Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0116/08.5BEVIS
Data do Acordão:06/19/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
PERITOS INDEPENDENTES
CONVALIDAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - São correcções por métodos directos as efectuadas em consequência de divergências quanto à qualificação de determinadas despesas como custos ou perdas para efeitos do art. 23.º do CIRC (na redacção em vigor à data) e, por isso, excluídas da possibilidade de revisão da matéria tributável ao abrigo do disposto no art. 91.º da LGT.
II - No âmbito da revisão da matéria tributável corrigida com recurso a métodos indirectos, a falta da nomeação do perito independente, como requerido pelo contribuinte, constitui preterição de formalidade legal, ainda que tenha sido justificada pela AT com a falta de publicação no jornal oficial das listas de peritos independentes.
III - No entanto, deve considerar-se convalidado o acto de fixação da matéria tributável se os peritos do contribuinte e do tribunal chegaram a acordo.
Nº Convencional:JSTA000P24680
Nº do Documento:SA2201906190116/08
Data de Entrada:02/21/2019
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 116/08.5BEVIS
Recorrente: “A…………, Lda.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 1995, 1996 e 1997, após a AT ter feito correcções à matéria tributável declarada.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1.ª- Na sequência de inspecção tributária, e com base nas respectivas conclusões, foi liquidado pela AT, com referência aos anos de 1995, 1996 e 1997, o IRC e juros compensatórios correspondentes de 20.152,29 €, 26.385,06 € e 12.162,15 €, respectivamente.

2.ª- Por não se conformar com tais actos tributários, a ora recorrente intentou acção de impugnação judicial na qual suscitou, designadamente os vícios de preterição de formalidades legais por: a) erro na aplicação do método de avaliação da matéria tributável proveniente de “despesas de representação” e “deslocações e estadias” nos montantes de 1.631.325$00, 1.325.677$00 e 1.963.692$00, respeitantes aos anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente; b) ilegalidade do procedimento de revisão da matéria tributável por métodos indirectos por não intervenção no respectivo procedimento do perito independente requerido nos termos do art. 91.º da LGT.

Com efeito,

3.ª- No que ao primeiro dos assinalados vícios concerne, a recorrente defendeu na p.i. que aqueles valores, apesar de resultarem de estimativas, presunções e múltiplos critérios subjectivos evidenciados no Relatório, foram acrescidos aos valores declarados mediante a aplicação do método das correcções técnicas, sendo que, pela sua fundamentação e conteúdo, não poderia ser-lhes aplicável tal regime, mas, sim, enquadradas no regime das correcções resultantes de presunções ou estimativas (e, como tal, obtidas por métodos indirectos) ou, então como correcções de natureza quantitativa subsumíveis ao disposto no art. 112.º do CIRC na redacção ao tempo em vigor.

4.ª- Nesse sentido, a recorrente, depois de expor as razões de facto e de direito em que alicerçou a causa de pedir respectiva, concluiu ali que o procedimento adoptado na tributação carecia de fundamento legal, e que a solução jurídica do caso quanto ao procedimento de determinação da matéria colectável a seguir só permitiria uma das duas alternativas: ou se aplicaria o regime de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, ou o regime a que alude o art. 112.º do CIRC. O que de todo em todo não tem fundamento legal é o procedimento adoptado.

5.ª- Outro foi, contudo, o entendimento assumido pela douta sentença recorrida, segundo a qual “… as correcções feitas pela AT têm de ser consideradas como «correcções técnicas», e não correcções por via dos métodos indirectos. Tais correcções não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a alterações à declaração do contribuinte face a diferente qualificação jurídica das despesas e outros elementos constantes da contabilidade. Assim sendo, não estava sequer a AT autorizada a socorrer-se dos métodos indirectos para proceder a essa correcção, uma vez que dispunha de elementos documentais e declarativos suficientes para poder efectuar tais correcções, que de resto consistiram em contabilizar e inscrever de modo diferente determinados valores previamente declarados pelo contribuinte impugnante, dando assim origem a um aumento do valor do imposto a pagar.”

6.-ª Todavia, e salvo melhor opinião, a douta sentença decidiu contra a lei aplicável ao caso sub judice, desde logo porque, mesmo que não fosse de aplicar “in casu” o procedimento de tributação por métodos indirectos, daí não resultava ter de (ou dever) aplicar-se necessária e excludentemente o método das “correcções técnicas”, pois que, como a recorrente defendera na p. i., seria então aplicável o procedimento inerente às “correcções de natureza quantitativa” operadas “nos valores constantes das declarações de rendimentos do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável…” previsto no art. 112.º do CIRC na sua redacção inicial e então em vigor, conjugado com o art. 91.º, n.º 14, da LGT, cuja redacção ao tempo em vigor dispunha que: “As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo

7.ª- Pelo que, independentemente da questão de saber se as correcções feitas pela AT (e a aplicação das percentagens de 20% e 80% utilizadas nos cálculos da matéria tributável) se basearam ou não em estimativas ou presunções, o procedimento seguido, de aplicação do método das “correcções técnicas” envolve preterição de formalidades legais por violação do disposto nos arts. 91.º, n.º 14, da LGT e 112.º do CIRC na redacção ao tempo em vigor de ambos os preceitos.

