Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32/15.4PALSB.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI
LEIS COVID 19
NÃO RETROACTIVIDADE
LEI MAIS FAVORÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: No âmbito do Direito Penal e que a regra é sempre a da não aplicação retroativa da Lei a não ser que seja mais favorável ao arguido.

Há assim que ter em conta a natureza da prescrição que, quer seja de natureza substantiva quer de natureza mista, substantiva e adjetiva, terá sempre em vista a aplicação da lei mais favorável. É o que retiramos dos art.ºs 3.º do CP, do art.º 19º e 29º da CRP.

Acresce que o Princípio da Confiança implica a previsibilidade da lei, ou seja, implica que ninguém possa ser surpreendido com uma alteração súbita que permita ao Estado estender o seu Jus puniendi.  O artigo 2.º da CRP diz-nos que este Princípio implica   um mínimo de certeza e de segurança nos direitos e nas expetativas juridicamente criadas ou seja respeito pela garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais. 

A prescrição foi criada com vista à extinção da responsabilidade criminal do agente pelo decurso de determinado lapso de tempo, podendo incidir sobre o procedimento criminal e/ou sobre as penas, não foi criada com vista a permitir ao Estado punir mais tardiamente do que a Lei lhe permite.  

Se entendermos que a   Lei nº 1 -A 2000 de 19 Março e o seu art.º 7º n.º 3 se aplica aos processos em curso à data da sua entrada em vigor – 9 de Março 2020,   o que estamos a permitir é que normas processuais materiais   tenham efeitos mais gravosos  do que os que existiam à  data da prática dos factos.

Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, CP, as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem, pelo que é retroativa a aplicação de lei que for posterior a esse momento. E, não sendo mais favorável não é de aplicar.

Assim não é aplicável aos processos em curso à data da sua entrada em vigor a Lei nº 1-A/2020: 20 de Março de 2020.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão proferido na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos veio AMM____ interpor recurso da decisão proferida em 1.ª Instância   que a condenou como autora material e na forma consumada, de um crime de ofensa á integridade física simples, p.p.p. art.º 143º n.º 1 CP na pena de suspensa por igual período, sujeita a regime de prova.
 
Apresentou para tanto as seguintes conclusões: 
A arguida foi condenada pela prática de um crime de ofensa á integridade física simples que ocorreu em 6 de Novembro de 2014 e a sua constituição como arguida ocorreu em 11 de Novembro de 2015.
O procedimento criminal prescreveu em 11.11.2020 – art.º 118º n.º 1 c) 119º n.º 1 e 121º n.ºs 1 e 2 CP muito antes da data em que foi deduzida a acusação – 30 Abril de 2021.
Ao não apreciar a questão da prescrição do procedimento criminal, o tribunal a quo cometeu omissão de pronuncia geradora de nulidade da sentença – art.º 379º n.º 1 c) CPP.
Deve declarar-se a nulidade da sentença por omissão pronúncia e declarar
posteriormente a prescrição.
 
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Pronunciou-se o MP em 1.ª Instância 
I - A arguida AMM____ vem interpor recurso da douta sentença proferida nos autos, que entre o mais, a condenou, pela prática, em 06.11.2024, de um crime de ofensa á integridade física simples. 
II – Invoca a arguida a prescrição do procedimento criminal. 
III - Requer assim a declaração de tal prescrição com o consequente e oportuno arquivamento dos autos. 
IV - Não podemos concordar com a arguida, pois que atento o disposto nos artigos 143º, n.º 1, 118º, n.º 1, al. c), 121º, n.ºs 1, als. a), b) e d) e 2, 120º, n.º 1, al. b) todos do C.Penal e bem assim nas Leis n.º 1-A/2020, de 19 de março e no 4-B/2021 de 1 de Fevereiro, ainda não se mostra prescrito o presente procedimento, o qual aliás tem o seu prazo prescricional suspenso desde 10.05.2021. 
V - Cremos por isso que andou bem o Tribunal a quo, ao não apreciar a questão da prescrição, que ainda que de conhecimento oficioso, não se verifica no caso presente. 
Em suma, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a douta
sentença proferida, V. Exas farão a costumada e habitual Justiça. 
***
Neste Tribunal emitiu a Digna Procuradora-Geral adjunta parecer no sentido de que no caso dos autos não existe prescrição a invocar. 
Por todo o exposto e demais argumentações apresentadas pela magistrada do Ministério Público da Primeira Instância, o recurso deve improceder, mantendo-se a decisão recorrida.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º n.º 1 CPP sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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Cumpre decidir
A questão a tratar é unicamente a da prescrição ou não do procedimento criminal pelo que é da mesma que passaremos a conhecer.
 Invoca ainda a recorrente Omissão de Pronúncia no que não tem qualquer razão 
 Na verdade, haveria omissão de pronúncia se tivesse sido requerido ao tribunal que se pronunciasse sobre a questão da prescrição e o Tribunal não o tivesse feito.
 Nem sequer sabemos a interpretação que o tribunal a quo faz da existência ou não de prescrição do procedimento criminal já que nada consta dos autos que nos diga que a questão foi colocada.
Assim não tendo este Tribunal elementos para concluir pela omissão de pronúncia, não procede o recurso neste ponto e o recorrente mais á frente perceberá porque assim é.
Caso existisse essa nulidade não poderia este Tribunal de Recurso substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a nulidade.
Vejamos então no que respeita á verdadeira causa deste recurso:
De acordo com o disposto no art.º 120.º CP 
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: 
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; 
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; 
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou 
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; 
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; 
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos. 
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. 
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo. 
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional. 
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
 
A interrupção da Prescrição tem lugar de acordo com o disposto no art.º 121.º
 
a) Com a constituição de arguido; 
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; 
c) Com a declaração de contumácia; 
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido. 
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
 
Assim, a suspensão da prescrição do procedimento criminal significa que o prazo não corre enquanto se verifique a causa de suspensão, mas terminada, retoma-se a contagem do prazo a partir do momento em que a suspensão se verificou. 
Diferentemente, na interrupção da prescrição, o facto interruptivo apaga todo o tempo anterior e após a interrupção o prazo inicia-se de novo - neste sentido Luís Carvalho
Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1996, pág. 550 e 551.
 
