Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1102/09.3TVLSB.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: DIREITO À RESERVA E INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
DIREITO À IMAGEM
LIBERDADE DE CRIAÇÃO INTELECTUAL OU CULTURAL
COLISÃO DE DIREITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Na relação de instrumentalidade existente entre o procedimento cautelar e acção principal, a decisão proferida naquele não faz caso julgado material nem se configura com prejudicialidade relativamente à pretensão reclamada na acção principal, não condicionando a decisão a proferir nesta ;
II – ou seja, do teor do decidido no âmbito da providência cautelar, seja em termos de fixação da matéria de facto, seja na integração jurídica desta, não é susceptível de extrair quaisquer efeitos de caso julgado material aplicáveis ao processo principal, isto é, o teor do decidido nos autos cautelares não exerce qualquer efeito sobre a acção principal ;
III – a decisão proferida no procedimento cautelar, assume, assim, uma natureza precária, pois assenta em factores de menor solidez de fiabilidade, não devendo influenciar a apreciação a efectuar no âmbito da acção definitiva ;
IV – os denominados juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia ou campo intermédio entre os puros factos e as questões ou matéria de direito, encontrando-se incluídos na legislação como parte integrante ou constituinte da hipótese legal de várias normas jurídicas ;
V - tais juízos ou conclusões de facto numas situações aproximam-se mais de uma verdadeira questão de facto, enquanto que noutros a proximidade é com uma questão de direito ;
VI – pelo que, aquilo que é matéria de facto ou matéria de direito não é estanque ou fixo, mas antes volátil,  dependendo dos termos em que a lide controvertida se apresenta ou modela, donde o mesmo juízo ou conclusão de facto pode ser, numa situação facto ou juízo de facto e, noutra, juízo de direito ;
VII - devendo apenas terem-se como proibidos os juízos de facto conclusivos que impliquem e apreciem determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica, caso em que tal juízo de facto conclusivo contém em si a resposta a uma questão de direito, ou seja, possui um sentido normativo ;
VIII – o Livro cuja publicação a Autora pretende impedir teve por base os vários relatos que a própria foi fazendo da sua doença ao longo das entrevistas que foi dando e as informações, notícias e detalhes pela mesma proferidos nas conferências de imprensa que deu, pelo que a factualidade no mesmo relatada teve como principal fonte o teor do relatado pela própria, ainda que por vezes, numa linguagem de teor ou cariz romanceado ou com presuntivos detalhes, nem sempre precisos e de estrita obediência á veracidade, deduzidos do teor dos factos objectivos relatados ;
IX – donde decorre ter sido a própria Autora a balizar, de forma assaz ampla, o seu direito à reserva quanto à intimidade da vida privada e familiar (com extensibilidade no que concerne ao seu direito à imagem), nomeadamente no que respeita à sua específica questão de saúde ;
X – decorre do estatuído no nº. 2, do artº. 80º, do Cód. Civil, ser a extensão da reserva sobre a intimidade da vida privada aferida por referência à natureza do caso e á condição das pessoas ;
XI – na situação em apreciação, no que respeita á natureza do caso, tal aferição é efectuada tendo por base a percepção do comportamento do titular, in casu, da Autora, quanto á exposição ou não da sua vida privada, bem como ao modo e circunstancias em que ocorreu a interferência no círculo da intimidade da vida privada daquela ;
XII – e, no que concerne á condição das pessoas, o direito de reserva em equação tem por alvo uma personalidade mediática, uma actriz deveras conhecida do grande público (nomeadamente pela intervenção em novelas de grande audiência televisiva), que sempre procurou e facilitou a publicidade, nomeadamente através da forma como sempre expôs a sua vida, quer profissional quer pessoal, em formatos reveladores da vida social das pessoas que vivem do espectáculo e da arte que desempenham ;
XIII– donde, ainda que se deva reconhecer que existem áreas ou círculos de intimidade onde não se devem admitir ingerências, intromissões ou perturbações, mesmo quando estão em causa pessoas com a mediatização enunciada, de que é exemplo a situação em que padecem de doenças graves, tal como sucedia com a Autora, inexiste, todavia, qualquer comportamento ilícito quando as concretas circunstâncias da vida privada sejam tornadas livremente acessíveis pelos próprios titulares, nomeadamente nos termos em que a Autora transmitiu tal conhecimento de uma parcela reservada e intimista da sua vivência privada ;
XIV – o que determina, claramente, o conferir de licitude à biografia da Autora, ainda que não autorizada, atento o facto da mesma ter por base ou sustentáculo declarações públicas da própria, ainda que reportando-se a um círculo de resguardo que a mesma não manteve nem logrou imacular ;
XV – efectivamente, a Autora, atentas as funções artísticas desempenhadas, e por razões de efectiva procura de publicidade ou notoriedade social (donde lhe advêm necessários ganhos, nomeadamente económicos), origina o concreto e efectivo interesse ou curiosidade do público pela sua vida particular, que a mesma também sempre foi sustentando e fomentando, nomeadamente através da publicitação da sua vida profissional, particular, amorosa, familiar e emocional, utilizando preferencialmente a denominada imprensa “cor-de-rosa” ;
XVI – pelo que, tendo o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada por objecto o “controlo de informação sobre a vida privada”, ao actuar da forma descrita a Autora, ainda agiu nesse espaço de liberdade, que lhe permitia controlar a tomada de conhecimento, divulgação e a circulação da informação relativa á doença que a assolou, forma como foi descoberta, o auxílio procurado, as angústias vivenciadas, a abordagem e modo como a família encarou o novo quadro vivencial e as medidas adoptadas no sentido de debelar ou minorar o quadro de doença diagnosticado ;
XVII – resultado, assim, ter a Autora modelado ou conformado, voluntariamente, aquilo que entendeu serem os seus limites do direito à reserva de que dispunha ou beneficiava, limitando-o ou encolhendo-o, o que funciona como causa excludente da existência de qualquer lesão do próprio direito, e não como prestação de consentimento capaz de funcionar enquanto causa de justificação ou exclusão de ilicitude de um acto lesivo do seu direito à reserva ;
XVIII – a assumpção na obra (Livro) dum certo romancear dos factos, ou de extracção presuntiva de uma situação de facto, de natural ou previsível sequência relativamente ao relatado pela Autora, e estando em equação uma biografia não autorizada, surge como natural ou entendível, não devendo aí descortinar-se uma qualquer ilicitude, pois, no geral, a verosimilhança é evidente e clara. por referência ao teor das entrevistas por aquela concedidas e reportagens realizadas, publicadas em várias revistas de sociedade com a sua anuência, expressa ou tácita ;
XIX - caso assim não se entendesse, estaríamos perante uma situação de evidente colisão de direitos fundamentais, nomeadamente, por um lado, no que concerne á Autora, o seu direito à reserva sobre a intimidade da sua vida privada e familiar, com reflexos ou extensibilidade no seu direito à imagem ; e, no que concerne aos Réus autores do Livro, os direitos à liberdade de expressão e liberdade de criação intelectual ou cultural, no âmbito mais global da liberdade de imprensa ;
XX – o que sempre implicaria que estes direitos tuteladores da posição dos Réus devessem ser harmonizados ou compatibilizados, assim se lhe reconhecendo limites de exercício, com os direitos e bens constitucionais com os mesmos colidentes, ou seja, e in casu, com o direito da Autora à sua privacidade e imagem, no intuito da salvaguarda da sua dignidade enquanto pessoa humana ;
XXI – o que sempre determinaria a necessidade de adopção dos denominados critérios de concordância prática, da ponderação de valores e da prevalência de direitos naquele campo de conflito, de forma a estabelecer-se pontos de não intercepção ou não interferência entre, por um lado, o que deve ainda ser entendível como liberdade de expressão ou de criação intelectual, no âmbito da liberdade de imprensa, e o que deve ser entendível, por outro, como o espaço de privacidade da Autora, enquanto figura pública, atento o seu grau de exposição e divulgação factual da sua vida privada ;
XXII – ou seja, tendo em consideração, num primeiro argumento, a redução da esfera privada da Autora, enquanto figura pública que fomenta ou impulsiona tal exposição ou publicidade, que acicata a curiosidade e interesse do público pela vertente da sua vida privada, mas, num segundo argumento, tendo a necessidade de reconhecer que, também a Autora, e apesar daquela matriz de figura pública, tem direito a um círculo de privacidade mais intimista ou de maior resguardo, no qual se inclui necessariamente uma situação de doença grave ;
XXIII – o que sempre imporia, uma decisão que acautelasse aquele círculo de protecção essencial da intimidade da vida privada da Autora, apesar do efectivo reconhecimento da aludida redução da esfera de protecção da sua intimidade ;
XXIV – todavia, tendo tal factualidade relativa à doença sido tornado pública pela própria Autora, ainda no exercício do espaço de liberdade de gestão da sua esfera privada, não é possível concebê-la, limitá-la ou aprisioná-la no espaço de reserva de intimidade daquela, fora do conhecimento colectivo, pelo que sempre se preponderia pela concessão de prevalência à afirmada liberdade de expressão e liberdade de criação intelectual que assiste aos autores de tal escrito ;
XXV - não se reconhecendo a responsabilidade civil dos Réus autores do Livro, surge como inquestionável a não responsabilização do co-Réu director do jornal, com o qual o Livro seria objecto de venda e distribuição ;
XXVI - tal conclusão não é contraditada ou colocada em causa pela fonte de responsabilidade civil inscrita no artº. 29º da Lei da Imprensa, ao consagrar uma situação de presunção legal, ou seja, a implicar a sua responsabilização solidária, por presunção conducente a um juízo de culpa relativamente ao director, a qual sempre dependeria do reconhecimento da natureza ilícita e culposa do escrito acompanhante da publicação, que, como vimos, não se verifica ;
XXVII – para além da manifesta dificuldade em considerar o Livro como escrito “inserido em publicação periódica”, conforme exigência decorrente daquele enquadramento legal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – MARIA……………., com residência profissional na ……………., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:
- P……….., com sede na ………. ;
- O………. ;
- M……… ;
- J…………,
todos com residência profissional na mesma morada, deduzindo petitório no sentido da sua condenação:
a) no pagamento de indemnização por danos morais em montante não inferior a 35.000,00 €. ;
b) à não publicação do livro identificado como doc. nº 2. ;
c) a não publicarem quaisquer factos sobre a vida privada da Autora.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
- a Ré P……. é a proprietária do jornal ……..;
- sendo o Réu O……. o director daquele jornal ;
- os Réus M……., este exercendo a função de chefe de redacção do mesmo jornal, e J……. são os autores do livro em cuja capa se lê: A VIDA DE ……………. “…….”; Edição ……. ;
- além dos Réus saberem directamente da oposição da Autora à publicação do livro, apenas a contactaram com este já impresso, apresentando-o àquela como um facto consumado ;
- tendo apenas indagado junto da Autora acerca da sua opinião no que respeita à instituição escolhida para receber parte dos rendimentos ;
- tais Réus elaboraram e escreveram o livro, usando foto da Autora na capa e frase supostamente dita por esta, na primeira pessoa, o que induziria o público a pensar que o livro era o relato na primeira pessoa sobre a doença ;
- e, sem que tenha dado aos Réus qualquer entrevista exclusiva, sobre os factos relatados, estes enunciam factos que, de forma abusiva, não correspondem à verdade ;
- o que acontece, desde logo, com o próprio título do Livro ;
- entre 07 a 16 de Abril de 2009, os dias foram horríveis para a Autora que viveu na expectativa do livro poder ser publicado, sendo que o seu estado de ansiedade não foi saudável para a sua gravidez, facto que era do conhecimento dos Réus ;
- tendo estes tido intenção de causar dano à Autora, publicando notícias falsas, mesmo depois de terem sido desmentidas ;
- tendo, assim, a Autora sido lesada na sua tranquilidade, bem-estar físico e psíquico e intimidade ;
- causando-lhe danos e ainda se sentindo presentemente revoltada com a ameaça da publicação do livro ;
- causando-lhe lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos a publicação de tal livro, divulgando factos sobre a sua vida privada, sem a sua autorização prévia, sendo, ainda, muitos deles falsos ;
- sendo os Réus solidariamente responsáveis pela prática de tais factos, nos termos dos artigos 500º, nº. 1, do Cód. Civil e 29º, nº. 2, da Lei nº. 02/99, de 13/01 ;
- entretanto, em procedimento cautelar que instaurou, foi decidida a não publicação do livro, assim como sobre factos privados da vida da Autora, sem o seu consentimento prévio ;
- determinando que no dia 16/04/2009, na 1ª página daquele jornal , ao informarem que a ora Autora travou a publicação do Livro, considerando-o exemplar e que apoia a associação humanitária de doentes com cancro, tenham os Réus dado a entender que a Autora boicota um suposto rendimento a favor daquela associação humanitária ;
- afirmando que os factos constantes do Livro não invadem a privacidade da Autora, o que não corresponde à verdade, levando, inclusive, a o público a pensar que a Autora vetou tal publicação por mero capricho ;
- sempre procurou evitar quaisquer especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico, sendo que o Livro, contrariamente ao que os Réus pretendem fazer crer, não tem qualquer objectivo didáctico.
2 – Citados os Réus, vieram deduzir contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
- o deduzido pedido de não publicação de “quaisquer factos sobre a vida privada da Autora” não é legalmente admissível , por traduzir um “pedido genérico” ;
- decorrendo, igualmente, tal ilegalidade, do facto do mesmo pedido constituir uma violação da liberdade de expressão e informação, bem como da liberdade de criação cultural e do princípio da livre concorrência ;
- por excepção, o Réu O……., enquanto director do jornal, é parte ilegítima, pois não escolhe os produtos a vender conjuntamente com o jornal, desconhece o conteúdo dos artigos comercializados e não tem obrigação de o conhecer ;
- não teve qualquer conhecimento prévio do teor do Livro objecto dos presentes autos, não teve qualquer influência na sua elaboração nem foi elaborado a seu pedido ;
- prevendo a Lei da Imprensa que o director superintenda e determine o “conteúdo da publicação”, mas não dos produtos acessórios a esta ;
- é igualmente ilegítima a Ré editora P…….., não alegando a Autora um único facto constitutivo da sua responsabilidade ;
- Limitando-se a alegar a sua qualidade de editora do Livro e, como tal, deve ser responsabilizada pelo seu conteúdo ;
- Ademais, a mesma Ré desconhece a natureza dos factos descritos no Livro, nomeadamente se constituem factos da vida pessoal, íntima ou pública da Autora, pois limitou-se a publicá-lo ;
- Sendo que nos termos do nº. 2, do artº. 14º, do Código dos Direitos de Autor, apenas os autores dos livros podem responder civilmente pelo seu conteúdo ;
- Não prevendo a lei uma qualquer responsabilidade automática ou objectiva das editoras ;
- Por impugnação, referenciam a forma como a Autora divulgou, em vários meios de comunicação, a doença de que padeceu ;
- Pelo que, a partir do momento em que fala publicamente de um facto do foro privado, este deixa de ter tal natureza, sujeitando-se a que sejam escritos textos sobre as circunstâncias em que tais factos ocorreram ;
- A Autora relatou o diagnóstico, os casos da família com a mesma doença e a sua luta, falando abertamente da sua doença e autorizando várias reportagens em revistas cujo tema de capa era a sua doença ;
- Marcou conferências de impressa, o procedimento médico a que foi sujeita, a forma como a doença afectou o convívio com os filhos e revelou os pormenores íntimos da doença, bem como dos episódios ocorridos no seio familiar privado ;
- Tendo sido a Autora quem decidiu tornar público todos os pormenores da sua doença, para que servisse de exemplo “para outros anónimos falarem” ;
- Todos os factos constantes do livro objecto dos presentes autos foram retirados das entrevistas que a Autora concedeu aos meios de comunicação social ;
- Sendo que alguns factos resultam de informação expressamente divulgada pela Autora, enquanto que outros resultam da interpretação que os autores fizeram sobre as circunstâncias em que os factos relatados pela Autora ocorreram ;
- O que a Autora põe em causa é o rigor em que os detalhes são descritos, mas não o facto central que consta em cada uma das passagens que transcreve ;
- Todavia, a causa de pedir da Autora não é a falta de rigor ou detalhe, da informação, nem mesmo a veracidade, mas antes a violação do seu direito à reserva da vida privada, e o facto de no livro constarem factos que não foram revelados directamente pela Autora aos Réus ;
- Ora, tendo sido os factos concretos relatados expressamente divulgados pela Autora, que os trouxe a público, não tem esta de autorizar que os mesmos sejam publicados numa compilação ou obra biográfica ;
- Desta forma, a leitura do livro não pode ter provocado qualquer dos danos alegados pela Autora ;
- E, mesmo os alegados não possuem a intensidade ou gravidade susceptível de merecer a tutela do direito ;
- Inexiste, assim, qualquer culpa ou ilicitude na conduta dos Réus e, mesmo que estes tivessem violado um qualquer direito da Autora, a aparente ilicitude estaria afastada, pois aqueles actuaram no exercício legítimo de um direito, que é o Direito à Liberdade de Expressão e Criação Cultural, constitucionalmente previstos.
Concluem, nos seguintes termos:
- pela procedência da excepção de ilegitimidade do Réu O……., devendo ser absolvido da instância ;
- pela procedência da excepção de ilegitimidade da Ré P……., devendo ser absolvida da instância ;
- pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos ;
- pela procedência do pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização adequada a reembolsar os Réus, das despesas e honorários dos seus mandatários, a determinar nos termos do nº. 2, do artº. 457º, do Cód. de Processo Civil.
3 – Devidamente notificada, a Autora apresentou réplica, na qual respondeu à matéria de excepção invocada pelos Réus, no sentido do não acolhimento das excepções de ilegitimidade invocadas, bem como na improcedência do pedido da sua condenação como litigante de má fé – cf., fls. 396 a 399.
4 – Os Réus apresentaram tréplica – cf., fls. 407 a 411 -, na qual aduziram, em resumo, o seguinte:
- na petição inicial, a Autora fundamenta a responsabilidade da Ré P……., no facto desta ser proprietária do jornal “…….” e editora do livro objecto dos presentes autos ;
- Todavia, na réplica a Autora invocou a norma com base na qual, no seu entender, resulta a responsabilidade do Director do Jornal e da Ré P……. – o nº. 2, do artº. 29º, da Lei da Imprensa ;
- O que configura alteração da causa de pedir, no que concerne á responsabilidade da Ré P……. ;
- Não foram alegados quaisquer factos constitutivos da responsabilidade da Ré P……., nomeadamente os factos constitutivos do direito da Autora exposto9s naquele normativo, nomeadamente que o director teve conhecimento do teor do Livro antes da sua publicação e que, mesmo assim, não se opôs a que o mesmo fosse publicado ;
- Ademais, aquele normativo não é aplicável, pois o Livro não constitui um “escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica”.
Concluem, no sentido da improcedência do pedido, com a sua consequente absolvição.
5 – Designada data para a realização da audiência preliminar, veio esta a realizar-se conforme acta de fls. 421 a 442, no âmbito da qual:
- Relativamente à invocada ilegitimidade dos Réus O……. e P……., considerou-se estar em causa uma suposta ilegitimidade substantiva, relegando-se para final “o conhecimento da natureza de tais excepções e respectiva procedência ou improcedência” ;
- Foi igualmente remetido para final o conhecimento da invocada ilegalidade do pedido da Autora e da imputada litigância de má-fé ;
- foi proferido saneador stricto sensu ;
- foi consignada  a matéria de facto assente e a base instrutória, não tendo o despacho de condensação merecido quaisquer reclamações quanto a deficiências, obscuridades ou contradições.
6 – Após junção e apresentação de vária prova, foi designada data para a realização de audiência de julgamento, que veio a concretizar-se conforme actas de fls. 716 a 723, 731 a 735, 755, 756 e 757 a 764, com observância do legal ritualismo.
Nesta última audiência, procedeu-se à leitura de despacho decisório sobre a matéria de facto constante da base instrutória, o qual não mereceu qualquer reclamação formal.
7 – Os Réus apresentaram alegações de direito, conforme fls. 801 a 835, pugnando pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
8 – Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 840 a 877 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
IV – Decisão
Face ao exposto, julgando a acção parcialmente procedente, decide-se:
a) condenar os réus P……., O……., M……. e J……., solidariamente, a pagar à autora Maria a quantia de vinte e cinco mil euros, a título de danos não patrimoniais;
b) condenar ainda os réus P……., O……., M……. e J……. a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial];
c) sem prejuízo do decidido em b), absolver os réus do pedido na parte restante, nomeadamente de condenação “(…) a não publicarem quaisquer factos sobre a vida privada da Autora.”
d) absolver a autora do pedido indemnizatório fundado na invocada litigância de má fé;
e) condenar a autora e os réus no pagamento das custas, na proporção de 10% para a primeira e de 90% para os segundos.
Notifique”.
9 – Inconformados com o decidido, os Réus interpuseram recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES (que ora se reproduzem, procedendo-se à correcção dos lapsos de redacção):
“1. As biografias "não autorizadas" são uma realidade comum maioria dos países europeus, sendo que os fatos relatados na biografia objeto dos presentes autos, são inócuos.
2. A publicação dos fatos objeto dos presentes autos encontram-se salvaguardados pela Liberdade de Criação Cultural e pela Liberdade de Expressão, pelo que, n sentença em recurso viola expressamente o disposto nos artigos 372 e 422 da Constituição da Republica Portuguesa, bem como o artigo 102 da Convenção europeia dos Direitos de Homem.
3. Todos os fatos cuja revelação a Recorrida se opôs, revelados no livro objeto dos presentes autos, não constituíam matéria da sua vida "privada" ou "íntima", porque, tinham sido tornados públicos pela própria, pelo que o Tribunal "a quo" viola o disposto no artigo 802 do Código Civil.
4. Como é sabido,"...são lícitos os resumos biográficos e as próprias biografias de pessoas da história contemporânea, feitos a partir de documentos de acesso público, de declarações públicas do biografado e das pessoas que com ele privaram ou contraditaram, de factos ocorridos publicamente e mesmo de acontecimentos e de circunstâncias privadas"
5. Tendo em conta o acima referido, é manifesto que a decisão objeto do presente recurso, para além de constituir uma violação aos mais elementares Princípios Constitucionais de Liberdade de Criação Cultural e Liberdade de Informação, colide com a própria proibição de censura quando proíbe que uma obra literária seja difundida ou aplica indemnizações decorrentes da prática de um fato que é manifestamente lícito, estando por isso em oposição com os artigos 37º (Liberdade de expressão e informação) e 42º (Liberdade de criação cultural), ambos da Constituição da República Portuguesa.
6. Existe uma manifesta situação de inutilidade superveniente, uma vez que, após o Tribunal ter ouvido e analisada a prova apresentada pelos aqui Recorrentes em sede da contestação, entendeu, e bem, levantar a ordem de não publicação, tendo AUTORIZADO: (a) a publicação do livro em questão com outro título e de onde conste de forma expressa e bem visível que se trata de uma biografia ou trabalho não autorizado pela requerente; (b) A publicação de quaisquer fatos sobre a vida privada da requerente, desde que os mesmos sejam públicos ou tornados públicos pela requerente."
7. Entendem assim os Recorrentes que a sentença está em oposição com o disposto na alínea e) do artigo 287º do Código do Processo Civil, existindo motivos para a instância se considerar extinta, no que diz respeito ã questão da publicação do livro.
8. A Recorrida não apresentou qualquer recurso da decisão proferida pelo Tribunal que admitiu a publicação do referido livro (nos termos e nos limites constantes daquela decisão), motivo pelo qual a mesma transitou em julgado.
9. Entendem os Recorrentes que admitir a decisão nos termos que aquela foi proferida, na parte em que proíbe a publicação do documento número 2 dos autos, em termos mais genéricos do que aqueles que foram admitidos em sede da decisão final da Providência Cautelar, está em manifesta oposição com a decisão final proferida em sede daqueles autos, a qual será de ter presente, não foi objeto de qualquer recurso por parte da Recorrida que, como tal, se conformou com a mesma, motivo pelo qual, a sentença, em recurso, viola o disposto no artigo 671º do Código do Processo Civil e do disposto no número 1, do artigo 113 da Constituição da República Portuguesa.
10. Ora, "o caso julgado visa dar concretização aos valores de certeza e segurança jurídica, assegurando o prestígio dos tribunais, que ficaria comprometido se a mesma situação concreta, uma vez definida num certo sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente" (Ac. Tribunal da Relação de Lisboa 18/04/2013; www.dgsi.pt)
11. Assim, admitir que a "publicação" ou "não publicação" do livro (especialmente quando o mesmo já foi publicado nos termos e dentro dos limites permitidos pela providência cautelar) abriria a porta à possibilidade de existirem decisões contraditórias sobre o mesmo fato em concreto, criando uma manifesta incerteza e insegurança no ordenamento jurídico que, evidentemente, não se pretende ou deseja.
12. O conteúdo deste novo documento (doc.1) colide com a decisão proferida em sede de 1.9 instância, porquanto dele existem declarações e excertos relatados na primeira voz, pela Recorrida, que são contrários à prova produzida nos presentes autos e consequentemente contrários à matéria dada como assente dos factos provados.
13. Ao abrigo do disposto no art. 712.9, n.91 alínea a) do CPC, tendo em consideração que a 1.ª edição do Livro "……." foi publicada em Abril de 2013, deve esta obra literária ser admitida conjuntamente com o presente recurso por se considerar um documento superveniente elementar que impõe decisão diversa da proferida.