Sem prescindir,

8.ª- Na sua p.i., a recorrente arguiu ainda um outro vício dos citados actos tributários atinente à falta de participação no procedimento de revisão da matéria tributável do perito independente, cuja intervenção fora requerida no respectivo pedido de revisão.

9.ª- Salvo melhor opinião, na decisão desta questão, também a douta sentença, ao concluir pela inaplicabilidade do disposto no artigo 92.º, n.ºs 6, 7 e 8, da LGT, fez errada interpretação e aplicação da lei ao caso sub judice, esteada nas premissas de que: “1/ não pode ser imputada à AT o incumprimento de uma formalidade legal não exequível ou por facto que lhe não é imputável; 2/ atenta a complexidade legislativa acima referida, não se vê como não reconhecer que a publicação da lista de peritos independentes se inseria numa teia de condições de verificação sucessiva tendencialmente morosa, porque não estava exclusivamente na disponibilidade do Ministro das Finanças; 3/ é conhecido que, nessa altura, a simples publicação de um anúncio, diploma ou um aviso no Diário da República demorava habitualmente entre quinze dias e um mês; 4/ De qualquer maneira, a Impugnante não prova qualquer actuação ou intenção dolosa imputável à AT; 5/ Acresce que no caso dos autos não se pode dizer que a falta de perito independente afectou negativamente qualquer direito ou interesse do sujeito passivo, na medida em que os peritos das partes se reuniram sem qualquer contratempo e chegaram a acordo, que assinaram sem reservas. Em tal situação não se afigura ser provável que a intervenção do perito independente conduzisse a desfecho diferente para aquele procedimento de revisão.

10.ª- Em abono da sua decisão, o tribunal “a quo” louvou-se no Ac. do STA n.º 0368/04, de 13.05.2005, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se densificou a doutrina nele sufragada, segundo a qual: “Por carecido de regulamentação, o n.º 4 do art. 91.º da LGT não começou a vigorar em 01/01/1999 – cfr. art. 6.º do DL n.º 398/98 – mas apenas quando aquela se concretizou, nomeadamente através da Portaria n.º 640/99, de 12 de Agosto e Aviso n.º 11.545/00, publicado no Diário da República, II Série, de 25/07/2000.

11.ª- A doutrina perfilhada no citado acórdão (contra um voto de vencido) viria a ser abandonada pela jurisprudência que, entretanto, veio a enveredar por solução posta acolhida, entre outras, em decisões tomadas pelo Pleno do STA, de que se recenseiam os Acórdãos tirados no Processo n.º 686/07 (recurso por oposição de acórdãos) de 13.02.2008, publicado no Apêndice ao D. R. de 25.06.2008 e no Processo n.º 1134/12, de 13.03.2013.

12.ª- No caso sub judice, pese embora à data da reunião ainda não ter sido publicada em diário da república a lista dos peritos independentes, a verdade é que, por força do disposto na LGT, o procedimento de revisão da matéria colectável não poderia ter lugar sem que, tendo sido requerida a intervenção do perito independente, tivessem sido praticados os actos necessários a viabilizar essa intervenção.

13.ª- Conquanto a LGT não fixasse um prazo para ser dado cumprimento às normas reguladoras do procedimento normativo tendente à elaboração e publicação das listas distritais de peritos, decorre, quer da Lei da Autorização Legislativa n.º 41/98, de 04.08, quer do preâmbulo do Dec-Lei n.º 398/98, de 17.12, que a LGT teve como objectivos, entre outros, contribuir para uma maior segurança jurídica nas relações entre a administração fiscal e os contribuintes e o reforço ou aperfeiçoamento das garantias destes, pelo que, incumbindo à Administração dar execução às normas da LGT, v.g. os artigos 91.º a 94.º, era-lhe vedado, por imperativo daquelas normas e dos princípios da verdade material, da imparcialidade e da justiça, marcar reuniões das comissões de revisão, quando houvesse sido pedida a nomeação de perito independente, sem que tivessem sido cumpridas as formalidades legais para viabilizar a intervenção deste naquelas comissões

14.ª- Sendo certo que, a suspensão do procedimento até à nomeação do perito independente, para além de constituir um estímulo contra a letargia, a passividade, o desleixo e/ou a intenção de manter a situação de desequilíbrio a favor da Administração Fiscal, teria o mérito de propiciar uma decisão mais equilibrada, juridicamente estável e mais facilmente aceite pela recorrente.

