento da limitação recursória resultante da chamada dupla conforme.

IV. Caso se entenda que a desconformidade entre as decisões não obsta ao funcionamento da limitação recursória decorrente da dupla conforme, sempre será admissível a revista excecional, requerida a título subsidiário, justificada pela necessidade de tutelar interesses de ordem social e jurídica, ligados à melhor aplicação do direito, à segurança e estabilidade na interpretação normativa.

V. A relação contributiva tem uma natureza tributária, pois estabelece-se entre, de um lado, pessoas singulares e coletivas (os contribuintes) e, do outro, a administração tributária, pois o Instituto da Segurança Social, I.P. é uma entidade pública.

VI. A Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que definiu as bases gerais em que assenta o sistema da Segurança Social, estabelece no artigo 60.º o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos.

VII. O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, manteve quer o prazo quer as causas interruptivas da prescrição no seu artigo 187.º.

VIII. Como estabelecem os n.os 3 e 4 do artigo 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que aquela contribuição devia ter sido cumprida, e interrompe-se pela realização de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida.

IX. Para esse efeito, “diligências administrativas” serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor.

X. No que não está especialmente regulado quanto ao prazo de prescrição serão de aplicar as regras dos artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária.

XI. O prazo de prescrição conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu, ou seja, a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, que no caso de contribuições para a Segurança Social é o dia 15 do mês seguinte a que respeita (artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de junho).

XII. A interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar (artigo 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária).

XIII. Os efeitos de uma causa interruptiva são instantâneos e determinam a abertura de um novo prazo de prescrição.

XIV. Esta é a solução constitucionalmente mais adequada e a única que acautela as razões de certeza, segurança e paz jurídica em que radica a prescrição das obrigações tributárias.

XV. Quando o Instituto da Segurança Social, I.P., notificou a recorrente em 29 de dezembro 2011 da existência da dívida, de 9.835,49 €uros, referente às contribuições de novembro de 2006 a novembro de 2011, (já) estava prescrita a contribuição de novembro de 2006, cuja obrigação deveria ter sido cumprida no dia 15 do mês seguinte.

XVI. E quando foi citada em: 26 de novembro de 2015, para pagamento das contribuições dos meses de novembro de 2014 a fevereiro de 2015; 16 de janeiro de 2017, para pagamento das contribuições dos meses de março de 2015 a julho de 2017; e 29 de novembro de 2018, para pagamento das contribuições dos meses de agosto de 2017 a junho de 2018 – não estavam (ainda) prescritas tais dívidas.

XVII. Considerando, no entanto, que nos termos previstos no artigo 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e que os factos interruptivos da prescrição (neste caso, a notificação da dívida e a citação) já ocorreram, as citações realizadas não são suscetíveis de desencadear uma nova interrupção do prazo de prescrição.

XVIII. Tendo-se iniciado um novo prazo de prescrição, em 19 de setembro de2023 (já) estavam prescritas as dívidas exequendas referentes aos meses de outubro de 2007 a outubro de 2012; de janeiro de 2013 a junho de 2015; de setembro de 2015 a julho de 2016; e de dezembro de 2016 a agosto de 2018.

XIX. O Acórdão recorrido fez uma errada interpretação da lei, descurando os diversos fatores hermenêuticos dos quais deve lançar mão o intérprete para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, violando, entre mais, o artigo 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária.

Termos em que, e no mais de Direito que Vossas Excelências,

Venerandos Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e, julgada a questão controvertida no sentido propugnado pela recorrente, revogando o Acórdão recorrido e substituído por outro que reconheça a prescrição das contribuições em dívida anteriores a setembro de 2018, com as legais consequências.

Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, farão a costumada Justiça.


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O Exm.º Desembargador Relator proferiu despacho, declarando tempestiva a interposta revista e a legitimidade da Recorrente, não admitindo a revista por existência de dupla conforme e ordenando a subida dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça, para o efeito do disposto no n.º 3, do art.º 672.º, do C. P. Civil.