14. Pelo que, pelas razões agora aduzidas, outra realidade não poderá prevalecer senão a de dar como provado que o título do Livro "……." corresponde à verdade, alterando-se a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida no quesito 7 da resposta à matéria de facto.
15. Com base no documento acima referido, devem ainda ser alteradas as respostas contidas nos pontos 7, 9, 10, 11, 12, 14, 23 conforme e nos termos acima referidos.
16. Entendem os Recorrentes que a sentença é nula, nos termos da alínea b) do número 1, do artigo 668º do Código do Processo Civil, na parte em que não fundamenta a atribuição do "quantum indemnizatório".
17. Na realidade, não se depreende qual o fundamento que levou a que fosse atribuída a referida indemnização, nomeadamente, qual o dano concreto, o grau da culpa, a extensão da lesão, entre tantos outros parâmetros essenciais par aferir da justiça e legalidade da decisão.
18. Pelo acima referido, entendem os Recorrentes que a sentença em recurso constitui uma nulidade, prevista na alínea b), do n.º 1 do art.° 668, do Código do Processo Civil, violando ainda claramente, o dever de fundamentar, previsto genericamente no artigo 158°, do mesmo código, bem como o Princípio Constitucionalmente previsto no número 1 do artigo 205, da Constituição da República Portuguesa.
19. Para além disso, o Tribunal "a quo" conheceu ainda (i) da alegada "negligência" dos "funcionários" da referida Recorrente, (ii) quando nem sequer a referida culpa foi objeto dos autos, (iii) nem os mesmos continham qualquer matéria de fato dos quais fosse possível concluir a referida matéria.
20. Ora, dispõe o número 1, do artigo 32 do Código do Processo Civil que, "o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição."
21. Para além disso, nos termos do número 3, do mesmo artigo é expressamente referido que, "o juiz deve obstar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.", normas essas violadas pela decisão em recurso.
22. Assim, ao decidir que a Recorrente P…….., responde pela alegada "negligência" dos seus funcionários, é manifesto que o Tribunal tomou conhecimento de matéria sobre a qual, não foi chamado a se pronunciar, motivo pelo qual, salvo melhor opinião, a decisão é nula, nos termos da alínea d), do número 1, do artigo 668º do Código do Processo Civil.
23. Entendem os Recorrentes que, a alteração de um facto "assente", constitui uma violação do número 1, do artigo 32 do Código do Processo Civil, e 653º do mesmo Código, que tem obrigatoriamente, influência no exame ou na decisão da causa, motivo pela qual, nos termos do artigo 201° do Código do Processo Civil, constitui uma nulidade, que atempadamente se invocou para todos os efeitos e consequências legais.
24. No que diz respeito à matéria de fato, entendem os Recorrentes que as respostas e a matéria constante dos pontos, 5, 62, 9°, 10, 11°, 12º, 13º, 14º, 19°, 23°, 25°, 26º e 27º, por conclusivas e por conterem opiniões e considerações, devem ser consideradas "não escritas", nos termos dos artigos 712º do Código do Processo Civil.
25. Os referidos pontos violam expressamente o disposto nos artigos 511° e 664 do Código do Processo Civil.
26. Para além disso, com base no depoimento da testemunha S……. (registado 10:04:42 a 10:33:00) deveria o Tribunal ter considerado como "não provado" a resposta ao fato 1 da base instrutória.
27. Deveria ainda o Tribunal "a quo" ter considerado provado os pontos 9 e 11 da matéria de fato, por estarem em manifesta oposição com o que a Recorrida disse na entrevista constante do documento número 22 junto com a oposição.
28. Deveria também o Tribunal ter julgado "provados" os fatos constantes dos pontos 36 e 37 da matéria de fato, uma vez que, inexiste qualquer dúvida que os fatos constantes do livro, constam direta ou indiretamente, das entrevistas e reportagens publicadas, muitas delas juntas aos autos.
29. Tanto é que o próprio Tribunal na Decisão Final da Providência Cautelar entendeu que, "os fatos que a requerente pretende que não sejam publicados, foram divulgados por aquela, uns de fora direta, outros de forma indireta, tendo todos sido trazidos para o domínio da opinião pública, que acompanhou a experiência traumática que aquela viveu.
30. A resposta dada ao ponto 31 e 32 da base instrutória, deveria ser alterada com base no depoimento testemunhal prestado pela testemunha E…….
31. Ao decidir que a sociedade Editora responderia nos termos do artigo 500º, viola expressamente, para além do referido artigo, o 342º do Código Civil, bem como o artigo 261 do Código do Processo Civil.
32. Para além disso, ao não ter sido feita prova da necessária "comissão" a sentença violou ainda o disposto no número 3, do artigo 503º do Código Civil.
33. Pelos mesmos motivos, por não ter sido feita prova dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil de qualquer um dos Recorrentes, a sentença está em manifesta oposição com o disposto no artigo 483º e 342º do Código Civil.
34. A sentença errou na aplicação das normas ao aplicar o regime do artigo 29º da Lei da Imprensa, ao caso objeto dos presentes autos, uma vez que o livro não constitui conteúdo do jornal, mas é externo ao conteúdo editorial.
35. A sentença viola também o artigo 20º da Lei da Imprensa nem faz a correta interpretação da mesma, uma vez que dela não decorre que o Director do jornal responde pelo conteúdo dos "brindes" que acompanham o periódico"
36. O regime da responsabilidade prevista no artigo 29º da Lei da Imprensa apenas se aplica a conteúdos "inseridos" (expressão a que a lei recorre) no jornal e não aos "presentes".
37. Em parte alguma do estatuto do Director previsto no artigo 20º da Lei de Imprensa lhe é atribuída a função de zelar pelos conteúdos que não sejam editoriais e que sejam estranhos ao jornal, é por isto manifesto que existiu um erro na aplicação da lei;
38. Não sendo aplicável a Lei da Imprensa aos "brindes" que acompanham os jornais, não impende sobre os Directores qualquer presunção, violando por esse motivo a sentença em recurso, o disposto nos artigos 20º, 29º da Lei da imprensa, bem como o regime da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente o artigo 483º, 486º, 487º, todos do Código Civil.
39. No caso concreto deveria o Tribunal "a quo" ter aplicado o regime geral da responsabilidade civil e nunca a Lei da Imprensa uma vez que o livro não se pode confundir com o jornal.
40. Assim, aplicando-se o regime geral da responsabilidade civil, e tendo o Tribunal "a quo" dado como provado que "a venda de um livro ou de qualquer outro produto com o jornal "Correio da Manhã" constitui uma opção de marketing, tomada pelo departamento de marketing da Ré P……. a comercialização de produtos com o jornal constitui uma área de negócio autónoma que não se confunde com o produto que é o jornal" (ponto 29 da resposta à matéria de fato) e que, "relativamente ao Réu O……., Director do jornal "…….", provou-se que não é o Director do jornal quem escolhe quais os produtos que são vendidos com o jornal e ainda que o livro não foi elaborado a pedido do Director do jornal nem este teve qualquer influência na sua elaboração. (página 38 da sentença em recurso)
41. É manifesto que, em relação ao Recorrente O……. o tribunal considerou expressamente provados, fatos que excluem não só qualquer atuação da sua parte (pois se reconhece que terá sido o departamento de marketing) como afasta qualquer elemento de culpa.
42. No que diz respeito ao artigo assinado pelo jornalista M……. onde se informava que a Recorrida tinha "travado a publicação" do livro em causa, a verdade é que o conteúdo do mesmo, para além de ser inócuo, em nada ofende o bom-nome ou reputação da Recorrida.
43. Pelo que, a sentença em recurso ao condenar os Réus pela publicação do referido artigo, viola expressamente o disposto nos artigos 483º e 484º, ambos do Código Civil.
44. Nos termos do artigo 483º do Código Civil, é civilmente responsável "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."
45. Assim, constituem pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, (i) a prática de um facto, (ii) praticado com dolo ou mera culpa (iii) que seja violador de o direito de alguém, bem como (iv) a existência de danos e (v) um nexo causal.
46. Desde logo, inexistiu qualquer ilicitude uma vez que os fatos revelados constavam todos de entrevistas que a própria Recorrida deu à comunicação social.
47. Dispõe o artigo 80º do Código Civil, que "todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem."
48. Entendem os Recorrentes que inexistiu qualquer comportamento ilícito uma vez que não revelaram qualquer fato que não tivesse sido revelado pela própria e por isso que fosse privado ou ilícita a sua difusão.
49. Assim, a sentença viola e aplica erradamente o disposto no artigo 80º do Código Civil, uma vez que inexistiu qualquer violação da privacidade da Recorrida.
50. Para além disso, a sentença em recurso viola o disposto no artigo 496º do Código Civil pois não resulta que os danos tenham a dimensão nem a gravidade exigido pela referida norma.
51. A indemnização atribuída é manifestamente desproporcional até por que os mesmos estão limitados entre o dia 7 e o 16 de Abril.
52. Inexistiu qualquer alegação ou prova do nexo causal, motivo pelo qual, a decisão viola expressamente o disposto no artigo 563º do Código Civil.
53. Inexistiu qualquer culpa dos Recorrentes nem estes violaram qualquer direito, muito menos a "privacidade" da Recorrida pois os fatos eram todos públicos.
54. A sentença ao interpretar como "privados" fatos que tinham sido divulgados pela própria Recorrida, não faz a melhor interpretação do disposto no artigo 80º do Código Civil, uma vez que os deveria ter considerado, "fatos públicos"”.
Concluem, no sentido da improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
10 – A Apelada/Recorrida Autora apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES (reproduzem-se integralmente, procedendo-se à correcção dos lapsos de redacção):
“1 - Conforme consta do decisório da sentença, o livro objecto dos presentes autos é aquele que foi junto como Doc 2, no requerimento da Providência Cautelar (PC) ou seja, aquele cuja publicação assim se apresentou à recorrida e que de ora em diante se designará por LIVRO, do qual não consta a menção “biografia não autorizada”
2 - Qualquer homem médio é forçosamente levado a concluir que o LIVRO se trataria de um relato na primeira pessoa da Maria, no qual, relataria a sua vitória sobre o cancro. E não é. O LIVRO é a materialização suprema da especulação da doença da recorrida, ou seja um acto do qual os recorrentes retirariam vantagens através de um engano.
3 - Os recorrentes fazem crer que o livro em discussão é aquele ao qual foi aposto na capa a menção “biografia não autorizada” o que fazem ao longo das suas alegações, afirmando mesmo, na página 124 das mesmas: “Mais, contrariamente ao que o Tribunal “a quo” entendeu, é impossível que o público em geral pense que a autora tenha autorizado a publicação do livro ou que o mesmo se trata de uma biografia autorizada já que, da capa do mesmo consta a indicação expressa de que se trata de uma “biografia não autorizada” (documento nº 30 junto com a contestação), sofisma de que lançam mão ao longo das suas alegações.
4 - Inexiste qualquer decisão que habilite os recorrentes a publicarem o livro objecto da PC e dos presentes autos e como tal inexiste a invocada inutilidade superveniente, bem como, à data da propositura da acção já havia sido proferida decisão na pc, pelo que, a pretensa inutilidade superveniente já subsistia , ou seja, não decorre de facto ocorrido na pendência da acção.
5 - O nº 4 do artigo 383º do cpc à data em vigor,- actual 364º nº 4 - determina claramente que: “Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal”, inexistindo pois o invocado caso julgado.
6 - Os recorrentes sempre argumentaram que todos os factos constantes do LIVRO decorrem directa ou indirectamente de factos que a ora recorrida tornou públicos anteriormente.
7 – Pretendem agora os recorrentes com factos surgidos posteriormente, justificar um conhecimento anterior que, no entendimento dos recorrentes tornava licito o conteúdo do LIVRO.
8 - A ilicitude do acto não pode, salvo melhor opinião, ser afastada com factos que não existiam nem eram conhecidos à data em que a mesma se constituiu, sob pena de aos recorridos assistir e ser reconhecido um especial poder de adivinhação. Facto posterior seria, aquele em que a ora recorrida viesse atestar que , em momento anterior ao LIVRO, autorizou a sua publicação e conteúdo ,com o título “V…….”.,
9 - Pretendem os recorrentes juntar um documento, que, só pode provar o contrário do pelos mesmos alegados, ou seja, que os factos constantes do LIVRO decorrem de factos dados a conhecer em momento anterior ao mesmo pela recorrida, não podendo o documento que juntam lograr obter resposta diferente à matéria de facto dada nos autos e como tal não pode ser admitido e como tal deve ser desentranhado, não podendo colher a pretensa resposta diferente aos pontos 7, 9, 10, 11, 12, 14, 23 com base em tal documento .
10 - “…….”; “Maria estava avisada pelos médicos”; “mais ano menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama” ;Ao final da tarde quando dava de mamar pela primeira vez à bebe, o simbolismo do momento(...)” ; “Maria roída de inquietação” ; “A medicina pouco ou nada poderia fazer...Maria estava condenada à morte. Era uma questão de tempo”. Não são expressões utilizadas, nem divulgadas pela recorrida
11 - O confronto com tais expressões especulativas, começando pelo título, quando a recorrida sempre quis evitar especulações sobre a sua doença, causaram danos à recorrida e não são factos inócuos como pretendem os recorrentes.
12 - O tribunal “a quo” fundamenta o montante: indemnizatório “no conjunto dos danos patrimoniais sofridos pela autora, já atrás descritos, que revestem a gravidade legalmente pressuposta”. Como sejam: Quando a autora foi informada do conteúdo do telefonema, ficou emocionalmente perturbada e, imediatamente, rejeitou qualquer consentimento na publicação do referido livro, independentemente do seu conteúdo; A autora, com a leitura do referido livro, ficou revoltada e angustiada com os factos mencionados e respeitantes à sua saúde; O teor do referido livro e respectivo título provocaram na autora um estado de ansiedade que a perturbou no seu bem estar e no dia a dia, com ataques de choro; Na altura, a autora encontrava-se em repouso devido a estar grávida e passava os dias com os seus dois filhos pequenos; A autora tinha saído do processo terapêutico que é a debelação e recuperação do cancro da mama; Desde o dia 7 até ao dia 16 de Abril de 2009, a autora viveu em sobressalto com a possibilidade da publicação do livro e a exposição de factos falsos sobre a sua vida perante o público em geral; e, mesmo que fossem totalmente verdadeiros, a autora não concordaria com essa exposição; A autora sempre quis evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico.
13 - Os recorrentes sabiam do resguardo da recorrida nesta matéria, por demais e expressamente solicitado, como decorre alínea L) dos factos assentes”(...) o jornal “…….” esteve presente na conferência de imprensa, onde a autora frisou: “estou numa fase de reabilitação e preciso de calma e serenidade, por isso quero falar de coisas boas e felizes”; na primeira página do jornal é apresentada uma fotografia da autora e esta a afirmar “Quero esquecer esta fase da minha vida”.
14 - O quantum indemnizatório, nada tem a ver com a delimitação temporal dos danos, mas sim com a intensidade da ofensa que é sempre determinada pelas circunstâncias do caso concreto, que no caso conhece circunstancialismos, que determinam um grau elevado da ilicitude dos recorrentes, e a incontornável violação dos direitos da recorrida, que bastam e fundamentam o quantum indemnizatório.
15 - Lidos que sejam os quesitos, 5º, 6º, 19º, 23º, 25º, 26º, 27º verifica-se que, nenhum deles corresponde qualquer questão de direito, antes pelo contrário dos mesmos só se retiram factos, porquanto qualquer homem médio os interpreta como tal, ou seja entende, de imediato, o significado de : “boicotar”, “vetou”, “exposição”, “especulações”, “lembrar” “induzir a pensar”, “lucro”.
16 - Relativamente aos pontos 9, 10, 11, 12, 13 e 14 da BI, qualquer homem médio identifica em qualquer um dos pontos qual o facto provado.
17 - Não pode colher a pretensa resposta diferente aos pontos 36 e 37 com base nos documentos 1 a 23 juntos com a contestação, assim como não pode pois colher a pretensa resposta diferente aos pontos 9, e 11, com base no documento 22 junto com a contestação, muito menos com base no documento junto com as alegações.
18 - Não pode colher a pretensa resposta diferente aos pontos 1 com base no depoimento da testemunha S……., pois o que a testemunha diz é que “ ele não disse logo que seria a favor da União dos Doentes com Cancro (...)” . Ora , não dizer logo, apenas quer dizer que não o disse num primeiro momento mas que o disse posteriormente.
19 - O Director do Jornal não só não provou que não tinha conhecimento, antes decorre da matéria provada que o teve efectivamente: “Conforme a autora verificou, o aludido livro encontrava-se impresso e pronto a publicar; no dia 15 de Abril de 2009, os réus anunciavam na primeira página do jornal “amanhã não perca a luta de Maria, livro sobre a vida da actriz” – com o custo 2 € + jornal, exibindo a capa do livro (primeira página e págs. 18 e 45, cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i.” [alínea F) dos factos assentes] o que aliás decorre do depoimento da testemunha E……., não podendo a resposta ao pontos 31 e 32 ser a pretendida pelos recorrentes.
20 -Inexiste a invocada nulidade da alteração dos factos constantes da Base Instrutória como bem decorre da sentença, que decidiu pela intempestividade da sua arguição.
21 - Em tudo o mais, se adere à sentença e se oferece o seu merecimento, nomeadamente no enquadramento jurídico, sendo que, nos termos da lei processual, o juiz não está vinculado às alegações das partes no que ao mesmo respeita”.
Conclui, no sentido da improcedência dos fundamentos do recurso, e consequente manutenção da sentença recorrida.
11 – Conforme despacho de fls. 1186, foi admitido o recurso interposto, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foi ainda proferido despacho que considerou não verificadas as nulidades arguidas pelos Recorrentes – cf., artigos 617º. nº. 1 e 641º, nº. 1, ambos do Cód. de Processo Civil.
12 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
*
II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto dos interpostos recursos.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
I) DAS NULIDADES
1. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO ATRIBUÍDO – o artº. 668º, nº. 1, alín. b), do Cód. de Processo Civil (correspondente ao artº. 615º, nº. 1, alín. b), da actual redacção) – Conclusões 16. a 18. ;
2. DO CONHECIMENTO DE FACTOS DE QUE NÃO SE PODIA CONHECER - o artº. 668º, nº. 1, alín. d), do Cód. de Processo Civil (correspondente ao artº. 615º, nº. 1, alín. d), da actual redacção)
Da violação do princípio do contraditório - Conclusões 19. a 22.;
3. DA OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO - o artº. 668º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil (correspondente ao artº. 615º, nº. 1, alín. c), da actual redacção) ;
4. DA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, DECORRENTE DA ALTERAÇÃO DO FACTO ASSENTE NA ALÍNEA T) – o artº. 201º, do Cód. de Processo Civil (correspondente ao artº. 195º, da actual redacção) – Conclusão 23. e Conclusão Contra-alegacional 20 .
II) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA, inclusive da GRAVADA:
1. Das Conclusões consideradas PROVADAS pelo Tribunal que devem ser consideradas NÃO ESCRITAS:
a) Os artigos 511º, 659º, nº. 2 e 646º. nº. 6, todos do Cód. de Processo Civil ;
b) Da consideração como provada da matéria que constitui meras conclusões ou opiniões, e não factos, o que obriga a que os mesmos sejam considerados não escritos ;
c) Da consideração como conclusões de partes dos seguintes pontos da base instrutória julgada provada: quesitos 5º, 6º, 19º, 23º, 25º, 26º e 27º ;
2. Das demais Conclusões consideradas PROVADAS pelo Tribunal que devem ser consideradas NÃO ESCRITAS:
a) Deve ser considerada não escrita parte das respostas constantes dos pontos referentes aos quesitos 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 14º - Conclusões 24. e 25. e Conclusões Contra-alegacionais 15 e 16 ;
3. Da factualidade que deve ser considerada NÃO PROVADA:
a) Os pontos 1º, 9º e 11º - Conclusões 26. e 27. e Conclusões Contra-alegacionais 17 e 18  ;
4. Da factualidade que deve ser considerada PROVADA:
a) Os pontos 36º e 37º da base instrutória - Conclusões 28. e 29. e Conclusão Contra-alegacional  17   ;
b) Os pontos 31º e 32º da base instrutória – Conclusão 30  ;
III) Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO
A circunstância de estarmos perante uma obra literária e não perante um artigo jornalístico
1. Da responsabilidade da editora P…..., nos termos do artº. 500º, do Cód. Civil:
a) Da falta de alegação, por parte da Autora, dos factos constitutivos de que depende a responsabilidade inscrita no artº. 500º, do Cód. Civil ;
b) Da legal exigência de se aferir da responsabilidade dos funcionários do departamento de marketing da sociedade editora, para o funcionamento do artº. 500º, do Cód. Civil ;
c) Da responsabilidade da sociedade editora decorrente do vínculo contratual que tem com o director - - Conclusões 31. e 32. ;
2. Da responsabilidade do director do jornal pela publicação do livro que acompanha o jornal:
a) Do erro na aplicação da lei da imprensa ; da necessária aplicabilidade do regime geral da responsabilidade civil ;
b) Das funções do director do jornal
In casu, não estava em equação o conteúdo do jornal, sendo assim inaplicável a presunção de que teria de ser o director a fazer prova de que desconhecia o seu alegado conteúdo ilícito (o artº. 29º da Lei da Imprensa) ;
c) Da inaplicabilidade do artº. 29º da lei da Imprensa ao caso em que um livro é distribuído juntamente com um jornal ;
Da aplicação de tal normativo aos conteúdos publicados (inseridos) numa publicação periódica - Conclusões 33. a 41. e Conclusão Contra-alegacional  19  ;
Da não responsabilização pessoal dos directores das publicações ;
3. Da publicação, no jornal, do anúncio e artigo referente ao livro:
a) Do não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil ;
b) Da não consideração como ofensivo ou difamatório do artigo assinado por M……. sobre a não publicação do livro - Conclusões 42. e 43.  ;
4. Da alegada ilicitude do título do livro e consequente ilicitude na sua divulgação:
a) Da inexistência da necessária e elementar alegação da matéria de facto para que possa funcionar a presunção inscrita no artº. 29º, da Lei da Imprensa ;
b) Da não alegação de factos constitutivos da responsabilidade civil da P……. ;
5. Da falta dos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual:
a) Os factos concretamente invocados pela Autora, para obstar à publicação, e nos quais sustentou a alegada ilicitude, foram todos, directa ou indirectamente, revelados pela própria em entrevistas, pelo que tais factos eram públicos (e não privados nem íntimos), não carecendo de qualquer autorização para a sua publicação ;
b) Da dignidade constitucional do Direito à Liberdade de Expressão e do Direito à Honra e Reputação e sua necessária concertação com recurso aos princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação ;
c) Os direitos fundamentais da Liberdade de Expressão e de Liberdade  de Criação Intelectual ; a jurisprudência do TEDH ;
6. Da actuação dos Réus em sintonia com a decisão proferida na providência cautelar:
a) Da não actuação de forma ilícita, conforme reconhecimento efectuado em sede de providência cautelar ;
7. Da não pertença dos excertos em causa à esfera da “privacidade”:
a) Os factos relatados no livro, que a Autora questiona, foram todos relatados (directa ou indirectamente) pela própria ;
b) Da inexistência de culpa e da impossibilidade dos Réus terem representado os factos como integrados na esfera da privacidade da Autora - Conclusões 44. a 49.  ;
8. Dos alegados danos:
a) Da ausência de “intensidade” que mereça a tutela de uma indemnização por danos não patrimoniais ;
O não preenchimento dos pressupostos do artº. 496º, do Cód. Civil - Conclusão 50. ;  
b) Da desproporção da indemnização atribuída e o balizamento dos danos entre os dias 07 e 16 de Abril - Conclusão 51. e Conclusões Contra-alegacionais  10 a 14 ;
c) Da inadequação da publicação do artigo, por não ser consequência norma ou típica daquele, à produção dos “fantasiosos” danos que a Autora invoca - Conclusão 52. ;
d) Da falta de necessidade de autorização prévia da Autora para a publicação dos factos e da sua culpa enquanto alegada lesada ;
Da inexistência de conduta ilícita por parte dos Réus e de qualquer actuação adequada a provocar qualquer dano ;
e) Da desnecessidade de autorização para a publicação do livro objecto dos presentes autos ;
Da desnecessidade de autorização da Autora para elaborar uma biografia “não autorizada”, especialmente quando tal ocorre com factos que a Autora decidiu tornar públicos, e com a indicação expressa de que se trata de uma biografia “não autorizada” - Conclusões 53 e 54..
*
Aprioristicamente, tendo em consideração o teor das alegações recursórias, urge, ainda, conhecer acerca do seguinte:
A) Da inutilidade superveniente do pedido de não publicação do livro objecto da providência cautelar
Da violação da alínea e), do artº. 287º, do Cód. de Processo Civil e alegada existência de motivos para que a instância se encontre extinta no que concerne à questão da publicação do livro - Conclusões 6. e 7. e Conclusão Contra-alegacional 4
B) Da violação do caso julgado
Da incompatibilidade do decidido quanto à proibição de publicação e distribuição do livro, com o decidido na providência cautelar que autorizou a publicação em questão:
a) Com outro título e donde conste, de forma expressa e bem visível, que se trata de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Requerente ;
b) De quaisquer factos sobre a vida privada da Requerente, desde que públicos ou tornados públicos pela Requerente ;
Da extensão do caso julgado à matéria de facto fixada na providência cautelar, nomeadamente relativamente aos factos considerados na providência cautelar como tendo sido “directa ou indirectamente revelados pela própria” autora, e ora considerados na sentença apelada como “falsos” ou “inverdadeiros” - Conclusões 8. a 11. e Conclusão Contra-alegacional 5 ;
C) Da (in)admissibilidade da junção de documento superveniente
Da consideração dos factos supervenientes, incontestados (a preclusão não deve atingir as deduções supervenientes) ;
Dos efeitos da consideração de tal documento sob os factos considerados provados, correspondentes aos quesitos 7, 9, 10, 11, 12, 14 e 23 - Conclusões 12.a 15. e Conclusões Contra-alegacionais 6 a 9.