O fundamento da prescrição do procedimento criminal radica, essencialmente, na não verificação dos fins das penas já que, o decurso de certo lapso de tempo após a prática do ilícito criminal, apela a uma desnecessidade de preocupação com a prevenção geral e a prevenção especial por se ter diluído no tempo o ilícito praticado,  e pelo direito ao esquecimento.
 
Escreve a este propósito o Prof. Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 699, que «quem for sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reação criminal há muito tempo já ditada correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização e de segurança”.
A consequência do decurso do período previsto para a prescrição é a preclusão do
exercício do poder punitivo do Estado, não prosseguindo o procedimento penal no caso.
 
O mesmo sucede com as penas 
Como se escreveu no Acórdão n.º 625/13 do Tribunal Constitucional: «Pode dizer-se, por isso, que a prescrição das penas é uma exigência do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade. Dado que o direito penal utiliza como sanções os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades, designadamente o direito à liberdade, ele só deve intervir quando haja uma carência absoluta de tutela penal para a proteção de um determinado bem jurídico. Ora, quando o tempo decorrido torna desnecessário o cumprimento da pena, deve o instituto da prescrição atuar de modo a impedir que ela aconteça.»
 
Assim, a notificação da acusação interrompe a prescrição (art.º 121º, n.º 1, al b), do
C.P.) e a pendência posterior à acusação suspende a prescrição (art.º 120º, nº 1, al. b) do
C.P.) nunca por mais de 3 anos.
A constituição de arguido, apenas interrompe a prescrição apagando o prazo já decorrido e dando início ao decurso de um novo prazo.
Ora, contando o novo prazo desde a constituição de arguido até á dedução da acusação, não ocorreu   nenhuma outra causa de interrupção ou suspensão da prescrição.
 
A recorrente foi condenada como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, punível com pena de multa ou com pena até 3 anos de prisão, a que corresponde um prazo prescricional de 5 anos - art.º 118.º, n.º 1, al. c - considerando a data dos factos por que foi a arguida condenada - 06.11.2014 – estará ou não prescrito o procedimento criminal?
 
Os factos praticados pela arguida e classificados como ofensas à integridade física simples, foram cometidos em 6.11.2014.
 
A recorrente foi constituída arguida em 11.11.2015, o que interrompeu o decurso da prescrição do procedimento criminal de acordo com o disposto no artº 121º nº 1 a) CP e implicou que se reiniciasse uma nova contagem do prazo prescricional de 5 anos.
 
A acusação foi deduzida apenas a 30 Abril de 2021 - 4 meses e 29 dias após os 5 anos.
Defende o MP que este prazo de 5 anos de prescrição é acrescido de metade - artigo 121.º, n.ºs 1, a) e b), 2, e 3 do C.P. ou seja, um prazo de 7 anos e 6 meses.
 
No entanto vejamos se é esse o espírito do legislador e essa a letra da Lei.
 
O procedimento criminal extingue-se – dispõe o nº 1 do art.º 118º do CP –, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido, conforme a moldura e a gravidade dos crimes, os prazos de quinze anos, dez anos, cinco anos e dois anos, fixados de acordo com “um método de determinação abstracto”, em que é determinante a moldura abstracta da pena (normal), independentemente das circunstancias atenuantes ou agravantes, e não a pena aplicada (n.º 2 do art.º 118º do CP)
 
O art.º 118º emprega um advérbio que nos elucida sobre a duração do tempo para contagem de prescrição. O que ele nos diz é que logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os referidos prazos o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição. 
 
Dispõe depois o art.º 121º nº 1 a) b) 2 e 3 que este prazo de 5 anos de prescrição é acrescido de metade - artigo 121.º, n.ºs 1, a) e b), 2, e 3 do C.P ou seja, passa a ser um prazo de 7 anos e 6 meses .
O que o legislador diz, sem sombra de dúvida é que, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º ( nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como no crime de mutilação genital feminina sendo a vítima menor, o procedimento criminal não se extingue, por efeito da prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos) , a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão ( porque há situações que suspendem e interrompem o prazo de prescrição) , tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
 
A partir daí, o legislador coloca um travão ao poder de punir que foi colocado à responsabilidade do Estado e, se o mesmo não diligenciou no sentido de averiguar suficientemente e punir na altura certa, prescreve o procedimento criminal.
 
 Ou seja, aconteça o que acontecer, respeitado o tempo da suspensão, e decorrido o tempo normal da prescrição mais metade desse tempo, obrigatoriamente ocorre a prescrição do procedimento.
 Relativamente à constituição de arguido, e de acordo com os preceitos legais supracitados e transcritos, esta constituição, formal e autêntica de arguido, interrompe, apenas, o prazo de prescrição.
Não há nada na lei que diga que simultaneamente o suspende acontecendo isso, sim, com o despacho de pronuncia e com a dedução da acusação.
 
E aí, dando origem   à suspensão do procedimento criminal e interrompendo o decurso do prazo para iniciar novo prazo, a prescrição   tem sempre lugar quando desde o seu início (e ressalvado o tempo de suspensão), tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Isto para que, não se eternize o poder de punir conferido ao Estado e para que se respeite, face à não actuação atempada do mesmo, o direito ao esquecimento. 
 
Ora, voltando ao caso dos autos 
 O crime é um crime de ofensas corporais punido com pena até 3 anos que implica uma prescrição de 5 anos.
Os factos foram praticados em 6.11.2014.
A recorrente foi constituída arguida em 11.11.2015 tendo começado a contar novo prazo de 5 anos de prescrição, apenas, já que o legislador não nos diz que a constituição de arguido suspende e interrompe, mas apenas que interrompe o prazo de prescrição.
Tal prazo de prescrição terminaria em 11.11.2020.
A acusação foi deduzida a 30 Abril de 2021 – 4 meses e 19 dias depois de terminar o prazo de prescrição normal sem ter havido    nenhuma outra interrupção ou suspensão do procedimento criminal.
 