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Neste Supremo Tribunal de Justiça, o relator proferiu despacho, não admitindo a revista normal atenta a formação de dupla conforme, nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 671.º, do C. P. Civil, uma vez que sendo pacíficos os pressupostos da confirmação da sentença e a votação do acórdão por unanimidade, também a fundamentação do acórdão recorrido não é “essencialmente diferente” da fundamentação da sentença e ordenou a remessa dos autos à formação prevista no n.º 3, do art.º 672.º, do C. P. Civil, para aferição dos invocados pressupostos, previstos nas als. a), b) e c), do n.º 2, do art.º 672.º, do C. P. Civil, para a admissão de revista excecional.

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A formação prevista no n.º 3, do art.º 672.º, do C. P. Civil, admitiu a revista a título excecional pela relevância jurídica qualificada da questão objeto de recurso, não se conhece (ndo) qualquer decisão do Supremo Tribunal de Justiça que a tenha apreciado, justificando-se, por isso, uma análise clarificadora e liderante por parte deste Tribunal, pois:

- tendo o acórdão recorrido considerado que ““o art. 49.º n.º 3 da LGT - aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17.12 - que estatui que a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, não se aplica subsidiariamente, às dívidas das contribuições para a segurança social - Lei n.º 4/2007, de 16.01. - pois que inexiste lacuna neste diploma, devendo entender-se que a não consagração nele de preceito igual ao da LGT foi desejado pelo legislador; ou, mesmo que assim não fosse, porque a integração da lacuna por analogia não seria possível, pois que, vg., existe diferença substancial nos prazos de prescrição: 5 anos na LSS e 8 anos na LGT e o início da sua contagem é mais rápido naquela Lei, não estando assim presente o requisito do artº 10º nº2 do CC para o recurso à analogia: que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.”,

- “O tema não é isento de controvérsia pois, independentemente da averiguação da verificação dos pressupostos da oposição de julgados invocada pela recorrente, no acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 20-05-2015 (processo n.º 01500/14, publicado em www.dgsi.pt), foi adotada posição diversa da do acórdão recorrido no sentido de ser aplicável o n.º 3 do art. 49.º da LGT às dívidas à Segurança Social.

Considerou-se para o efeito nesse aresto que, “embora a matéria relativa à prescrição das dívidas à Segurança Social esteja submetida a um regime especial (presentemente a Lei de Bases da Segurança Social – Lei n.º 4/2007, de 16 de Jan.) serão de aplicar, no que não está especialmente regulado, “as regras dos arts. 48.º e 49.º da LGT, atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu art. 1.º” – cfr. Jorge Lopes de Sousa, in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, 2.ª edição, 2010, pág. 126.”.


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Cumpre, pois, conhecer da revista excecional com sindicância do acórdão recorrido nos estritos limites identificados no acórdão da formação.

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2. Fundamentação.

A) Os factos.

As instâncias julgaram provados os seguintes factos:

i. Nos autos de execução foi penhorado a fração autónoma designada pela letra E composta de segundo andar direito, tipo T-Três e arrecadação no sótão, a segunda a contar do vão da escada para a direita do prédio urbano sito em Rua 1, freguesia e concelho de Pombal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 6797.º e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Pombal sob a ficha ..25/......12-E, sobre a qual incide:

1. Hipoteca voluntária registada pela AP 27 de 2000/12/06 a favor do Exequente (Averb. Ap ..65 de 2022/05/04), a garantir o montante máximo de 5.062.120$00, contravalor de 25.249,75 euros, sendo o capital de 3.500.000$00, contravalor 17.457,93 euros, juros, acrescidos da sobretaxa em caso de mora e despesas até 140.000$00, contra-valor 698,32 euros;

2. Penhora registada pela AP ..89 de 2013/07/11 a favor do credor Reclamante;

3. Penhora registada pela AP ..78 de 2018/04/17 do Exequente.

ii. A reclamada AA encontra-se inscrita na Segurança Social com o n.º .........15.

iii. Na qualidade de trabalhadora independente está obrigada ao pagamento das suas próprias contribuições.

iv. Nessa qualidade, a reclamada não procedeu ao pagamento das contribuições referentes aos meses de outubro de 2007 a outubro de 2012; de janeiro de 2013 a junho de 2015; de setembro de 2015 a julho de 2016; de dezembro de 2016 a dezembro de 2018 e de novembro de 2019 a fevereiro de 2020, que no total perfazem a quantia de 22.414,41 €uros.

