Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
200/09.8TASRE.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PANDEMIA DA DOENÇA COVID-19
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 12/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA -J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 29.º, NºS 1 E 4, DA CRP; ART. 2.º DO CP; ART. 7.º, N.ºS 3 E 4, DA LEI 1-A/2020, DE 19-03; ART. 6.º-B, N.º 3, DA LEI 4-B/2021, DE 01-02
Sumário: A causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal estabelecida nas Leis n.º 1-A/2020 (artigo 7.º, n.ºs 3 e 4) e n.º 4-B/2021 (artigo 6.º-B, n.º 3) apenas se aplica aos factos praticados durante a sua vigência.
Decisão Texto Integral:








Acordam os juízes em conferência na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 200/09.8TASRE do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – JL Criminal-Juiz 1, por sentença de 17.09.2021, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

Assim, atentos os fundamentos “supra” explanados este Tribunal decide:

3.1. Condenar o arguido J., na pena mista de 15 (quinze) meses de prisão e 150 (cento e cinquenta dias) de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz o montante global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, p. e p. no art.º 108.º, n.º 1 do DL 422/89.

3.1.1. Suspender a execução da pena de prisão, por idêntico período de 15 (quinze) meses;

3.1.2. Não substituir a pena de multa por pena substitutiva de admoestação;

3.2. Condenar a arguida C., na pena mista de 3 (três) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, pela prática, em autoria, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, p. e p. no art.º 108.º do DL 422/89;

3.2.1. Substituir a pena de 3 (três) meses de prisão, por pena de 80 (oitenta) dias de multa.

3.2.2. Não substituir a pena de multa por pena não substitutiva de admoestação;

3.2.3. Condenar a arguida na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 800,00 (oitocentos euros).

3.3. Condenar o arguido M., na pena mista de 3 (três) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, pela prática, em autoria, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, p. e p. no art.º 108.º do DL 422/89;

3.3.1. Substituir a pena de 3 (três) meses de prisão, por pena de 80 (oitenta) dias de multa;

3.3.2. Não substituir a pena de multa por pena substitutiva de admoestação;

3.3.3. Condenar o arguido na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 800,00 (oitocentos euros)

[…]

3.5. Declarar perdidos a favor do Estado as máquinas tipo quiosque de internet, bem como as máquinas de vídeo, bem como, as pen`s, computadores, teclados, monitores, e ratos, apreendidos à ordem dos presentes autos;

3.6. Declarar todo o dinheiro em numerário apreendido aos arguidos, e no interior das referidas máquinas, por constituírem produto do crime, perdido a favor do Instituto do Turismo de Portugal, I.P.

[…].

2. Inconformado com a decisão recorreu o arguido J., formulando as seguintes conclusões:

A)        O presente procedimento criminal mostra-se extinto, por prescrição, verificada no dia 16 de Julho de 2021, nos termos do n.º 2 do artigo 120.º e n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, não sendo aplicáveis as suspensões previstas no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 e n.º 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, porquanto não são aplicáveis aos factos ocorridos antes da sua vigência.

(…).

Termos em que nestes e nos melhores de direito, os quais V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser concedido provimento e, em consequência ser julgada procedente a prescrição do procedimento criminal ou, sem conceder, tomados como «não provados» os factos supra assinalados e sobre os quais versa o presente recurso de matéria de facto e tido como «provado» o facto único tomado como não provado pela sentença recorrida, sendo que deverá sempre a sentença recorrida ser revogada, pelas razões e fundamentos supra explanados, e a mesma substituída por douto Acórdão que absolva o Recorrente da prática do crime pelo qual vem condenado, mais se ordenando a restituição da quantia monetária apreendida, tudo nos termos das preposições Conclusivas,

Assim fazendo V.ªs Ex.ªs a habitual e costumada justiça!

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. A Exma. Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos de fls., cujo teor se dá por reproduzido, pugnando a final pela sua improcedência.

5. Na Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs o visto.

6. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no presente caso importa decidir se (i) se verifica a extinção, por prescrição, do procedimento criminal; (ii) incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento; (iii) não se verificam os pressupostos capazes de conduzir à decisão de perdimento a favor do Estado das quantias pecuniárias apreendidas.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença em crise [transcrição parcial]:

“[…]

1.2.Questão prévia – da invocação da prescrição do procedimento criminal pela arguida C.:

Por requerimento de 07-09-2021, veio a arguida C., requerer a este Tribunal a declaração a prescrição do procedimento criminal e, em consequência, a absolvição da arguida. Sustentou, para tanto, o seguinte:

“(…)

1.º

Os factos narrados na acusação pública imputam à arguida que esta, na data de 17 de Janeiro de 2011, procedia à exploração de jogo de fortuna ou azar no estabelecimento de café denominado “…” – vide artigos 124.º e seguintes da acusação pública.

2.º

Por conta de tais factos a arguida encontra-se pronunciada pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro.

3.º

O ilícito criminal em referência é punido com pena de prisão até 2 anos.

4.º

Assim, o procedimento criminal prescreve no prazo de 5 anos, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal.

5.º

Preceitua o disposto no n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que “a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.”

6.º

Vale a respeito do caso dos autos somente a suspensão a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, que determina que aquela conta-se “a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido”.