15.ª- E o que não faz sentido é consentir-se que a falta do perito independente na reunião da Comissão de Revisão possa reverter contra a recorrente, tanto mais que o legislador da LGT confiou à intervenção daquele o objectivo de propiciar uma definição mais rigorosa e equilibrada dos direitos do Estado e dos correlativos deveres tributários dos contribuintes

16.ª- E, se é certo que os peritos da AT e do contribuinte chegaram a acordo no decurso do debate instrutório, tal circunstância é juridicamente irrelevante em sede de legalidade dos actos tributários, porquanto a irregularidade verificada – falta de designação do perito independente, requerida pelo sujeito passivo no pedido de revisão – é lógica e cronologicamente anterior ao acordo, inquinando este de ilegalidade.

17.ª- Tanto mais que não pode excluir-se a hipótese de, (mercê da participação do perito independente no debate contraditório nos termos do art. 92.º, n.º 1, da LGT) a tentativa de acordo se ter frustrado ou o acordo assumir diferente conteúdo, quiçá mais favorável à recorrente.

18.ª- Por outro lado, a nomeação do perito independente e a sua intervenção no procedimento de revisão da matéria colectável – e no âmbito deste, no debate contraditório – decorre de imperativo legal, v.g. do art. 92.º, n.ºs 1 e 3, da LGT, constituindo uma formalidade essencial, cuja preterição afecta a validade do procedimento de revisão, e fere de ilegalidade, quer o acordo entre os restantes peritos, quer as subsequentes liquidações de IRC.

19.ª- Por seu turno, ao contrário do que propugna (mas não fundamenta) a sentença sob recurso, a falta do perito independente afectou negativamente os direitos e legítimos interesses da recorrente, desde logo porque a sua intervenção no debate contraditório seria apta a conformar o acordo dos peritos com um conteúdo mais vantajoso para a recorrente ou poderia mesmo aportar ao debate dados que desaconselhassem o acordo alcançado.

20.ª- Acresce que, o perito da recorrente não tomou posição sobre a falta de nomeação do perito independente. Aliás, se o tivesse feito, v.g. no sentido de dispensar a participação do mesmo no procedimento de revisão, não só teria abusado dos poderes de representação de que estava investido, como também afrontaria a lei – cfr. os arts. 91.º e 92.º da LGT, nos quais se não prevê a faculdade de o perito da AT e ou do contribuinte dispensar a intervenção do perito independente.

21.ª- A douta sentença violou as normas legais supra citadas, em especial o disposto nos artigos 91.º e 92.º da LGT, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica.

Termos em que, e nos mais de direito, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e anulando-se os actos tributários impugnados, assim se fazendo JUSTIÇA».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Após referir o objecto do recurso e enunciar as questões que cumpre apreciar – como sendo as de saber «se as correcções que a AT qualificou como “meramente aritméticas” configuram ou não correcções com recurso a métodos indirectos» e «se a falta de nomeação do perito independente no procedimento de revisão da matéria tributável constitui preterição de formalidade legal essencial que inquine de invalidade o procedimento e constitua fundamento para a sua anulação» –, teceu diversos considerandos em torno das mesmas, que concluiu nos seguintes termos: «[…]

Em face do supra exposto, entendemos que a sentença recorrida não padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, atento que o tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação das questões que lhe foram colocadas à luz dos normativos aplicáveis, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.
Na verdade, as correcções da matéria tributável em causa nos autos consistem na desconsideração de despesas contabilizadas pela Recorrente para efeitos fiscais, à luz do disposto no artigo 23º do CIRC, e não assentam em estimativas ou presunções, motivo pelo qual configuram correcções técnicas, inseridas na avaliação directa.
Por outro lado, pese embora tenha ocorrido preterição de formalidade no procedimento de revisão da matéria tributável ao não ser nomeado perito independente, por falta de publicação da respectiva lista, essa formalidade degradou-se em não essencial, ao ser obtido acordo na reunião dos peritos, pelo que não se repercute na validade do acto de fixação da matéria tributável.
Sendo este o entendimento sufragado na sentença recorrida, impõe-se a sua confirmação e a improcedência do recurso».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro deu como assentes os seguintes factos:

«1. A Impugnante dedica-se à produção de rolhas a partir de pranchas de cortiça e adquire rolhas para transformar e acabar – pág. 20 do Relatório, a fls. 20 do PA I;

2. Com base na Ordem de Serviço n.º 22712, de 29/4/1998, a AT levou a cabo a acção inspectiva externa à actividade da Impugnante que culminou com o Relatório final datado de 29/2/2000, no qual foram efectuadas correcções à matéria tributável do IRC dos anos 1995 e 1996 com recursos a “métodos indirectos” e dos anos 1995, 1996 e 1997 por métodos “meramente aritméticos” (além de correcções ao IVA em falta dos anos de 1995 e 1996, também por métodos “meramente aritméticos”) – fls. 1 e seguintes do PA I;