v. Ao montante referido acrescem juros, encontrando-se vencidos, até setembro de 2023, no montante de 11.747,90 €uros.

vi. Em 29 de dezembro de 2011 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social notificou a Reclamada do extrato de conta corrente em divida desde novembro de 2006 até novembro de 2011, no valor global de 9.835,49 €uros, concedendo o prazo de 10 dias para o seu pagamento.

vii. No dia 18 de junho de 2012, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para ver reconhecida a prescrição das contribuições então em divida, o que foi indeferido.

viii. Pelo credor Reclamante foi instaurado processo executivo para cobrança coerciva das contribuições em divida, que corre com o n.º ..............09, no âmbito do qual foi concretizada a penhora referida em a), ii).

ix. Posteriormente, foram instaurados por apenso ao mencionado processo (principal), os seguintes processos:

1. Processo n.º ..............21, para o qual foi citada em 15 de outubro de 2013;

2. Processo n.º ..............35, para o qual foi citada em 27 de junho de 2014;

3. Processo n.º ..............91, para o qual foi citada em 26 de novembro de 2015;

4. Processo n.º ..............04, para o qual foi citada em 16 de janeiro de 2017;

5. Processo n.º ..............91, para o qual foi citada em 29 de novembro de 2018;

6. Processo n.º ..............61, para o qual foi citada em 30 de setembro de 2019.

x. No dia 08 de novembro de 2013, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com vista ao pagamento da quantia exequenda em 120 prestações.

xi. No dia 08 de novembro de 2013, foi deferido pela secção de processo executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o pagamento da quantia exequenda – 11.882,92 €uros – em 120 prestações.

xii. No dia 24 de julho de 2014, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com vista ao pagamento da quantia exequenda em 60 prestações.

xiii. No dia 28 de julho de 2014, foi deferido pela secção de processo executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o pagamento da quantia exequenda – 1.489,08 €uros – em 60 prestações.

xiv. No dia 08 de julho de 2016, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, dirigido a todos os processos, com vista ao pagamento da quantia exequenda em 150 prestações.

xv. No dia 08 de julho de 2016, foi deferido pela secção de processo executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o pagamento da quantia exequenda – 15.433,83 €uros – em 150 prestações.

xvi. No dia 21 de setembro de 2016, a Reclamada apresentou um requerimento junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, dirigido ao processo .............09 e apensos, no qual solicitou a substituição do bem penhorado.


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B) O direito aplicável.

O conhecimento deste Supremo Tribunal, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto da revista, é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2, 639.º 1 e 2, do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso), observando, em especial, o estabelecido nos art.ºs 682.º a 684.º, do C. P. Civil.

Atentas as conclusões da revista, acima descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pela Recorrente e que a formação prevista no n.º 3, do art.º 672.º, do C. P. Civil, considerou fundamento bastante para a admissão da revista a título excecional, consiste em saber se “…as dívidas exequendas referentes aos meses de outubro de 2007 a outubro de 2012; de janeiro de 2013 a junho de 2015; de setembro de 2015 a julho de 2016; e de dezembro de 2016 a agosto de 2018.” se encontravam prescritas em 19 de setembro de 2023, uma vez que “…que nos termos previstos no artigo 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, a interrupção tem lugar uma única vez…” (conclusões XVII e XVIII).

Conhecendo.

A resposta a esta questão da revista excecional, nos termos em que a mesma foi acolhida pela formação prevista no n.º 3, do art.º 672.º, do C. P. Civil, com a imprecisão que lhe advém da própria petição dos embargos da Recorrente e que não foi objeto de clarificação, nem na sentença dos embargos nem no acórdão recorrido que a sindicou, encontra-se contida nas alegações de apelação da própria Recorrente.