A prescrição actua como uma proteção dada pelo legislador ao arguido, numa fase de investigação, em que por isso mesmo, a constituição de arguido indiciado pela prática de um ilícito, apenas interrompe obrigando à contagem de novo prazo.
 
 Coloca-se a questão pertinente da aplicação do art.º 7º nº 3 da Lei n.º 1 -A 2000 de 19 Março ao procedimento agora em análise. Entendendo-se que se aplica aos presentes autos a primeira suspensão ocorreria a 09.03.2020 e terminaria a 03.06.2020 sendo de 2 meses e 25 dias.
A ser assim, o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 referia-se apenas a prazos processuais, o n.º 3, inalterado pela Lei n.º 4-A/2020, estabeleceu que a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
E o nº 4 acrescentava que “o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
Se considerarmos tal suspensão aplicável aos presentes autos, da aplicação das regras relativas à suspensão e à interrupção da prescrição resultaria que, à data em que a arguida foi notificada da acusação, o prazo de prescrição do procedimento criminal ainda não havia terminado, atento o teor do n.º 3 do art.º 121.º do C. Penal (a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.).
O prazo máximo passaria assim a 7 anos e 6 meses, descontado o tempo de suspensão, ou seja, apenas terminaria em 31.07.2022 (06.11.2014 + 2 meses e 25 dias (suspensão) + 7 anos e 6 meses). Com a notificação da acusação, a suspensão admissível por lei passa a ser de 3 anos, pelo que, em cômputo global, a prescrição do procedimento criminal só terminaria em 6.05.2025 (5 anos+2 anos e 6 meses+3 anos=10 anos e 6 meses).
 
No entanto, há que não esquecer que   estamos no âmbito do Direito Penal e que a regra é sempre a da não aplicação retroativa da Lei a não ser que seja mais favorável ao arguido.
Há assim que ter em conta a natureza da prescrição que, quer seja de natureza substantiva quer de natureza mista, substantiva e adjetiva, terá sempre em vista a aplicação da lei mais favorável. É o que retiramos dos art.ºs 3º do CP, do art.º 19º e 29º da CRP.
 
Acresce que o Princípio da Confiança implica a previsibilidade da lei, ou seja, implica que ninguém possa ser surpreendido com uma alteração súbita que permita ao Estado estender o seu Jus puniendi.  O artigo 2.º da CRP diz-nos que este Princípio implica   um mínimo de certeza e de segurança nos direitos e nas expetativas juridicamente criadas ou seja respeito pela garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais. 
Logo, tal norma diz-nos que   uma alteração aos mínimos de certeza e segurança não é consentida pela Lei Fundamental.
 A Lei em causa a que a digníssima magistrada do MP apela, foi criada num espaço de exceção, um estado de emergência, que pretende impedir a transmissão de uma doença que na altura criou uma situação que se considerou pandémica.  
Ora, tal situação não parece encaixar nos artigos da Lei Fundamental supra referidos e, permite uma aplicação retroativa que vai alterar claramente “ as regras do jogo” nos processos que se encontram em curso, criando ao Estado uma possibilidade de  estender o seu poder/dever de punir e, sujeitando o arguido a uma situação nova que vai prolongar no tempo a possibilidade da sua punição e,  apenas, quando os processos não são urgentes.
De acordo com o art.º 29º nº 4 da Constituição ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de Lei anterior que declare punível os factos que praticou, ninguém pode sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam já em lei anterior, ninguém pode sofrer pena ou outra sanção mais grave do que aquelas já existiam à data da prática dos factos.
E o artigo 2.º, n.º 1, CP diz-nos que o momento de aplicação da lei penal no tempo é o da prática que leva à consumação do crime, sendo por conseguinte retroativa toda a aplicação a esses factos de lei que for posterior a esse momento, dizendo-nos o nº4 do mesmo dispositivo legal que, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.
Ora, suspender prazos de prescrição de um procedimento criminal que já está em curso á data da entrada em vigor da lei em causa é aplicar, claramente, uma lei desfavorável ao arguido o que, de acordo com a Lei Penal e a Lei Fundamental, nos está interdito.
 
A prescrição foi criada com vista à extinção da responsabilidade criminal do agente pelo decurso de determinado lapso de tempo, podendo incidir sobre o procedimento criminal e/ou sobre as penas, não foi criada com vista a permitir ao Estado punir mais tardiamente do que a Lei lhe permite.  
Se entendermos que a   Lei n.º 1 -A 2000 de 19 Março e o seu art.º 7º nº 3 se aplica aos processos em curso á data da sua entrada em vigor – 9 de Março 2020, o que estamos a permitir é que normas processuais materiais tenham efeitos mais gravosos  do que os que existiam à  data da prática dos factos.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, CP, as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem, pelo que é retroativa a aplicação de lei que for posterior a esse momento. E, não sendo mais favorável não é de aplicar.
No acórdão proferido neste Tribunal de recurso pelo Venerando Desembargador Jorge Gonçalves, com o qual concordamos, pode ler-se:
 
 (...”O artigo 2.º, n.º 3, do Código Penal, consagra para as chamadas “leis temporárias” uma excepção ao princípio da aplicação da lei mais favorável, nos seguintes termos:
 «Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse período.»
Ensina Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 205), que leis temporárias são aquelas que, a priori, são editadas pelo legislador para um tempo determinado: seja porque esse período é desde logo apontado pelo legislador em termos de calendário ou em função da verificação ou cessação de um certo evento (chamadas leis temporárias em sentido estrito); seja porque aquele período se torna reconhecível em função de certas circunstâncias temporais (chamadas leis temporárias em sentido amplo).
Atingida a data fixada para o termo da vigência da lei ou decorrido o acontecimento excepcional que a determinou, cessa automaticamente a vigência da lei penal (temporária).
  