Por fim, consigne-se, ainda, o seguinte:
- como questão prévia, enunciam, ainda, os Apelantes a circunstância das biografias “não autorizadas” constituírem extensão do direito constitucional da Liberdade de Criação Cultural e Expressão, invocando a violação dos artigos 37º e 42º, da Constituição da República Portuguesa e artº. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como a violação da doutrina do Tribunal Europeu (a decisão do caso “the Observer e Guardian Newpapers, LTD V. Reino Unido) - Conclusões 1. A 5. e Conclusões Contra-alegacionais 1 a 3.
Todavia, tal questão tem o seu lugar próprio de apreciação aquando do conhecimento do enquadramento jurídico, tendo por base os suscitados fundamentos recursórios, pelo que se remete para tal sede o aludido conhecimento.
- a enunciação supra exposta e o efectivo conhecimento das questões está, logicamente, condicionado ao juízo de prejudicialidade inscrito no nº. 2, do artº. 608º, do Cód. de Processo Civil.
O que poderá determinar o não efectivo conhecimento de algumas das questões enunciadas.
QUESTÕES PRÉVIAS
A) Da inutilidade superveniente do pedido de não publicação do livro objecto da providência cautelar
Invocam os Recorrentes existir uma “manifesta situação de inutilidade superveniente, uma vez que, após o Tribunal ter ouvido e analisada a prova apresentada pelos aqui Recorrentes em sede da contestação, entendeu, e bem, levantar a ordem de não publicação, tendo AUTORIZADO: (a) a publicação do livro em questão com outro título e de onde conste de forma expressa e bem visível que se trata de uma biografia ou trabalho não autorizado pela requerente; (b) A publicação de quaisquer fatos sobre a vida privada da requerente, desde que os mesmos sejam públicos ou tornados públicos pela requerente".
Entendem, assim, que a sentença ora sob sindicância, “está em oposição com o disposto na alínea e) do artigo 287º do Código do Processo Civil, existindo motivos para a instância se considerar extinta, no que diz respeito á questão da publicação do livro”.
Explicitando, aduzem não lograrem alcançar o teor do pedido deduzido em sede de acção principal, nem o correspondente teor na sentença em recurso, na parte em que o Tribunal ordenou que não fosse publicado o doc. nº. 2, junto com a providência cautelar.
Com efeito, não tendo os ora Recorrentes apresentado recurso do teor da decisão proferida, num segundo momento, no procedimento cautelar, esta transitou em julgado, tendo os ora Recorrentes adquirido o direito “de publicar o livro, nos termos e dentro dos limites estabelecidos pelo Tribunal em sede de Providência Cautelar, decisão essa que, não pode agora a sentença em recurso vir alterar”.
Pelo que, “tendo sido admitida a publicação do livro objecto da providência cautelar e tendo sido este efectivamente publicado, nos termos e dentro dos limites estabelecidos por aquela decisão, existe uma manifesta inutilidade superveniente da lide”.
Na resposta apresentada, referencia a Apelada inexistir “qualquer decisão que habilite os recorrentes a publicarem o livro objecto da PC e dos presentes autos e como tal inexiste a invocada inutilidade superveniente, bem como, à data da propositura da acção já havia sido proferida decisão na pc, pelo que, a pretensa inutilidade superveniente já subsistia, ou seja, não decorre de facto ocorrido na pendência da acção”.
Apreciando:
O petitório accional, ora em equação, formulado nos presentes autos, traduz-se no pedido de condenação dos Réus na não publicação do Livro identificado como doc. nº. 2, junto com o procedimento cautelar.
A decisão proferida nos presentes autos, ora sob apreciação, determinou a condenação dos Réus “a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial]”.
No âmbito do procedimento cautelar, previamente instaurado (em 09/04/2009), determinou-se, num primeiro momento, sem audição da parte contrária, “ordenar aos Requeridos que não procedam à publicação do livro sob o título «V…….», identificado nos autos como Doc. nº. 2”.
E, num segundo momento, após tal audição, foi proferida decisão final que autorizou “a publicação do livro em questão com outro título e de onde conste de forma expressa e bem visível que se trata de uma biografia ou trabalho não autorizado pela requerente”.
Dispunha a citada alínea e), do artº. 287º do CPC (redacção antecedente, anterior às alterações introduzidas pelo DL nº. 41/2013, de 26/06), com inteira correspondência na alínea e) do vigente artº. 277º, extinguir-se a instância com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Por outro lado, dispunha o então vigente artº. 383º, nºs. 1 e 4, do CPC (antecedente redacção), prevendo acerca da relação entre o procedimento cautelar e a acção principal, que:
“1 - O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.
(….)
4 - Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal”.
Norma que tem correspondência no actual artº. 364º, do CPC vigente, aí se consignando que:
“1 - Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva.
(….)
4 - Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal”.
A questão ora em equação suscita problemática decorrente do âmbito da relação a reconhecer entre o teor do decidido no procedimento cautelar (quando este precede a acção principal) e o teor da decisão proferida no âmbito da acção principal.
Referencia Rui Pinto [2] ser corrente afirmar-se existir “entre o procedimento cautelar e a ação principal “uma relação de instrumentalidade: aquela serve o efeito útil da segunda, caducando na ausência desta”, ocorrendo. Assim, entre ambas “uma instrumentalidade de normas e de efeitos de tutela”.
Todavia, ressalva, “no plano formal, a decisão cautelar nunca faz caso julgado material e tampouco é prejudicial quanto à pretensão material principal acautelanda, não condicionando seja a ação principal (cf., nº. 4), seja a ação de indemnização (cf. artigo 374º, nº. 1)”.
Pelo que, mesmo numa providência cautelar antecipatória, “apesar de haver uma aparente identidade no pedido deduzido ou vantagem concreta, não se gera litispendência para uma actual ou futura acção principal”, sendo esta aspecto decisivo “na demonstração de que estamos sempre perante dois objectos processuais distintos, mesmo quando se trate de medida antecipatória”.
Aduzem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [3]que “quer a decisão seja favorável, quer seja desfavorável ao requerente, é vedado extrair da mesma efeitos de caso julgado extensivos ao processo principal. Tão pouco a convicção formada acerca dos factos considerados provados ou não provados ou quanto ao direito invocado pode influir na ação principal, cujo resultado deve ser o corolário da alegação e prova dos factos que nela venham a ser apreciados. Enfim, o que for decidido no procedimento cautelar não exercerá qualquer efeito sobre a ação principal, quer esta esteja pendente, quer seja posteriormente instaurada” (sublinhado nosso).
Todavia, ressalvam, que tal proibição já não é tão rígida “quando se trata de apreciar o relevo dos meios de prova que foram produzidos, importando estabelecer uma distinção em função da sua natureza: no que concerne aos documentos, a regra é a da sua atendibilidade pelo tribunal que julga a ação, de acordo com o princípio da aquisição processual (art. 413º), desde que seja dada a oportunidade de contraditório (arts. 415º e 423º e ss.) ; a confissão de factos feita no procedimento cautelar vale na ação correspondente (art. 355º, nº. 3, do CC) ; quanto aos demais meios probatórios, deve observar-se o que dispõe o art. 421º: os depoimentos e arbitramentos produzidos num procedimento com audiência contraditória podem ser invocados no processo principal contra a mesma parte, salvo se o regime de produção de prova oferecer menores garantias, caso em que valerão apenas como princípio de prova”.
Opinando acerca da eficácia relativa da providência cautelar, aduz Abrantes Geraldes [4] que o prescrito no nº. 4 do normativo em equação não poderia consagrar outra solução, correspondendo esta “ao sentimento geral de que o juiz que julga o processo principal não pode criar preconceitos favoráveis ou desfavoráveis a qualquer das partes com base em simples factos ou decisões tomadas no âmbito de um procedimento cautelar”.
Assim, anota no campo do procedimento cautelar, no que concerne à relevância externa da decisão cautelar (quer relativamente à valoração da matéria de facto, quer relativamente à sua integração jurídica) o “carácter sumário das diligências de prova, a celeridade que a natureza e fins das providências impõem, a necessidade de, por vezes, colocar o factor da eficácia acima da plena segurança jurídica, enfim, o critério que o juiz deve utilizar na apreciação da factualidade e na análise do direito assente em padrões de simples verosimilhança”.
Pelo que, tais factores, aliados a outros já enunciados, “confluem na constatação de que a decisão proferida no procedimento cautelar assume uma força precária que não pode influenciar de modo nenhum o juiz (o mesmo que a decreta ou indefere, ou qualquer outro) que vai apreciar a acção definitiva.
Destarte, tal como o caso julgado formado pela decisão cautelar está confinado ao procedimento e não interfere de modo algum no processo principal, também a pendência simultânea das duas instâncias não determina a excepção de litispendência.
É que, para além de serem diferentes os trâmites de ambos os processos e diversos os modos de actuação das partes e o critério usado na formação da convicção, também o objecto é diverso: no procedimento cautelar é formado pela garantia da situação jurídica ou pela antecipação dos efeitos da providência” (sublinhado nosso).
E, no que concerne ao uso dos meios de prova apresentados/produzidos no procedimento cautelar questiona se a proibição deve ser semelhante, “de forma a que seja ilegítimo usá-los na fundamentação da decisão a proferir na acção principal” [5].
Sublinhando que o transcrito nº. 4 do normativo em equação nada refere “quanto à utilização posterior dos meios de prova em que o julgamento cautelar se fundou”, referencia dever ser feita “uma clara distinção entre os diferentes meios de prova e atender ao modo como foram produzidos no procedimento cautelar”, após o que escalpeliza a valoração ou não valoração que os mesmos merecem no âmbito da acção principal.
E, conclui que “a legalidade do aproveitamento desses meios probatórios deve buscar-se no artº. 522º [presentemente, 421º], segundo o qual os depoimentos e arbitramentos produzidos num processo com audiência contraditória podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte ; mas se o regime de produção de prova no primeiro processo oferecer garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e arbitramentos só valem como princípio de prova.
Já se, pelo contrário, esses meios de prova tiverem sido produzidos no âmbito de um procedimento cautelar em que o requerido não tenha sido ouvido, não poderão produzir quaisquer efeitos externos, nem como princípio de prova” [6].
Aqui chegados, parece podermos dar como assente o seguinte:
- na relação de instrumentalidade existente entre o procedimento cautelar e a acção principal, a decisão proferida naquele não faz caso julgado material nem se configura com prejudicialidade relativamente à pretensão reclamada na acção principal, não condicionando a decisão a proferir nesta ;
- desta forma, do teor do decidido no âmbito da providência cautelar, seja em termos de fixação da matéria de facto, seja na integração jurídica desta, não é susceptível de extrair quaisquer efeitos de caso julgado material aplicáveis ao processo principal, ou seja, o teor do decidido nos autos cautelares não exerce qualquer efeito sobre a acção principal ;
- assumindo a decisão proferida no procedimento cautelar uma natureza precária, pois assenta em factores de menor solidez de fiabilidade, não devendo, assim, influenciar a apreciação a efectuar no âmbito da acção definitiva.
Transpondo tal argumentação ao caso sub júdice, constatamos que a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar apenso em nada pode/deve influenciar a decisão a proferir em sede dos presentes autos principais.
Pelo que, o facto de ali se ter proferido decisão final que autorizou “a publicação do livro em questão com outro título e de onde conste de forma expressa e bem visível que se trata de uma biografia ou trabalho não autorizado pela requerente”, não implica, necessariamente, que nos presentes autos a decisão não pudesse ser a de condenação dos Réus “a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial]”.
E, mesmo ponderando-se o efeito útil do decidido, o facto de alegadamente o livro já ter sido publicado e distribuído nos termos balizados no procedimento cautelar, não determina qualquer inutilidade, superveniente, do pedido ora em apreciação, pois este afirma-se por referência ao teor do livro apresentado como doc. nº. 2 junto com a providência cautelar, que é distinto do teor daquele que foi objecto de autorização de publicação.
Donde, inexistem quaisquer motivos para a reclamada extinção da instância relativamente àquele segmento do petitório accional, atenta, desde logo, a sua não confundibilidade com o teor do decidido na providência cautelar, ou seja, autorização de publicação do livro, com outro título e donde constasse de forma expressa e bem visível tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela ora Autora (e não com o teor que é configurado no aludido doc. nº. 2).
Pelo que, nesta vertente, improcedem as conclusões recursórias apresentadas a título de questão prévia.
B) Da violação do caso julgado
Referenciam os Recorrentes não ter a Autora Recorrida apresentado “qualquer recurso da decisão proferida pelo Tribunal que admitiu a publicação do referido livro (nos termos e nos limites constantes daquela decisão), motivo pelo qual a mesma transitou em julgado”.
Acrescentam que “admitir a decisão nos termos que aquela foi proferida, na parte em que proíbe a publicação do documento número 2 dos autos, em termos mais genéricos do que aqueles que foram admitidos em sede da decisão final da Providência Cautelar, está em manifesta oposição com a decisão final proferida em sede daqueles autos, a qual será de ter presente, não foi objeto de qualquer recurso por parte da Recorrida que, como tal, se conformou com a mesma, motivo pelo qual, a sentença, em recurso, viola o disposto no artigo 671º do Código do Processo Civil e do disposto no número 1, do artigo 113 da Constituição da República Portuguesa”.
Ou seja, não tendo a Autora recorrido da decisão final proferida em sede de providência cautelar, que admitiu a publicação do doc. nº. 2, “desde que alterada a capa do livro e constasse que se tratava efectivamente de uma biografia não autorizada, não pode recorrer á acção principal para obter a «reversão» ou anulação da decisão proferida em sede de Providência Cautelar”.
Pelo que, “admitir que a "publicação" ou "não publicação" do livro (especialmente quando o mesmo já foi publicado nos termos e dentro dos limites permitidos pela providência cautelar) abriria a porta à possibilidade de existirem decisões contraditórias sobre o mesmo fato em concreto”, sempre criaria “uma manifesta incerteza e insegurança no ordenamento jurídico que, evidentemente, não se pretende ou deseja”.
Na resposta apresentada, a Recorrida nega existir qualquer caso julgado, invocando o disposto no nº. 4, do artº. 383º, do Cód. de Processo Civil, na redacção então vigente, correspondente Ao actual nº. 4, do artº. 364º, do Cód. de Processo Civil (supra transcritos).
Argumenta que sendo processualmente dependentes o procedimento cautelar e a acção principal, “as respectivas decisões são autónomas, pois a pronúncia e o âmbito do conhecimento numa e noutra não são iguais, razão pela qual a decisão proferida na PC não constitui caso julgado na acção principal, sendo esta a instância que decide definitivamente sobre o mérito da causa, porquanto aquela tem natureza perfunctória”.
Apreciando:
Conforme já supra enunciámos, e procurámos justificar, a decisão proferida no procedimento ou providência cautelar não faz caso julgado material e não condiciona, de todo, a decisão a proferir na acção principal.
É o que resulta, claramente, do transcrito nº. 4, do artº. 364º do Cód. de Processo Civil (anteriormente, o nº. 4, do Artº. 383º) ao referenciar, no âmbito da relação a estabelecer entre o procedimento cautelar e a acção principal, que nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final proferida no procedimento cautelar têm qualquer influência no julgamento da acção principal, inexistindo, assim, qualquer juízo de prejudicialidade.
Desta forma, o teor do decidido no âmbito da providência cautelar, seja no que concerne á fixação da matéria factual, seja no que concerne ao enquadramento jurídico desta, não possui a virtualidade de produzir quaisquer efeitos de caso julgado material no processo principal, nomeadamente os enunciados no artº. 619º, do Cód. de Processo Civil (correspondente ao antecedente artº. 671º., do mesmo diploma).
Efectivamente, a existência daquela norma específica, decorrente das particularidades subjacentes à força precária que se reconhece ao procedimento cautelar – exemplificativamente, o carácter sumário das diligências probatórias, a celeridade imposta pela natureza e fins das providências, a necessidade de colocar, em determinadas situações, o factor da eficácia acima da plena segurança jurídica, bem como a adopção, por parte do julgador, do critério de apreciação da factualidade e na análise do direito assente em padrões de simples verosimilhança -, determina a não extracção de quaisquer efeitos de caso julgado material aplicáveis ao processo principal, isto é, ao teor do decidido na acção principal é completamente indiferente o juízo efectuado nos autos cautelares.
E, estendendo-se tal inocuidade do decidido também ao âmbito da matéria de facto fixada, não pode aludir-se, com pertinência, a qualquer extensão do caso julgado à matéria de facto fixada na providência cautelar, de forma a considerá-la, acriticamente, no âmbito da acção principal.
Por outro lado, não se questiona na presente sede acerca da eventual admissibilidade ou inadmissibilidade do uso, em sede de acção principal, dos meios de prova apresentados/produzidos no procedimento cautelar, nada urgindo, assim, apreciar acerca de tal eventualidade.
Por todo o exposto, no que concerne à presente questão prévia, o juízo é, igualmente, de total improcedência das conclusões recursórias apresentadas, não se reconhecendo a existência da invocada excepção dilatória de caso julgado.
C) Da (in)admissibilidade da junção de documento superveniente
Pretendem, ainda, os Apelantes proceder á junção de documento superveniente, bem como que a consideração de tal prova tenha efeitos sob os factos provados correspondentes aos quesitos 7, 9, 10, 11, 12, 14 e 23.
Referenciam que o conteúdo deste novo documento colide com a decisão proferida em 1ª instância, “porquanto dele existem declarações e excertos relatados na primeira voz, pela Recorrida, que são contrários à prova produzida nos presentes autos e consequentemente contrários à matéria dada como assente dos factos provados”.
Pelo que, invocando o então estatuído no artº. 712º, nº. 1, alín. a), do Cód. de Processo Civil (com correspondência no vigente nº. 1, do artº. 662º), e tendo em atenção que tal documento superveniente traduz-se na 1ª edição do livro "T…….", publicada em Abril de 2013, “deve esta obra literária ser admitida conjuntamente com o presente recurso por se considerar um documento superveniente elementar que impõe decisão diversa da proferida”.
Donde, na consideração deste novo documento superveniente, “outra realidade não poderá prevalecer senão a de dar como provado que o título do Livro "V……" corresponde à verdade, alterando-se a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida no quesito 7 da resposta à matéria de facto”, devendo, ainda, ser alteradas, nos termos concretizados, as “respostas contidas nos pontos 7, 9, 10, 11, 12, 14, 23”.
Tal documento é objectivamente superveniente, pois a sua existência apenas ocorre em momento posterior ao do encerramento da discussão em 1ª instância, nada impedindo o Tribunal de Recurso de conhecer acerca de factos supervenientes, relativamente aos quais não funciona o princípio da preclusão, fundado na violação da disciplina processual.
Na resposta apresentada, aduz a Recorrida que os Recorrentes “sempre argumentaram que todos os factos constantes do LIVRO decorrem directa ou indirectamente de factos que a ora recorrida tornou públicos anteriormente”, pretendendo, agora, “com factos surgidos posteriormente, justificar um conhecimento anterior que, no entendimento dos recorrentes tornava licito o conteúdo do LIVRO”.
Todavia, acrescenta, a ilicitude do acto não pode ser afastada “com factos que não existiam nem eram conhecidos à data em que a mesma se constituiu, sob pena de aos recorridos assistir e ser reconhecido um especial poder de adivinhação. Facto posterior seria, aquele em que a ora recorrida viesse atestar que, em momento anterior ao LIVRO, autorizou a sua publicação e conteúdo, com o título “V……””.
Pelo que a ora pretendida junção “só pode provar o contrário do pelos mesmos alegados, ou seja, que os factos constantes do LIVRO decorrem de factos dados a conhecer em momento anterior ao mesmo pela recorrida, não podendo o documento que juntam lograr obter resposta diferente à matéria de facto dada nos autos”.
Como tal, entendem que o mesmo não pode ser admitido, não podendo efectivar-se a requerida “resposta diferente aos pontos 7, 9, 10, 11, 12, 14, 23 com base em tal documento”.
Decidindo:
Prescreve o nº. 1 do artº. 651º, do vigente Cód. de Processo Civil que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
O artº. 425º dispõe, por seu lado, que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Tais normativos correspondem aos anteriormente vigentes sob os nºs. 693º-B e 524º, nos quais se prescrevia que:
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º” – 693º-B.
“1 - Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2 - Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo” – 524º.
O documento cuja junção é ora requerida traduz-se num livro da autoria da ora Recorrida/Autora, com o título de “T…….”, publicado pela Oficina do Livro, cuja 1ª edição data de Abril de 2013.
Consta da capa de tal livro, para além da identidade da Autora, acompanhada de foto da mesma, e título, as seguintes menções: “Um diagnóstico terrível. Uma gravidez inesperada. E uma decisão corajosa. Uma história de vida”.
Tal livro procura ser o relato, na primeira pessoa, da experiência da Autora na luta contra o cancro da mama que a atingiu, pelo que tem total atinência ao Livro referenciado nos presentes autos, cuja pretendida publicação terá provocado os invocados danos não patrimoniais que fundamentam a indemnização peticionada (e já reconhecida e atribuída na sentença apelada).
Sendo evidente a sua superveniência objectiva – a 1ª edição data de Abril de 2013, tendo o epílogo da audiência de julgamento ocorrido em Novembro de 2012 -, que não é sequer questionada, também se nos afigura evidente a sua relevância para a matéria em controvérsia, desde logo no que concerne á sua potencialidade para afectar a matéria factual dada como provada na decisão sob sindicância.
Nomeadamente, no que concerne aos pontos factuais relatados no Livro questionado considerados desconformes à realidade ou veracidade, e que, alegadamente, constarão expostos ou relatados, na primeira pessoa, no livro/documento cuja junção se requer.
Donde, sem ulteriores delongas, decide-se pela admissibilidade de junção de tal documento.