Com efeito, a primeira premissa da conclusão da apelante no sentido da prescrição encontra-se contida na conclusão XII da apelação onde expende que “XII. E quando foi citada em: 26.11.2015, para pagamento das contribuições dos meses de novembro de 2014 a fevereiro de 2015; 16.01.2017, para pagamento das contribuições dos meses de março de 2015 a julho de 2017; e 29.11.2018, para pagamento das contribuições dos meses de agosto de 2017 a junho de 2018 - não estavam (ainda) prescritas tais dívidas.”.

Por sua vez, a segunda premissa dessa mesma conclusão é a exarada na conclusão XIII da apelação, nos termos da qual “XIII. Considerando, no entanto, que nos termos previstos no art. 49.º, n.º 3, da LGT, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e que os factos interruptivos da prescrição (neste caso, a notificação da dívida e a citação) já ocorreram, as citações realizadas não são suscetíveis de desencadear uma nova interrupção do prazo de prescrição.”.

Ora, para aportar à conclusão que a Recorrente extrai dessas premissas, a saber que “XIV. Desta forma, tendo-se iniciado um novo prazo de prescrição, em 19.09.2023 (já) estavam prescritas as dívidas exequendas referentes aos meses de outubro de 2007 a outubro de 2012; de janeiro de 2013 a junho de 2015; de setembro de 2015 a julho de 2016; e de dezembro de 2016 a agosto de 2018.”, a Recorrente socorre-se de uma conclusão intermédia, de natureza fáctico jurídica cujas premissas não identifica, qual seja, que foi interrompido o prazo inicial da prescrição e se iniciou de imediato um novo prazo de prescrição, que foi o último e não voltaria a repetir-se por aplicação do disposto no art.º 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT).

Com efeito, a aplicação do disposto neste n.º 3, do art.º 49.º, da LGT, às obrigações dos autos, de natureza contributiva para a Segurança Social, a que se reporta o acórdão da formação, como integrando questão com relevância jurídica determinante da aceitação da revista a título excecional, como previsto na al. a), do n.º 1, do art.º 672.º, do C. P. Civil, e os efeitos que a Recorrente lhe associa, de decurso do prazo de prescrição das obrigações exequendas, pressupõe na sua própria formulação, o facto jurídico de interrupção do prazo inicial da prescrição e inicio imediato de um novo prazo de prescrição, o que a Recorrente não identifica por referência às vicissitudes inerentes às obrigações exequendas.

Aliás, esta questão, que Recorrente erigiu em fundamento do seu requerimento de admissão da revista a título excecional encontra-se já equacionada nas conclusões da apelação onde expendeu que:

IX. A interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar (artigo 49.º, n.º 3, da LGT).

X. Os efeitos de uma causa interruptiva são instantâneos e determinam a abertura de um novo prazo de prescrição, sendo esta a solução constitucionalmente adequada e a única que acautela as razões de certeza, segurança e paz jurídicas em que radica a prescrição das obrigações tributárias.

XI. Quando o Instituto da Segurança Social, I.P., notificou a reclamante em 29.12.2011 da existência da dívida, de 9.835,49 €uros, referente às contribuições de novembro de 2006 a novembro de 2011, (já) estava prescrita a contribuição de novembro de 2006, cuja obrigação deveria ter sido cumprida no dia 15 do mês seguinte.

XII. E quando foi citada em: 26.11.2015, para pagamento das contribuições dos meses de novembro de 2014 a fevereiro de 2015; 16.01.2017, para pagamento das contribuições dos meses de março de 2015 a julho de 2017; e 29.11.2018, para pagamento das contribuições dos meses de agosto de 2017 a junho de 2018 - não estavam (ainda) prescritas tais dívidas.

XIII. Considerando, no entanto, que nos termos previstos no art. 49.º, n.º 3, da LGT, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e que os factos interruptivos da prescrição (neste caso, a notificação da dívida e a citação) já ocorreram, as citações realizadas não são suscetíveis de desencadear uma nova interrupção do prazo de prescrição.”.

Como resulta da exegese do corpo e das conclusões da apelação e da revista, citando o disposto no n.º 3, do art.º 49.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovado pelo Dec. Lei, n.º 398/98, de 17 de Dezembro e pretendendo que o mesmo determina a prescrição das obrigações exequendas reclamadas, a Recorrente não demonstra em que concretos termos a aplicação dessa norma determinaria a invocada prescrição, sendo notória a falta de uma das premissas suscetíveis de sustentarem essa conclusão

Não obstante, vejamos.