3. Em 16/5/2000, a Impugnante foi notificada do teor do Relatório final e da fixação da matéria tributável do IRC dos 1995 e 1996 por métodos indirectos fls. 1 do PA II;

4. Em 15/6/2000 a Impugnante requereu a abertura do procedimento de revisão previsto no artigo 91.º e seguintes da LGT, designou o seu perito e requereu a designação de perito independente – fls. 1 a 12 do PA II;

5. Em 14/7/2000 reuniram-se os peritos indicados pela AT e pelo contribuinte tendo os mesmos chegado a acordo, sem a presença do perito independente, constando da acta da reunião que o perito independente “não está presente porque, à data da realização desta reunião, não foi ainda publicada em Diário da República a lista de Peritos Independentes. Assim, em conformidade com o teor do ofício 9351, de 9 de Agosto de 1999 (anexo n.º 1, que passa a fazer parte integrante deste documento), dá-se a conhecer ao reclamante que “(…) a não nomeação (do Perito) se deve apenas à falta das listas, a elaborar pela Comissão Nacional de Revisão (…) – fls. 13 e 14 a 30 do PA II;

6. Do referido acordo resultou que o lucro tributável corrigido por métodos indirectos e correcções técnicas passou a ter os seguintes valores:
ANO
Lucro Tributário ($)
Lucro Tributário (€)
1995 (CT + MI)
20.913.830$00
104.317,74
1996 (CT + MI)
25.255.162$00
125.972,21
1997 (CT)
41.562.942$00
207.315,08

7. Em 4/10/2000 a AT efectuou as seguintes liquidações de IRC, que notificou à Impugnante:


Liquidação n.º
Exercício
IRC + JC
Data limite de pagamento
8310012300
1995
20.152,29
4/12/2004
8310012301
1996
26.385,06
4/12/2004
8310012159
1997
12.162,15
4/12/2004
8. Em 5/3/2001 a sociedade acima referida apresentou petição de reclamação graciosa contra as liquidações de IRC acima identificadas, que foi autuada em 5/3/2001 e atribuído o n.º 3441-01/400020.0 – fls. 37 e seguintes do PA II;

9. Por despacho de 15/6/2005, o Director de Finanças de Aveiro indeferiu a Reclamação Graciosa – fls. 115 a 123 do PA II;

10. Por ofício n.º 200931, de 22/6/2005, remetido sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em 23/6/2005, a AT notificou a decisão de indeferimento a que alude o ponto anterior à agora Impugnante – fls. 131 a 133 do PA II;

11. Em 26/7/2005 a sociedade referida apresentou petição de Recurso Hierárquico contra o indeferimento da referida reclamação graciosa – fls. 125 e seguintes do PA II;

12. Por despacho de 26/9/2007, o Subdirector Geral, por subdelegação, indeferiu o Recurso Hierárquico – fls. 141 a 160 do PA II;

13. Pelo ofício n.º 201937, de 17/10/2007, remetido sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em 18/10/2007, a AT notificou a decisão de indeferimento a que alude o ponto anterior à agora impugnante – fls. 161 a 163 do PA II;

14. Em 25/9/2015 foi apresentada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro a petição inicial da presente impugnação – fls. 1 e 2 do processo físico;