7.º

Porém, logo ressalva o disposto no n.º 2 do citado normativo, tal “suspensão não pode ultrapassar 3 anos.”

8.º

Assim, o prazo de prescrição, que é de 5 anos, acrescido de metade e que perfaz 7 anos e 6 meses, e que por seu turno acrescido do prazo máximo de suspensão que é de 3 anos, perfaz o prazo (total) de 10 anos e 6 meses.

9.º

Assim, o procedimento criminal respeitante aos factos narrados na douta pronúncia temporalmente localizados no dia 17 de Janeiro de 2011, prescreveu no dia 16 de Julho de 2021.”.

Foi facultado o exercício do contraditório aos restantes intervenientes processuais (Ministério Público e arguido J.) (cfr. ata de 10-09-2021).

O arguido J., por requerimento de 10-09-2021, invocou que: “(…)

(i) Assiste inteira razão à arguida C..

(ii) A prescrição do procedimento criminal suscitada pela arguida C. aproveita igualmente ao arguido J., por identidade de fundamentos.

(iii) Com efeito, a pronúncia narra que a exploração indiciada nos autos ocorreu desde data não concretamente determinada – vide designadamente artigo 2.º da pronúncia – mas nunca após o dia 17 de Janeiro de 2011, data da realização das buscas – vide nomeadamente artigo 38.º da pronúncia.

(iv) Desta feita, tendo decorrido uma vez e meia o prazo normal de prescrição, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, acrescido do prazo de 3 anos de suspensão ditada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, o procedimento criminal prescreveu no dia 17 de Julho de 2021. (…)”.

Por seu turno, o Ministério Público, por promoção datada de 13-09-2021, sustentou: “Referência, 7973295, de 07/09/2021:

A arguida, C., encontra-se pronunciada pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de dezembro.

Vem a mesma invocar que se e encontra prescrito o procedimento criminal pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, pelo qual vem pronunciada.

Ora, os factos descritos imputados à arguida, pelo douto despacho de pronúncia, e como a mesma refere, reportam-se a 17 de janeiro de 2011, data em que procedia à exploração de jogo de fortuna ou azar, atenta a descrição dos factos constante da acusação pública.

O aludido ilícito criminal é punido com pena de prisão até 2 (dois) anos, nos termos do disposto n.º 1 do artigo 108.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de dezembro.

Em consequência, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal pela eventual prática do mesmo ilícito é de 5 (cinco) anos.

Com efeito, dispõe o artigo 121.º do Código Penal, que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.”.

Por outro lado, invoca a requerente, que o prazo de prescrição se suspendeu, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 120.º, do Código Penal, suspensão que não pode ultrapassar 3 (três) anos, nos termos do disposto no n.º 2, do mesmo preceito legal.

Com efeito, em face dos cálculos efetuados pela mesma, sendo o prazo de prescrição, de 5 (cinco) anos, acrescido de metade, o que perfaz 7 (sete) anos e 6 (seis) meses, este, acrescido do prazo máximo de suspensão, de 3 (três) anos, no caso, tal perfaz o prazo (total) de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, pelo que conclui que o procedimento criminal, respeitante aos factos descritos no douto despacho de pronúncia, reportados a 17 de janeiro de 2011, prescreveu no dia 16 de julho de 2021.


*

Todavia, a Lei nº. 1-A/2020, de 19 de março, veio estabelecer medidas excecionais e temporárias, designadamente, a suspensão dos prazos processuais (prescrição e caducidade), sendo aplicável no caso em nosso entender.

A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, foi alterada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, que aditou os artigos, 6.º-B e 6.º-C, e que entrou em vigor a 02/02/2021, tendo cessado a respetiva vigência a 06/04/2021.

Em consequência, passou a vigorar a regra geral de suspensão de prazos, prevista no mesmo artigo 6.º-B, nº. 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na versão introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, pelo que todos os prazos para a prática de atos processuais e diligências, em processos de natureza não urgente, ficaram suspensos.

Atento o referido, e não obstante as divergências jurisprudenciais, e em face do disposto no artigo 7º., nºs 3 e 4, da Lei nº. 1-A/2020, de 19 de março, entendemos que o prazo de prescrição do procedimento criminal, no caso em apreço, se suspendeu, por força da mesma norma legal, desde 09/03/2020 até 02/06/2020.

Com efeito, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, foi alterada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, que aditou os artigos, 6.º-B e 6.º-C, que esteve em vigor desde 02/02/2021, até 05/04/2021, pelo que neste período, o prazo de prescrição, igualmente, ficou suspenso.

Na verdade, a pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19 ditou o decretamento do estado de emergência, em Portugal, em 18 de março de 2020, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, que foi sucessivamente renovado, o que implicou a necessidade de adequar o funcionamento do ordenamento jurídico português, inclusive, no que concerne aos processos judiciais e contraordenacionais.

Assim, com o disposto no artigo 7°., da Lei n° 1-A/2020, e posteriormente com a Lei nº. 4-B/2021, foi criada uma nova causa de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança, além das causas indicadas pelo disposto no artigo 125°., do Código Penal.

A circunstância de a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e de a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, terem iniciado a sua vigência depois do decretamento da situação de estado de emergência, não obstam à suspensão dos prazos de prescrição aos processos que têm por objeto, factos praticados em momento anterior a cada um dos mesmos diplomas legais.