O prazo de prescrição das obrigações exequendas relativas a contribuições obrigatórias para a segurança social é de cinco anos, contando-se a partir da data em que a obrigação deveria ser cumprida, como dispõem o n.º 3, do art.º 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprova as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social e o n.º 1, do art.º 187.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS, Código), aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, disposto o primeiro que “3 - A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida” e o segundo que “1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respectivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida”.

Tais obrigações regem-se pela Lei de Bases e Código citados e subsidiariamente quanto à relação jurídica contributiva, pela LGT e quanto à responsabilidade civil, pelo C. Civil, como determinam as als. a) e b), do art.º 3.º do CRCSPSS.

No que diretamente respeita à prescrição das obrigações contributivas, dispõe o n.º 2, do art.º 187.º, do Código que “O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.” e o n.º 3, do mesmo art.º 187.º que “O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral.”.

No âmbito da invocada prescrição estão as obrigações contributivas identificadas no facto provado sob o n.º vi, segundo o qual “…a reclamada não procedeu ao pagamento das contribuições referentes aos meses de outubro de 2007 a outubro de 2012; de janeiro de 2013 a junho de 2015; de setembro de 2015 a julho de 2016; de dezembro de 2016 a dezembro de 2018 e de novembro de 2019 a fevereiro de 2020, que no total perfazem a quantia de 22.414,41 €uros.”.

Nos termos do facto provado sob o n.º vi, “Em 29 de dezembro de 2011 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social notificou a Reclamada do extrato de conta corrente em divida desde novembro de 2006 até novembro de 2011, no valor global de 9.835,49 €uros, concedendo o prazo de 10 dias para o seu pagamento.”, sendo este o facto determinante da interrupção da prescrição de tais obrigações, nos termos previstos no n.º 2, do art.º 187.º do Código, embora a Recorrente o não qualifique como tal nas suas alegações, das quais não decorre qual o primeiro facto interruptivo que obstaria a uma segunda interrupção.

Não estabelecendo o Código o regime legal desta interrupção, o que também acontece com a própria LGT, a definição dos termos/efeitos desta interrupção não pode deixar de ser a estabelecida pelo C. Civil, subsidiariamente aplicável, tanto às obrigações de natureza tributária estrita, como às contribuições para a Segurança Social, a que classicamente se atribui a designação de obrigações de natureza parafiscal.

Relativamente aos efeitos comuns da interrupção, sob a epígrafe, “efeitos da interrupção”, dispõe a 1.ª parte do n.º 1, art.º 326.º do C. Civil, que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo…”.

O n.º 1, do art.º 327.º, do C. Civil, sob a epígrafe “Duração da interrupção”, consagra, todavia, um regime especial quanto aos mesmos efeitos da interrupção, dispondo que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”.

E assim, enquanto os efeitos comuns da interrupção da prescrição se definem pelo binómio, inutilização do prazo decorrido e início de novo prazo, no regime especial estabelecido pelo n.º 1, do art.º 327.º, esse binómio sofre alteração quanto ao segundo factor, nos termos da qual “…o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”.

A notificação que constitui o facto provado sob o n.º vi não integrará a previsão da 1.ª parte do n.º 1, do art.º 327.º, do C. P. Civil, que pressupõe processo em curso, pelo que os seus efeitos serão apenas os estabelecidos no n.º 1, do art.º 326.º o C. Civil, a saber, inutilização do prazo decorrido e início de novo prazo.

Assim não acontece com as citações da Recorrente que integram o conteúdo dos factos provados sob os números viii e ix em que, essas sim, sempre teriam o efeito de inutilizar o prazo decorrido e obstar ao início de novo prazo, nos termos previstos no n.º 1, do art.º 327.º, do C. Civil, quer se entenda que o mesmo é diretamente aplicável, quer se entenda que o mesmo é aplicável, na delimitação dos efeitos da interrupção prevista no n.º 1, do art.º 49.º da LGT.