15. Em 15/1/2008, sob registo postal, foi remetido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu a petição inicial dos presentes autos – fls. 9 e 1 e seguintes do processo físico».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização à sociedade ora Recorrente e que abrangeu os anos de 1995, 1996 e 1997, a AT entendeu proceder a correcções à matéria tributável declarada, correcções essas que qualificou umas como “correcções aritméticas”, respeitantes a todos os anos em causa, e outras como correcções por métodos indirectos, respeitantes aos anos de 1995 e 1996. Por isso, relativamente a estes dois anos, notificou a sociedade para, querendo, pedir a revisão da matéria colectável, o que esta fez, requerendo do mesmo passo a nomeação do perito independente.
No procedimento de revisão intervieram apenas os peritos da Contribuinte e da AT, que chegaram a acordo. Não interveio o perito independente porque, nos termos que constam da acta da reunião, «à data da realização desta reunião, não foi ainda publicada em Diário da República a lista de Peritos Independentes. Assim, em conformidade com o teor do ofício 9351, de 9 de Agosto de 1999 (anexo n.º 1, que passa a fazer parte integrante deste documento), dá-se a conhecer ao reclamante que “(…) a não nomeação (do Perito) se deve apenas à falta das listas, a elaborar pela Comissão Nacional de Revisão (…)”». Ou seja, não houve intervenção do perito independente, que foi justificada pela AT com a falta de elaboração e publicação das listas de peritos independentes.
As liquidações foram efectuadas, sendo as dos anos de 1995 e 1996 com base na matéria tributável acordada entre os peritos.
A sociedade impugnou essas liquidações adicionais, imputando-lhes três vícios, que o Juiz do Tribunal a quo bem identificou como sendo i) o erro quanto aos pressupostos de direito, na parte em que a AT recorreu simultaneamente a correcções meramente aritméticas e a métodos indirectos para determinação do lucro tributável dos anos 1995 e 1996 (artigos 7 a 18 p.i.), ii) erro na qualificação como correcções “meramente aritméticas”, na parte relativa às “despesas de representação” e “deslocações e estadias” dos anos de 1995, 1996 e 1997, (artigos 19 a 25 da p.i.) e iii) ilegalidade do procedimento de revisão sem a intervenção do perito independente requerido, no que se refere às liquidações dos anos de 1995 e 1996 (artigos 26 a 46 p.i.).
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, apreciando os três vícios, julgou a impugnação judicial improcedente.
Discordando da sentença, a sociedade dela recorreu para este Supremo Tribunal com dois fundamentos, a saber, que a sentença fez errado julgamento i) quando considerou que as correcções que a AT qualificou como “meramente aritméticas” não configuram correcções com recurso a métodos indirectos ou, pelo menos, quando não considerou que essas correcções deveriam ficar sujeitas ao regime das «correcções de natureza quantitativa subsumíveis ao disposto no art. 112.º do CIRC na redacção ao tempo em vigor» (cfr. conclusões 3.ª a 7.ª) e ii) quando não relevou como preterição de formalidade legal essencial – a inquinar o procedimento de invalidade, com a consequente anulação da liquidação – a falta de nomeação do perito independente no procedimento de revisão da matéria tributável (cfr. conclusões 8.ª a 20.ª).
Assim, cumpre apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento relativamente às questões de saber i) se as correcções que a AT qualificou como “meramente aritméticas” configuram verdadeiras correcções com recurso a métodos indirectos e, consequentemente, se foi desrespeitado o procedimento relativo a este modo indirecto de fixação da matéria tributável ou, pelo menos, se as mesmas deveriam ficar sujeitas ao «procedimento inerente às “correcções de natureza quantitativa” operadas “nos valores constantes das declarações de rendimentos do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável…” previsto no art. 112.º do CIRC na sua redacção inicial e então em vigor, conjugado com o art. 91.º, n.º 14, da LGT», também na redacção em vigor à data e ii) se a falta de nomeação do perito independente no procedimento de revisão da matéria tributável tem, ou não, efeito invalidante da liquidação que se lhe seguiu.