Neste sentido, e aderindo aos fundamentos do douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 500/2021, de 9 de julho de 2021, que não julgou inconstitucional o referido artigo 7º., nºs. 3 e 4, da Lei nº. 1-A/2020, de 19 de março, interpretada no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, entendemos que, efetivamente, o prazo de suspensão da prescrição do procedimento criminal, no caso concreto, ficou suspenso durante a vigência das referidas normas legais.

Nesta medida, tendo em conta o referido termo, por parte da arguida, e a nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, atentos os respetivos períodos, verifica-se, desde logo, que não se encontra prescrito o procedimento criminal pela eventual prática daquele crime, imputado à mesma.

Pelo exposto, não obstante os fundamentos invocados, atenta a data da prática dos factos, imputados à arguida, C., pelo douto despacho de pronúncia, no âmbito dos presentes autos, reportados a 17 de janeiro de 2011, às supra, mencionadas, normas do Código Penal, atenta a referida causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, de acordo com o disposto no referido artigo 7º., nºs 3 e 4, da Lei 1-A/2020, de 19 de março, e respetivos períodos temporais a considerar, como acima mencionado, entendemos que ainda não se mostra prescrito, o procedimento criminal, pela eventual prática do aludido crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, pelo qual vem a mesma pronunciada.

Referência, 97777080, de 10/09/2021:

Tendo em conta que o arguido, J., na sequência do requerimento apresentado pela arguida, C., vem aderir a tais fundamentos, alegando que a prescrição do procedimento criminal suscitada por esta, aproveita igualmente ao mesmo arguido.

O mesmo encontra-se pronunciado pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº. 422/89, de 02/12.

Assim, de acordo com os fundamentos de direito, acima mencionados, aqui dados por reproduzidos, com o devido respeito, e com referência à mesma data da prática dos factos, imputados ao identificado arguido, atento o douto despacho de pronúncia e em consequência, entendemos, igualmente, que ao mesmo não assiste razão, não se encontrando prescrito o procedimento criminal pela eventual prática do crime, pelo qual vem pronunciado, no âmbito dos presentes autos.”


*

A questão a decidir é se o procedimento criminal relativamente aos arguidos se encontra, ou não, extinto, por prescrição.

*

Cumpre apreciar:

Como vimos “supra” cada um dos arguidos, é imputada a prática, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, p. e p. no art.º 108.º do DL 422/89, pelos factos descritos na acusação e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

O crime em questão é punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias (cfr. art.º 108.º, n.º 1 do DL 422/89).

Dispõe o art.º 118.º, n.º 1, al. c) do Código Penal que “O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…) c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos; (…)”

Assim, o prazo de prescrição do procedimento criminal para o crime em apreciação nos presentes autos, é de cinco anos.

Ora, atento o disposto no art.º 119.º, n.º 1 do Código Penal, o prazo prescricional corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Nos crimes permanentes, o prazo de prescrição só corre, desde o dia em que cessar a consumação (cfr. art.º 119.º, n.º 2, al. a) do Código Penal).

A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que, designadamente, o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação (cfr. art.º 120.º, n.º 1, al. b) do Código Penal). Neste caso, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos (cfr. art.º 120.º, n.º 2 do Código Penal).

Por outro lado, dispõe o art.º 121.º do Código Penal:

“1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:

a) Com a constituição de arguido;

b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;

c) Com a declaração de contumácia;

d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.

2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo”.

Desta forma, o prazo de prescrição do procedimento criminal que, relativamente ao crime em apreço, é de 5 anos, acrescido de metade e que perfaz 7 anos e 6 meses, e que por seu turno acrescido do prazo máximo de suspensão que é de 3 anos, perfaz o prazo (total) de 10 anos e 6 meses.

Porém, importa atentar que, por força do surgimento da situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19, foram criados normativos legais que visaram criar medidas excecionais e temporárias relativas à mesma.

Assim, por força do disposto no art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, em matéria de atos e diligências processuais e procedimentais, estabeleceu-se aí, a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais ou procedimentos que devessem ser praticados junto de tribunais, designadamente judiciais, cujas instalações tivessem sido encerradas ou nas quais o atendimento presencial tivesse sido suspenso, por decisão de autoridade pública com fundamento no risco de contágio do COVID-19, enquanto perdurasse tal encerramento ou suspensão. O diploma entrou em vigor no dia 14 de março (artigo 36.º), produzindo efeitos a 3 de março de 2020 relativamente, entre outras, às normas previstas para atos e diligências processuais e procedimentais (artigo 37.º).

Ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020 seguiu-se a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que complementou a disciplina constante daquele primeiro diploma através da aprovação de um novo conjunto de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo novo coronavírus. Produzindo “efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março” (artigo 10.º) — efeitos estes que ratificou (artigo 1.º, alínea a)) — a referida Lei veio estabelecer, no seu artigo 7.º, um conjunto de medidas relativas a prazos e diligências. Assim, os “atos processuais e procedimentais que dev[essem] ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos» a correr termos, designadamente, nos tribunais judiciais passaram a estar sujeitos ao «regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19” (n.º 1), “em data a definir por decreto-lei, no qual se declara[ria] o termo da situação excecional” (n.º 2). Paralelamente, esta passou a constituir “igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos” (n.º 3), prevalecendo tal regra “sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional” (n.º 4).