E aqui reside o cerne da vexata questio que a Recorrente transportou da apelação para esta revista excecional e que, embora o não tenha explicitado claramente, se traduz na impossibilidade desta segunda interrupção, especial, em virtude da primeira, comum, por aplicação do disposto no n.º 3, do art.º 49.º da LGT.

Ora, em relação à aplicação deste n.º 3, do art.º 49.º da LGT às obrigações contributivas para a Segurança Social, a jurisprudência é unívoca no sentido de que este preceito não é aplicável à causa de interrupção da prescrição de obrigações contributivas prevista no n.º 2, do art.º 187.º do Código.

Nesse sentido, como consta na fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-10-20161como já foi referido no Acórdão 1500/14 de 20.05.2015, é verdade que enquanto os factos interruptivos da prescrição das dívidas tributárias elencados no n.º 1 do artigo 49.º da LGT têm todos eles efeito duradouro (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária pp.57/58 e 69/72), assim não é quanto aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social, de regra com efeito instantâneo) com excepção da citação para a execução que tem efeito duradouro, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil.

Assim, deve entender-se que a limitação a uma das interrupções da prescrição das dívidas à segurança social apenas valha para os factos interruptivos referidos no artigo 49º nº 1 da LGT designadamente a citação para os termos do processo executivo.”.

No mesmo sentido relativamente à inaplicação do disposto no n,º 3, do art.º 49.º da LGT à interrupção da prescrição das obrigações contributivas para a segurança Social, prevista no n.º 2, do art.º 187.º do Código, refere também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-05-20242No entanto, esta norma deve ser interpretada em conjugação com os factos interruptivos duradouros constantes do artigo 49º nº 1 da Lei Geral Tributária, com o sentido de que a limitação a uma das interrupções apenas vale para os que tenham efeito duradouro, o que significa que não fica abrangida a causa de interrupção aplicável às obrigações de pagamento de cotizações e contribuições para a segurança social, consistente em diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida, em virtude do seu efeito instantâneo - cf. Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 29-01-2014, Proc. nº 01941/13; de 20-05-2015, Proc. nº 01500/14; de 29-09-2016, Proc. nº 0956/16; de 12-10-2016, Proc. nº 0984/16; e de 12-02-2020, Proc. nº 0440/10.7BECBR, todos disponíveis em www.dgsi.pt”.

Como já referido, subsequentemente à notificação que integra o facto provado sob o n.º vi, o Recorrido requereu contra a Recorrente as execuções identificadas sob os números viii e ix da matéria de facto provada, tendo esta sido citada para os termos de cada uma delas, o que integra o facto interruptivo previsto na al. a), do art.º 49.º da LGT, com os efeitos previstos no n.º 1, do art.º 327.º, do C. Civil, a saber, inutilização o prazo de prescrição decorrido e inibição de início de novo prazo.

Não sendo aqui aplicável a limitação de interrupção prevista no n.º 3, do art.º49.º da LGT, como é jurisprudência unívoca, este facto interruptivo sempre teria o efeito de impedir o início de novo prazo de prescrição.

Neste sentido, de a citação integrar a interrupção prevista no n.º 2, do art.º 187.º, do Código, com os efeitos previstos no n.º 1, do art.º 327.º, do C. Civil, se tem pronunciado a jurisprudência administrativa, como nos dá conta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-09-20233 ao referir que:

No que respeita às prestações contributivas para a Segurança Social, porque o art. 187.º, n.º 2, do CRCSPSS refere como facto interruptivo da prescrição «qualquer diligência administrativa realizada» e a citação ocorre no âmbito de um processo cuja natureza judicial está legalmente consagrada (cfr. 103.º da LGT), pode discutir-se se a citação pode integrar o conceito de diligência administrativa e, na afirmativa, se tem efeito duradouro ou meramente instantâneo (ou seja, se lhe é aplicável o disposto no art. 327.º, n.º 1, do Código Civil). O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a dar resposta positiva a ambas as questões. Cfr., entre outros, os seguintes acórdãos:

- de 20 de Maio de 2015, proferido no processo com o n.º 1500/14, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/147b2d5f793a6ef880257e5100499b0e;

- de 29 de Setembro de 2016, proferido no processo com o n.º 956/16, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c80f6d48d78f486f802580420038af92;

- de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1121/16, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/87a55ab75d6197848025807d004fe4a4;

- de 18 de Novembro de 2020, proferido no processo com o n.º 730/13.7BELRA, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/da8de8bc68800b3b8025862c004dafd8;

Também nesse sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 127 a129.).”.