No que concerne aos efeitos da junção de tal documento, nomeadamente em sede da factualidade provada e não provada, com assento no prescrito no nº. 1, do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil (correspondente ao antecedente artº. 712º, nº. 1, alín. c)), serão os mesmos apreciados aquando do conhecimento da impugnação da matéria de facto, em conjugação com esta.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificam-se os lapsos de redacção, assinalam-se com * os factos objecto de impugnação, identificam-se cada um dos factos em numeração árabe e constam a negrito os factos objecto de alteração, figurando em nota de rodapé a redacção original):
1. A ré P……. é a proprietária do jornal “Correio da Manhã” [alínea A) dos factos assentes] ;
2. A ré P…….. é a editora do livro intitulado “A …….” - “V” cujos autores são os réus M……. e J……. - documento oferecido com o n.º 2 nos autos de procedimento cautelar em apenso [alínea B) dos factos assentes] ;
3. O réu O……. é o director do jornal “Correio da Manhã”, sendo o réu M……. chefe de redacção deste mesmo jornal; o réu J……. é igualmente jornalista [alínea C) dos factos assentes] ;
4. A autora, no dia 7 de Abril de 2009, enviou um fax dirigido ao director do jornal “Correio da Manhã”, que se encontra junto como doc. n.º 3 à providência cautelar, com o seguinte teor:
“Tendo tido ontem, dia 6/04/2009, conhecimento que no próximo dia 16 vai ser distribuída com o Correio da Manhã, uma biografia minha, sou a informar V. Exas. que não a autorizei e desconheço, integralmente, o seu conteúdo, pelo que, reservo-me o direito de, após tomar conhecimento do mesmo, tomar as diligências que venha a considerar por necessárias e convenientes” [alínea D) dos factos assentes] ;
5. No dia 8 de Abril de 2009 [e não 2008], a autora, através da sua mandatária, enviou um fax para a redacção do jornal, informando que se opunha à publicação do doc. n.º 2 – cfr. doc. n.º 4 junto com a providência cautelar e que se dá aqui por reproduzido; até hoje, os réus não responderam a esses faxes [alínea E) dos factos assentes] ;
6. Conforme a autora verificou, o aludido livro encontrava-se impresso e pronto a publicar; no dia 15 de Abril de 2009, os réus anunciavam na primeira página do jornal “amanhã não perca a luta de Maria, livro sobre a vida da actriz” – com o custo 2 € + jornal, exibindo a capa do livro (primeira página e págs. 18 e 45, cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i. [alínea F) dos factos assentes] ;
7. Na página 18 consta o artigo sobre a referida publicação, novamente com a foto da capa; na página 45 é repetida a notícia, acompanhada da capa do livro [alínea G) dos factos assentes] ;
8. Nos autos de procedimento cautelar em apenso foi decidida a não publicação do livro assim como sobre factos privados da vida da autora sem o seu consentimento prévio; no dia 16 de Abril de 2009, na primeira página do jornal, os réus fazem constar “Providência cautelar, Maria trava publicação do livro”, acompanhando fotografia da capa do livro – cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i. [alínea H) dos factos assentes] ;
9. Na página 17 do mesmo jornal, e exibindo de novo a foto da capa, os réus referem que a autora avançou com uma providência cautelar para travar a publicação do livro mas que este apoia a associação humanitária de doentes com cancro e que é um livro exemplar; para ilustrar o que consideram um livro exemplar, os réus afirmam “O livro é exemplar: conta como Maria venceu com determinação a batalha contra o cancro da mama – e omite os factos da vida privada e íntima que só à actriz dizem respeito” [alínea I) dos factos assentes] ;
10. Em 28 de Abril de 2008, a autora enviou um comunicado – cfr. doc. n.º 5 junto com a providência cautelar - para todos os órgãos de comunicação social com o seguinte teor:
“Eu, Maria, venho por este meio e em nome próprio, informar que me foi diagnosticado no passado mês de Fevereiro um nódulo no peito que se veio posteriormente a revelar um tumor maligno. Depois de já ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica e de o mesmo ter sido removido de imediato, encontro-me em fase de recuperação. Por respeito a todos os que sempre me apoiaram, directa ou indirectamente, informo que me encontro tranquila e muito confiante no tratamento que iniciei. Nesta fase, agradeço que o apoio de todos se traduza no respeito pelo silêncio e calma que eu e toda a minha família necessitamos e defendemos. Nestes primeiros tempos, não serão prestadas quaisquer declarações sobre a evolução do meu estado de saúde, agradecendo a omissão de quaisquer especulações. Quero apenas partilhar, que estou segura de que sairei vitoriosa de mais esta batalha. Em breve, retornarei aos meus projectos profissionais, quer na televisão, quer no teatro. Esta é uma doença que afecta muitas mulheres por todo o mundo às quais expresso a minha solidariedade. Continuarei a sorrir. Até breve. Maria” [alínea J) dos factos assentes] ;
11. Os órgãos de comunicação social divulgaram o comunicado, por exemplo, a revista Caras, o DN on line e o Destak.pt – cfr. docs. n.ºs 4, 5 e 6 juntos com p.i. - entre eles o Correio da Manhã – cfr. doc. n.º 6 junto com a providência cautelar [alínea K) dos factos assentes] ;
12. Em resultado da realização da conferência de imprensa, ocorrida em 11 de Novembro de 2008, vários órgãos de comunicação social publicaram o que a autora aí disse, dando maior ou menor destaque à notícia; o jornal “Correio da Manhã” esteve presente na conferência de imprensa, onde a autora frisou: “estou numa fase de reabilitação e preciso de calma e serenidade, por isso quero falar de coisas boas e felizes”; na primeira página do jornal é apresentada uma fotografia da autora e esta a afirmar “Quero esquecer esta fase da minha vida”, cfr. 1.ª página e págs. 26 e 27 que constituem o doc. n.º 9 junto com a providência cautelar [alínea L) dos factos assentes] ;
13. A revista Caras fez o mesmo que os réus: publicou o que a autora disse na conferência de imprensa; o mesmo se verificou com a revista VIP – cfr. docs. n.ºs 20 e 24 juntos com a oposição da providência cautelar [alínea M) dos factos assentes] ;
14. No que respeita à revista Caras – cfr. doc. n.º 25 junto com a oposição à providência -, a entrevista da autora é apenas sobre a sua vida profissional, entrevista inserida no plano de promoção da empresa UAU que iria produzir a peça de teatro “Frida Kahlo”, onde a autora era a protagonista [alínea N) dos factos assentes] ;
15. A entrevista que a autora deu à revista Visão, no seguimento da conferência de imprensa, teve o cariz que a autora pretendia: carácter didáctico para o público; é uma entrevista inserida num painel de pessoas novas que tiveram a mesma doença, na secção de saúde da revista – cfr. doc. n.º 7 junto com p.i. [alínea O) dos factos assentes] ;
16. A autora disse na conferência de imprensa: “Quero fechar este ciclo hoje e esquecer esta fase. Para isso, preciso da vossa ajuda, ou seja, que não me estejam sempre a lembrar o que passei” - cfr. doc. 10 junto com a providência cautelar [alínea P) dos factos assentes] ;
17. O jornal “Correio da Manhã” em Março de 2009 teve uma tiragem média diária de 148.154 exemplares, sendo o preço do jornal 0,80 €, tendo sido, em 2008, líder de vendas – cfr. doc. 12 junto com a providência cautelar; assim sendo, o livro sobre a autora estaria exposto em todos os postos de venda, quiosques, supermercados, bombas de gasolina, tabacarias e papelarias, entre outros [alínea Q) dos factos assentes] ;
18. Em entrevista à revista “Publica”, edição de 16 de Novembro de 2008, a autora disse que queria que o seu caso fosse falado na imprensa: Revista Pública: “Passou a ser uma referência. Houve mulheres que seguiram o caso da Kyelie Minogue, houve pessoas que seguiram o caso da Maria. A dada altura, a Maria já não é a Maria, é a personagem pública que as pessoas seguem e cujo exemplo de coragem precisam ter. Como é que fez estes desdobramentos?”
Autora: “NÃO SEI ACHO QUE FOI UMA DECISÃO QUE TOMEI NO INÍCIO QUANDO PERCEBI QUE NÃO IA CONSEGUIR MANTER A SITUAÇÃO EM PRIVADO. É UMA OPÇÃO PESSOAL, MAS EU, NÃO CONSEGUINDO OMITIR TAMBÉM NÃO IA ANDAR A FUGIR, A ESCONDER. DECIDI TORNAR PÚBLICO. Procurei casos de figuras públicas – como a actriz brasileira Patrícia Pilar – e fiz aquilo que outros fizeram comigo. Também fui em busca. QUERO QUE O MEU CASO NÃO SEJA FALADO COMO UMA COISA POUCOCHINHA . “coitadinha, teve isto”. QUERO QUE SIRVA DE EXEMPLO COMO MAIS UM CASO FELIZ” - cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação [alínea S) dos factos assentes] ;
19. A autora foi tema de capa da edição n.º 664, da semana de 3 de Maio de 2008, da referida revista com o título “A ACTRIZ TEM CANCRO DA MAMA, JÁ FOI OPERADA E ESTÁ A FAZER QUIMIOTERAPIA” - cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação; em letras garrafais consta a frase: “MARIA LUTA PELA VIDA – “ESTOU SEGURA QUE SAIREI VITORIOSA DESTA BATALHA” [alínea T) dos factos assentes] ;
20. A reportagem conta que: “Foi depois de um auto-exame que Maria, de 34 anos, descobriu um nódulo no peito. Rapidamente consultou o seu médico ginecologista, que a aconselhou a fazer alguns exames. O diagnóstico não foi o mais animador: cancro da mama. A actriz sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés, mas logo ganhou coragem para enfrentar a batalha contra a doença”. “Maria foi submetida a uma intervenção cirúrgica, para retirar o tumor maligno, iniciando logo de seguida o tratamento de quimioterapia, medida preventiva para reduzir as hipóteses de reincidência da doença. Seguem-se tempos de luta, na qual contará com o total apoio do marido P…… . E P……. não a deixa baixar os braços. Nem ele, nem os dois filhos de ambos, S……. de três anos e L……., de quatro meses. É junto deles que Maria ganha força para enfrentar esta fase que encara com serenidade, pois tudo aponta para que o tratamento seja um êxito.” “O diagnóstico de Maria foi feito precocemente, porque a actriz que há dois anos se associou à campanha O Cancro da Mama no Alvo da Moda 2006, fazia parte de um grupo de risco e, como tal, estava atenta a todos os sinais” A Autora diz, “Na minha família há bastantes casos de cancro da mama e isso faz-me ficar muito mais alerta. Mas calculo que as pessoas que não são de risco não estejam tão empenhadas em fazer despistagem do cancro da mama. Há que fazer o rastreio desde cedo, pois esta doença afecta mulheres de todas as idades e estratos sociais. É uma situação que deve ser encarada com bastante seriedade, embora com calma. Mas o primeiro passo é sempre o nosso. E se não tivermos essa consciência e não nos policiarmos, torna-se mais difícil” [alínea U) dos factos assentes] ;
21. Quando terminou os tratamentos, a autora convocou uma conferência de imprensa e explicou: “Em Fevereiro foi-me diagnosticado cancro da mama, após o dia do nascimento da minha filha ter detectado um nódulo, coincidência das coincidências, num dia tão feliz ter detectado um nódulo. Claro que não imaginamos, nem queremos acreditar que seja aquele o diagnóstico, mas a verdade é que fiquei bastante alerta. Fiquei em sentido e policiei-me bastante e ao fim de dois meses, no final de amamentar, decidi que não podia descurar e fui fazer uma ecografia mamária, de seguida e no mesmo dia uma biopsia, uma semana depois foi-me diagnosticado cancro de mama”. Disse ainda a Autora nessa conferência de imprensa: “Imediatamente fui, claro, procurar ajuda médica. Ouvi, e isto é muito importante de salientar, uma primeira perspectiva médica não muito favorável, foi devastador ouvir aquela informação e o fulcral para mim foi ter ido em busca de uma outra opinião. É sempre muito importante ouvir uma segunda, terceira ou quarta opinião. Eu ouvi uma segunda e foi nessa que encontrei alguma tranquilidade, alguma confiança e tudo o que buscamos nos olhos de um médico”. Confessou ainda a Autora que: “Dr. Santos Costa chefe do departamento de cirurgia do IPO, responsável pela Unidade de Mama do Instituto de Oncologia. Director de cirurgia oncológica da C. santo António, onde fui tratada.” “Fui submetida a uma intervenção cirúrgica no dia 7 de Março” (…) sujeita a uma “tumorectomia – cirurgia conservadora da mama”. A própria Autora informa o procedimento médico a que foi sujeita e o facto de não ter sido necessário amputar [alínea V) dos factos assentes] ;
22. Informou ainda a Autora que foi sujeita a: “6 ciclos de quimioterapia, 33 de radioterapia” (…) “pensamos em muitas coisas terríveis, pensamos na morte, no medo terrível de se ficar por ali, no medo de perder as pessoas que amamos e é fundamental estarmos com alguém que nos acompanhe”. A autora tornou publico que: “O tratamento oncológico foi concluído por mais dois médicos – Costa Marques e Emília Monteiro Pereira.” (…) “fui muito bem tratada, muito protegida. Tive sempre o apoio do enfermeiro Reis que me acompanhou nas horas mais difíceis da minha vida, as sessões de quimioterapia”. Confessou ainda a autora que: “Terei de voltar a fazer exames de rotina, é uma vigilância que para já será daqui a três meses, depois passará a cerca de seis meses de distanciamento, depois uma vez por ano (…) o termo curada só poderá ser utilizado cinco anos após o tratamento. Só de Setembro a cinco anos posso dizer que estou curada, para já posso dizer que estou tratada, estou fora de perigo e estou muito feliz por estar a comunicar”. Informou ainda a Autora que “a quimio terminou em Julho, a rádio em Setembro”. “Mediante uma situação limite temos de pensar se vamos para cima ou para baixo, eu escolhi acreditar no tratamento, na cura e no final feliz, e passar uma boa imagem e a mensagem que estou bem (…) naturalmente os meus filhos, o meu marido e os meus pais e uma pessoa muito especial, a S. Faria, uma das primeiras pessoas a saber e transmitiu-me uma tranquilidade e paz, quase humanamente possível, tudo iria correr bem” [alínea W) dos factos assentes] ;
23. A Autora falou sobre como a doença afectou o convívio com os seus filhos: “Nunca quis transmitir ao meu filho S……. que estava triste ou mal, obrigava-me a estar bem, estar feliz. E importante para o nosso estado de alma”. A Autora conta quais foram os seus dias mais difíceis: “tive muitos momentos difíceis, considero que os mais difíceis foram os dias de espera, pelo resultado dos exames, até haver um prognóstico é angustiante”. A Autora fala sobre o apoio que teve: “A ancora foram os meus filhos, os meus pais e o meu marido (…) o primeiro pensamento que tive, além do medo de tudo, tive muito medo de morrer (…) P……. só não entrou no bloco, tive muita sorte de ter o P……. sempre ao meu lado. Um pai presente, feliz. Um dia mais tarde contarei a minha história ao S…….”. A Autora revela pormenores íntimos da doença e de episódios ocorridos no privado seio familiar: “S…….. assistiu ao processo do corte do cabelo. Fiz questão. Sugeri cortar o cabelo e que ele estivesse presente, mas no final ele não ficou muito satisfeito com o resultado e me pediu para recolocar o cabelo, que seria impossível. Rapidamente pensei nesta solução”. A Autora disse ainda: “Nunca pensei em desistir, apesar do medo inicial (…) Faço uma vida normal. Acho que faço o que todos devemos fazer. Uma vigilância médica, uma boa alimentação. Tenho apenas de fazer a minha vida normal (…) Durante dois anos foi-me aconselhado pelo médico a não engravidar (...) muitas saudades de fazer televisão, ensaios com António. Aprendemos a viver um dia de cada vez. Aprendemos que o importante é o aqui e o agora. Estar com um sorriso nos lábios porque estou bem” [alínea X) dos factos assentes] ;
24. A reportagem da revista “Caras” respeitante à edição n.º 692, foi publicada depois da conferência de imprensa que a autora refere no artigo 29.º do seu requerimento inicial, na qual esta terá dito: “quero esquecer esta fase da minha vida” (..) “quero fechar este ciclo hoje e esquecer esta fase. Para isso preciso da vossa ajuda, ou seja que não me estejam sempre a lembrar do que passei”. A autora sabia que a referida publicação teria aquele tema de capa, mesmo assim não se opôs à sua publicação. O tema da doença da autora foi capa da revista “Caras” e objecto de uma reportagem “exclusiva”, com o título “T……….”. A referida entrevista foi concedida nove meses depois de lhe ter sido diagnosticado cancro da mama e depois de terminados os tratamentos a que a autora foi sujeita. Toda a reportagem foi combinada e teve a autorização expressa da autora que inclusivamente é entrevistada pela publicação. Na referida entrevista, a autora confessa que: “Terminei os tratamentos. Fiz uma tumorectomia, seis ciclos de quimioterapia e 33 de radioterapia. Não havia metástases. Foi um tratamento preventivo, tendo desde o início um prognóstico muito favorável”. “A actriz sublinha que a tumorectomia pressupõe uma cirurgia conservadora da mama, e recorda como descobriu o tumor: “Notei que tinha um nódulo no dia do nascimento da minha filha. Porque tenho um histórico familiar policiei-me nesse sentido” (..) Assim que parou de amamentar fez o exame que viria a detectar o tumor. Seguiu-se uma biopsia, que confirmou os piores receios: cancro da mama. Teve uma primeira opinião médica que a actriz considera “terrifica”. “ouvi uma segunda opinião, do Dr. Santos Costa e foi uma perspectiva completamente diferente. Foi um cenário muito mais feliz, senti-me mais confiante”. “Fernanda acreditou que estava bem entregue ao médico do IPO e da Clínica de Santo António estabelecimento hospitalar dirigido por Cláudia Saavedra e acabou por ser seguida ali. A actriz faz aliás questão, de elogiar as equipas médicas e de enfermagem em todas as dimensões do seu profissionalismo, nomeadamente na forma como preservaram a sua intimidade”. A autora confessa: “Nesta clínica senti-me sempre muito protegida, o que foi fundamental para todo este processo” (..) “O P……. foi a pessoa que esteve sempre ao meu lado. Só não entrou no bloco operatório porque não era permitido. Tenho um marido excepcional, como sei que nem toda a gente tem. O P……. teve a postura que eu acho que deve de ter qualquer marido que ama a sua mulher e que se vê numa situação delicada como esta. Ele foi tudo: um pai, um companheiro e um marido presente e uma ajuda preciosa. E foi sempre um elemento optimista, positivo, impulsionador das minhas rápidas melhorias. Foi e será sempre um elemento fundamental na minha vida”. A reportagem revela ainda que: “Maria chegou a achar que iria morrer: “O meu primeiro pensamento foi exactamente esse e deve ser o de qualquer pessoa que se confronte com uma situação destas. Imediatamente após um exame em que nos é diagnosticado cancro não sabemos o desfecho. Só depois é que existe uma adaptação às circunstâncias, dados clínicos novos e a fase de tratamentos. E é importante que as pessoas acreditem que existe cura, eu sou o exemplo disso. Sou mais um caso de sucesso”. [alínea Y) dos factos assentes] ;
25. Na entrevista que a autora deu à revista “Pública”, quando lhe foi perguntado se já tinha feito alguma mamografia, a autora respondeu: “Já. Andava sempre em cima. Foi-me dito por um médico que mais tarde iria ter cancro da mama. Aos 40 anos, aos 50 anos. Preferia transpor a experiência para daqui a 20 anos – daqui a 20 anos a medicina estará mais avançada, existirão medicamentos…” - cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação. Em várias entrevistas e ocasiões, a autora transmitiu a ideia de que existia uma forte probabilidade ou tendência para vir a sofrer de um cancro de mama, até pelo histórico familiar:
Revista Visão: “Já sabia que tinha antecedentes familiares e que isso significava um factor de risco…”
Autora: “Por isso fazia apalpação, mamografias, ecografias mamárias. Provavelmente, iria ter isto daqui a 10, 20 anos…” cfr. doc. n.º 5 junto com a contestação [alínea Z) dos factos assentes] ;
26. No doc. n.º 1 junto com a contestação (reportagem da revista Caras) consta o seguinte comentário da própria revista: “Mesmo estando a amamentar, Maria teve o bom senso de não ignorar o nódulo, que facilmente poderia ter confundido com uma alteração normal associada ao pós-parto” - cfr. documento n.º 1 junto com a contestação.
Revista Pública: “A primeira vez que sentiu o nódulo foi no dia do nascimento da sua filha. Coincidência macabra”
Autora: “ Eu e a minha mãe pensámos: o que quer que seja que esteja ali tem de sair. Era um nódulo perfeitamente visível. Durante a gravidez estamos sempre a fazer apalpação, massagens, com cremes; nunca me tinha apercebido daquilo, deve ter eclodido nessa altura. Não sei como. Mas foquei-me no que era importante: amamentar, um novo ser na minha vida, a felicidade era imensa.” [alínea AA) dos factos assentes] ;
27. Na entrevista da autora à revista “Pública”, esta disse: “Recebi o resultado por telefone, insisti imenso, a minha INQUIETAÇÃO era tal que não aguentei pelo resultado escrito” (..) “Soube isto numa segunda-feira à noite” (o referido documento nº 3). No mesmo sentido, “Tive muitos momentos difíceis, considero que os mais difíceis foram os dias de espera, pelo resultado dos exames, até haver um prognóstico é ANGUSTIANTE”, revelou a autora na conferência de imprensa que convocou depois de terminados os tratamentos [alínea BB) dos factos assentes] ;
28. Na reportagem da revista “Caras” resulta que a autora “Teve uma primeira opinião médica que a actriz considera “terrifica” - doc. n.º 1 já referido. A mesma ideia foi transmitida pela autora na entrevista à revista “Pública” - doc. n.º 3 já referido:
Revista Pública: “Perguntou directamente o que tinha?”
Autora: “Fui preparada por ele para receber a notícia, a informação foi doseada. Foi a constatação gradual de um desfecho (pausa) nada simpático”.
Revista Pública: “Trágico”
Autora: “Na altura é. Tenho agora algum distanciamento, mas nunca me consigo ausentar desses momentos” Revista Pública: “Por que é que usa expressões como “nada simpático” e não escolhe palavras mais fortes e definitivas?”
Autora: “Porque agora já passou.
E quero deixar clara a mensagem de que é possível acreditar num tratamento e numa cura”.
Revista Pública: “Quer dizer que só achou que ia morrer no início da doença?”
Autora: “Achei que ia morrer. E não percebia por que é que tinha de ser já.”
O mesmo resulta da entrevista da autora à revista “Visão” - doc. n.º 5 já referido:
Revista Visão: “Ouviu uma segunda opinião, porque não gostou da primeira. Disseram-lhe que ficaria sem peito?”
Autora: “Nem quero falar sobre isso. De repente na segunda opinião, o panorama era outro – cinzento e não negro. Naquela altura, qualquer cinzento é bom, torna-se cor-de-rosa” [alínea CC) dos factos assentes] ;
29. A autora declarou à imprensa, nomeadamente: “Os meus pais são exemplares, estiveram sempre ao meu lado, dia e noite, ajudaram-me em tudo o que foi necessário” - doc. n.º 1 já referido. A ancora foram os meus filhos, os meus pais e o meu marido” revelou a autora na conferência de imprensa que convocou quando terminou os tratamentos. No mesmo sentido, em entrevista publicada na revista “Pública”:
Revista Pública: “Quando acordou, essa foi a primeira coisa que tentou perceber…?”
Autora: “Foi. Toquei, olhei, perguntei. Ao meu lado estava o Dr. Santos Costa e perguntei: ”Correu bem?” “Afirmativo” foi a resposta e, “Descanse”. ÁS QUATRO PESSOAS QUE ESTAVAM COMIGO FIZ A MESMA PERGUNTA. Era para acreditar completamente! Como se me beliscasse” - doc. n.º 3 já referido. [alínea DD) dos factos assentes] ;
30. O que a autora disse na sua entrevista à Revista Pública foi:
Revista Pública: “Quando foi para a sala de operações, estava ciente dos dois cenários?”
Autora: “Os médicos são muito minuciosos e criteriosos neste tipo de informação. O Dr. Santos Costa sempre disse: em princípio será apenas para retirar o tumor e perceber se existiu passagem de algumas células cancerígenas para outras zonas do corpo, e possíveis metástases. Mas só depois de ver, de peito aberto, seria possível perceber a extensão da lesão e decidir. Preveniu-me para o caso de poder acordar sem peito”.
Revista Pública: “Quando acordou, essa foi a primeira coisa que tentou perceber…?”
Autora: “Foi. Toquei, olhei, perguntei. Ao meu lado estava o Dr. Santos Costa e perguntei: ”Correu bem?” “Afirmativo” foi a resposta e, “Descanse”. Ás quatro pessoas que estavam comigo fiz a mesma pergunta. Era para acreditar completamente! Como se me beliscasse. Queria confirmações, confirmações. Queria que não houvesse tempos passados entre a entrada e a saída das pessoas, para que não tivessem tempo de combinar respostas entre si” - doc. n.º 3 já referido [alínea EE) dos factos assentes];
31. A autora tornou públicos todos os detalhes do seu casamento, da sua lua-de-mel e das suas gravidezes. A autora apresentou os seus filhos menores à imprensa. No Verão de 2003, a autora assumiu publicamente o namoro com P……., no aniversário do Bar ……., na presença da Revista Caras, edição nº 420, semana de 30 de Agosto de 2003 – cfr. doc. n.º 6. Nessa mesma reportagem, a autora e P……. “ASSUMEM ROMANCE E CONFESSAM-SE FELIZES”. A autora revela que: “Sobre a curiosidade da imprensa em relação ao romance, a actriz diz que isso não a aborreceu: “quando as pessoas estão muito bem e muito felizes, não têm de ter preocupações. Tenho feito a minha vida normal, nunca me escondi, nunca fugi e nunca menti”. Um ano após começarem a namorar, no fim-de-semana de aniversário do Bar “A…….”, um casal amigo ofereceu-lhes uma viagem de helicóptero, que foi acompanhada pela revista “Caras”, na sua edição n.º 460, da semana de 4 de Junho, com chamada de primeira página - documento n.º 7. Em cinco das sete fotografias que compõem a referida reportagem, surgem imagens do casal em momentos de grande intimidade e cumplicidade. A reportagem mostra a autora aos beijos na boca do seu namorado P…… . No texto são revelados pormenores da vida particular da autora, de como vive e se organiza: “sou uma dona de casa perfeita e sou eu que faço todas as coisas da casa, não tenho ninguém que me faça nada porque não quero”. A autora partilha com a imprensa, os seus desejos pessoais, nomeadamente a sua vontade mais intima em ser mãe:
Revista Caras: “Há um ano que namora com o P…… . Já falou em entrevistas anteriores da sua vontade de ser mãe. Os filhos fazem parte dos vossos planos?
Autora: “Acho que todos nós chegamos a uma fase da vida em que pensamos nisso. É uma sequência natural numa vida a dois. Mas não determino se vou ser mãe agora, até porque a Natureza não nos obedece tão prontamente. Há alturas em que penso mais nisso, outras nem tanto, até porque a minha vida profissional não me permite organizar assim tão bem a vida pessoal.”
Revista Caras: “Mas se acontecesse engravidar, seria um bebé desejado?”