A Lei n.º 1-A/2020 foi alterada, pela primeira vez, pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, de acordo com a qual o “artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve[ria] ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março” (artigo 5.º).

A Lei n.º 4-A/2020 procedeu, no seu artigo 2.º, à alteração dos artigos 7.º e 8.º daquela. No que diz respeito ao artigo 7.º (aquele que aqui releva), tal alteração consistiu na substituição da referência ao regime das férias judiciais que até então vigorava em matéria de prazos e de diligências, pela suspensão, pura e simples, «de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que dev [essem] ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos» a correr termos, designadamente, nos tribunais judiciais, «até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19» (n.º1), a decretar nos termos que resultavam já da previsão do respetivo n.º 2. Assim, enquanto perdurasse, a situação excecional continuou a constituir causa de suspensão dos prazos de prescrição relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regra cuja prevalência se manteve sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição (n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º, cuja redação não foi alterada), cujo regime se aplica naturalmente, aos procedimentos criminais, como resulta da expressão “todos os tipos de processos e procedimentos”, constante do n.º 3 do art.º 7 da Lei n.º 1-A/2020.

Tal situação só se alterou com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio. Com efeito, o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 veio a ser integralmente revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que alterou as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença Covid-19, produzindo os seus efeitos a partir do dia 3 de junho (artigos 8.º e 10.º).

Posteriormente, entrou em vigor a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, o qual, no seu artigo 6.º-B, n.º 3 veio a prever norma com o mesmo alcance do art.º 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, ao estabelecer que “São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos (…)”, sendo que, apesar da entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 5.º), a produção dos seus efeitos retroagiu à data de 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º).

Tais prazos apenas deixaram de estar suspensos até 5 de Abril de 2021, uma vez que o referido artigo 6.º-B, foi revogado pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril, e cuja entrada em vigor se deu a 06 de Abril de 2021 (artigo 7.º)

Desta forma, por força dos dispositivos legais “supra” citados, foi estabelecido um regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, que vigorou sem alterações desde o dia 9 de março de 2020 (artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020) até ao dia 3 de junho de 2020 (artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020) – num total de 87 dias – bem como, foi estabelecido um outro regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4-B/2021) até ao dia 5 de Abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021) – num total de 74 dias.

Aqui chegados, a questão que importa, agora, analisar é a de saber se as normas que estabeleceram as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal introduzidas pelo artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020 – que vigorou sem alterações desde o dia 9 de março de 2020 (artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020) até ao dia 3 de junho de 2020 (artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020), bem como as introduzidas pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4-B/2021) até ao dia 5 de Abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021) – podem aplicar-se aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência.

A questão tem sido colocada nos nossos Tribunais, não havendo, porém, entendimento unânime, na doutrina e jurisprudência; e, pese embora a questão tenha sido colocada, apenas, relativamente ao alcance do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, a interpretação que se faça é inteiramente aplicável ao artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, pois que, ambos os preceitos, congregam o mesmo comando legal, convergindo nos seus elementos literal e teleológico.

Vejamos, pois:

No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-07-2020 (Processo n.º 76/15.6SRLSB.L1-5, in www.dgsi.pt) decidiu-se que “Independentemente de se tratar de uma lei temporária, ou não, a entrada em vigor da Lei n°1-A/2020, ao prever no seu art.º 7º, a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais, sempre configurará uma situação de sucessão de leis penais no tempo, pelo que a sua aplicação não pode afastar-se do princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem sobrepor-se à aplicação do regime penal mais favorável em bloco ao arguido. (…) O regime em bloco mais favorável ao arguido é sem dúvida manter, como únicas causas de suspensão da prescrição da pena, as previstas no artigo 125° do Código Penal, afastando-se a aplicação ao caso concreto do artigo 7° da Lei n°1-A/2020, esta última sem dúvida mais gravosa para o arguido.”. Em igual sentido, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-02-2021 (Processo n.º 201/10.3GBVRS.E1, in www.dgsi.pt), e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-04-2021 (Processo n.º 300/19.6Y9PRT-B.P1, in www.dgsi.pt).

Também, na doutrina, existem defensores desta tese (cfr., José Joaquim Fernandes Oliveira Martins “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – uma primeira leitura e notas práticas”, Revista Julgar Online, março de 2020, disponível em http://julgar.pt/a-lei-n-o-1-a2020-de-19-de-marco-uma-primeira-leitura-e-notas-praticas/, p. 7, e Rui Cardoso e Valter Baptista, Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça, Centro de Estudos Judiciários, disponível emhttp://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19_2Edicao.pdf, p. 533-536).

Contudo, em sentido contrário, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 11 de fevereiro de 2021 (Processo n.º 89/10.4PTAMD-A.L1-9, in www.dgsi.pt), decidiu que a «suspensão do prazo de prescrição previsto no art.º 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020 não se traduz numa decisão mais gravosa para o arguido, pois o prazo de prescrição da pena mantém-se rigorosamente o mesmo, antes e depois da vigência da citada lei. A única diferença é que, esta, por razões de superior interesse público, suspendeu-o temporariamente, para voltar, depois, a correr».

Também, no mesmo sentido, se pronunciou o Tribunal Constitucional, no seu recente Acórdão  n.º            500/2021,        de        9 de     Junho  de        2021    (disponível     em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210500.html), ao decidir (para além do mais, e com relevo para a questão em apreço) “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31.