Não podemos, pois, deixar de concluir, desde já, que o n.º 3, do art.º 49.º da LGT não é aplicável à interrupção da prescrição das obrigações contributivas para a Segurança Social, prevista no n.º 2, do art.º 187.º, do Código e em consequência que as obrigações contributivas exequendas não prescreveram.

Ainda que assim se não entendesse e à revelia do disposto no n.º 3, do art.º 9.º, do C. Civil se propendesse para uma interpretação do disposto no n.º 2, do art.º 187.º, do Código em conjugação com o n.º 3, do art.º 49.º da LGT segundo a qual o devedor de contribuições para a segurança social beneficiaria de um regime de prescrição mais favorável do que o devedor tributário, que consistiria na inibição de uma segunda interrupção da prescrição mesmo quando a primeira tivesse como efeito a inutilização do prazo decorrido e não também a paralisação do inicio de novo prazo, o certo é também que as obrigações exequendas dos autos também se não mostram prescritas.

Com efeito, pela 1.ª parte do n.º 1, art.º 326.º do C. Civil, que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo…”.

E assim, por força desta norma, o prazo de prescrição das obrigações cujo cumprimento foi determinado pela notificação do credor Reclamante, aqui Recorrido, foi inutilizado pela notificação de 29 de dezembro de 2011 e o novo prazo ter-se-á iniciado a 30 de dezembro de 2011.

Tendo a Recorrente apresentado pedidos de pagamento em prestações, que foram deferidos, como decorre dos factos provados sob os números x a xv da matéria de facto declarada provada pelas instâncias, e dispondo o n.º 2, do art.º 189.º do Código que “O prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações.”, o prazo de prescrição de qualquer das obrigações em causa suspendeu-se e não chegou a completar-se porque as prestações se não mostram pagas.

Nestas circunstâncias hipotéticas, mesmo não relevando os efeitos da interrupção da prescrição pela citação para as ações executivas - a qual tem efeito interruptivo da prescrição, quer no regime da LGT, sob a al. a), do n.º 1, do art.º 49.º, quer no regime geral do C. Civil, nos termos previstos no n.º 1, do art.º 323.º e com os efeitos previstos no n.º 1, do art.º 327.º, com inutilização do prazo já decorrido e inibição de inicio de novo prazo - numa interpretação do n.º 3, do art.º 49.º da LGT só aplicável às dívidas advindas de obrigações contributivas para a segurança social, aliás não admissível, nem literal, nem teleologicamente, também as obrigações exequendas se não mostram prescritas.

Não podemos, pois, deixar de concluir que as obrigações exequendas não prescreveram porque o disposto no n.º 3, do art.º 49.º da LGT não compreende na sua limitação a interrupção da prescrição das obrigações de pagamento à Segurança Social prevista no n.º 2, do art.º 187.º, do CRCSPSS e que, ainda que assim se não entendesse, no caso sub judice as obrigações exequendas não prescreveram porque o decurso do prazo de prescrição se suspendeu nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 189.º, do CRCSPSS.

Improcede, pois, a pretensão da Recorrente, nos termos em que o seu conhecimento foi aceite pelo acórdão da formação que admitiu a revista excecional, pelo que a revista não poderá deixar de ser negada.


*


3. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista.

Custas pela Recorrente, por lhes ter dado causa, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do C. P. Civil.

Lisboa, 06-11-2025

Orlando Santos Nascimento (relator)

Catarina Serra

Isabel Salgado

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1. Proferido no P. º n.º 0984/16, publicado in dgsi.pt

2. Proferido no P. º n.º 0106/21.2BEAVR e publicado in dgsi.pt:

3. Proferido no P. º n.º 05/22.0BEBJA, publicado in dgsi.pt.