Autora: “Quando duas pessoas estão bem, calmas, felizes e tranquilas, é, dentro dos diversos projectos, uma situação feliz” [alínea FF) dos factos assentes] ;
32. Na primeira página da edição n.º 467 da revista Caras de 24 de Julho de 2004, foi publicada, em grande plano, uma fotografia da autora e P……. “de olhos fechados num beijo sensual” - doc. n.º 8. Na referida edição, com o título “TUDO SOBRE O CASAMENTO MAIS ESPERADO DO ANO”, o país ficou a conhecer todos os pormenores dos preparativos para o casamento da autora com P……. . Todos os factos e pormenores dos preparativos para o casamento “mais esperado” foram revelados pela autora, em exclusivo para a revisa “Caras”. Foi a autora quem, deliberadamente, deu a conhecer à imprensa e ao país, todos os detalhes de um dia que, para muitos, é considerado um momento íntimo e restrito a amigos e familiares. Nessa mesma reportagem, a autora deu a conhecer os detalhes do pedido de casamento “foi no dia 15 de Novembro do ano passado, data do 30º aniversário da Fernanda. P……. não deixou ao acaso e preparou uma verdadeira surpresa, ou melhor três: uma viagem, um jantar e um anel. Imaginativo, o empresário reservou viagens para três cidades europeias: Paris, Londres e Barcelona” (...) “À hora a que lá chegaram, a capital catalã era o destino possível. Embarcaram sem bagagem” (..) “numa verdadeira aventura romântica” (...) “à chegada, Maria tinha à sua espera um jantar à luz de velas com direito ao presente menos esperado mas nem por isso menos desejado: um anel de ouro branco, que desde então tem simbolizado, além de um momento mágico, uma bonita história de amor. História essa que vai conhecer um novo capítulo em breve, com a oficialização deste romance tão mediático”. Toda a reportagem foi feita com a informação prestada pela autora sobre os pormenores da sua vida pessoal à revista “Caras”. [alínea GG) dos factos assentes] ;
33. Na revista “Caras”, edição n.º 473, da semana de 4 de Setembro de 2004, foi publicada uma reportagem de 26 páginas, com tema de capa, dando a conhecer aos portugueses todos os detalhes de um dos dias mais importantes da vida da autora: o seu casamento – doc. n.º 9. A reportagem acima referida foi elaborada com a colaboração da autora e exclusivamente para a revista “Caras”. Foi a autora quem decidiu ceder à referida publicação autorização para fotografar e escrever detalhadamente todos os pormenores do dia do seu casamento. Assim, na referida reportagem, o país ficou a conhecer entre muitas outras coisas, o local, o número de convidados, os padrinhos dos noivos, os costureiros do fato do noivo, o vestido da noiva, marca e modelo das alianças, o nome da “menina das alianças”, o nome da funcionária do Registo Civil que presidiu à cerimónia, quem elaborou a ementa, o número de mesas, forma e material em que as mesmas foram concebidas (22 mesas, 14 quadradas em plástico e 8 redondas), o nome dos pais dos noivos, do DJ, de quem abriu a pista de dança com a noiva, o Hotel onde os noivos foram passar a noite de núpcias, local da lua-de-mel e até o cabeleireiro responsável pelo “inesperado penteado” da autora. A referida reportagem revela desde a proveniência dos materiais utilizados para fazer o vestido da autora, até o pormenor da origem das extensões utilizadas para criar a “ilusão de que se tratava de cabelo comprido” (...) “feito com próprio cabelo dela, de quando o cortou para fazer o anúncio de televisão”. A reportagem descreve pormenores da cerimónia de matrimónio da autora: “quando Manuela Amigo perguntou se alguém dos presentes tinha algo a opor à união, a actriz olhou ameaçadoramente para trás, soltando o riso geral” [alínea HH) dos factos assentes] ;
34. A autora deu uma longa entrevista sobre o dia do seu casamento, na qual expõe os seus sentimentos e certezas sobre o passo que acabou de tomar; a mero título de exemplo:
Revista Caras: “Um ano não é uma caminhada assim muito longa, o que é que lhe deu tantas certezas?”
Autora: “Precisamente este tempo que estive com ele. Foi suficiente. Deu-me todas as certezas para dar este passo que nunca tinha tomado, nunca tinha sequer pensado nestes termos, nesta situação, desta forma”.
Revista Caras: “Presume-se que nunca sentiu nada assim?”
Autora: “Julgo que os actores gerem bem o apego e o desapego. Tal como nos trabalhos, transpomos isso também para algumas pessoas que se cruzam connosco na nossas vidas. Nunca criei desapego, mas acho que progredi sempre em quase tudo o que fiz, e nesta situação em concreto progredi claramente e descobri coisas muito novas, muito recentes, muito bonitas, muito grandiosas, que me fizeram chegar a tal decisão.”
Revista Caras: “Neste momento vivem mais em função da paixão ou do amor?”
Autora: “Um ano é muito recente, ainda é tudo muito novo, não pode ser uma coisa muito serena, há ainda muita paixão”.
Revista Caras: “O melhor do P…….?”
Autora: “É tudo, é o todo. O P……. é uma pessoa sobre a qual é difícil definir qualidades, porque ele só tem qualidades. É difícil, não me consigo lembrar de nenhum defeito. Estou mais do que segura de que estou a dar o passo certo. Tenho a certeza. O P……. é o homem da minha vida”.
Revista Caras: “Qual foi a maior prova de amor com que o P……. já a brindou?”
Autora: “Nunca aconteceu nenhuma situação nem houve nenhum momento, é o dia-a-dia. Ela faz-me sentir especial em todos os momentos, única no mundo, e isso vale por si só”.
A Autora partilhou com a comunicação social, que a música “Pecado” de Caetano Veloso é aquela que sente ser a “especial” e a que “define e que tem a ver mesmo com o início da nossa relação do nosso amor” [alínea II) dos factos assentes] ;
35. A lua-de-mel da autora também foi acompanhada pela Revista Caras, que publicou a reportagem, na capa na sua edição n.º 474, semana de 11 de Setembro de 2004 – doc. n.º 10. Na referida reportagem, descreve a lua-de-mel da autora, com fotografias dos recém casados, descontraídos nas Ilhas Gregas. A mesma revista testemunhou a chegada da autora ao aeroporto de Lisboa, vinda da sua lua-de-mel, tendo aquela revelado nesse momento que: “É muito romântico. Foi uma lua-de-mel curtinha, mas muito boa”. A reportagem relata o pormenor da perda das malas da autora no aeroporto. A autora acabara de chegar da sua lua-de-mel e sabia que tinha jornalistas que a esperavam no aeroporto. A autora “... acedeu a perder algum tempo a falar aos jornalistas que esperavam o casal” [alínea JJ) dos factos assentes] ;
36. Após o trágico acidente que vitimou o pai do seu marido e deixou a mãe em coma, a autora, na Revista Caras, Edição n.º 476, da semana de 24 de Setembro de 2004, revelou que os dois estavam a tentar ultrapassar aquele momento difícil na vida de ambos afirmando que “Estamos a lidar com a situação não sei onde é que o P….. foi buscar forças.” - doc. n.º 11. Quando soube que estava grávida do seu primeiro filho, a autora deu uma entrevista à revista “Caras”, como tema de capa, da edição n.º 477, da semana de 2 de Outubro de 2004 – doc. n.º 12. Na referida reportagem com o título “ESTE BEBÉ VAI FAZER O P……. VOLTAR A SORRIR” a autora aborda os seus sentimentos e opiniões sobre temas tão íntimos como “ser mãe”, a morte do sogro e a vida para além da morte. A mero título de exemplo:
Revista Caras: “No ano em que viveu um dos dias mais felizes da sua vida viveu também um dos mais tristes: a morte do seu sogro. Pareceu-lhe um pesadelo?”
Autora: “Foi um choque. Porque quando estamos muito felizes não conseguimos conceber a ideia de não estar feliz. Temos a sensação de sermos inatingíveis e de repente é como se nos retirassem o tapete e ficássemos sem nada. É estranho e o que mais me angustia é a impotência de não poder fazer nada perante a inevitabilidade que é a morte, sobretudo de pessoas que nos são muito próximas e de quem gostamos muito. Ver a pessoa que mais amo sofrer tanto e não poder fazer nada aflige-me muito. Nestas alturas é que penso que a vida é o que é.” A Autora partilha sentimentos, a sua vivência e aquilo que pensa sobre assuntos individuais, particulares e íntimos da vivência de qualquer casal.
Revista Caras: “A chegada deste bebé poderá fazer o P……. voltar a sorrir?”
Autora: “O P……. e a mãe do P……. . Agora estamos menos bem, é uma fase menos feliz, mas que há-de voltar a equilibrar-se quando acontecer a reabilitação da Fani. Vai ser uma alegria para nós, porque ela faz-nos muita falta. O facto dela saber que vai ser avó é uma coisa que eu penso que a estimula e que a pode ajudar a recuperar” [alínea LL) dos factos assentes] ;
37. A autora responde e comenta ainda questões como: “Apesar da dor destes últimos tempos, como é que tem corrido a gravidez?”, “Tem preferência pelo sexo?”, “Não receia que a vinda de um filho possa remeter a vida do casal para um segundo plano?”, “O que gostaria que o bebé herdasse da cada um de vocês?”. A autora não tem qualquer problema em falar abertamente sobre os sentimentos mais íntimos do seu marido no seguimento da morte do seu pai: Revista Caras: “Deve ser muito difícil chorar a morte de um pai, sofrer por uma mãe em estado crítico e sentir uma alegria enorme por estar prestes a ser pai. O P……. surpreendeu-a na forma como consegue gerir esta mistura de sentimentos?”
Autora: “Ele é um poço de coragem. Não existimos só nós os dois. Gostamos muito de estar com a família e os amigos e estamos numa fase em que temos de nos desdobrar. Vamos todos os dias ao hospital. O P…… parece omnipresente, pois consegue estar presente nos momentos mais importantes para cada um de nós. Ele nunca falha a ninguém.” A Autora explica ainda na referida reportagem a forma como começou o romance com P……., que inicialmente “não era uma pessoa que me dissesse alguma coisa de especial” (...) “tudo aconteceu de forma natural, eu estava só, o P……. também, e só muito gradualmente, de forma natural e progressiva, tranquilamente e sem ansiedade, nos fomos conhecendo e foi ai que cresceu uma admiração, uma paixão, um amor uma coisa muito boa que cada vez está mais forte. Neste momento não me consigo imaginar a viver sem o P……. a meu lado, o que é uma coisa que nunca pensei sentir: dependência de uma pessoa (...) e cada dia me sinto uma pessoa mais orgulhosa da pessoa com quem estou, mais apaixonada, mais feliz pela decisão que tomámos e cada vez com mais certezas.” A Autora falou da gravidez afirmando que ”tem sido muito calma” e que “queria uma menina” [alínea MM) dos factos assentes] ;
38. Na edição n.º 489 da revista “Caras”, semana de 25 de Dezembro de 2004, mais uma vez com chamada de capa, a autora fala sobre os primeiros seis meses da sua gravidez – doc. n.º 13. Na edição da Revista Caras, edição n.º 492, semana de 15 de Janeiro de 2004, com o título “A DOIS MESES DE SEREM PAIS” a autora deixou-se fotografar na Serra da Estrela falando de todos os momentos bons e maus que passou na sua vida – doc. n.º 14. A referida reportagem é um exclusivo da revista “Caras” e novamente, mais um tema de capa, com o título “UM FILHO FAZ-NOS ACREDITAR QUE TUDO VALE A PENA”. A autora fala da sua gravidez, do dia-a-dia do casal, de como ultrapassaram as dificuldades, entre muitos outros acontecimentos da sua vida pessoal e privada. A mero título de exemplo:
Revista Caras: “Que momentos ficarão para sempre guardados no vosso calendário afectivo?”
Autora: “Todos aqueles que foram importantes para nós que partilhámos a dois, que partilhámos com aqueles de quem gostamos, as decisões que marcarão para sempre as nossas vidas, enfim, todos os que são muito nossos”.
Revista Caras: “Como se gere no dia-a-dia tanta felicidade e tamanha dor em simultâneo?”
Autora: “A vida vai-nos ensinando que dela também fazem parte a dor e o sofrimento, por isso, gradualmente, de uma forma ou de outra, aprendemos a lidar com essa vertente e, naturalmente, criamos métodos e mecanismos muito próprios para conseguir ultrapassar esses obstáculos”.
Revista Caras: “Nos piores momentos, onde se encontram forças para continuar?”
Autora: “Na vida, nas pessoas que amamos, no amanhã”.
A autora responde ainda a questões tão pessoais como “Que traço de personalidade do P……. lhe é mais querido, lhe faz mais falta para o seu equilíbrio pessoal?”, “A gravidez alterou muito o seu temperamento?”, entre muitas outras questões [alínea NN) dos factos assentes] ;
39. Logo após o nascimento do primeiro filho do casal, o marido da autora, conforme descreve a revista Vip, na edição n.º 399, na semana de 9 a 15 de Março de 2005, desceu ao hall do hospital para fazer as primeiras declarações, estando presentes jornalistas, tendo declarado que “Correu tudo muito bem. Maria está muito bem. Foi uma cesariana mas ela esteve muito calma e tranquila ao longo do dia (…) o bebe é muito bonito e parecido com a mãe (…) é um dia muito importante para nós e com muito significado” - doc. n.º 15. A referida reportagem descreve todo o percurso da autora, desde o momento em que deu entrada no hospital, “a chegada dos avós”, “o dia seguinte” e “uma nova vida a três”. Na publicação da revista “Caras” n.º 500, na edição de 12 de Março de 2005, a autora pousou para os fotógrafos com o seu filho recém nascido – doc. n.º 16. A autora foi objecto de capa daquela revista. Naquela reportagem, a autora revela coisas tão íntimas como: o período de gestação do seu filho, o hospital onde teve a criança, o facto de se tratar de um parto induzido “recorrendo a cesariana, com epidural, um desfecho diferente do previsto e do desejado por Maria que preferia um parto natural”. Mais uma vez, a autora torna públicos pormenores da sua vida pessoal: em relação à experiência de ser mãe, a autora confessou que “É uma mistura de emoções tão grandes e tão forte...Não fazia ideia de que era assim tão bom. Não fazia ideia que fosse assim, É muito melhor do que poderia pensar” (...) “Ouve-se dizer que ter um filho é a melhor coisa do mundo e parece cliché, mas agora sei, sinto que é, na verdade a melhor coisa do mundo. Não me canso de olhar para ele”. A referida reportagem, com o título “MARIA E P……. JÁ LEVARAM S……. PARA CASA” mostra várias fotografias da autora com o seu filho, bem como dos pais e amigos que a foram visitar. A autora sabia que estava a ser fotografada para a revista “Caras” e que seria tema de capa da referida publicação. Apenas, 3 meses após o nascimento no seu filho, a autora deu uma entrevista à revista VIP, na edição nº 410, da semana de 25 a 31 de Maio de 2005, novamente com tema de capa, na qual fala de aspectos pessoais da sua vida, tais como a sua relação com o marido, os seus sentimentos por ele e ainda do filho de ambos – doc. n.º 17 [alínea OO) dos factos assentes] ;
40. Na revista “Caras” n.º 524, na edição de 27 de Agosto de 2005, a autora concedeu uma sessão fotográfica descontraída, num ambiente de serenidade, da autora com o filho e que, mais uma vez, foi tema de capa da referida publicação – doc. n.º 18. A referida reportagem dá a conhecer a todo o país “AS PRIMEIRAS FOTOS DE S……., DE CINCO MESES”. Também nesta reportagem, a autora revela sentimentos e medos pessoais, confessando que: “a primeira vez que saí com o S……. de casa achei que o mundo era horrível de mais para trazer o meu filho cá para fora”. A autora fala ainda sobre assuntos tão íntimos como a sua vontade de ter tido um parto normal:
Revista Caras: “Queria ter um parto normal, mas afinal o S……. nasceu de cesariana. Isso deixou-a triste?”
Autora: “Na altura deixou-me apreensiva, porque quando estamos durante uma série de meses a pensar como é que se vai desenrolar a situação e depois nos deparamos com alguns contratempos, é natural que se crie alguma ansiedade, mas foi só isso. Ele tinha de nascer e da forma o menos dolorosa possível para ele”.
 A Autora fala ainda sobre amamentação do seu filho:
Revista Caras: “Começou por amamentar, mas parou passado pouco tempo. Aconteceu naturalmente ou foi uma opção?”
Autora: “Aconteceu naturalmente. Foi numa viagem que fizemos aos Açores. Era a primeira vez que o S……. andava de avião e eu estava com medo de que alguma coisa corresse mal, fiquei ansiosa e isso fez com que o leite secasse. Fiquei com imensa pena porque queria amamentar durante o maior tempo possível, sem medo nenhum de estragar o peito. Sempre quis muito amamentar, foram dos momentos mais ternurentos que tive logo após o nascimento do S……..” [alínea PP) dos factos assentes] ;
41. Na publicação VIP n.º 436, na edição de 23 a 29/11/2005, são publicadas fotografias da autora com o seu filho em momentos distintos, fazendo declarações sobre si própria e o seu filho e marido - doc. n.º 19. A autora e o seu filho são tema de capa da referida revista. Na Revista VIP n.º 465, na edição de 14 a 20/06/2006, a autora pousou para os fotógrafos antes da entrada para a inauguração do Espaço A…….  são publicadas declarações desta sobre os seus planos para as férias, aproveitando ainda para descrever algumas habilidades do seu filho e fala, mais uma vez, da sua satisfação com a maternidade – doc. n.º 20. A autora partilha com a referida publicação desejos tão íntimos como a vontade de voltar a engravidar: “Queremos dar um irmão ao nosso filho”. Na mesma revista, na edição n.º 501, na edição de 21 a 27/02/2007, a actriz expôs-se numa sessão fotográfica a convite da VIP, na qual pousou para várias fotografias e concedeu uma entrevista ao mesmo título que incidiu sobre vários aspectos da sua vida profissional e pessoal, em que a actriz expõe os seus pontos de vista, aborda os seus planos profissionais, a maternidade, descreve um dia na sua rotina, revela como é importante ter tempo para si e para o seu marido, descrevendo brevemente a pessoa do seu marido e ainda do seu filho – doc. n.º 21. Foram ainda publicadas respostas suas a perguntas de opinião sobre vários temas polémicos da actualidade (adopção, referendo ao aborto, eutanásia, emigração). Na edição n.º 503 da Revista Caras, semana de 2 de Abril de 2005, a autora vendeu à referida revista “A PRIMEIRA SAÍDA A DOIS DESDE O NASCIMENTO DO BEBÉ”, mais uma vez, com chamada de capa – doc. n.º 22. A 4 de Janeiro de 2007, a autora deu à revista “Sábado” a “Entrevista da Vida” na qual falou sobre a sua infância e o início da sua carreira – doc. n.º 23 [alínea QQ) dos factos assentes] ;
42. A autora foi recentemente mãe, e para além de tal facto já ser tema de capa da revista “Caras”, “VIP”, “Nova Gente”, “TV 7 Dias” - doc. n.º 25 a 28 – foram disponibilizados no sítio da Internet da Revista “Caras” um vídeo da autora, ainda dentro do hospital, rodeada de fotógrafos, com a sua filha recém nascida nos braços a responder a perguntas dos jornalistas – doc. n.º 29. [alínea RR) dos factos assentes] ;
43. A revista Caras tem uma elevada tiragem e é distribuída em todos os postos de venda, quiosques, supermercados, bombas de gasolina, tabacarias e papelarias. [alínea SS) dos factos assentes] ;
44. No mês de Novembro de 2008 a revista Caras teve uma tiragem média de 115.100 exemplares e 76.564 vendas – cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação [alínea TT) dos factos assentes] ;
45. No dia 6 de Abril de 2009, S. Faria, representante artística da autora, recebeu uma chamada telefónica do réu M…….; este identificou-se, disse que era do jornal “Correio da Manhã” e que no dia 16 de Abril de 2009 iria ser publicado e distribuído junto com o referido jornal um livro sobre a vida da autora e que a receita da venda reverteria parcialmente a favor de uma instituição, pretendendo saber se a autora tinha alguma preferência, e pretendia escolher, a instituição beneficiária [resposta ao ponto 1. da BI] [7] ;
46. S. Faria respondeu ao réu M……. que nem ela nem a autora tinham conhecimento do conteúdo e da futura publicação do referido livro, ao que o mesmo réu ripostou que “estava a avisar agora” [resposta ao ponto 2. da BI] ;
47. S. Faria informou que a autora não autorizava tal publicação e o réu M……. disse que lhe iria fazer chegar um exemplar do livro [resposta ao ponto 3. da BI] ;
48. Quando a autora foi informada do conteúdo do telefonema, ficou emocionalmente perturbada e, imediatamente, rejeitou qualquer consentimento na publicação do referido livro, independentemente do seu conteúdo [resposta ao ponto 4. da BI] ;
49. considera-se não escrito [8] * ;
50. O réu M……. referenciou que o livro é exemplar e que não contém factos sobre a vida privada da autora [resposta ao ponto 6. da BI] [9] * ;
51. O próprio título do livro não corresponde à verdade, dado que a autora nunca afirmou “V………” [resposta ao ponto 7. da BI] *;
52. Sem nunca a autora ter dado alguma entrevista exclusiva directamente aos réus sobre os factos relatados no referido livro, estes afirmam diversos factos, sendo que alguns não correspondem à verdade [resposta ao ponto 8. da BI] ;
53. Consta de pág. 9 do livro que «Maria estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama.»”[resposta ao ponto 9. da BI] [10]  * ;
54. Consta de pág. 15 do livro que «ao final da tarde, quando dava de mamar pela primeira vez à bebé, o simbolismo do momento transforma-se em sobressalto: Maria descobre um nódulo que a deixa seriamente preocupada.»”[resposta ao ponto 10. da BI] [11] *.
55. Consta de pág. 16 e 17 do livro que «Uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira à noite, Maria, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica»”[resposta ao ponto 11. da BI] [12] * ;
56. “A medicina pouco ou nada podia fazer pelo seu caso – disseram-lhe. Maria estava condenada à morte. Era uma questão de tempo. A cirurgia e os tratamentos complementares, como a quimioterapia e a radioterapia apenas podiam adiar o desfecho final.” – pág. 17 - nenhum médico disse isto à autora [resposta ao ponto 12. da BI] * ;
57. “Quando acordou da operação, tinha a seu lado os pais, o marido e o cirurgião”, pág. 23 do livro - os pais da autora não estavam presentes [resposta ao ponto 13. da BI] * ;
58. Consta de pág. 23 do livro que «a primeira coisa que fez foi levar a mão ao peito. Sentiu o volume dos pensos. “Correu bem?” – perguntou Maria ao médico. Ele respondeu-lhe que sim. Não fora preciso amputar a mama»” [resposta ao ponto 14. da BI] [13]  * ;
59. A autora, com a leitura do referido livro, ficou revoltada e angustiada com os factos ali mencionados e respeitantes à sua saúde [resposta ao ponto 15. da BI] ;
60. O teor do referido livro e respectivo título provocaram na autora um estado de ansiedade que a perturbou no seu bem-estar e no dia a dia, com ataques de choro [resposta ao ponto 16. da BI] ;
61. Na altura, a autora encontrava-se em repouso devido a estar grávida e passava os dias com os seus dois filhos pequenos [resposta ao ponto 17. da BI] ;
62. A autora tinha saído do processo terapêutico que é a debelação e recuperação do cancro da mama [resposta ao ponto 18. da BI] ;
63. Desde o dia 7 até ao dia 16 de Abril de 2009, a autora viveu em sobressalto com a possibilidade da publicação do livro e a exposição de factos falsos sobre a sua vida perante o público em geral; e, mesmo que fossem totalmente verdadeiros, a autora não concordaria com essa exposição [resposta ao ponto 19. da BI] * ;
64. Entre a divulgação do comunicado e a conferência de imprensa que a autora realizou em 11-11-08, foi opção da autora não dar entrevistas exclusivas ou pessoais aos órgãos de comunicação social sobre a sua doença [resposta ao ponto 20. da BI] ;
65. Nesse período a autora esteve em silêncio e dedicada à sua recuperação; designadamente, a autora não deu nenhuma entrevista, nem exclusiva nem não exclusiva, à revista Caras [resposta ao ponto 21. da BI] ;
66. A autora, no dia da conferência de imprensa, deu uma entrevista à revista “Pública” [resposta ao ponto 22. da BI] ;
67. A autora sempre quis evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico [resposta ao ponto 23. da BI] * ;
68. Quando os réus decidiram, unilateralmente, publicar um livro cujo título é “V……..” e cujos primeiros capítulos são dedicados à doença da autora, lembraram a esta a sua doença [resposta ao ponto 25. da BI] * ;
69. A capa do livro contém uma foto da autora e uma suposta frase desta, na primeira pessoa, “V……..” [resposta ao ponto 26. da BI] [14] * ;
70. O livro iria ser vendido em conjunto com o jornal, isto é, apesar de parte dos rendimentos do livro serem para uma associação humanitária, o restante e o lucro auferido com a venda do jornal seria para a ré P…….. [resposta ao ponto 27. da BI] * ;
71. A venda de um livro ou de qualquer outro produto com o jornal “Correio da Manhã” constitui uma opção de marketing, tomada pelo departamento de marketing da ré P……..; a comercialização de produtos com o jornal constitui uma área de negócio autónoma que não se confunde com o produto que é o jornal [resposta ao ponto 29. da BI] ;
72. Não é o director do jornal quem escolhe quais os produtos que são vendidos com o jornal [resposta ao ponto 30. da BI] ;
73. O livro não foi elaborado a pedido do director do jornal nem este teve qualquer influência na sua elaboração [resposta ao ponto 33. da BI] ;
74. A ré editora P…….. não escolheu o título, o teor, nem a imagem utilizados no livro. [resposta ao ponto 35. da BI] ;
75. A capa da revista “Caras”, edição n.º 692, de 15-11-2008, referindo-se à autora, contem o seguinte: “A ACTRIZ FALA SOBRE O FIM DOS TRATAMENTOS CONTRA O CANCRO DA MAMA E FECHA DE UMA FORMA FELIZ ESTE CICLO DA SUA VIDA – MARIA TIVE MEDO DE MORRER”, conforme doc. n.º 1 junto com a contestação, esclarecendo-se que esta edição reporta-se à conferência de imprensa dada pela autora em 11-11-2008, conforme alíneas L) e M) [resposta aos pontos 38), 38-A), 41) e 47). da BI] ;
76. A capa da revista “Caras”, na sua edição n.º 664 da semana de 03-05-2008, referindo-se à autora, ostentava os dizeres referidos na alínea T), esclarecendo-se que esta edição reporta-se ao comunicado de 28-04-2008 aludido na alínea J) [resposta aos pontos 39) e 46). da BI] ;
77. Entre 29-04-2008 e 10-11-2008 a autora não falou publicamente da sua doença. [resposta ao ponto 40. da BI] ;
78. A autora não se opôs que os vídeos referidos na alínea RR) fossem disponibilizados no sítio da internet da revista “Caras”, esclarecendo-se que tais vídeos e subsequente exposição não foram expressamente autorizados pela autora [resposta ao ponto 43. da BI] ;
79. O referido livro pode ser vendido com ou em separado do jornal [resposta ao ponto 45. da BI] ;
80. A revista “Caras”, na sua edição n.º 503, semana de 02-04-2005, referindo-se à autora, incluiu uma reportagem intitulada “A primeira saída a dois desde o nascimento do bebé”, com chamada de capa, esclarecendo-se que a autora autorizou tal reportagem, tendo prestado declarações, conforme consta do doc. n.º 22 junto com a contestação. [resposta ao ponto 48. da BI].