Porém, o facto cometido durante o período de vigência da lei penal (temporária) continua a ser punível depois da cessação da vigência da dita lei, não sendo aplicável retroactivamente a lei penal posterior mais favorável.
Situação diversa é a de o legislador alterar a lei temporária, estabelecendo uma sucessão de leis penais temporárias, caso em que é aplicável a lei penal nova aos factos anteriormente cometidos, se mais favorável.
A razão que justifica o afastamento da aplicação da lei mais favorável ao facto cometido durante o período de vigência da lei penal temporária reside em que a modificação legal se operou «em função não de uma alteração da concepção legislativa – esta é sempre a mesma -, mas unicamente de uma alteração das circunstâncias fácticas (…) que deram base à lei. Não existem por isso aqui expectativas que mereçam ser tutelada, enquanto, por outro lado, razões de prevenção geral positiva persistem.» (Figueiredo Dias, ob cit. p. 205)
Como assinalou Maia Gonçalves (Código Penal Português, 18.ª edição, 2007, p. 63), «esgotado o período de tempo previsto para as leis temporais (…),  não se pode verdadeiramente dizer que a lei, porque já não pode ter aplicação a casos ocorridos em momentos posteriores, deixou de estar em vigor para os ocorridos durante o período previsto no pensamento legislativo. Não há, se mergulharmos fundo na essência das coisas, uma excepção à não retroactividade da lei penal, pois que a lei não é outra; é a mesma para o período previsto.»
Atente-se, porém, que a lei penal temporária nunca é aplicável retroactivamente, a não ser nos casos em que se reconheça existir uma verdadeira sucessão de leis penais temporárias em que será aplicável a mais favorável.
Por conseguinte, a lei penal ainda que temporária aplica-se aos factos praticados na sua vigência, tendo em conta o tempus delicti, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Código Penal.
E continua a ser aplicada a esses factos mesmo depois da cessação da sua vigência, o que constitui excepção ao princípio da lei mais favorável, conforme estabelece o artigo 2.º, n.º 3, do Código Penal, que veio consagrar legislativamente a doutrina firmada pelo assento de 18 de Julho de 1947, citado (a nosso ver, salvo melhor opinião, sem a melhor compreensão do seu alcance) no despacho recorrido de 22 de Maio.
A aplicação de lei penal, temporária ou não, a factos anteriores à sua vigência, constituirá uma aplicação retroactiva dessa lei.
Ora, aplicar a nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal e de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, estavam já em curso, ou seja, a factos praticados antes da sua vigência, implica, a nosso ver, uma aplicação retroactiva da lei, em sentido mais gravoso para o agente do crime e em violação do já mencionado artigo 29.º, n.º 4, da C.R.P., sendo certo que nem mesmo nas situações de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência pode ser afectada “a não retroactividade da lei criminal”, como expressamente se consagra no artigo 19.º, n.º 6, da mesma C.R.P. e foi também consagrado na Lei n.º 44/86, de 30 de Setembro, que estabelece o regime do estado de sítio e do estado de emergência.
E o mesmo – não afectação da não retroactividade da lei criminal - ficou expresso nos Decretos do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março, que declarou o estado de emergência (artigo 5.º, n.º1), n.º 17-A/2020, de 2 de Abril (artigo 7.º, n.º1) e n.º 20A/2020, de 17 de Abril (artigo 6.º, n.º1), que o renovaram.
Esta é a questão em causa: não tanto a de convocar o artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, para a resolução do problema suscitado, mas sim o de identificar na posição perfilhada nos despachos recorridos a aplicação retroativa da nova lei, enquanto reportada a prazos de prescrição do procedimento criminal e de prescrição das penas e das medidas de segurança - aplicação que afastamos.
Conclui-se, assim, que a causa de suspensão da prescrição estabelecida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, enquanto seja aplicada aos prazos de prescrição do procedimento criminal e de prescrição das penas e das medidas de segurança, aplica-se aos factos praticados na sua vigência.
Finalmente, o referido diploma, como já dissemos, foi publicado em 19 de Março e entrou em vigor no dia seguinte (artigo 11.º), devendo produzir efeitos a 9 desse mês nos termos do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020.
 
Porém, sob pena de aplicarmos retroactivamente uma lei criminal, o mencionado n.º 3 do artigo 7.º, enquanto reportado a prazos de prescrição do procedimento criminal ou de penas e medidas de segurança, apenas pode vigorar para o futuro, ou seja, desde o momento da entrada em vigor da Lei n.º1-A/2020: 20 de Março de 2020 (assim se defende no mencionado E-book do CEJ).” –  http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/20fcc4346223a057802585b40036cdab
 O acórdão em questão remete ainda para E-book do Centro de Estudos Judiciários, “Estado de Emergência – COVID 19 – Implicações na Justiça”, 2.ª edição, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19_2Edicao.pdf 1  
Encontra-se pois, o procedimento criminal prescrito por não ser aplicável aos processos em curso à data da sua entrada em vigor a Lei nº1-A/2020: 20 de Março de 2020. 
Assim sendo,
face à exceção verificada, julga-se extinto o procedimento criminal dando-se provimento ao recurso. 

Sem custas por a elas não haver lugar.
Ac. elaborado e revisto pelas desembargadoras relatora e adjuntas com voto de vencida da senhora desembargadora Leonor Botelho que se junta 
Lisboa, 26 de outubro de 2022
Adelina Barradas de Oliveira
Maria Margarida Almeida
Leonor Botelho

Votei vencida porque entendo que os n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1A/2020, de 19 de Março, são aplicáveis ao presente processo, o qual se encontrava pendente na data em que tal Lei foi publicada e entrou em vigor.
A referida Lei foi aprovada no âmbito do estado de emergência declarado pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, em cujo preâmbulo se considerava:
 «Em Portugal, foram já adotadas diversas medidas importantes de contenção, as quais foram, de imediato, promulgadas pelo Presidente da República, e declarado o estado de alerta, ao abrigo do disposto na Lei de Bases da Proteção Civil.
Contudo, à semelhança do que está a ocorrer noutros países europeus, torna-se necessário reforçar a cobertura constitucional a medidas mais abrangentes, que se revele necessário adotar para combater esta calamidade pública, razão pela qual o Presidente da República entende ser indispensável a declaração do estado de emergência.
Nos termos constitucionais e legais, a declaração limita-se ao estritamente necessário para a adoção das referidas medidas e os seus efeitos terminarão logo que a normalidade seja retomada. Entretanto, confere às medidas que se traduzam em limitações de direitos, liberdades e garantias o respaldo Constitucional que só o estado de emergência pode dar, reforçando a segurança e certeza jurídicas e a solidariedade institucional