Com todo o respeito pelos defensores da primeira das teses enunciadas, entendemos ser de seguir este último entendimento, com respaldo no citado aresto constitucional.

Com efeito, a suspensão em causa constituiu uma medida legislativa excecional e aprovada num quadro de elevada excecionalidade. Com efeito, por força da referida pandemia, como é facto público e notório, o país e o mundo quase pararam, facto esse que, aqui, levou à implementação das medidas excecionais fixadas pela Lei n.º 1-A/2020, com reflexos, também, nos procedimentos processuais de natureza penal; pelo que, a suspensão dos prazos, em todos prazos e procedimentos, é justificada, desde logo, pelo facto de as diligências processuais, terem deixado de poder ser exercidas com a eficácia e prontidão previstas e exigíveis em circunstâncias normais.

Entendimento diverso, com o devido respeito por opinião contrária, seria conceder-se um injustificável benefício ao arguido, colhendo este, proveitos de uma interpretação da Lei n.º 1-A/2020 e da Lei 4-B/2021 que atentaria não só contra a sua letra, como, também, contra o seu espírito. Com efeito, o prazo de prescrição do procedimento criminal não se suspenderia e o arguido, também tinha a certeza, por outro lado, de que, por força da mesma lei, diligências processuais não poderiam, entretanto, ser desencadeadas.

Com efeito, realce-se, a finalidade do instituto da prescrição reside “também [na] responsabilização do Estado pela inércia ou incapacidade para realizar a aplicação do Direito no caso concreto” (cfr. citado Acórdão do Tribunal Constitucional 500/2021). Ora, relativamente ao regime imposto, a não realização de atos ou diligências processuais, não se deveu, contudo, a uma inércia ou incapacidade do Estado em as desencadear, mas antes, tratou-se uma situação absolutamente excecional que levou a que o Estado, a bem da preservação da saúde pública dos cidadãos, se abstivesse de praticar atos e diligências processuais que pudessem colocar em causa, os esforços no controlo da pandemia.

No mesmo sentido, se pronunciou o Tribunal Constitucional (analisando o regime previsto no art.º 7.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, análise essa, com inteira aplicação ao disposto no art.º 6.º-B, n.º 3 da Lei 4-B/2021): “(…) A medida constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 — já o notámos — insere-se no âmbito de legislação temporária e de emergência, aprovada pela Assembleia da República para dar resposta à crise sanitária originada pela pandemia associada ao coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19.

No cumprimento do seu dever de proteção da vida e da integridade física dos cidadãos (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da Constituição, respetivamente), o Estado adotou um conjunto de medidas destinadas a conter o risco de contágio e de disseminação da doença, baseado na implementação de um novo modelo de interação social, caracterizado pelo distanciamento físico e pela diminuição dos contactos presenciais. (…). Por força desta paralisação da atividade judiciária, que se estendeu à justiça penal, os atos processuais interruptivos e suspensivos da prescrição deixaram de poder praticar-se no âmbito dos procedimentos em curso, pelo menos nas condições em que antes o podiam ser. (…)”.

Foi, pois, neste contexto especial e excecional, que se fixou um regime transitório e temporário de suspensão dos prazos de prescrição, designadamente, do procedimento criminal, o qual cessou assim que deixaram de subsistir as circunstâncias que o determinaram, pelo que, “(…) não se está, aqui, perante uma sucessão de leis penais, mas, antes, perante um ‘regime temporário de exceção’ (…)”, conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa de 11-02-2021 (Proc. 89/10.4PTAMD-A.L1-9, in www.dgsi.pt).

Aqui chegados, somos a concluir que, quer o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, quer o artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei 4-B/2021, são aplicáveis aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência.

Concluímos, então, que o prazo de prescrição do procedimento criminal nos presentes autos, esteve suspenso desde o dia 9 de março de 2020 até ao dia 3 de junho de 2020 (87 dias), retomando a sua contagem a partir dessa data, bem como, esteve suspenso, desde o dia 22 de Janeiro de 2021 até ao dia 5 de Abril de 2021 (74 dias).

Pois bem:

Atento o disposto no art.º 119.º, n.º 1 do Código Penal, o prazo prescricional corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Os factos constantes da pronúncia são localizados em 17 de Janeiro de 2011.

Como vimos “supra” o prazo de prescrição do procedimento criminal, relativamente ao crime em apreço, é de 5 anos, acrescido de metade, o que perfaz 7 anos e 6 meses, o que, por seu turno, acrescido do prazo máximo de suspensão que é de 3 anos, perfaz o prazo (total) de 10 anos e 6 meses.

Contudo, ainda haverá que considerar que, por força do regime excecional previsto nos artigos 7.º. n.º 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020 e 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, o prazo de prescrição do procedimento criminal este suspenso desde o dia 9 de março de 2020 até ao dia 3 de junho de 2020 (87 dias), retomando a sua contagem a partir dessa data, bem como, esteve suspenso, desde o dia 22 de Janeiro de 2021 até ao dia 5 de Abril de 2021 (74 dias), data em que retomou a sua contagem. Desta forma, a prescrição do procedimento criminal, relativamente a todos os arguidos, apenas será atingida a 24 de Dezembro de 2021.