Ao abrigo do disposto no artº. 607º, nºs. 3 e 4, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil (com correspondência no artº. 659º, nºs. 2 e 3, ex vi do artº. 713º, nº. 2, ambos do mesmo diploma, na sua antecedente redacção), tendo por base o teor do documento superveniente cuja junção foi admitida – doc. nº. 1, junto com as alegações recursórias – e teor do decidido nos autos do procedimento cautelar apenso, considera-se igualmente PROVADO que:
81. a Autora Maria escreveu um livro com o título “T……….”, publicado pela editora Oficina do Livro, cuja 1ª edição data de Abril de 2013 ;
82. Consta da capa de tal livro, para além da identidade da Autora, acompanhada de foto da mesma, e título, as seguintes menções: “Um diagnóstico terrível. Uma gravidez inesperada. E uma decisão corajosa. Uma história de vida” ;
83. Consta do verso da capa de tal livro o seguinte texto:
No dia do nascimento da sua segunda criança, por mero acaso, Maria tocou no peito e sentiu um caroço. O obstetra garantiu que não era nada. Mas era um cancro, como mais tarde se concluiu – e muito agressivo.
Quando soube da notícia, Maria tinha um filho de dois anos e uma filha de dois meses. O sorrido mais bonito de Portugal desvaneceu-se. Mas nem o medo da morte, nem a agonia dos tratamentos, o fizeram desaparecer.
Depois de muita luta, a actriz conseguiu ultrapassar a doença, voltar à normalidade e preparar o regresso aos palcos e à televisão. Sentia-se a renascer.
Só que, três meses depois, tudo desabou outra vez. A única coisa que os médicos lhe tinham proibido aconteceu: na sequência de um conjunto de circunstâncias insólitas, Fernanda engravidou e voltou, assim, a ficar numa situação dramática. A gravidez podia custar-lhe a vida e teria de ser interrompida, disseram-lhe os oncologistas – era ela ou a filha. O sofrimento da actriz tornou-se, então, dilacerante.
Mas a filha veio ao mundo, forte e saudável, e Maria sobreviveu, mais lutadora do que nunca – e ainda mais grata por estar viva.
Contada pela primeira vez, esta é a história da fase mais tenebrosa na vida da actriz portuguesa. Uma história de dor e angústia, coragem e resiliência – com um final feliz” ;
84. Consta de fls. 19 do Livro o seguinte trecho:
Num pequeno berço ao lado da minha cama, a Laurinha dormia um sono imperturbável. Nascera cinco horas antes, quando faltavam dois minutos para as três da tarde.
(….)
Foi então que, distraidamente, levei a mão ao peito e senti-o. Um caroço. Na parte superior e interna da mama direita. Achei esquisito, mas naquela altura não liguei nem disse nada” ;
85. Constando a fls. 20 que:
Mais tarde, ao dar de mamar nessa noite, voltei a senti-lo. E então comentei com a minha mãe:
- Vê lá isto. Não é estranho ?
Ela tocou.
- Apareceu-te agora ?
- Não sei, eu só me dei conta há um bocadinho ….” ;
86. E a fls. 21 que:
Só que cada vez que punha a pomada para preparar o peito para os primeiros dias de amamentação – que são sempre tão dolorosos – sentia aquilo ali” ;
87. Bem como a fls. 22 o seguinte:
À noite a minha mãe voltou a puxar o assunto e contei-lhe o que o médico tinha dito.
- Está bem, mas se isso continuar temos de ir ver.
Ela ficou de sobreaviso. Já tinha visto uma irmã e uma cunhada, ambas minhas tias direitas, morrer de cancro da mama. Nunca mais descansou” ;
88. E a fls. 23 que “Hoje acho que a apreensão deve ter-se mantido sempre, ainda que inconscientemente (…..)” :
89. A fls. 33 consta que:
- Vera, põe lá aqui a mão. Não sentes um caroço ?
- Por acaso sinto. É esquisito….Já foste ao médico ?
- Fui. Ele diz que não é nada. Mas que coisa parva. Isto apareceu-me no dia do parto, à noite. Depois até me custava a dar de mamar, deixei de dar esta maminha……” ;
90. Constando de fls. 37 e 38 que:
– Olhe, Maria, não tenho bem a certeza do que está aqui, estou um pouco inquieta em relação a uma coisa e quero fazer-lhe um exame mais pormenorizado para me despreocupar e à Maria também. Mas ainda tenho bastantes pacientes. Prefere vir amanhã ou tem oportunidade de esperar e fazer já hoje ?
(….)
Por mais que ela se tenha esforçado por transmitir naturalidade, fiquei apreensiva. Quando fui para o cubículo para me vestir eu já chorava e ……..
(….)
……. E lembro-me perfeitamente de estar muito preocupada, sentir que alguma coisa não estava bem e pensar que tinha de ir para a sala de espera sem afligir a minha mãe” ;
91. mencionando-se a fls. 40 que:
Qualquer mulher que faça uma ecografia, e a quem seja dito que parece haver ali algum sinal estranho, compreenderá o pânico que me tomou naquele momento” ;
92. Constando de fls. 50 o seguinte:
“- Olhe, e tem de ficar calma, está bem, Maria? Nesta altura tem de ter muita calma.
Só não me disse tudo porque não calhou. Mas pouco faltou. Estava transtornado. Perguntei-lhe:
- O que eu tenho é mau ?
A resposta haveria de ecoar na minha cabeça, incontáveis vezes, nos dias que se seguiram.
- Digamos que não é bom.
- Não me diga isso doutor…..Mas é muito grave ?
(….)
Calma foi tudo o que não consegui manter. Aí caiu-me a ficha. Foi muito complicado. Fiquei extremamente perturbada. Então o resultado da biopsia, que fizera na véspera, demorava pelo menos cinco dias e a médica já tinha falado com ele ? É porque já tinha certezas.
Estava assustadíssima (…)” ;
93. E, escreveu a fls. 51 e 52 que:
Descontrolei-me completamente. Foi muito violento. Violento para mim, que estava a passar por aquilo, violento para a minha mãe, que estava a ver-me assim, e para o meu pai, que no seu típico silêncio – é um homem muito calado e introvertido, mas muito presente e protector – estava de certeza tão ou mais assustado do que nós” ;
94. Figurando a fls. 65 o seguinte:
Os oito dias do prazo máximo para o resultado do exame terminavam no dia seguinte. Ninguém falava sobre o assunto, mas sentia-se perfeitamente o nervosismo em que todos andávamos. Os meus pais estavam lá em casa e o P… tinha chegado mais cedo – segunda-feira é um dia mais calmo para ele. (….) Por mais ansiosa que estivesse, e até praticamente certa do que ia acontecer, no fundo, enquanto não me dissessem o que se passava comigo, não seria real” ;
95. Constando de fls. 79 e 80 que:
Mal acabou o exame, a médica entrou e disse-me:
- Óptimas notícias. Está situado, é uma coisa localizada. Não há vestígios de metástases.
Mas logo a seguir explicou que o nódulo era grande, e que teria de ser retirado com uma margem de segurança de um centímetro e meio. A operação seria feita por uma cirurgiã da sua equipa, a quem ela me apresentou de seguida.
(….)
O panorama que me foi apresentado por essa médica foi muito, muito, negro. Mais negro do que tudo aquilo para que me tinha preparado.
- É um tumor muito agressivo. Tem de o tirar já. Eu acho que não é seguro removermos só o tumor, porque tem uma mama pequena. Fico mais descansada retirando-a toda. Depois faz seis ciclos de quimioterapia e voltamos a avaliar. Mas em princípio basta tirar uma …..” ;
96. Constando de fls. 87 o seguinte:
Pensava com uma angústia agora mais justificada: «Se eu morrer, quem cuidará dos meus filhos?» ;
97. E, a fls. 98 consta que:
Não perguntou o que a outra médica tinha dito. Aliás, quando eu ia entrar nessa parte, interrompeu-me:
- Sobre a avaliação que a colega fez não quero saber.
Avaliou-me, fez a apalpação da mama, voltou a analisar os exames e, ao fim de algum tempo, disse serenamente:
- Há aqui uma coisa que eu não percebo, Maria. O meu filho telefonou-me a dizer que era uma situação urgentíssima, gravíssima…..
E eu:
- Então mas não é ?
- Quer dizer, não é……tranquilo. Não é uma situação fácil. Mas não é o fim do mundo.
- Não?!?
Lá fora, o dia continuava escuro, mas naquele momento a minha vida passou de preto a cinzento. Instantaneamente” ;
98. Referenciando-se a fls. 109 que:
Talvez algum dia perceba que o meu caso serviu para alertar muitas pessoas que, como eu, também se julgavam um bocadinho mais do que simples mortais. Se calhar fiz com que algumas se policiassem, ficassem mais alerta, fossem fazer exames. Na minha família todas as mulheres foram.
Há quem ache que nunca nada de mal acontece a quem trabalha na televisão. Que a vida dos famosos é só glamour, coisas boas. Acredito que a minha experiência possa ter servido para uma tomada de consciência: «Se acontece àquela, espera lá, então pode acontecer a todos.»
Ao contrário de outras pessoas conhecidas que decidem não divulgar que têm problemas, eu sempre achei que por um lado nunca iria conseguir esconder eternamente, e por outro, que a minha história haveria de servir para alguém.
Aqui está ela” ;
99. Constando de fls. 119 que:
Tinha um pavor enorme do que o médico poderia encontrar quando analisasse o nódulo. Não sabia se ia acordar com a mama mutilada, ou amputada de todo ; se o tumor seria completamente removível ou se se teria, entretanto, alastrado pelo meu corpo” ;
100. Tendo escrito a fls. 125 e 126 o seguinte:
Pouco mais de uma hora depois, regressava ao quarto, com um penso enorme sobre a mama direita. Ou o que restava dela, se é que restava alguma coisa. Não sabia.
(…)
O médico foi o primeiro a parecer ao pé de mim.
- Correu bem ?
- Correu muito bem.
- E então ?
- Tirei só aquilo que achei necessário, que era o previsto. Agora vai para análise. Está bem-disposta ?
- Estou.
- Quer que mande entrar os seus amigos ?
- Sim, mas depressa, por favor.
Necessitava desesperadamente de dormir, mas havia uma coisa de que precisava ainda mais: saber a verdade. Para que eles não tivessem tempo de combinar o que iam dizer-me, eu queria que, mal saísse um, entrasse logo o outro, para que fossem o mais genuínos possível. Veio o P….
(…)
- Quem é que está aí ?
- A Patrícia, a Maria e a Sandra.
- Então vá, diz para entrarem já.
Estava focada em perceber se eles se teriam concertado: «Ela está a morrer, mas vamos dizer-lhe outras coisas.» Então perguntava a todos o mesmo. Depois de quatro interrogatórios, cedi à exaustão e deixei os olhos fecharem-se, aliviada. Afinal talvez não fosse morrer tão brevemente. E ainda tinha pelo menos uma parte da maminha” ;
101. E de fls. 132:
Perguntei se com estes tratamentos ia ficar bem e se não voltaria a ter chatices.
- Isso é impossível garantir. Sobretudo porque este tumor tinha células muito voláteis, difíceis de prever. Apesar de ter sido apanhado no início, de o gânglio sentinela ter dado negativo e de não haver metástases, não temos como assegurar que não volte a haver problemas” ;
102. Constando de fls. 241 que:
Outra coisa que mudou na minha vida: passei a acreditar em finais felizes. É bom saber que nem todos os problemas acabam mal. Eu tive vários que correram bem. É uma sorte, eu sei. Sou uma privilegiada. E por isso agradeço. Todos os dias.
Mas apanhei um susto tão grande que não consigo descansar. Faço análises de três em três meses (porque quero, podia fazê-las só de seis em seis) ; TAC ao tórax, ecografias mamárias, abdominais, pélvicas e á tiróide duas vezes por ano ; ressonância magnética e cintigrafia óssea todos os anos. Preciso de andar sempre a confirmar que está tudo bem comigo, mas como não posso fazer exames todos os meses, arranjo maneira de os ir espaçando. Quando vou mostrar um ao médico, está ana altura de fazer o seguinte. Estou constantemente a ser vigiada. E a receber boas notícias” ;
103. No âmbito do procedimento cautelar apenso aos presentes autos, foi proferida uma primeira Decisão, datada de 15/04/2009, sem audiência dos Requeridos, de cujo dispositivo consta o seguinte:
Deste modo, decido declarar procedente a presente providência cautelar e, consequentemente, determino:
a) Ordenar aos Requeridos que não procedam à publicação do livro sob o título «V…….», identificado nos autos como Doc. nº. 2 ;
b) Citar os requeridos para o efeito, assim como a distribuidora VASP, via fax (cujos números se encontram identificados no requerimento inicial) ;
c) Condenar os requeridos a não publicarem, sem autorização, quaisquer factos sobre a vida privada da Requerente” ;
104. após audição dos Requeridos, foi proferida Decisão, datada de 22/07/2009, que não foi objecto de recurso, constando do respectivo dispositivo que:
Pelo exposto, nos termos do artigo 388º, nº. 2, do Código de Processo Civil, determino a revogação da providência decretada e em consequência autorizo:
a) A publicação do livro em questão com outro título e de onde conste de forma expressa e bem visível que se trata de uma biografia ou trabalho não autorizado pela requerente ;
b) A publicação de quaisquer factos sobre a vida privada da requerente, desde que os mesmos sejam públicos ou tornados públicos pela requerente”.
*
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1 – DAS NULIDADES
I) Da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento da causa enunciada na alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil (com correspondência na alínea b), do nº. 1, do artº. 668, do mesmo diploma, na antecedente redacção)
Invocam os Apelantes ocorrer falta de fundamentação dos motivos referentes ao montante ou quantum da indemnização atribuída, o que, com o enquadramento jurídico supra enunciado, maculará a sentença recorrida com o vício da nulidade.
Referenciam não se depreender qual o fundamento conducente à atribuição de tal indemnização, nomeadamente “qual o dano concreto, o grau da culpa, a extensão da lesão, entre tantos outros parâmetros essenciais par aferir da justiça e legalidade da decisão”, tendo o Tribunal a quo fundamentado o quantum indemnizatório atribuído em quatro simples linhas, as quais devem ser “manifestamente equiparadas à total ausência de fundamentação”.
Desta forma, a decisão recorrida não contém um “mínimo de fundamentação exigível a uma sentença, pois não se depreende quais os critérios de facto concretos que justificaram o referido valor atribuído da indemnização”.
Pelo que, consideram existir clara violação do dever de fundamentar, previsto genericamente no artº. 158º, do Cód. de Processo Civil então vigente (presentemente, artº. 154º), bem como do princípio constitucional inscrito no nº. 1, do artº. 205º, da Constituição da República Portuguesa.
Na resposta apresentada, referencia a Apelada que a sentença pode não ter a mais extensa das fundamentações, no que ao quantum indemnizatório concerne, mas que possui, fazendo da mesma parte, vastíssima matéria de facto provada, para a qual remete através da menção da expressão “já atrás referidos”.
Desta forma, considera inexistir qualquer falta de fundamentação, pois, para que tal ocorresse, sempre seria necessário que a falta fosse absoluta, o que não sucede
Apreciemos:
Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, ser “nula a sentença quando:
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [15] [16].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [17].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [18].
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
No que concerne ao vício de fundamentação em equação – alínea b), do citado nº. 1 do artº. 615º do Cód. de Processo Civil (correspondente à alínea b), do nº. 1, do artº. 668º, na antecedente redacção de tal diploma) -, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.
Todavia, “só a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade” [19] [20] [21].
Donde decorre que “a falta de motivação da decisão de facto (art. 607º, nº. 4), considerada isoladamente, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação, desde que esta contenha a discriminação dos factos que o juiz considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (art. 607º, nº. 3). Este vício pode ser eliminado, sanando-se a sentença irregular, em caso de recurso (art. 662º, nºs. 2, al. d), e 3, al. d)), por haver nisso utilidade processual, pois permite uma impugnação pelo vencido e uma reapreciação da decisão pelo tribunal ad quem mais esclarecidas.
A absoluta falta de motivação da decisão de facto pode contribuir, no limite, para tornar a decisão final (art. 607º, nº. 3) ininteligível, gerando, por esta via, a nulidade da sentença (nº. 1, al. c). Sendo a sentença anulada com este fundamento, valerá a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (art. 665º, nº. 1)” [22].
A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no artº. 154º do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que:
1 – as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional, conforme decorre do previsto no artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa , ao prescrever que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma.
Nas palavras do douto aresto desta Relação, datado de 07/11/2013 [23], “é, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico- jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação.
Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça”
O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito” [citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.].
E, acrescenta, “conforme decorre do n.º2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” [citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303].
Tal, não se verifica, claramente, no caso em apreço. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente. Trata-se de ausência de fundamentação.
Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º668.º n.º b) (actual art.º 615.º n.º 1 b)) do CPC”.
Ora, da decisão recorrida/apelada, no segmento em equação, consta o seguinte:
Ponderando o conjunto dos danos não patrimoniais sofridos pela autora, já atrás descritos, que revestem a gravidade legalmente pressuposta, fixa-se o montante de vinte e cinco mil euros a título de indemnização por tais danos, sendo todos os réus solidariamente responsáveis pelo seu pagamento”.
Cumpre reconhecer, ad limine, que a fundamentação exposta está longe de poder ser considerada adequada, completa e devidamente esclarecedora, pois apenas referencia, por remissão, a elencagem factual dos danos não patrimoniais dados como provados que terão afectado a Autora, referenciando, ainda, serem os mesmos portadores ou reveladores da gravidade legalmente exigida pelo nº. 1, do artº. 496º, do Cód. Civil.
Todavia, tal exiguidade, apesar de manifesta, pois devia ter determinado uma acrescida fundamentação do quantum indemnizatório fixado, é apenas configurável como parca, deficiente ou medíocre, o que pode afectar a subsistência do valor aportado, num posterior juízo acerca da valoração daquele, mas não corresponde a absoluta falta de fundamentação, sendo que apenas esta justifica um juízo de nulidade da sentença em sindicância.
Donde, urge necessariamente concluir pela não verificação da invocada causa de nulidade da decisão em sindicância, com legal inscrição na transcrita alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do mesmo diploma (correspondente à alínea b), do nº. 1, do artº. 668º, na antecedente redacção de tal diploma).
II) Da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento da causa enunciada na alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil (com correspondência na alínea b), do nº. 1, do artº. 668, do mesmo diploma, na antecedente redacção)
Referenciam, ainda, os Recorrentes ter entendido o Tribunal recorrido que a sociedade Editora P…….., seria civilmente responsável:
1 – pelos anúncios publicados no jornal de que é proprietária, feitos ao livro objecto da providência cautelar ;
2 – pelo facto do livro ter sido acompanhado com as venda do jornal “Correio da Manhã”, com base no regime da responsabilidade civil comitente/comissário.
Citam o disposto de fls. 37 de tal sentença, no segmento em que refere que “aqui já se pode falar em relação de comissão, respondendo a Ré sociedade pelo ilícito cometido, pelo menos negligentemente, pelos seus empregados”.
Acrescentam levantarem-se duas questões advenientes de tal enquadramento, pois:
I) O pedido formulado na petição inicial não estava fundamentado no artº. 500º e segs. do Cód. Civil, pois a causa de pedir não foi a decorrente da responsabilidade do comissário ; motivo pelo qual,
II) Não foram alegados os factos constitutivos de que dependeria a responsabilidade da Ré P…….., decorrente da eventual actuação dos seus funcionários ; sendo que
III) Apenas aferindo a eventual responsabilidade destes, poderia a entidade patronal eventualmente responder.
Assim consideram ter o Tribunal conhecido da alegada "negligência" dos "funcionários" da referida Recorrente, (ii) quando nem sequer a referida culpa foi objeto dos autos, (iii) nem os mesmos continham qualquer matéria de fato dos quais fosse possível concluir a referida matéria”.
Consideram, assim, violado o princípio do contraditório, nomeadamente o consignado no artº. 3º, nºs. 1 e 3, do Cód. de Processo Civil, pois, ao decidir que a Recorrente P……., “responde pela alegada "negligência" dos seus funcionários, é manifesto que o Tribunal tomou conhecimento de matéria sobre a qual, não foi chamado a se pronunciar, motivo pelo qual, salvo melhor opinião, a decisão é nula, nos termos da alínea d), do número 1, do artigo 668º do Código do Processo Civil”.
Apreciando:
Enuncia a alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil (correspondente à alínea d), do nº. 1, do artº. 668º, na antecedente redacção de tal diploma), “ser nula a sentença quando: 
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Por sua vez, o nº. 2, do artº. 608º, do mesmo diploma, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do artº. 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso” [24].
No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [25], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art. 196º).
Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art. 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”.
Estatui o artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, prevendo acerca da necessidade do pedido e da contradição, que:
“1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.
Ajuizando acerca do princípio do contraditório, refere Lebre de Freitas [26] vigorar no presente uma noção lata de contraditoriedade, “entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
Pelo que, o desiderato ou escopo principal de tal princípio “deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”.
E, concretizando a operacionalidade de tal princípio no plano das questões de direito, acrescenta ser exigível que, “antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie”.
Acrescenta que a “proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art. 3-3)”.
Especificando e concretizando, entende ser necessário tal convite, exemplificativamente, na situação em que o Tribunal, ainda que concordando com a qualificação jurídica que as partes atribuíram a um contrato, “se propuser aplicar uma norma jurídica, específica ou genérica, do respectivo regime (…) que as partes durante o processo não tiveram em conta” (sublinhado nosso). E, a falta de tal convite, quando deva ter lugar, determina ou gera nulidade, nos quadros do artigo 195º, do Cód. de Processo Civil.
Deste forma, não basta, para o assegurar do cumprimento desta vertente do contraditório, que “às partes, em igualdade, seja dada a possibilidade de, antes da decisão, alegarem de direito (…)”, sendo ainda exigível que “mesmo depois desta alegação, possam fazê-lo ainda quanto a questões de direito novas, isto é, ainda não discutidas no processo” [27] [28].
Subjaz, deste modo, ao princípio do contraditório a ideia “de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas á revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”.
Com efeito, “a liberdade de aplicação das regras do direito (art. 5º, nº 3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas exceções sem outras condicionantes potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões-surpresa”, pretendendo-se, assim, com a regra enunciada no nº. 3, “impedir que, a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão” (sublinhado nosso).
Por outro lado, a legal solução “propicia ao juiz melhores condições para uma ponderação serena dos argumentos”, pelo que a audição das partes apenas “pode ser dispensada em casos de «manifesta desnecessidade» (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspectiva objectiva), de indeferimento de nulidades (art. 201º) e sempre que as partes não possam, objectivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respectivas consequências” [29]
A dispensa da observância do princípio do contraditório tem, deste modo, natureza excepcional, apenas se justificando “quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final”.
Donde, estando-se perante uma diferenciada qualificação jurídica dos factos, legítima de acordo com o nº. 3, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, não está dispensada “a necessidade de o juiz auscultar as partes, na medida em que uma diversa qualificação jurídica pode contender com a posição que cada uma delas adotou no processo, interferindo na tutela dos respectivos interesses” [30].
Jurisprudencialmente, em termos exemplificativos, afiramos o juízo expedido no douto Acórdão do STJ de 19/12/2018 [31], do qual consta que “o que se quis impedir, com o aludido preceito, foi, precisamente, que a coberto do princípio «jus novit curia», emergente do art.5º, nº3, e do princípio da oficiosidade no conhecimento da generalidade das excepções dilatórias e das excepções peremptórias, constantes dos arts.578º e 579º, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas, por não terem sido objecto de discussão no processo”.
Acrescenta, citando Abrantes Geraldes [32], que “a liberdade de aplicação das regras de direito adequadas ao caso e a oficiosidade no conhecimento de excepções, conduziam, com alguma frequência, a decisões que, embora tecnicamente correctas, surgiam contra a corrente do processo, à revelia das posições jurídicas que cada uma das partes tomara nos articulados ou nas alegações de recurso. Eram as chamadas «decisões-surpresa» legitimadas pelo regime jurídico-processual anterior, que nenhumas limitações colocava ao poder imediato de integração da matéria de facto nas normas aplicáveis” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o douto aresto do mesmo Alto Tribunal de 12/07/2018 [33] defende decorrer do princípio do contraditório a “a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar”.
Todavia, acrescenta, ressalvando e balizando a amplitude da aplicabilidade de tal princípio, que “a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento”.
Por fim, analisando o princípio contraditório em termos constitucionais, pode referenciar-se, por todos, o douto aresto do Tribunal Constitucional nº. 330/2001 [34], no qual se menciona que “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório [cf. o acórdão n.º 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, páginas 741 e seguintes)].