E, no seguimento da declaração de tal estado de emergência, a mencionada Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aprovou medidas excepcionais e temporárias para dar resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19.
Algumas dessas medidas respeitam à actividade dos Tribunais.
Com efeito, determina-se nos n.ºs 1 a 4 do art.º 7.º da referida Lei n.º 1A/2000, de 19 de Março, que:
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. 3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
(…)»
 (sublinhados nossos)
 
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 7.º da mesma Lei, e para além do mais, foram suspensos todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corriam termos nos tribunais judiciais. 
Foi assim legalmente determinada uma paralisação de grande parte da actividade judiciária.
Os Tribunais ficaram impedidos de exercer a sua normal actividade, ficando paralisados todos os processos que não tinham carácter urgente. 
De tal resultou que os actos processuais interruptivos e suspensivos da prescrição deixaram de poder ser praticados no âmbito dos processos que na altura corriam os seus termos.
O presente processo não tem carácter urgente, pelo que, quanto a ele, não foi possível praticar qualquer acto processual, ficando quanto ao mesmo suspensos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais.
Tal situação não decorreu de qualquer apatia, inércia ou incumprimento por parte do Estado ou dos seus Serviços no exercício das suas funções, mas por determinação legal que impedia a prática de qualquer acto processual dada a situação de calamidade pública a que então urgia dar resposta 
Tal impossibilidade vigoraria até ao termo da situação excepcional (n.º 2 do mesmo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2000, de 19 de Março).
E perante a decretada impossibilidade de prática de qualquer acto, aprovou também a mesma Lei, agora nos n.ºs 3 e 4 do seu art.º 7.º, que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos e prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
A posição que fez vencimento no presente acórdão entendeu que a referida suspensão dos prazos da prescrição apenas poderia ser aplicada aos processos relativos a factos ocorridos após a entrada em vigor da mesma Lei e não aos processos que, na altura, se encontravam pendentes, considerando que a aplicação de tal suspensão aos processos pendentes constituiria uma violação do disposto no art.º 3.º do C. Penal e nos art.ºs 19.º e 29.º da CRP.
Discordamos de tal entendimento e fazemo-lo porque consideramos que está em causa uma situação excepcional, temporalmente limitada, que não procurou beneficiar ninguém, designadamente o Estado, mas antes acautelar os direitos e deveres que sofreriam as consequências decorrentes da necessidade de se limitar o exercício de qualquer actividade, incluindo a dos Tribunais, e que visava precisamente os processos então pendentes, que ficaram obrigatoriamente sem qualquer actividade processual por força do confinamento e suspensão de actividades impostos no âmbito do estado de emergência. 
Tal questão está superiormente analisada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/21, de 9 de Junho de 2021, que decidiu Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, concluindo-se no mesmo Aresto que a norma extraída dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º1-A/2020, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não se encontra abrangida, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes. 
Lê-se, de facto, no referido Acórdão do Tribunal Constitucional:
«27. Percorridos os dados mais relevantes da doutrina, da jurisprudência dos tribunais comuns, da jurisprudência do TEDH e do TJUE e, mais importante ainda, da jurisprudência constitucional, crê-se ser nesta altura possível traçar o quadro de relacionamento do instituto da prescrição com o princípio da legalidade penal à luz do qual deverá ser encarada a questão da compatibilidade do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, interpretado no sentido deque a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aíprevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, com a exigência de lei prévia , na dimensão correspondente à proibição da retroatividade in pejus.
Ao estatuir que «[n]inguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão » (n.º 1), nem sofrer «penas que não estejam expressamente cominadas em lei anterior » (n.º 3) ou «mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos» (n.º 4), o artigo 29.º da Constituição consagra o princípio da legalidade penal em termos equivalentes à sua formulação latina nullum crimen sine lege, nulla poena sine praevia lege poenali, da autoria de Anselm von Feuerbach, que corresponde, ainda hoje, ao modode enunciação universal daquele princípio.
O princípio encontra-se estabelecido para as leis que determinam os pressupostos da relevância criminal das condutas ativas e omissivas – o complexo do facto punível - e para as leis que estabelecem as respetivas consequências jurídicas – as penas. Na dimensão correspondente à exigência de lei prévia, dele resulta que o legislador não pode atribuir relevância criminal a factos passados, nem punir mais severamente crimes praticados em momento anterior.
As normas relativas à prescrição do procedimento criminal não se encontram incluídas, de modo literal, na proibição da retroatividade in pejus fixada para as normas incriminadoras (neste sentido, quanto à proibição da analogia, v. Acórdão n.º 205/1999). A sua recondução ao âmbito de aplicação do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4.º, da Constituição, só poderá fazer-se, por isso, com apoio em argumentos jurídico-constitucionais, os quais, por sua vez, haverão de extrair-se, não da classificação das normas atinentes ao instituto da prescrição segundo os critérios desenvolvidos no plano infraconstitucional, mas antes da ratio da proibição da retroatividade in pejus e, por conseguinte, dos próprios fundamentos do princípio da legalidade penal. Ainda que para justificar uma leitura maximizadora das garantias inerentes àquela proibição, não deixa de ser esse o sentido em que adverte Pedro Caeiro: a distinção entre normas processuais formais e normas processuais materiais não deve constituir um «prius relativamente à questão da (não) sujeição das normas» — ou de certa norma — «àquela proibição da retroatividade, mas sim um resultado da correta delimitação do âmbito de aplicação da retroatividade desfavorável» (“Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, Coimbra Editora, p. 243). O que vale por dizer que, quando se trata de determinar o estatuto constitucional de certo elemento legal à face do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição, importa ter em definitivo presente, «não tanto a integração deste ou daquele instituto no direito penal ou processual, quanto a função atribuída pela Constituição ao princípio da irretroatividade» (Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, ob. cit., p. 59).