Desta forma, somos do entendimento que o prazo de prescrição do procedimento criminal não se mostra esgotado, pelo que, a pretensão dos arguidos não poderá ser acolhida.

Termos em que se indefere o requerimento da arguida C., bem como, se indefere o requerimento do arguido J., e consequentemente, decide-se declarar como não-prescrito o procedimento criminal relativamente a todos os arguidos.

[…]”.

3. Apreciação

§1. Da prescrição do procedimento criminal

Inicia o recorrente por invocar a extinção do procedimento criminal, com o fundamento de que sobre a data dos factos, ressalvado o tempo de suspensão, já decorreu o prazo normal de prescrição, acrescido de metade, defendendo a não aplicação nos presentes autos da causa de suspensão a que se reportam os artigos 7.º, n.º 3) e 4) da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03.2020, que estabeleceu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e doença COVID-19, e 6.º - B, n.º 3) da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.2021, enquanto consagrou um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrentes das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, posição, esta, contrariada na sentença recorrida, a qual, no que ora importa, decidiu «declarar como não-prescrito o procedimento criminal relativamente a todos os arguidos».

Conforme resulta da transcrição levada a efeito de parte da decisão revidenda, a jurisprudência tem sido chamada a pronunciar-se sobre a questão, concretamente sobre a eventual aplicação da dita causa de suspensão ao procedimento criminal instaurado por factos anteriores à sua vigência, sem que, contudo, se assista a uma resposta unívoca, embora, segundo nos foi dado apurar, até à presente data, maioritariamente no sentido da inadmissibilidade da aplicação retroativa da mesma – [cf., v.g. os acórdãos do TRL de 09.03.2021 (proc. n.º 207/09.5PAAMD-A.L1-5), 21.07.2020 (proc. n.º 76/15.6SRLSB.L1 -5), do TRE de 23.02.2021 (proc. n.º 201/10.3GBVRS.E1), do TRG de 25.01.2021 (proc. n.º 179/15.9FAF.G2), do TRP de 14.04.2021 (proc. n.º 300/19.6Y9PRT-B.P1); no mesmo sentido na doutrina, vide José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, em «A Lei n.º 1-A72020, de 19 de março – uma primeira leitura e notas práticas” e em “Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19», Julgar online, março de 2020, fevereiro de 2021; Rui Cardoso e Valter Baptista, em «Estado de Emergência – COVID-19 – Implicações na Justiça – Jurisdição Penal e Processual Penal», Centro de Estudos Judiciários, abril de 2020].

Na sentença, no requerimento de interposição do recurso e, também, na resposta apresentada pelo Ministério Público vem, no essencial, dissecados os argumentos a favor e contra cada uma das posições – inclusive, com referência ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/2021, de 09.06 - restando, assim, expressar o nosso entendimento, fruto de uma reflexão que, com o auxílio da doutrina e da jurisprudência, se foi sedimentando ao longo do tempo, do qual, com o maior respeito por diferente juízo, não vemos agora motivo para nos afastar.

Começando pelo início.

Ao recorrente, bem como aos demais arguidos, foi imputada (no despacho de pronúncia) a prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, p. e p. pelo artigo 108.º, do D.L n.º 422/89, de 02.12, a que corresponde a moldura penal abstrata de prisão até 2 anos e multa até 200 dias.

Os factos suscetíveis de consubstanciar o ilícito típico em referência ocorreram, em relação a qualquer dos arguidos, em 17.01.2011.

O prazo de prescrição do correspondente procedimento criminal é de cinco anos, contados desde a data da respetiva consumação (no caso, 17.01.2011), isto sem prejuízo das causas de suspensão e/ou de interrupção que, entretanto se interpuserem, extinguindo-se, contudo, por prescrição, o procedimento criminal, quando «desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade» - (cf. os artigos 118.º, n.º 1, alínea c), 119.º, 120.º, n.º 2 e 121.º, n.º 3, todos do Código Penal).

De acordo com as citadas normas dúvida não resta que o prazo máximo de prescrição do procedimento criminal se verificou, em relação a qualquer dos arguidos, em 17.07.2021.

Contudo, como já o dissemos, entendeu o Senhor juiz a quo – revelando, a este nível, um esforço de fundamentação a todos os níveis louvável - colher aplicação nos autos a causa de suspensão criada ex novo nos diplomas, que se debruçaram sobre as ditas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica, acima identificados, orientação que, não desmerecendo, embora, os elementos, sobretudo jurisprudenciais, em que se apoia, temos a maior dificuldade em acompanhar.

Vejamos.

São, no essencial, razões de natureza substancial que justificam a ocorrência da prescrição do procedimento criminal, particularmente as que se relacionam com os fins das penas. Já escrevia Beleza dos Santos que «a ação do tempo torna impossível ou inútil a realização destes fins», apagando o seu decurso a exigência de justiça, a necessidade da retribuição penal para a satisfazer, pois «passados anos o crime esqueceu, a reação social, a inquietação, por ele provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer», perdendo a pena interesse e significado – [cf., Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 77º, p. 321 e segs.].