Tal como se sublinhou no acórdão n.º 358/98 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no acórdão n.º 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que "a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos"”.
Acrescenta, então, que “a ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º, páginas 153 e seguintes) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório "possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de Direito".
As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas "mediante um processo equitativo" (cf. o n.º 4 do artigo 20º da Constituição), o que – tal como se sublinhou no acórdão n.º 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, pagina 529 e seguintes) – exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa.
O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o juiz uma instância passiva. Nele – insiste-se –, o juiz não pode tomar qualquer providência contra determinada pessoa, sem que ela seja ouvida. E mais: essa audição tem, em regra, que preceder o decretamento da providência. Só excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se justifica que a audição da parte não seja prévia”.
Cotejados os expostos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, articulemo-los com o caso sub júdice.
A sentença apelada, apreciando a responsabilidade dos réus, considerou que os Réus M……. e J……. não elaboraram o respectivo escrito (Livro) na qualidade estrita de empregados da Ré P……., pelo que não se pode falar em relação de comissão, com as inerentes consequências jurídicas.
Todavia, acrescentou-se, atenta a estreita ligação daqueles jornalistas, autores do Livro, com o jornal “Correio da Manhã”, pertença da Ré P…….., sendo inclusive  M……. chefe de redacção daquele, cabia à Ré P……. certificar-se da legalidade da publicação que lhe foi solicitada.
E, conclui, aqui já pode falar-se em relação de comissão, respondendo a Ré sociedade pelo ilícito cometido, pelo menos negligentemente pelos seus empregados.
Ora, contrariamente ao ora alegado pelos Recorrentes, não é legítimo concluir-se que o pedido apresentado pela Autora em sede de petição inicial não se encontrasse fundamentado nos artigos 500º e segs. do Cód. Civil.
Efectivamente, e independentemente da (in)suficiência da alegação factual aposta em tal articulado, de que ora não se cuida, após enunciação dos Réus e respectivas funções por referência ao Livro em equação, no artº. 5º de tal articulado, referencia a demandante que “de acordo com o disposto no art. 500º/nº. 1 do Código Civil e no art. 29º/nº 2 da Lai nº. 2/99 de 13 de Janeiro, os requeridos são solidariamente responsáveis pela prática dos factos que a seguir se descrevem”.
Ou seja, logo em sede de petição inicial a Autora enquadra a invocada responsabilidade solidária dos requeridos por referência à responsabilidade objectiva do comitente inscrita no nº. 1 do enunciado artº. 500º, do Cód. Civil.
Pelo que não é legítimo aludir-se constituir o enquadramento efectuado uma qualquer decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório, ou seja, que de alguma forma o pedido apresentado na petição inicial não estivesse fundamentado naquela responsabilidade, em virtude da causa de pedir não decorrer, absolutamente, da responsabilidade do comissário.
Questão diferenciada, mas já não atinente ao conhecimento da nulidade de sentença em aferição, mas antes à potencialidade de (im)procedência do juízo da invocada responsabilidade objectiva, e consequente êxito ou inêxito da acção, é a de saber se foram ou não alegados (e devidamente provados) os factos constitutivos de que depende aquela responsabilidade da Ré P…….. enquanto comitente, na decorrência da actuação culposa dos seus funcionários (comissários). Questão que não tem lugar de apreciação na presente sede.
Donde resulta, inequivocamente, inexistir qualquer excesso de pronúncia na sentença recorrida, nomeadamente o equacionado pelos Recorrentes, determinando o não reconhecimento de tal nulidade da sentença, num juízo de improcedência, neste segmento, das conclusões recursórias.  
III) Da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento da causa enunciada na alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil (com correspondência na alínea c), do nº. 1, do artº. 668, do mesmo diploma, na antecedente redacção)
No âmbito das causas de nulidade da sentença, invocam, ainda, os Recorrentes que, por um lado, o Tribunal a quo entendeu que a P………, seria responsável pelo ilícito cometido, pelo menos a  título de negligência, pelos seus empregados, mas que, por outro, considerou provado, no ponto 35 da matéria factual provada (mais precisamente, acrescentamos, na resposta ao ponto 35 da base instrutória) que “a Ré editora P…….., não escolheu o título, o teor, nem a imagem utilizados no livro”.
O que entendem, sustentam, traduzir linhas de raciocínio opostas, ou seja, encontrar-se aquela factualidade em “clara oposição com a decisão na parte que entendeu que o ilícito tinha sido cometido pelos seus funcionários”.
Acrescentam que a sociedade, enquanto pessoa colectiva, actua através dos seus gerentes e funcionários, sendo, assim, manifestamente incompatível a fundamentação referenciada com a decisão de condenar a entidade editora. Ou seja, e concretizando, “a ideia de que «a Ré editora P……..., não escolheu o título, o teor, nem a imagem utilizados no livro» é incompatível com a ideia de que existiu um «ilícito cometido, pelo menos negligentemente, pelos seus empregados»
Concluem, referenciando que tal incompatibilidade gera a nulidade de sentença citada.
Apreciando:
Estatui a alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil (correspondente à alínea c), do nº. 1, do artº. 668º, na antecedente redacção de tal diploma, ainda que esta apenas contenha o 1º segmento do dispositivo vigente), ser “nula a sentença quando:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
No que concerne à causa de nulidade equacionada pela transcrita alínea c), refere Ferreira de Almeida [35] tratar-se na presente causa de nulidade de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”.
Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”.
Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente.
A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”.
Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão” [36].
Analisada a decisão apelada, nomeadamente no estrito segmento ora invocado, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma seja contraditória entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar.
Efectivamente, ponderada a fundamentação apresentada, e independentemente da sua pertinência ou acerto, de que ora não se cuida, não resulta contraditório ou antinómico que se tenha provado que a Ré editora P……..., por um lado, enquanto pessoa colectiva, não tenha escolhido o teor, o título nem a imagem utilizados no Livro e que, por outro, se tenha determinado a sua responsabilização objectiva, nas vestes de comitente, motivada pela conduta culposa/negligente dos seus funcionários/empregados, enquanto comissários.
Efectivamente, tendo por base a análise e ponderação daquela factualidade provada, não surge, necessariamente, como expectável ou legítimo concluir por diferenciada decisão. Inexiste, efectivamente, qualquer erro lógico-discursivo, no sentido de que a decisão proferida não encontre qualquer lastro ou conforto no juízo seguido na fundamentação exarada, ou seja, que a decisão, no iter de interpretação da fundamentação exarada, e mediante uma análise de lógica dedução, tivesse surgido de forma surpreendente ou inesperada.
Por outro lado, também não se pode afirmar que a decisão recorrida, na vertente equacionada no fundamento recursório, seja ambígua, de forma a torná-la ininteligível ou incompreensível, estando antes devidamente balizada ou fundada.
O que, reconheça-se, é, manifestamente, questão distinta e diferenciada da aludida nulidade, a ponderar infra, na análise que efectuaremos relativamente à relevância da factualidade provada em concatenação com os enunciados fundamentos recursórios a apreciar em sede de enquadramento jurídico.
Ademais, o que os Recorrentes contestam é a efectiva responsabilidade objectiva imputada à Ré sociedade, desde logo porque não reconhecem qualquer conduta culposa dos Réus autores do Livro, enquanto funcionários daquela, sendo certo que aquela responsabilidade apenas existe, e é equacionável, caso exista responsabilidade assente num juízo de culpa por parte destes.
O que determina, necessariamente, e sem outras delongas, improcedência da invocada nulidade da sentença, com legal inscrição na alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil (correspondente à alínea c), do nº. 1, do artº. 668º, na antecedente redacção de tal diploma, ainda que esta apenas contenha o 1º segmento do dispositivo vigente) e, consequentemente, juízo de improcedência, nesta parte, da apelação em apreciação.
IV) Da NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, DECORRENTE DA ALTERAÇÃO DO FACTO ASSENTE NA ALÍNEA T) – o artº. 201º, do Cód. de Processo Civil (correspondente ao artº. 195º, da actual redacção)
Entendem, ainda, os Apelantes ter o Tribunal a quo entendido, em sede de resposta à matéria de facto, acrescentar um facto à base instrutória e, acto contínuo, dá-lo como provado, sem ter sido sujeito a prova e contraprova.
Assim, e sem ouvir a parte contrária, decidiu o Tribunal alterar a matéria de facto “assente”, sendo por demais evidente estarmos perante uma verdadeira “decisão surpresa”, pois, caso o mesmo constasse da base instrutória, teriam os Réus requerido a inquirição de outras testemunhas, para contraprova do referido «quesito».
Acrescentam que o facto que constava na letra T dos factos assentes não pode “desaparecer”, pelo que, “não estando na matéria assente teria obrigatoriamente que passar para a base instrutória, e sobre ele, poderiam os Réus apresentar contraprova”.
Invocando o princípio do contraditório, aduzem que, no mínimo, deveria ter o Tribunal notificado as partes para que estas se pronunciassem sobre a sugerida alteração de um “facto assente”, pelo que a decisão de alterar unilateralmente a referenciada matéria assente, para além de colidir com aquele princípio, “não está em sintonia com as elementares regras que incidem sobre o ónus da prova”.
Consideram, assim, que a mencionada alteração tem obrigatoriamente influência no exame ou decisão da causa, o que constitui uma nulidade, nos quadros do artº. 201º, do Cód. de Processo Civil.
Na resposta apresentada, referencia a Apelada inexistir a invocada nulidade da alteração dos factos constantes da base instrutória, como bem decorre da sentença, que decidiu pela intempestividade da sua arguição.
Conhecendo:
Previamente à prolação da sentença, foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho:
“I - No despacho contido na acta de 5 de Novembro de 2012, que visou a resposta às questões integrantes da elaborada base instrutória, consta o seguinte parágrafo: “Deixa-se aqui consignado que o teor da alínea T) da Factualidade Provada, na parte em que refere que “Após o comunicado à imprensa de 28-04- 2008, a autora deu uma entrevista à revista “Caras” (…)”, colide frontalmente com o teor do ponto 39) da base instrutória que incluiu no seu teor aquela afirmação já que se trata de matéria controvertida entre as partes na acção. Assim, nesta parte, deverá prevalecer o perguntado no aludido ponto da base instrutória e a resposta que obteve após a produção de prova no âmbito da realizada audiência de discussão da causa, sendo corrigido, na mesma medida, a referida alínea T).”
Na audiência previamente agendada para a divulgação da resposta à base instrutória, tal despacho foi notificado presencialmente aos ilustres mandatários das partes, que nada disseram.
Na sua alegação de direito, apresentada em 15 de Novembro de 2012, os réus invocam a nulidade daquele despacho, no segmento acima transcrito.
Nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPCivil [na redacção anterior à reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06], a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Das nulidades mencionadas nos arts. 193.º e 194.º, na segunda parte do n.º 2 do art. 198.º e nos arts. 199.º e 200.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso. - art. 202.º do CPCivil.
Fora dos casos previstos no artigo anterior, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto. - 203.º, n.º 1, do CPCivil.
As nulidades a que se referem os arts. 193.º e 199.º só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado; as nulidades previstas nos arts. 194.º e 200.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas. – art. 204.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil.
Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. – art. 205.º, n.º 1, do CPCivil.
A testemunha comum, S. Faria, depôs à matéria de facto contida no art. 39.º da Base Instrutória [por indicação da mandatária da autora, o que ocorreu ainda com a testemunha P…, esta apenas arrolada pela autora].
Várias testemunhas arroladas pelos réus – [F….., C….. e N……] – depuseram à matéria de facto contida no art. 39.º da Base Instrutória [por indicação do mandatário dos mesmos réus].
Por aqui se constata que a invocada nulidade, a existir, não influiu no exame ou na decisão da causa.
Por outro lado, a arguição de nulidade vertida na referida alegação é manifestamente intempestiva já que deveria ter sido logo invocada na audiência em curso, o que, como se disse, não ocorreu.
Decisão:
Face ao exposto, indefere-se a arguida nulidade.
Custas do incidente pelos réus, fixando-se a taxa de justiça em duas UCs.
Notifique”.
Vejamos os elementos a ponderar:
- A alínea T) dos factos assentes tinha a seguinte redacção:
Após o comunicado à imprensa de 28-04-2008, a autora deu uma entrevista à revista “Caras” que foi tema de capa da edição n.º 664, da semana de 3 de Maio de 2008, da referida revista com o título “A ACTRIZ TEM CANCRO DA MAMA, JÁ FOI OPERADA E ESTÁ A FAZER QUIMIOTERAPIA” - cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação; em letras garrafais consta a frase: “MARIA LUTA PELA VIDA – “ESTOU SEGURA QUE SAIREI VITORIOSA DESTA BATALHA””.
- por sua vez, o ponto 39) da base instrutória tinha a seguinte redacção:
Após o comunicado à imprensa de 28/04/2008, a autora deu uma entrevista à revista Caras, referida na alínea T) dos factos assentes”.
- tal matéria factual teve por base o alegado pela Autora no articulado inicial nos artigos 45º a 47º, contraditado pelos Réus nos artigos 28º a 31º da contestação apresentada ;
- constatando existir contradição entre o 1º segmento do facto T) dado como assente, e o teor do quesitado sob o ponto 39), o Tribunal a quo, aquando da prolação do despacho que julgou a matéria de facto, nos quadros do então vigente artº. 653º, do Cód. de Processo Civil – cf., acta de fls. 757 a 764 -, consignou que “o teor da alínea T) da Factualidade Provada, na parte em que refere que «Após o comunicado à imprensa de 28/04/2008, a autora deu uma entrevista à revista «Caras» (….)”colide frontalmente com o teor do ponto 39) da base instrutória que incluiu no seu teor aquela afirmação já que se trata de matéria controvertida entre as partes na acção. Assim, nesta parte, deverá prevalecer o perguntado no aludido ponto da base instrutória e a resposta que obteve após a produção de prova no âmbito da realizada audiência de discussão em causa, sendo corrigido, na mesma medida, a referida alínea T)” ;
- Tal despacho, tendo sido lido perante as partes, representadas pelos Ilustres Mandatários, não mereceu qualquer reclamação.
- na sequência daquela decisão, o facto correspondente à alínea T) dos factos assentes passou figurar como facto provado com a seguinte redacção:
A autora foi tema de capa da edição n.º 664, da semana de 3 de Maio de 2008, da referida revista com o título “A ACTRIZ TEM CANCRO DA MAMA, JÁ FOI OPERADA E ESTÁ A FAZER QUIMIOTERAPIA” - cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação; em letras garrafais consta a frase: “MARIA LUTA PELA VIDA – “ESTOU SEGURA QUE SAIREI VITORIOSA DESTA BATALHA”” – o ora facto provado 19..
- Enquanto que do facto correspondente ao quesito 39) foi considerado apenas provado quea capa da revista «Caras», na sua edição nº. 664 da semana de 03/05/2008, referindo-se á autora, ostentava os dizeres referidos na alínea T), esclarecendo-se que esta edição reporta-se ao comunicado de 28/04/2008 aludido na alínea J)”.
- conforme resulta das actas da audiência de discussão e julgamento, depuseram à matéria de facto constante do aludido quesito 39º, as seguintes testemunhas:
- S……. (testemunha comum), mediante indicação da Autora ;
- P……(testemunha da Autora) ;
- F………(testemunha dos Réus) ;
- C………testemunha dos Réus) ;
- N…… (testemunha dos Réus).
Sendo estes os elementos ponderáveis, podemos considerar o seguinte:
- Conforme entendimento sustentado no douto Acórdão do STJ, de Uniformização de Jurisprudência de 26/05/1994 (Assento nº. 14/94), “no domínio de vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961 (considerado este último antes e depois da reforma nele introduzida pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho), a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio” ;
- O que determina, de forma clara, que o teor da alínea T) da factualidade dada com assente, ainda no âmbito da vigência da antecedente redacção do Código de Processo Civil, poderia ser alvo da mencionada alteração, constatada que foi a existência de incompatibilidade factual e, tratando-se de matéria controvertida, dando-se prevalência ao teor do quesitado ;
- Acresce que, contrariamente ao aduzido pelos ora Recorrentes Réus, a matéria factual constante da alínea T) da factualidade assente não desapareceu, antes subsistindo integralmente na parte não colidente com o quesito 39), ou seja, na parte não controvertida. E que resulta supra do facto provado sob o nº. 19. ;
- Por outro lado, o despacho prolatado de julgamento da matéria de facto, no qual se reconheceu aquela incompatibilidade, respondeu à parte factual controvertida, constante no quesito 39º, sendo que, relativamente a este ponto factual, quer a Autora, quer os Réus, lograram produzir prova, nomeadamente testemunhal ;
- Pelo que não corresponde igualmente à veracidade a alegação dos ora Recorrentes que tal matéria factual não foi sujeita a prova nem a contraprova ;
- Ademais, a alteração apenas se produziu no âmbito de um ponto factual dado como assente, e não ao nível da base instrutória, que se manteve intacta, bem sabendo as partes do teor daquele quesito e da necessidade de sob o mesmo se produzir actividade probatória ;
- Pelo que não é igualmente verdadeira a afirmação que se estivesse perante uma decisão surpresa, ou que teriam podido produzir prova caso o facto constasse da base instrutória. O que é certo é que constava, podiam ter produzido prova e, efectivamente, produziram-na ;
- Constata-se, deste modo, não se ter praticado qualquer acto legalmente inadmissível, ou que se tenha omitido acto ou formalidade legalmente prescritos, capaz de o macular com o vício da nulidade, nomeadamente secundária, tipificada no artº. 201º, do Cód. de Processo Civil, na redacção então vigente (correspondente ao presente artº. 195º, do CPC, na redacção da Lei nº. 41/2013, de 26/06) ;
- Nomeadamente que tenha sido violado, de alguma forma, o princípio do contraditório, então enunciado no nº. 3, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil ;
- E, ainda que tal tivesse ocorrido, tendo podido as partes produzir prova sob o ponto factual em consideração, que já se encontrava consignado e se manteve incólume, nunca tal irregularidade se transmutaria em efectiva nulidade, por que incapaz de influenciar o exame ou decisão da causa ;
- Acresce que, ainda que assim não se entendesse, sempre tal arguição da nulidade, nos termos já conhecidos, se teria por extemporânea, atenta a regra geral inscrita no nº. 1, do artº. 205º, do mesmo diploma ;
- Com efeito, aquele despacho proferido em sede de audiência, aquando do julgamento da matéria de facto, datado de 05/11/2012, não mereceu, por parte dos Ilustres Mandatários das partes presentes qualquer arguição, apenas o tendo vindo os Réus a fazer no âmbito das alegações de direito apresentadas, quando o deveriam ter feito no próprio acto e até ao seu terminus.
Por todo o exposto, conclui-se pela inexistência da invocada nulidade secundária, improcedendo, igualmente neste segmento, as conclusões recursórias apresentadas.
2 – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA, inclusive GRAVADA, decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, tendo os Recorrentes/Apelantes dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, nada obsta a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, operando-se, assim, à devida audição e ponderação da indicada prova, bem como à leitura dos excertos transcritos.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [37].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[38] (sublinhado nosso).
II) Das CONCLUSÕES CONSIDERADAS “PROVADAS” PELO TRIBUNAL que DEVEM SER CONSIDERADAS “NÃO ESCRITAS”
Entendem os Apelantes ter sido considerada provada matéria que constitui “meras conclusões ou opiniões e não são factos, o que obriga a que os mesmos sejam considerados «não escritos»”, invocando o estatuído nos artigos 511º, 659º, nº. 2 e 646º, nº. 4, todos do Cód. de Processo Civil (redacção antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06).
Consideram, assim, constituírem conclusões as partes sublinhadas dos seguintes pontos da base instrutória provada:
Com o referido na alínea I), o réu M……. deu a entender que a autora boicotou um suposto rendimento a favor da associação humanitária de doentes com cancro [resposta ao ponto 5. da BI] ;
O réu M……., ao referir que o livro é exemplar e que não contém factos sobre a vida privada da autora – o que não é verdade -, levou o público a pensar que a autora vetou a sua publicação por mero capricho [resposta ao ponto 6. da BI] ;
Desde o dia 7 até ao dia 16 de Abril de 2009, a autora viveu em sobressalto com a possibilidade da publicação do livro e a exposição de factos falsos sobre a sua vida perante o público em geral; e, mesmo que fossem totalmente verdadeiros, a autora não concordaria com essa exposição [resposta ao ponto 19. da BI] ;
A autora sempre quis evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico [resposta ao ponto 23. da BI] ;
Quando os réus decidiram, unilateralmente, publicar um livro cujo título é “V…….” e cujos primeiros capítulos são dedicados à doença da autora, lembraram a esta a sua doença [resposta ao ponto 25. da BI] ;
A capa do livro, com uma foto da autora e uma suposta frase desta, na primeira pessoa, “V…….”, induziria o público a pensar que o livro era o relato na primeira pessoa sobre a sua doença [resposta ao ponto 26. da BI] ;
O livro iria ser vendido em conjunto com o jornal, isto é, apesar de parte dos rendimentos do livro serem para uma associação humanitária, o restante e o lucro auferido com a venda do jornal seria para a ré P……. [resposta ao ponto 27. da BI].
Sustentam ser mais do que evidente que “todas as respostas acima transcritas são conclusivas, opinativas, excessivas e como tal têm, obrigatoriamente de ser consideradas «não escritas»”, citando jurisprudência no sentido pugnado e invocando, ainda, o prescrito no nº. 1, do artº. 712º, do mesmo diploma.
Na resposta apresentada, referencia a Recorrida que lidos os enunciados quesitos dados como provados, constata-se que a “nenhum deles corresponde qualquer questão de direito, antes pelo contrário dos mesmos só se retiram factos, porquanto qualquer homem médio os interpreta como tal, ou seja entende, de imediato, o significado de : “boicotar”, “vetou”, “exposição”, “especulações”, “lembrar” “induzir a pensar”, “lucro””.
Apreciando:
Em primeiro lugar, urge consignar que, atento o prescrito nos artigos 5º, nº. 1 e 7º, nº. 1, ad contrario sensu, ambos da Lei nº. 41/2013, de 26/06 (diploma preambular que aprovou o Código de Processo Civil vigente), à presente fase processual de recurso é aplicável o presente Código de Processo Civil, anexo àquele diploma.
Todavia, tendo o julgamento da matéria de facto, nos quadros do artº. 653º, do Cód. de Processo Civil, na redacção então vigente, ocorrido em 05/11/2012, afigura-se-nos que é por referência ao regime à data então vigente que dever-se-á apreciar acerca da invocada existência de factos conclusivos considerados provados.
É este, aliás, o entendimento adoptado no douto Acórdão do STJ de 09/09/2014 [39], ao defender que “referindo-se o acórdão recorrido à forma como foi elaborada e respondida a base instrutória e sendo a sentença de 1.ª instância e a decisão quanto à matéria de facto de data anterior à da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, não se aplica, para determinar a validade ou invalidade do procedimento do tribunal da 1.ª instância, a nova lei processual, mas a lei vigente à data da prática do acto, portanto, a versão do Código de Processo Civil proveniente da redacção do DL n.º 303/2007, de 31 de Agosto”.
E, se é certo que a sentença apelada data de 02/09/2013 - dia imediato ao da entrada em vigor do vigente Código de Processo Civil -, a decisão acerca da matéria de facto é de data antecedente, sendo esta, e não aquela, a matriz fundamental da apreciação da aludida validade ou invalidade do procedimento adoptado pelo Tribunal a quo.
Donde se conclui que a aferição acerca da forma como foi respondida a base instrutória deverá ter por base a antecedente redacção do Cód. de Processo Civil, nomeadamente a decorrente das alterações implementadas pelo DL nº. 303/2007, de 31/08.
Urgindo, assim, considerar o então estatuído no nº. 1, do artº. 511º, referenciando-se que “o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”, acrescentando-se no nº. 2, do artº. 659. que, na elaboração da sentença, deve “o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Referencia-se, ainda, no nº. 4, do artº. 646º, onde se prescrevia deverem-se ter por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Assente tal enquadramento, vejamos.
O já referenciado Acórdão do STJ de 06/09/2014 reconhecia constituir “a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual” (sublinhado nosso).
E, aludindo à diferença entre matéria de facto e matéria de direito e factos conclusivos versus juízos de facto, na aferição da possibilidade do tribunal da 1ª instância poder introduzir na matéria de facto juízos de valor ou expressões conclusivas, e da possibilidade da Relação poder eliminar tais expressões da matéria de facto fixada pela 1ª instância, começa por diferenciar, no campo doutrinário, os dois conceitos em equação.
Assim:
- No entendimento pugnado por Alberto dos Reis [40], “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei” ;
- Segundo Karl Larenz [41], “a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica” ;
- No apelo ao defendido por Castanheira Neves [42], “existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos” ;
- Citando o mesmo Autor [43], acrescenta que urge partir “da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos” ;
- Aduz, ainda, que “a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos”, afirmando o mesmo Ilustre Mestre que “tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória” [44] ;
- Para Teixeira de Sousa [45], “a selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica” ;
- Defendendo Abrantes Geraldes [46] deverem “ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem” ;
- Por fim, citando Lebre de Freitas [47], e convocando o entendimento doutrinário e jurisprudencial, “as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”.
Conclui, então, o mesmo douto aresto que:
- se na resposta a determinado quesito “houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda” ;
- consequentemente, “devem ser eliminadas da matéria de facto, quer a matéria de direito, quer a conclusão de facto ou expressões conclusivas que traduzam juízos de valor e que excedam a resposta de facto” ;
- situando-se os juízos ou conclusões de facto “numa zona intermédia entre os puros factos e as questões de direito e encontram-se incluídos na legislação como parte integrante da hipótese legal de numerosas normas jurídicas, podendo nuns casos aproximarem-se mais de uma questão de facto e noutros de uma questão de direito” ;
- citando Acórdão do mesmo Alto Tribunal [48], aduz que “a linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta. A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica” ;
- donde, “o que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito”.