28. É sabido que o princípio da legalidade penal tem como fundamento a ideia de que um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição) deve proteger o indivíduo não apenas através do direito penal, mas também do direito penal (cf. Claus Roxin, ob. cit., p. 137). Trata-se, portanto, de um princípio defensivo, que atribui aos cidadãos posições de defesa perante o Estado, enquanto titular oficial do poder punitivo. Em sintonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, onde foi pela primeira vez consagrado, o princípio da legalidade penal continua a ter como função proteger o indivíduo perante o direito penal, colocando-o a salvo de uma intervenção estadual excessiva ou arbitrária.
A proibição da retroatividade in pejus explica-se inteiramente a esta luz: ao contrário do que sucede com a imposição da retroatividade in mellius, «que possui uma génese e um fundamento especificamente político-criminal», ligado à «ausência de exigências de prevenção que justifiquem a persistência da aplicação ao caso da lei (mais severa) que vigorava no momento da prática do facto», a proibição da retroatividade in pejus tem uma génese e um fundamento «marcadamente políticojurídico», diretamente associado à «defesa da liberdade e da segurança dos cidadãos contra o arbítrio do Estado» (Pedro Caeiro, loc. cit., p.235-236, itálico aditado). É justamente isso que explica que, não obstante «ser questionável a existência de um verdadeiro direito do agente a que a inércia do Estado na prossecução penalo beneficie» (Acórdão n.º 205/1999), as normas relativas à prescrição, designadamente as que estabelecem as causas de interrupção e de suspensão do prazo respetivo, se encontrem, prima facie , subordinadas à proibição da retroatividade in pejus.
Apontam para essa conclusão dois dados essenciais. 
Em primeiro lugar, importa levar em conta que tanto as causas de interrupção como as causas de suspensão da prescrição se destinam a tornar «efetiva a possibilidade de se vir a aplicar o Direito Penal no caso concreto» (cf., uma vez mais quanto à proibição da analogia relativamente à interrupção da prescrição, Acórdão n.º 205/1999): as primeiras porque têm por efeito a inutilização do tempo de prescrição já decorrido (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal); as segundas porque originam a paralisação do decurso do prazo de prescrição pelo tempo em que perdurar o evento suspensivo, observados os limites máximos fixados na lei(artigo 120.º, n.º 6). Assim, a exigência de que umas e outras se encontrem fixadas em lei prévia tenderá a considerar-se justificada a partir da ideia de controlo do exercício do poder punitivo do Estado através do Direito que previamente criou: as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus, na medida em que se destinam a proteger o indivíduo contra possíveis abusos por parte do legislador, opõem-se à possibilidade de o Estado, através da ampliação retroativa do elenco das causas de interrupção ou suspensão da prescrição, mitigar ou até mesmo reverter a débito do arguido os efeitos da «sua inércia ou incapacidade para realizar a aplicação do Direito no caso concreto» (cf., uma vez mais quanto à proibição da analogia em matéria de interrupção da prescrição, Acórdão n.º 205/1999). Neste sentido, a proibição da aplicação retroativa das normas que estabelecem as causas de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal partilhará dos fundamentos da proibição da aplicação retroativa das normas que estabelecem os pressupostos da responsabilidade: tal como esta, também aquela será imposta em nome da defesa do cidadão contra a discricionariedade e o arbítrio ex post facto.
Em segundo lugar, importa não perder de vista que a ratio da proibição da retroatividade in pejus se liga igualmente ao princípio da confiança. Como se escreveu no Acórdão n.º 261/2020,as garantias inerentes àquela proibição assentam «numa ideia de previsibilidade (por sua vez enraizada no princípio da confiança) das normas, no sentido em que qualquer cidadão, para além de não poder ser surpreendido pela incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas processuais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data em que praticou os factos (n.º 4 do artigo 29.º da Constituição)» (Acórdão n.º 261/2020).Na síntese do Tribunal Constitucional italiano, formulada em jurisprudência posterior à chamada “saga Taricco”, a «proibição em causa visa garantir ao destinatário da norma uma previsibilidade razoável das consequências com que se deparará ao violar o preceito penal»(Acórdão n.º 32 de 2020, ponto 4.3.1.),previsibilidade que é, em regra, afetada quando se alteram para o passado as condições em que o facto criminoso pode ser sancionado.
Pois bem.
Mesmo não pondo em causa que, em matéria de prescrição, o conceito de retroatividade é dado tempus deliti e não pelo terminus do prazo - o que, conforme se viu, não corresponde sequer à orientação sufragada no Acórdão n.º 449/2002 -, não restam dúvidas de que a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º1-A/2020, pela sua singularidade, escapa totalmente a ambas as rationes com base nas quais é possível justificar o alargamento às normas sobre prescrição das garantias inerentes à proibição da retroatividade.
29. A medida constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 — já o notámos— insere-se no âmbito de legislação temporária e de emergência, aprovada pela Assembleia da República para dar resposta à crise sanitária originada pela pandemia associada ao coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19. 
No cumprimento do seu dever de proteção da vida e da integridade física dos cidadãos (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da Constituição, respetivamente), o Estado adotou um conjunto de medidas destinadas a conter o risco de contágio e de disseminação da doença, baseado na implementação de um novo modelo de interação social, caracterizado pelo distanciamento físico e pela diminuição dos contactos presenciais.
No âmbito da administração da justiça — vimo-lo também —, o cumprimento desse dever de proteção conduziu à excecional contração da atividade dos tribunais, concretizada através da sujeição dos atos e diligências processuais ao regime das férias judiciais referido no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, e, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2020, à regra da suspensão, pura e simples, de todos os prazos processuais previstos para aquele efeito. Para os processos urgentes, começou por estabelecer-se um regime especial de suspensão dos prazos para a prática de atos, ainda que com exceções (artigo 7.º, n.º 5, da Lei n.º 1-A/2020), que a Lei n.º 4-A/2020 acabou por modificar, impondo a sua normal tramitação desde que fosse possível assegurar a prática de atos ou a realização de diligências com observância das regras de distanciamento físico.