Não sendo, a partir de determinada altura, o direito penal (ultima ratio de intervenção estadual) capaz de cumprir qualquer das suas funções, apagando o decurso do tempo a utilidade preventiva geral e preventiva especial das penas, limitando o Estado, através do instituto da prescrição, o seu poder punitivo, contribuindo o respetivo regime para a definição da responsabilidade criminal do arguido, impõe-se concluir, como se nos afigura pacífico na doutrina e jurisprudência, estarmos perante normas de natureza substancial/material ou, pelo menos, de natureza mista (substantiva e processual), o que conduz, perante uma sucessão de normas, à aplicação daquela – melhor dizendo do “regime” - mais favorável ao agente. Já foi este o entendimento de Eduardo Correia ao escrever: «O reconhecimento da natureza substantiva da prescrição do procedimento criminal terá por efeito determinar a aplicação da lei penal mais favorável, mesmo no caso de uma lei nova alongar os prazos de prescrição» - [cf. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 108º, pág. 361 e sgs.].

É também o que decorre das palavras de Germano Marques da Silva, quando, reportando-se à natureza mista de algumas leis que disciplinam o processo, defende a aplicação, às mesmas, do regime substantivo, enquanto concretamente se revelar mais favorável ao arguido – [cf. Direito Penal Português, vol. I, Verbo Editora, pág. 272]. E outra coisa não se retira do ensinamento de Taipa de Carvalho, no sentido de o instituto da prescrição ser «integrado por normas processuais materiais e por normas exclusivamente processuais», pertencendo à primeira categoria «as normas sobre os termos, os prazos, as causas de interrupção e de suspensão, os efeitos e a legitimidade para a invocar» e à segunda «as possíveis normas sobre a forma de a invocar e de a declarar» - [cf., Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, pág. 238].

Assentando, assim, na natureza material das normas que enformam o instituto da prescrição, a sua aplicação retroativa só poderá acontecer se mais favorável ao arguido. Favorável, como escreve Taipa de Carvalho, «quer quando da sua aplicação resulte a impossibilidade ou redução das possibilidades de aplicar a pena (…), em consequência da nova conceção político-criminal que a lei nova incarna, quer quando da sua aplicação aumentam os direitos de defesa do arguido (…) ou as possibilidades de o recluso ver, efetivamente, reduzida a pena (…)» - [cf., ob. cit., pág. 275]. Dito de outro modo, nenhuma lei sobre prescrição mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos pode ser aplicada.

A determinação do regime mais favorável demanda um procedimento metodológico mais ou menos complexo, levando à consideração de uma panóplia de elementos, como sejam o tempo da prescrição, mas também os resultantes da conjugação deste com os atos processuais relevantes e de cujos efeitos depende a sua contagem. Com efeito, repercutindo-se as causas de interrupção e/ou de suspensão na contagem do tempo da prescrição do procedimento criminal, a consideração da lei mais favorável, ou da não aplicação retroativa da lei que expanda o poder punitivo do Estado, não pode dispensar a ponderação das mesmas.

A propósito da prescrição do procedimento criminal, numa situação em que o período de suspensão da prescrição podia vir a ser superior ao que vigorava aquando da prática dos factos, ficou consignado no recente acórdão do STJ, de 21.10.2021 (proc. n.º 68/11.4TAPNI.C2.S1), «Numa certa perspetiva, poderemos considerar que estamos perante matéria com reflexo no direito fundamental à liberdade, pelo que, em matéria de aplicação das leis no tempo, deveriam ser aplicadas as regras de prescrição do procedimento criminal (quando ocorra uma modificação) que apresentem a solução mais favorável ao arguido.

Já assim se pronunciou a jurisprudência constitucional – cf. por exemplo acórdão n.º 247/2009 (Relator: Cons. Cura Mariano):

“Apesar da atual Constituição também não enunciar especificamente qualquer critério de aplicação da lei processual penal no tempo, na doutrina continua a defender-se que aqueles princípios são extensíveis não só às normas processuais que condicionam a aplicação das sanções penais (v.g. relativas à prescrição, ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa, e à reformatio in pejus), mas também às normas que possam afetar o direito à liberdade do arguido (…)ou que asseguram os seus direitos fundamentais de defesa, todas elas apelidadas de normas processuais penais substantivas (…). Foi também no sentido de estender as regras do artigo 29.º, da C.R.P., à sucessão de algumas normas processuais penais que se pronunciaram os acórdãos deste Tribunal n.º 250/92, de 1-7-1992 (…) n.º 451/93, de 15-7-1993 (…) e n.º 183/2001 (…), afastando-se de anterior jurisprudência (acórdãos n.º 155/88, de 29-6-1988 (…) e n.º 70/90, de 15-3-1990 (…).

A subordinação às regras do artigo 29.º, da C.R.P., das situações de sucessão no tempo de normas de processo que condicionam a responsabilidade penal resulta duma simples operação de subsunção, uma vez que elas se inserem no âmbito de previsão daquele preceito constitucional, atenta a sua influência direta na punição criminal.

(…)

Nestas situações, tal como ocorre com as normas de direito penal, a necessidade de proteção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da CRP), exige a proibição da aplicação com efeitos retroativos, mesmo que impróprios, de normas que, dispondo em matéria de direitos, liberdades e garantias constitucionais do arguido, agravem a sua situação processual, de modo a evitar-se um possível arbítrio ou excesso do poder estatal. Com esta proibição impede-se que o poder legislativo do Estado diminua de forma direcionada e intencional o nível de proteção da liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos, em processos concretos já iniciados.