2.2.2 A QUALIFICAÇÃO DE ALGUMAS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E RESPECTIVO PROCEDIMENTO

Relativamente aos anos de 1995, 1996 e 1997, a AT procedeu a correcções à matéria tributável subjacentes às liquidações adicionais impugnadas, designadamente no que respeita a “despesas de deslocação” e “deslocações e estadias “ contabilizadas naqueles anos, nos montantes de € 8.137,01 (Esc. 1.631.325$00), € 6.612,45 (Esc. 1.325.677$00) e € 9.794,85 (Esc. 1.963.692$00) euros, respectivamente.
A Impugnante considerou que essas correcções, não obstante terem sido denominadas e tratadas pela AT como “correcções técnicas”, assumem a natureza de correcções por métodos indirectos, uma vez que «resultam da utilização de estimativas, presunções e múltiplos critérios subjectivos, designadamente na reclassificação dos documentos e discriminação dos relativos a fim de semana ou férias em relação aos outros e segundo o valor e localidade do restaurante, na fixação da percentagem de 20% das despesas reclassificadas, e na decisão de não aceitar as despesas com alojamento no Hotel D. Pedro em 1995 e no Algarve em 1995 e 1996 e 80% das despesas reclassificadas nos anos 1995 a 1997».
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, depois de tecer diversos considerandos em torno da tributação por métodos directos e por métodos indirectos, concluiu que as correcções em causa se referiam àquela primeira modalidade, uma vez que assentam nos elementos contabilísticos apresentados pelo sujeito passivo, motivo por que não tinha, nem podia, a AT utilizar quaisquer elementos presumidos ou factos indiciários em ordem à quantificação da matéria tributável. Segundo a sentença recorrida, o que a AT fez foi, tão-só, desconsiderar, no todo ou em parte, as referidas despesas declaradas, que entendeu não poderem relevar na determinação do lucro tributável por, na sua perspectiva, não preencherem os requisitos para constituírem custos fiscalmente dedutíveis. Ou seja, segundo a sentença, a AT limitou-se a retirar (subtrair) os montantes dessas despesas ao montante total das despesas fiscalmente relevantes declaradas pelo sujeito passivo.
Em conformidade, o Juiz do Tribunal a quo entendeu que as referidas correcções operadas pela AT não podem considerar-se senão como “correcções técnicas”, não havendo motivo algum para serem qualificadas como correcções por métodos indirectos, uma vez que «não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a alterações à declaração do contribuinte face a diferente qualificação jurídica das despesas e outros elementos constantes da contabilidade».
A Impugnante não se conformou com o assim decidido e reitera, em sede de recurso para este Supremo Tribunal, que as referidas correcções devem ser consideradas como efectuadas com recurso a métodos indirectos; mas, caso não se aceite que as correcções em causa foram efectuadas por métodos indirectos, isso não significa que fosse de «aplicar-se necessária e excludentemente o método das “correcções técnicas”, pois que, como a recorrente defendera na p.i., seria então aplicável o procedimento inerente às “correcções de natureza quantitativa” operadas “nos valores constantes das declarações de rendimentos do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável” previsto no art. 112.º do CIRC na sua redacção inicial e então em vigor, conjugado com o art. 91.º, n.º 14, da LGT» na redacção ao tempo em vigor.
Vejamos:
Antes do mais, cumpre ter presente que a AT desconsiderou as despesas em causa porque entendeu que não seriam “indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto”, tanto mais que algumas eram “despesas meramente particulares dos sócios” (cfr. art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável), bem como entendeu que as despesas de representação declaradas não podiam ser consideradas senão em 80% do seu montante [art. 41.º, n.º 1, alínea g), do CIRC, na redacção do art. 27.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 1995)], motivo por que também as desconsiderou na parte em que excediam essa percentagem.
Que essas correcções não foram efectuadas com recurso a métodos indirectos ficou plenamente demonstrado na sentença, com fundamentação para a qual, porque merecedora da nossa concordância, remetemos.
Cumpre, pois, verificar apenas se, como sustenta a Recorrente, para a eventualidade de não se aceitar que as correcções em causa foram efectuadas com recurso a métodos indirectos, deveria então a AT ter seguido «o procedimento inerente às “correcções de natureza quantitativa” operadas “nos valores constantes das declarações de rendimentos do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável…” previsto no art. 112.º do CIRC na sua redacção inicial e então em vigor, conjugado com o art. 91.º, n.º 14, da LGT». Na verdade, a Recorrente defende a tese de que «o procedimento seguido, de aplicação do método das “correcções técnicas” envolve preterição de formalidades legais por violação do disposto nos arts. 91.º, n.º 14, da LGT e 112.º do CIRC na redacção ao tempo em vigor de ambos os preceitos».