Por força desta paralisação da atividade judiciária, que se estendeu à justiça penal, os atos processuais interruptivos e suspensivos da prescrição deixaram de poder praticar-se no âmbito dos procedimentos em curso, pelo menos nas condições em que antes o podiam ser. Relativamente aos procedimentos criminais, assim sucedeu com a dedução da acusação, a prolação da decisão instrutória e a apresentação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo (artigos 120.º, n.º 1, alínea b), e 121.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal), a declaração de contumácia (artigos 120.º, n.º 1, alínea c), e121.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal) e a constituição de arguido (121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal). Já no âmbito dos procedimentos contraordenacionais, o mesmo se verificou, pelo menos, com a prolação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima (artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), e 28.º do RGCO), a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou qualquer notificação (artigo 28.º, n.º 1, alínea a),do RGCO), a realização de quaisquer diligências de prova (artigo 28.º, n.º 1,alínea b), do RGCO) e a prolação da decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima (artigo28.º, n.º 1, alínea d), do RGCO).
É este particular e especialíssimo contexto que está subjacente à fixação, por lei parlamentar, de uma causa de suspensão da prescrição que não somente é transitória, como se destinou a vigorar apenas e só durante o período em que se mantivesse — se manteve — o condicionamento à atividade dos tribunais determinado pela situação excecional de emergência sanitária e pelo concomitante imperativo de proteção da vida e da saúde dos operadores e utentes do sistema judiciário: suspendeu-se o decurso do prazo de prescrição porque se suspenderam os prazos previstos para a prática dos atos suscetíveis de obstar à sua verificação; suspenderam-se os prazos previstos para a prática desses (e de outros) atos processuais porque se suspendeu a atividade normal dos tribunais de modo a prevenir e conter o risco de infeção dos intervenientes no sistema de administração da justiça, incluindo dos próprios arguidos.
Como bem notou o Tribunal recorrido, encontramo-nos, pois, diante de um «mecanismo normativo […] instrumental», destinado a fazer face a uma «situação de rutura e anormalidade», em estreita e indissociável relação com o já designado «“lockdown” da justiça penal» (Gian Luigi Gatta,“Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade:
um curto-circuito”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 30, n.º 2, maio-agosto de2020, p. 297 e ss.) originado pela crise sanitária, que afetou em intensa medida — ou mesmo eliminou — a possibilidade de serem praticados os atos processuais suscetíveis de interromper e de suspender a prescrição. 
Não é demais sublinhar que se trata de uma suspensão, e não de uma interrupção, do prazo prescricional: o tempo de prescrição já decorrido desde a data da consumação do ilícito típico não é inutilizado; apenas o seu decurso é paralisado pelo tempo correspondente à paralisação do normal processamento dos termos ulteriores dos processos em curso.
Neste contexto, é evidente que a causa de suspensão da prescrição estabelecida no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 apenas se encontraria apta a cumprir aquela função se pudesse aplicar-se aos procedimentos pendentes por factos anteriores ao início da sua vigência. Como refere Gian Luigi Gatta a propósito de norma congénere aprovada em Itália (artigo 83.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 18, de 17de março de 2020), «[t]rata-se de uma disposição temporária pensada precisamente para os processos em curso e, como tal, para ter eficácia retroativa. Suspende-se uma atividade em curso por força da impossibilidade do seu prosseguimento, determinando-se um prazo para o seu reatamento, congelando-se o intervalo de tempo entretanto volvido. A suspensão é forçada: não é imputável a ninguém e não há razão para que beneficie quem quer que seja» (loc. cit., p. 303).
Esta última afirmação é especialmente relevante: conforme se verá em seguida, ela sintetiza, na verdade, as duas razões que explicam a impossibilidade de reconduzir a causa de suspensão prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, à ratio da proibição da retroatividade in pejus, consagrada no artigo 29. º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição.
30. Dizer-se que a suspensão «não é imputável a ninguém» é o mesmo que dizer-se que a suspensão não é imputável ao Estado.
Tendo em conta os fundamentos inerentes ao princípio da legalidade penal, tal constatação, para além de correta, é particularmente esclarecedora.
A suspensão do decurso do prazo de prescrição dos procedimentos sancionatórios pendentes durante o período em que vigoraram as medidas de emergência adotadas na Lei n.º 1-A/2020 não se destinou a permitir que o Estado corrigisse ou reparasse os efeitos da sua inércia pretérita no âmbito do exercício do poder punitivo de que é titular. Destinou-se apenas e tão só a responder aos efeitos de uma superveniente e não evitável paralisação do sistema de administração da justiça penal, imposta pela necessidade de controlar e conter a disseminação de um vírus potencialmente letal. Tratando-se de uma causa de suspensão e não de interrupção do prazo de prescrição, cuja vigência não excedeu o lapso temporal durante o qual se verificou a afetação ou condicionamento da atividade dos tribunais, nem conduziu —reticus, não tinha sequer a virtualidade de conduzir — à reabertura dos prazos prescricionais já integralmente decorridos, a sua aplicação aos procedimentos pendentes não exprime qualquer excesso, arbítrio ou abuso por parte do Estado contra o qual faça sentido invocar as garantias inerentes à proibição da retroatividade in pejus: ao determinar a aplicação a procedimentos pendentes da suspensão da prescrição em razão da pandemia então em curso, a solução adotada limita-se, na verdade, a assegurar «a produção do efeito útil da norma de emergência» (idem, p.313), não ingressando no âmbito da esfera defensiva que é assegurada pelo princípio da legalidade.
Não é diferente a conclusão a que se chega se encararmos a proibição da retroatividade in pejus a partir da proteção da confiança, como fez o Tribunal recorrido. 
Se tal proibição visa garantir ao destinatário uma previsibilidade razoável das consequências com que se deparará ao violar o preceito penal, é relativamente evidente, quando se trate de estender o respetivo âmbito de incidência para além dos limites traçados pela letra dos n.ºs 1, 3 e 4, do artigo 29.º, que a sua invocação deixará de ter fundamento se o evento em causa se situar no mais elevado grau daquilo que não é por natureza antecipável, como sucede com a paralisação do sistema de administração da justiça penal ditada pelo súbito e inesperado surgimento de uma pandemia à escala global. 