(…)

Ou seja, nesta perspetiva, em matéria de prazos de prescrição, a aplicação imediata da nova lei (…) que determine um agravamento da responsabilidade penal, como no caso em que o período de suspensão do prazo prescricional foi aumentado, deveria ceder perante a necessidade de aplicação da lei anterior [..] que, estando em vigor ao tempo dos factos criminais, determina um período máximo de suspensão menor (porque menos lesivas do direito fundamental) – o que, no presente caso, seria a lei que determinava o período (máximo) de 3 anos de suspensão do decurso do prazo prescricional.”

Aplicando o que se deixa dito ao caso em apreciação, não podendo este tribunal deixar de encarar as normas contidas nos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020 e 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021 como verdadeira causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, logo de natureza substantiva, repercutindo-se as mesmas no termo do respetivo prazo, dilatando-o, conduzindo a sua aplicação ao afastamento da prescrição – ao contrário do regime em vigor à data da prática dos factos, à luz do qual o procedimento criminal, em relação a todos os arguidos, se mostra prescrito – e, assim, a um agravamento da responsabilidade penal dos arguidos, encaramos com perplexidade a sua consideração quanto a factos anteriores ao respetivo período de vigência sem que nisso se veja violação ao artigo 2.º do Código Penal (emanação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 4 da CRP), enquanto, salvaguardando, tão só, a ponderação do “regime mais favorável ao agente”, proíbe a aplicação retroativa da lei penal.

Resultando, na perspetiva deste tribunal, da aplicação da dita causa de suspensão da prescrição aos factos em apreço no processo, uma agravação da situação dos arguidos, na medida – enfatiza-se - em que dela decorre o alargamento da possibilidade de punição (originada pela extensão dos prazos prescricionais), a circunstância de as Leis n.º 1-A/2020 e n.º 4 – B/2021 corresponderem a leis temporárias não abala o entendimento de se estar perante um problema de sucessão de leis no tempo, conduzindo, deste modo, à não aplicação retroativa da lei penal que encerre um regime legal mais desfavorável aos arguidos do que o vigente ao tempo dos factos. Com efeito, a respetiva qualificação como leis temporárias não tem outro alcance senão o de que aos factos praticados no decurso da sua vigência tem aplicação as normas relativas à prescrição nas mesmas definidas – (cf. artigo 2.º, n.º 3, do C. Penal). Diferentemente, a justificação da aplicação da lei temporária aos factos praticados durante a sua vigência, uma vez findo o período em que vigorou, e, assim, o afastamento da aplicação da lei mais favorável, reside, nas palavras de Figueiredo Dias, no facto de a modificação legal se ter operado «em função não de uma alteração da conceção legislativa – esta é sempre a mesma -, mas unicamente de uma alteração das circunstâncias fácticas (pense-se nomeadamente em termos de direito penal económico) que deram base à lei», não existindo «por isso aqui expetativas que mereçam ser tuteladas, enquanto, por outro lado, razões de prevenção geral positiva persistem» - [cf. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág 205; vide ainda Maia Gonçalves, Código Penal Português, 18.ª edição, pág. 63].

Acresce que, como bem realça o acórdão do TRL de 24.07.2020 (proc. n.º 128/16.5SXLSB.L1-5) «nem mesmo nas situações de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência pode ser afetada “a não retroatividade da lei criminal”, como expressamente se consagra no artigo 19.º, n.º 6, da (…) C.R.P. e foi também consagrado na Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, que estabelece o regime do estado de sítio e do estado de emergência. E o mesmo – não afetação da não retroatividade da lei criminal – ficou expresso nos Decretos do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de março, que declarou o estado de emergência (artigo 5.º, n.º 1), n.º 17 – A/2020, de 2 de abril (artigo 7.º, n.º 1) e n.º 20-A/2020, de 17 de abril (artigo 6.º, n.º 1), que o renovaram».

Semelhante entendimento resulta da declaração de voto exarada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2021, donde se respiga: «O princípio da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido é valorado de uma forma especial pelo nosso legislador constituinte, sendo tão importante que nem em situação de estado de sítio ou de emergência pode ser suspendido no que respeita a matéria criminal, como decorre do artigo 19.º, n.º 6, da Constituição – que refere que «A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar (…) a não retroatividade da lei criminal» Esta proibição inclui todas as dimensões de retroatividade, abrangendo também, naturalmente, a aplicação a processos já pendentes de uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição cujo termo não se mostre ainda atingido (a designada retrospetividade ou retroatividade inautêntica).

(…)».

Perfilhando este tribunal, pelos motivos expostos, o entendimento de que a causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal estabelecida nas Leis n.º 1-A/2020 e n.º 4-B/2021 apenas se aplica aos factos praticados durante a sua vigência, a consequência, face aos próprios termos da decisão recorrida - «marcos» e normas supra referidos (relevantes em matéria de prescrição) - não pode ser senão a de julgar extinto, por prescrição, em relação a todos os arguidos, o procedimento criminal.


*

Mostra-se, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal, na procedência do recurso, em julgar extinto, por prescrição, em relação a todos os arguidos, o procedimento criminal.

Sem tributação

Texto processado e revisto pela relatora

Maria José Nogueira (relatora)

Frederico Cebola (adjunto)