Em ordem a tentar perceber o que pretende a Recorrente, recordemos o que diziam as disposições legais por ela invocadas. Dizia o n.º 14 do art. 91.º da LGT, na sua redacção original (Que veio a ser alterada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003), tendo-lhe sido retirada a referência «ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação» e mantendo-se no demais.) (que é a invocada pela Recorrente): «As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo». Por seu turno, o art. 112.º do CIRC, na sua redacção original, previa o recurso hierárquico das correcções de natureza quantitativa nos seguintes termos: «1- Sempre que, nos termos deste Código, sejam efectuadas correcções de natureza quantitativa nas declarações de rendimento do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável, será aquele notificado, pela forma estabelecida no n.º 2 do artigo 53.º, das alterações efectuadas, com indicação dos respectivos fundamentos. 2- Dessas alterações poderá o contribuinte, no prazo de 30 dias contados da notificação, interpor recurso hierárquico para o Ministro das Finanças e da decisão deste para os tribunais, nos termos da legislação aplicável. 3- O recurso previsto no número anterior terá efeito suspensivo quanto à parte do IRC correspondente aos valores contestados e deverá conter, sob pena de ser liminarmente rejeitado, os respectivos fundamentos, podendo ser-lhes juntos os documentos ou pareceres considerados relevantes. […] 5- Sempre que o contribuinte utilize o recurso previsto neste artigo, não poderá, em relação à matéria recorrida, socorrer-se dos meios de defesa previstos no artigo anterior».
Salvo o devido respeito, tal como não vislumbramos sustentação para a tese de que as correcções técnicas em causa devessem ser sujeitas ao procedimento de revisão da matéria tributável previsto no art. 91.º da LGT, também não a encontramos para a tese de que se deveria ter seguido o procedimento do art. 112.º do CIRC, na sua redacção inicial.
É que este procedimento – que visava uma reapreciação de carácter técnico da decisão primária da fixação da matéria tributável – estava previsto para aqueles casos em que eram atribuídos à então denominada Direcção-Geral dos Impostos (DGI) poderes não estritamente vinculados, que eram abundantes em sede da Contribuição Industrial, mas que passaram a ser escassos em sede de IRC. Subsistem no CIRC (Na indicação dos artigos, reportaremos à versão em vigor até à republicação do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.), é certo, alguns casos dessa denominada, impropriamente, discricionariedade técnica, v.g., o reconhecimento pela DGI dos métodos de cálculo das reintegrações e das amortizações (art. 29.º, n.º 3), a determinação de taxas de reintegração e amortização razoáveis (art. 30.º, n.º 3) e correcções derivadas das relações especiais (art. 58.º, n.ºs 11 e 12) (Neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 4 ao art. 91.º, pág. 802.).
Mas, seguramente, não é esse o caso das correcções ora sob escrutínio: estas não resultaram senão do facto de a AT ter considerado – bem ou mal, aqui não cumpre apreciar, pois a ora Recorrente nunca o questionou – que essas despesas declaradas, ou não seriam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou seriam despesas meramente particulares dos sócios, ou ainda estavam sujeitas a limites legais.
Ou seja, a AT limitou-se a considerar que as despesas, ou por não cumprirem alguns dos requisitos legais para ou efeito, designadamente a ligação à actividade da sociedade, ou por excederem os limites legais, não podiam ser consideradas como custos fiscalmente dedutíveis. Esse juízo não incorpora margem de discricionariedade alguma. Estamos, pois, perante correcções técnicas, que a AT faz à matéria tributável declarada, com recurso à avaliação directa, mas exclusivamente em consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou; nessas correcções não está envolvida qualquer juízo que envolva uma margem de apreciação por parte da AT, o que, sem necessidade de outros considerandos, nos permite concluir pela impossibilidade do recurso ser provido nesta parte.
A sentença recorrida, nesta parte, andou bem ao considerar não haver preterição alguma de formalidade legal, motivo por que não merece censura.