Contra o que acaba de dizer-se, pode argumentar-se, é certo, que a antecipação em lei contemporânea da prática dos factos da causa de suspensão da prescrição que veio a constar do conjunto de medidas de emergência aprovadas pelo Parlamento teria sido, em rigor, possível. Bastaria que o legislador português tivesse integrado no elenco das causas de suspensão da prescrição previstas no artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal, uma disposição idêntica à que consta do artigo 159.º do Código Penal italiano, que prevê a suspensão do decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal nos «casos em que a suspensão do procedimento ou do processo penal  é imposta por uma disposição especial da lei».
Do ponto de vista da invocabilidade das garantias inerentes à proibição da retroatividade, a diferença entre o ordenamento jurídico português e o Direito italiano não é, porém, determinante: apesar de ter conhecimento de que o decurso do prazo de prescrição se suspenderá se e quando vier a ser determinada em lei posterior a suspensão do processo ou do procedimento, o agente que deva ser punido segundo o direito italiano não sabe, no momento em que decide praticar o ilícito-típico, se essa suspensão virá efetivamente a ocorrer, nem sobre durante quanto tempo vigorará na hipótese de vir a ser determinada, nem sobre as caraterísticas do facto ou do acontecimento que venham a ditar essa eventual opção.
Perante a causa de suspensão que veio a constar do artigo 83.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 18, de 17 de março de 2020, a posição do agente italiano não é, por isso, muito diferente daquela em que se encontra o agente português em face da causa de suspensão da prescrição constante do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020: tal como este não podia saber, no momento em que praticou o facto criminoso, que a suspensão da prescrição do procedimento instaurado viria a ser imposta pela Assembleia da República em consequência do lockdown da justiça penal originado pelo súbito avanço da pandemia, também aquele não podia ter conhecimento, quando tomou a decisão de praticar o crime, de que a suspensão do processo — e, com ela, a suspensão do prazo de prescrição - viria a ser determinada em norma posterior, editada no mesmo exato contexto.
É por isso que, apesar de o Tribunal Constitucional italiano ter atribuído relevância à existência de uma norma de intermediação como a constante do proémio do artigo 159.º do respetivo Código Penal para concluir pela compatibilidade da norma constante do artigo 83.º,n.º 4, do Decreto Lei n.º 18, de 17 de março de 2020, com a proibição da retroatividade (Acórdão n.º 278 de 2020), não existe entre uma e outra solução qualquer diferença que possa ser considerada decisiva ou determinante do ponto vista da proteção da confiança: em ambos os casos, a causa da suspensão do prazo de prescrição é integralmente determinada em lei ulterior ao momento da prática do ilícito típico, sem que possa dizer-se, tendo em conta o carácter totalmente imprevisível dos acontecimentos que a determinaram, que a sua aplicação aos procedimentos pendentes frustre aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal a que responde a proibição da retroatividade in pejus.
Em suma: para além de absolutamente congruente com o mais amplo critério seguido na jurisprudência do TEDH e do TJUE, a norma extraída dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º1-A/2020, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não se encontra abrangida, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes
31. Tudo o que se disse até agora assentou na consideração da causa de suspensão da prescrição estabelecida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, independentemente da natureza criminal ou contraordenacional dos procedimentos em curso.»
(sublinhados nossos)
Resta-nos dizer que subscrevemos integralmente tudo o afirmado pelo Tribunal Constitucional no excerto transcrito, considerando assim, por todas as razões nele expostas, que a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º1-A/2020, de 19 de Março, é aplicável aos processos que se encontravam pendentes no início da sua vigência e que tal interpretação não se encontra abrangida, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus prevista no art.º 29.º da CRP, não violando assim a nossa Lei Fundamental.
Nestes termos, uma vez que os factos foram praticados em 06.11.2014, que
a Recorrente foi constituída arguida em 11.11.2015, altura em que começou a correr um novo prazo de 5 anos de prescrição, prazo que terminaria em 11.11.2020, e que, entretanto, se verificou a suspensão do prazo da prescrição estabelecida pelo art.º 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2000, de 19 de Março, suspensão que decorreu entre 09.03.2020 e 03.06.2020 (2 meses e 25 dias), há que aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 121.º do C. Penal que determina que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
O prazo máximo da prescrição é, assim, no caso, de 7 anos e 6 meses [(5 anos + 2 anos e 6 meses (metade)], descontado o período da suspensão.
Deste modo, quando a acusação foi deduzida em 30.04.2021, não tinha decorrido o referido prazo, o qual apenas terminou em 31.07.2022 [06.11.2014 (prática do facto) + 2 meses e 25 dias (suspensão) + 7 anos e 6 meses (prazo máximo da prescrição)].
Nos termos e pelos fundamentos expostos, considerando que no momento em que foi deduzida a acusação o procedimento criminal não se encontrava prescrito, julgaria improcedente o presente recurso.

Leonor Botelho

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1 No mesmo sentido podem ler-se entre outros:
Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 76/15.6SRL.SB.L1-5, datado de 21/07/2020;  
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 207/09.5PAAMD-A.L1-5, datado de 09/03/2021;
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 201/10.3GBVRS-E1, datado de 23/02/2021;  
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 300/19.6Y9PRT-B.P1, datado de 14/04/2021,  Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo n.º 200/09.8TASRE.C3, datado de 07/12/2021,  Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 179/15.9FAF.G2, datado de 25/01/2021.
Em sentido Contrário 
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 89/10.4PTAMD-A.L1-9, datado de 10/02/2021;  
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 309/20.7YUSTR.L1, datado de 16/03/2021;  
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 472/21.0Y5LSB.L1-5, datado de 05/04/2022;  
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo 806/21.7T9PBL.C1, datado de 17/03/2022;  
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/21, de 9 de junho de 2021.