2.2.3 DA FALTA DE NOMEAÇÃO DO PERITO INDEPENDENTE

Já no âmbito das correcções por métodos indirectos, a Recorrente sustenta também que a sentença fez errado julgamento quando não reconheceu a verificação do erro de forma por preterição da formalidade legal decorrente da não nomeação do perito independente, por ela requerida quando apresentou o pedido de revisão da matéria tributável ao abrigo do art. 91.º da LGT.
Na verdade, a ora Recorrente pediu a nomeação do perito independente, como lho permitia o n.º 4 do art. 91.º da LGT, e este não foi nomeado, com a justificação de que, à data em que foi formulado o pedido de revisão, ainda não havia sido organizada e publicada qualquer lista distrital de peritos.
A AT entendeu que esse facto não obviava à prossecução do procedimento de revisão e fez constar da acta da reunião dos peritos – note-se que o procedimento é conduzido pelo perito da AT (cfr. art. 92.º, n.º 2, da LGT) – a justificação constante do ofício da Direcção de Serviços de Justiça Tributária n.º 9351 de 9 Agosto de 1999, segundo o qual o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através de despacho de 28 de Julho de 1999, adoptou o entendimento de que «a falta de organização das listas distritais de peritos independentes a que se refere o art. 94.º da LGT não deve ser impedimento da normal tramitação dos procedimentos de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos».
A sentença não atendeu a argumentação aduzida na petição inicial, de que a falta de nomeação do perito independente constituía preterição de formalidade legal, e a Impugnante recorre da sentença também nessa parte.
Louvou-se a sentença num acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Abril de 2005, proferido no processo n.º 368/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e8a5947259c84b0f80256fe800330a40.), mas, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal no parecer que emitiu, o entendimento da jurisprudência consolidou-se em sentido diverso. Na verdade, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo firmou o entendimento jurisprudencial no sentido de que: «I- O regime de intervenção de perito independente, a requerimento do contribuinte, previsto nos arts. 91.º e 92.º da LGT, é aplicável a todas os pedidos de revisão apresentados após a entrada em vigor da LGT, em 1-1-1999, desde que o contribuinte o requeira, nos termos do n.º 4 do referido art. 91.º. II- O facto de, no momento da entrada em vigor da LGT, não estar ainda constituída a Comissão Nacional prevista nos seus arts. 93.º e 94.º e elaborada lista de peritos independentes, não obsta ao exercício desse direito pelo contribuinte a partir da entrada em vigor da LGT, como evidencia o art. 3.º do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro. III- A falta de nomeação de perito independente requerida pelo contribuinte no procedimento de revisão, em momento anterior à publicação das listas de peritos a que se refere o artigo 93.º da Lei Geral Tributária, consubstancia preterição de formalidade legal invalidante da decisão da comissão de revisão bem como de todo o procedimento posterior, incluindo a liquidação de imposto assente na matéria tributável fixada» (Acórdão de 13 de Março de 2013, proferido no processo n.º 1134/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7e1b1bd1d88b400780257b420038076c.
Note-se que já antes o Pleno da Secção de Contencioso Tributário se tinha pronunciado no mesmo sentido, se bem que não por unanimidade, por acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 686/07, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1ada9e55bce8879802573fc003d7a7e.).
Também nós consideramos que a falta de nomeação de perito independente requerida pelo contribuinte no procedimento de revisão, em momento anterior à publicação das listas de peritos a que se refere o art. 93.º da LGT, consubstancia preterição de formalidade legal invalidante da decisão da comissão de revisão, e consequentemente de todo o procedimento posterior, incluindo o acto de liquidação adicional de imposto.
Apesar disso, concordamos com a sentença recorrida quando nesta se afirma, a título subsidiário, que «no caso dos autos não se pode dizer que a falta de perito independente afectou negativamente qualquer direito ou interesse do sujeito passivo, na medida em que os peritos das partes se reuniram sem qualquer contratempo e chegaram a acordo, que assinaram sem reservas. Pelo que não seria aplicável o disposto no artigo 92.º, n.ºs 6, 7 e 8, da LGT. Em tal situação não se afigura ser provável que a intervenção do perito independente conduzisse a desfecho diferente para aquele procedimento de revisão».
Na verdade, tendo os peritos da ora Recorrente e da AT chegado a acordo, a ausência do perito independente perdeu relevância. Vejamos:
O procedimento de revisão, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 92.º da LGT, «visa o estabelecimento de um acordo» entre os peritos do contribuinte e da AT «quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação» e «assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando a sua intervenção tiver sido requerida».
Ou seja, o legislador, abandonando o anterior sistema de reclamação para uma comissão de revisão (Órgão autónomo, mas cujo funcionamento e independência sempre mereceram muitas reservas), consagrou um verdadeiro sistema de contraditório que, apesar de conduzido pelo perito da AT, constitui um verdadeiro “processo de partes”, em que se opõem os peritos do contribuinte e da AT, eventualmente com a participação do perito independente, em ordem à tentativa de obtenção de um acordo quanto à matéria tributável, sob pena de a competência para decidir se devolver à AT (cfr. n.º 6 do art. 92.º da LGT).
No caso sub judice os peritos da AT e da ora Recorrente chegaram a acordo. O que significa, para além do mais, que, nos termos do n.º 3 do art. 92.º da LGT, a ulterior liquidação teve de respeitar a matéria tributável acordada e, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, ficou, assim, prejudicada a aplicação do disposto nos n.ºs 6, 7 e 8, que prevêem situações em que a posição do perito independente relevaria.
Afigura-se-nos, assim, e subscrevendo também o entendimento que a sentença recorrida parece ter adoptado a título subsidiário, que a formalidade em causa se degradou em não essencial, já que os fins do regime de intervenção do perito independente foram alcançados com a conclusão do acordo entre os peritos das partes intervenientes.
Assim, a preterição da formalidade legal da nomeação do perito independente configura uma mera irregularidade, que não se repercute na validade do acto de fixação da matéria tributável.
Recorde-se que a jurisprudência deste Supremo Tribunal há muito vem afirmando que não deve reconhecer-se o efeito invalidante da preterição da formalidade legal se a finalidade por ela visada foi obtida por outro meio (Vide, por todos e com numerosa indicação de doutrina e jurisprudência, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Março de 2011, proferido no processo n.º 877/09, citado pelo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4ba3ce21bedb983580257869003e099c, em que ficou dito: «[…] a jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo tem formada, desde há muito, uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las».). E esse entendimento, sustentado na doutrina e jurisprudência desde há muito, mereceu mesmo positivação no Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que na alínea b) do n.º 5 do art. 163.º do novo CPA, consagra como situações em que não se produz o efeito anulatório aquelas em que «[o] fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via».
É o que sucedeu no caso: a presença do perito independente visava, em primeira linha, ajudar à formação do acordo entre os peritos do contribuinte e da AT e, em segunda linha e na falta desse acordo, impor à AT uma exigência acrescida de fundamentação (obrigando-a a fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito independente, nos termos do n.º 7 do art. 92.º da LGT) e dispensar o contribuinte da prestação de garantia para lograr o efeito suspensivo da reclamação graciosa ou da impugnação judicial na parte em que os pareceres do perito do contribuinte e do perito independente estivessem de acordo (n.º 8 do art. 92.º da LGT). Ora, essas finalidades devem ter-se por atingida, a primeira, e por prejudicada, a segunda, em face do acordo a que chegaram os peritos da ora Recorrente e da AT.
Concluímos, pois, que o recurso também não pode ser provido com este fundamento, motivo por que se confirmará a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - São correcções por métodos directos as efectuadas em consequência de divergências quanto à qualificação de determinadas despesas como custos ou perdas para efeitos do art. 23.º do CIRC (na redacção em vigor à data) e, por isso, excluídas da possibilidade de revisão da matéria tributável ao abrigo do disposto no art. 91.º da LGT.

II - No âmbito da revisão da matéria tributável corrigida com recurso a métodos indirectos, a falta da nomeação do perito independente, como requerido pelo contribuinte, constitui preterição de formalidade legal, ainda que tenha sido justificada pela AT com a falta de publicação no jornal oficial das listas de peritos independentes.

III - No entanto, deve considerar-se convalidado o acto de fixação da matéria tributável se os peritos do contribuinte e do tribunal chegaram a acordo.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente [cfr. art. 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].

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Lisboa, 19 de Junho de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.