Por fim, sintetiza o entendimento perfilhado considerando que “a natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, nos termos do art. 646.º, n.º 4 do CPC. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” (sublinhado nosso).
Atento o exposto, dever-se-á então dar por assente que:
1. da matéria de facto deve ser sempre eliminada a matéria de direito, bem como as conclusões de facto ou expressões conclusivas que impliquem ou traduzam juízos de valor ;
2. os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia ou campo intermédio entre os puros factos e as questões ou matéria de direito, encontrando-se incluídos na legislação como parte integrante ou constituinte da hipótese legal de várias normas jurídicas ;
3. tais juízos ou conclusões de facto numas situações aproximam-se mais de uma verdadeira questão de facto, enquanto que noutros a proximidade é com uma questão de direito ;
4. assim, aquilo que é matéria de facto ou matéria de direito não é estanque ou fixo, mas antes volátil,  dependendo dos termos em que a lide controvertida se apresenta ou modela ;
5. donde, o mesmo juízo ou conclusão de facto pode ser, numa situação facto ou juízo de facto e, noutra, juízo de direito ;
6. devendo apenas terem-se como proibidos os juízos de facto conclusivos que impliquem e apreciem determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica ;
7. caso em que tal juízo de facto conclusivo contém em si a resposta a uma questão de direito, ou seja, possui um sentido normativo ;
8. o que determina que o mesmo deva ser considerado como não escrito, nos quadros do nº. 4, do artº. 646º, do Cód. de Processo Civil (redacção então vigente) ;
9. na situação em que o juízo de facto conclusivo traduza juízo de valor sobre a ocorrência da vida real, apenas deve ser eliminado, por raciocínio analógico relativamente a questão de direito, quando traduza ou implique uma resposta antecipada à questão de direito em controvérsia no caso concreto.  
Relativamente à mesma matéria, mas já no âmbito da vigência do presente Código de Processo Civil, referencia-se no douto e recente aresto do STJ de 14/07/2021 [49], ser admissível que a Relação, em sede recursória, possa eliminar factos genuinamente conclusivos.
No que, confessadamente, não se vai tão longe quanto a posição aí citada de Miguel Teixeira de Sousa [50], na qual se referencia que “enquanto no CPC/1961 se selecionavam, no modo interrogativo (primeiro no questionário e depois da base instrutória), factos carecidos de prova, hoje enunciam-se, no modo afirmativo, temas da prova (cf. art. 596.º CPC). Tal como estes temas não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra (…)
A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. Por exemplo: se o tribunal disser que a parte atuou com dolo, porque, de acordo com o depoimento de várias testemunhas, ficou provado que essa parte gizou um plano para enganar a parte contrária, não se percebe por que motivo isso há-de afetar a prova deste plano ardiloso (nem também por que razão a qualificação do plano como ardiloso há-de afetar a sua prova). O exemplo acabado de referir também permite contrariar uma ideia comum, mas incorreta: a de que factos juridicamente qualificados não podem constituir objeto de prova. A ideia é, efetivamente, incorreta, porque cabe perguntar como é que sem a prova do dolo (através dos respetivos factos probatórios) se pode aplicar, por exemplo, o disposto no art. 483.º, n.º 1, CC quanto à responsabilidade por facto ilícito. É claro que o preceito só pode ser aplicado se, no caso de o dolo ser um facto controvertido, houver prova desse facto. Assim, também ao contrário do entendimento comum, há que concluir que o tema da prova não é mais do que o enunciado do objeto da prova. A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto”.
Em corroboração do entendimento adoptado, cita douto aresto do mesmo STJ de 13/11/2007 [51], no qual se defende tornar-se patente “que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo “[de juízos como não escritos. Conforme já pusemos em relevo noutra ocasião (Ac. de 7.4.05, proferido na Revª 186/05, subscrito pelos mesmos juízes deste), não pode perder‑se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar‑se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”.
Considera, assim, ser mister verificar “se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa”, entendendo como claramente excessivo o entendimento adoptado que considera como facto conclusivo “todo o facto que é genérico, insuficientemente alegado ou “tendencioso””, em vez de considerar apenas com tal natureza aquele que se atem “apenas a conclusões jurídicas que determinariam a solução do caso”.
Pelo que, citando Helena Cabrita [52], considera como conclusivos os factos “que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta[53].
Referencie-se, ainda, o defendido no douto Acórdão do mesmo STJ de 13/10/2020 [54], no qual se menciona estar em causa apreciar acerca da eliminação de determinados pontos “dos factos provados por consubstanciarem apenas juízos conclusivos, ou seja, cumpre saber se a referida matéria reflecte, indevidamente, uma valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”.
Explicita que, citando aresto do mesmo Tribunal datado de 28/09/2017 [55], “na medida em que, por imperativo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do actual Código de Processo Civil, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos”.
Por fim, no que concerne à matéria em equação, referenciou-se em Acórdão desta Relação e Secção de 03/12/2020 [56] que, estando-se perante facto conclusivo, importa aferir acerca da validade ou relevância das conclusões ou proposições de direito na pronúncia de facto.
Escreveu-se que “com a abolição em definitivo da intervenção do tribunal coletivo no julgamento de facto em primeira instância, operada pelo CPC de 2013, cessou o modelo da cisão entre as fases da pronúncia de facto e da prolação da sentença.
E assim desapareceu a norma do artigo 664.º, n.º 4, do CPC, que  previa que se considerasse não escrita a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto”.
Seguidamente, indaga-se se o legislador terá “pretendido acabar com a distinção entre questão de facto e questão de direito, pretensamente necessária ao silogismo judiciário?
Neste cenário, Ana Luísa Geraldes, em declaração de voto de vencida emitida a este respeito no acórdão do STJ de 28.1.2016 (p. 1715/12.6TTPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt» procura despertar o pensamento para a necessidade de se «adaptar o discurso judiciário ao novo contexto legal
Fazendo a referida adaptação, o vício pode até ser irrelevante, se o juiz não se servir da proposição de direito para desenvolver a sua fundamentação silogística.
Se, diferentemente, o julgador tiver fundado o esquema lógico da decisão de direito na proposição exorbitante, a sinalização do vício assume relevo.
Paulo Ramos de Faria abordou de forma incisiva esta problemática, sob o título «Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto)», Revista Julgar On line, novembro de 2017, in http://julgar.pt/escrito-ou-nao-escrito-eis-a-questao/.
Escreveu, em jeito de resposta, que:
«A clareza e o rigor do discurso jurídico são essenciais à redação de qualquer decisão eficaz, devendo caracterizar todos os seus momentos. A adoção de um discurso judiciário caduco é geradora de equívocos.
Respondendo à questão que nos ocupa, concluímos dizendo que é manifestamente errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto. Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis, inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas.»”.
Aqui chegados, apliquemos os ensinamentos supra expostos ao caso concreto.
Relembremos entenderem os Recorrentes Impugnantes que constituem conclusões as partes sublinhadas dos seguintes pontos da base instrutória provada, que passaremos a apreciar individualmente:
- Com o referido na alínea I), o réu M……. deu a entender que a autora boicotou um suposto rendimento a favor da associação humanitária de doentes com cancro [resposta ao ponto 5. da BI] – corresponde ao facto provado 49.:
Na enunciada alínea I) consta o seguinte:
“Na página 17 do mesmo jornal, e exibindo de novo a foto da capa, os réus referem que a autora avançou com uma providência cautelar para travar a publicação do livro mas que este apoia a associação humanitária de doentes com cancro e que é um livro exemplar; para ilustrar o que consideram um livro exemplar, os réus afirmam “O livro é exemplar: conta como Maria venceu com determinação a batalha contra o cancro da mama – e omite os factos da vida privada e íntima que só à actriz dizem respeito” [alínea I) dos factos assentes] – corresponde ao facto provado 9..
O pedido indemnizatório deduzido pela Autor, em sede de danos não patrimoniais, também tem por lastro o que alegadamente constou no jornal relativamente á providência cautelar instaurada pela Autora de forma a travar a publicação do livro.
Ora, o teor do alegadamente referenciado pelos Réus já consta da referenciada alínea I) dos factos assentes (facto provado 9.), reportando-se a resposta ao ponto 5. da base instrutória a alegada intencionalidade ou entendimento procurado transmitir pelo Réu M……. com a publicação de tal notícia.
Todavia, tal suposto entendimento deve ser conclusão que o Tribunal poderá eventualmente retirar do conteúdo factual daquela notícia, sendo o narrar de tal entendimento, por si só, susceptível de traduzir juízo de valor sob tal ocorrência, capaz de antecipar o aludido quadro causador dos reclamados danos não patrimoniais alegadamente sofridos pela Autora.
Donde, deve tal facto considerar-se como não escrito, o que se decide.
- O réu M……., ao referir que o livro é exemplar e que não contém factos sobre a vida privada da autora – o que não é verdade -, levou o público a pensar que a autora vetou a sua publicação por mero capricho [resposta ao ponto 6. da BI] – corresponde ao facto provado 50..
O pedido indemnizatório reclamado pela Autora, para além de assentar na aduzida violação da sua privacidade, assim afectando os seus direitos de personalidade – direito à reserva da sua vida privada -, também se funda na alegada falsidade de alguns dos factos relatados – cf., artigos 26º, 28º e 79º da petição inicial. E isto, apesar de se reconhecer como evidente que a causa de pedir nuclear ou principal não é tanto a da falta de rigor ou do detalhe no narrado, mas antes a aludida violação do seu direito à reserva da vida privada.
Pelo que, desde logo, o considerar-se como verdadeiro/não verdadeiro que o livro contém factos sob a vida privada da Autora tem clara natureza conclusiva, atinente á questão de direito em equação e, como tal, possuindo um sentido normativo.
Por outro lado, à semelhança do que referenciámos supra, o que o teor da notícia publicada pelo Réu M……., acerca do livro, é susceptível de levar o público a pensar acerca do comportamento da autora ao instaurar a aludida providência cautelar, deverá ser conclusão a retirar pelo Tribunal a propósito daquele conteúdo factual, sendo certo que, também neste segmento, o narrar daquela intencionalidade ou do efeito sob o público, é igualmente susceptível de traduzir juízo de valor sob tal ocorrência, susceptível de antecipar resposta à questão de direito em controvérsia, ou seja, a concreta afectação danosa da personalidade da Autora.
O que determina que, relativamente ao ponto ora em equação, dever-se-ão considerar como não escritas as expressões “o que não é verdade” e “levou o público a pensar que a autora vetou a sua publicação por mero capricho.
Passando, após reformulação, tal facto a figurar com a seguinte redacção:
“O réu M……. referenciou que o livro é exemplar e que não contém factos sobre a vida privada da autora [resposta ao ponto 6. da BI]”.
- Desde o dia 7 até ao dia 16 de Abril de 2009, a autora viveu em sobressalto com a possibilidade da publicação do livro e a exposição de factos falsos sobre a sua vida perante o público em geral; e, mesmo que fossem totalmente verdadeiros, a autora não concordaria com essa exposição [resposta ao ponto 19. da BI] – corresponde ao facto provado 63..
Tal ponto da matéria de facto considerada provada não possui qualquer juízo conclusivo, antes se limitando a narrar que, no indicado período, a Autora viveu em sobressalto com indicada possibilidade de publicação do livro e narração/exposição de factos falsos sobre a sua vida, acrescentando que, ainda que verdadeiros fossem, a Autora não daria o seu acordo a tal exposição.
Não afirma ou conclui, nomeadamente e em nenhum momento, pela falsidade de tais factos, não constando tal qualificação do núcleo factual em equação.
Donde, tal facto deverá manter-se nos seus precisos termos.
- A autora sempre quis evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico [resposta ao ponto 23. da BI] – corresponde ao facto provado 67..
Os juízos de facto ora expostos, ainda que possuindo alguma natureza conclusiva, não possuem qualquer sentido normativo, isto é, não convocam, por si só, a apreciação do consignado à luz de qualquer norma jurídica pertinente á controvérsia em equação no caso concreto. Traduz, tão-somente, um determinado juízo acerca daquele pedaço da vida real da Autora, por referência á doença de que padeceu.
Donde, deverá tal facto manter-se na elencagem provada nos seus precisos termos.
- Quando os réus decidiram, unilateralmente, publicar um livro cujo título é “V…….” e cujos primeiros capítulos são dedicados à doença da autora, lembraram a esta a sua doença [resposta ao ponto 25. da BI] – corresponde ao facto provado 68..
Também o presente ponto factual dado como provado não possui susceptibilidade de ser entendido com qualquer sentido normativo, nem antecipa, por si só, qualquer conclusão ou resposta à questão de direito em controvérsia.
Donde, apesar da sua redacção conclusiva, traduz ou enuncia apenas um trecho da vida real e, como tal, deve manter-se na elencagem provada.
- A capa do livro, com uma foto da autora e uma suposta frase desta, na primeira pessoa, “V…….”, induziria o público a pensar que o livro era o relato na primeira pessoa sobre a sua doença [resposta ao ponto 26. da BI] – corresponde ao facto provado 69..
A circunstância da capa do livro conter uma foto da Autora e suposta frase da mesma, na primeira pessoa, poder induzir o público, nos termos expostos, será conclusão a ser retirada pelo Tribunal do teor daquelas capa e frase, sendo claramente conclusivo o juízo de facto constante do enunciado ponto, no que concerne ao citado segundo segmento.
Por outro lado, tal juízo de facto conclusivo, no sentido em que a Autora alega não corresponder á verdade o próprio título e fundar a indemnização reparatória nas alegadas falsidades factuais, possui um sentido normativo evidente, pois, na alegação da indução sobre o público e radicando o pedido indemnizatório também nessa desconformidade, tal resposta poderia antecipar resposta á questão de direito em controvérsia ou seja, sobre a possibilidade de desconformidade entre o teor da capa e os efeitos sob o público alvo.
O que determina que, relativamente ao ponto ora em equação, dever-se-á considerar como não escrita a expressão “induziria o público a pensar que o livro era o relato na primeira pessoa sobre a sua doença.
Passando, após reformulação, tal facto a figurar com a seguinte redacção:
“A capa do livro contém uma foto da autora e uma suposta frase desta, na primeira pessoa, “V…….” [resposta ao ponto 26. da BI]”.
- O livro iria ser vendido em conjunto com o jornal, isto é, apesar de parte dos rendimentos do livro serem para uma associação humanitária, o restante e o lucro auferido com a venda do jornal seria para a ré P……. [resposta ao ponto 27. da BI] – corresponde ao facto provado 70..
Também o presente ponto factual dado como provado, apesar da sua conclusiva redacção, não possui susceptibilidade de ser entendido com qualquer sentido normativo, nem antecipa, por si só, qualquer conclusão ou resposta à questão de direito em controvérsia.
Por outro lado, contrariamente ao referenciado pelos Impugnantes, a utilização da expressão lucro, na presente situação, não é dotada de qualquer sentido normativo ou jurídico, pois não se configura in casu como questão controversa, a fazer parte do núcleo da questão de direito decidenda, e sua eventual existência ou configuração, antes traduzindo uma ocorrência da vida real, nomeadamente com sentido ou natureza económica.
Pelo que, o presente facto deverá manter-se, nos seus precisos termos, na elencagem factual provada.
III) Das DEMAIS CONCLUSÕES CONSIDERADAS “PROVADAS” PELO TRIBUNAL que DEVEM SER CONSIDERADAS “NÃO ESCRITAS”
Referenciam os Apelantes existirem, ainda, um conjunto de quesitos, e respectivas respostas, que pelo facto do Tribunal se ter limitado a copiar a matéria vertida na petição inicial, a resposta conferida “não está adequada ao objecto em litígio, contendo ainda afirmações que em muito extravasam a questão da simples resposta «provado» ou «não provado» e que como tal, também estas devem ser consideradas «não escritas» (…)”.
Após enunciar a factualidade em equação, referencia que “em parte alguma do quesito número 14 ou sequer no livro objecto dos presentes autos, se disse que a Recorrida tinha dito que tinha sentido os pensos.
Não está em causa o «dizer que sentiu» mas apenas o «ter sentido»”.
Acrescenta, assim, ser “manifesto que nesta parte a resposta vai para além do que estava quesitado e como tal deve ser considerado «não escrito»”.
Relativamente á demais factualidade, considera ser “manifesto que a matéria em causa não pode ser quesitada pois está em causa um «romance» bibliográfico e uma obra que pela sua própria natureza, não visa constituir um relato fiel do que na realidade aconteceu, mas uma versão plausível dos factos com base em informações prestadas pela própria”.
Na resposta, a Apelada contradiz tal pretensão, não só alegando não alcançar o sentido de tal entendimento, como ainda enunciando ser perfeitamente identificável, em qualquer um dos pontos, qual o facto provado.
Apreciando:
Os quesitos e factos dados como provados em equação são os seguintes:
“Maria estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama.”, pág. 9 do livro - a autora nunca recebeu tal aviso [resposta ao ponto 9. da BI]  - corresponde ao facto provado 53. ;
“Ao final da tarde, quando dava de mamar pela primeira vez à bebé, o simbolismo do momento transforma-se em sobressalto: Maria descobre um nódulo que a deixa seriamente preocupada”, pág. 15 - a descoberta do nódulo não foi assim [resposta ao ponto 10. da BI] - corresponde ao facto provado 54. ;
“Uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira à noite, Maria, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica” – págs. 16 e 17; a autora não estava roída de inquietação e impaciência [resposta ao ponto 11. da BI] - corresponde ao facto provado 55. ;
“A medicina pouco ou nada podia fazer pelo seu caso – disseram-lhe. Maria estava condenada à morte. Era uma questão de tempo. A cirurgia e os tratamentos complementares, como a quimioterapia e a radioterapia apenas podiam adiar o desfecho final.” – pág. 17 - nenhum médico disse isto à autora [resposta ao ponto 12. da BI] - corresponde ao facto provado 56. ;
“Quando acordou da operação, tinha a seu lado os pais, o marido e o cirurgião”, pág. 23 do livro - os pais da autora não estavam presentes [resposta ao ponto 13. da BI] - corresponde ao facto provado 57. ;
“A primeira que fez foi levar a mão ao peito. Sentiu o volume dos pensos. “Correu bem?” – perguntou Maria ao médico. Ele respondeu-lhe que sim. Não fora preciso amputar a mama.”- pág. 23 - a autora não disse nunca que sentiu o volume dos pensos [resposta ao ponto 14. da BI] - corresponde ao facto provado 58..
Tais quesitos correspondem ao alegado nos artigos 29º a 34º da petição inicial, e traduzem trechos do livro em equação, onde se relatam factos que a Autora considera não corresponderem à verdade.
Referenciámos supra que o pedido indemnizatório reclamado pela Autora, para além de assentar na aduzida violação da sua privacidade, assim afectando os seus direitos de personalidade – direito à reserva da sua vida privada -, também se funda na alegada falsidade de alguns dos factos relatados – cf., artigos 26º, 28º e 79º da petição inicial. E isto, apesar de se reconhecer como evidente que a causa de pedir nuclear ou principal não é tanto a da falta de rigor ou do detalhe no narrado, mas antes a aludida violação do seu direito à reserva da vida privada.
E, acrescentou-se que “o considerar-se como verdadeiro/não verdadeiro que o livro contém factos sob a vida privada da Autora tem clara natureza conclusiva, atinente á questão de direito em equação e, como tal, possuindo um sentido normativo”.
Todavia, in casu, deparamo-nos com trechos precisos do livro, estando-se mais perante uma invocada, e por vezes provada, falta de rigor na descrição de um detalhe do ocorrido, do que propriamente na negação da própria ocorrência do núcleo factual constante do livro. Exemplificativamente, quando se referencia no ponto 13º da base instrutória que a Autora “quando acordou da operação, tinha a seu lado os pais, o marido e o cirurgião”, o que a Autora nega é a presença dos seus pais, e não propriamente que os demais tivessem igualmente presentes, ou que ninguém estivesse presente quando acordou.
Ora, independentemente da relevância/irrelevância da prova de tais pontos quesitados, que tem o seu lugar próprio de aferição aquando da apreciação do espaço de liberdade criativa do autor de uma obra biográfica, parece evidente estarmos perante matéria tradutora de juízos conclusivos, nomeadamente nos segmentos finais dos pontos dados como provados.
Todavia, tais juízos de factuais conclusivos, ainda que traduzindo ou formulando juízos de valor sob a fiabilidade do relatado no livro, no que concerne aos enunciados detalhes, não possuem a virtualidade de anteciparem qualquer resposta quanto à questão de direito controvertida, centrada nuclear e fundamentalmente na violação do direito da Autora á reserva da sua vida privada, nem possuem a capacidade, pela reduzida dimensão das inconformidades ou não correspondências invocadas, de justificar, por si só, um potencial dano ressarcível em sede não patrimonial.
Donde decorre, necessariamente, não lograrmos corroborar o pretendido juízo da sua eliminação ou consideração de tais juízos factuais conclusivos como não escritos, que assim se manterão nos seus precisos termos.
No demais, urge, ainda, referenciar o seguinte:
- no que concerne ao alegado ponto 14. da base instrutória, correspondente ao facto provado 58., a sua redacção corresponde ao efectivamente alegado pela Autora no artº. 34º da petição inicial, a qual transitou para a base instrutória.
Donde a relevância ou irrelevância de ter-se provado que “a Autora não disse nunca que sentiu o volume dos pensos”, quando o que consta escrito é que “sentiu o volume dos pensos” e não que “disse que sentiu o volume dos pensos”, é questão que se aferirá noutra sede, que não a presente, na qual se cuida apenas acerca da alegada natureza conclusiva de tal facto.
- por outro lado, também não é na presente sede que se aferirá acerca da relevância, ou falta dela, do teor da matéria em equação, e alegadas desconformidades consideradas provadas, nomeadamente por natureza ao livro em apreciação, e declarada pretensão de não visar “constituir um relato fiel do que na realidade aconteceu, mas uma versão plausível dos factos com base em informações prestadas pela própria”.
Matéria que terá o seu lugar próprio de apreciação infra, e não na apreciação da natureza factual conclusiva de tais pontos quesitados e sua eventual tradução normativa ou valência, por si só, para traduzir ou implicar resposta antecipada á questão controversa em apreciação.
IV) Da FACTUALIDADE QUE DEVE SER CONSIDERADA “NÃO PROVADA”
São três os pontos factuais que os Impugnantes entendem dever ser considerados como não provados, nomeadamente os pontos 1º, 9º e 11º da base instrutória, correspondentes aos factos provados 45., 53. e 55..
Tal factualidade tem a seguinte redacção:
45. No dia 6 de Abril de 2009, S……., representante artística da autora, recebeu uma chamada telefónica do réu M…….; este identificou-se, disse que era do jornal “Correio da Manhã” e que no dia 16 de Abril de 2009 iria ser publicado e distribuído junto com o referido jornal um livro sobre a vida da autora e que a receita da venda reverteria a favor da União dos Doentes com Cancro e pretendia saber se a autora queria que a receita revertesse para outras instituições [resposta ao ponto 1. da BI].
53. Maria estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama.”, pág. 9 do livro - a autora nunca recebeu tal aviso [resposta ao ponto 9. da BI].
55. “Uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira à noite, Maria, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica” – págs. 16 e 17; a autora não estava roída de inquietação e impaciência [resposta ao ponto 11. da BI].
Relativamente ao ponto 1. da base instrutória – com correspondência no facto provado 45. -, referenciam que o depoimento da testemunha arrolada pela Autora S….. impõe decisão oposta, ou seja, a sua não prova, transcrevendo dois trechos de tal depoimento.
No que concerne ao ponto 9. – correspondente ao facto provado 53. -, entendem existir total falta de fundamentação por parte do Tribunal para ter considerado tal facto como provado, pois “não fundamentou os meios de prova concretos em que baseou a resposta ao referido quesito”.
Por outro lado, a prova constante dos autos sempre determinaria que o Tribunal a quo devesse ter considerado tal facto como não provado e, consequentemente, “decidir no sentido de que a Recorrida recebera o aviso relatado na biografia «não autorizada»”.
Nomeadamente, o que decorre do teor do doc. nº. 22 junto com a oposição à providência cautelar, que se traduz em entrevista dada pela Recorrida à Revista Publica que, não tendo sido impugnado, imporia a resposta de “não provado” a tal facto.
Relativamente ao ponto 11. – correspondente ao facto provado 55. -, consideram existir igualmente total falta de fundamentação por parte do Tribunal para considerar tal facto provado, pois a apresentada “é totalmente isenta de qualquer justificação no que diz respeito a essa matéria”.
Ademais, no aludido documento nº. 22 junto com a oposição ao procedimento cautelar – a aludida entrevista à Revista Pública -, a Autora/Recorrida “afirma exactamente o oposto” ao considerado pelo Tribunal recorrido.
No despacho proferido relativamente ao julgamento da matéria de facto controvertida, condensada na base instrutória elaborada – cf., artº. 653º, do Cód. de Processo Civil, na redacção então vigente -,  o Tribunal a quo não fundamentou os concretos meios de prova ponderados por referência a cada um dos quesitos, limitando-se a resumir os vários depoimentos prestados e efectuar uma alusão geral à prova documental junta.
Procedimento que, reconheça-se, para além de incumpridor das exigências contidas no nº. 2 daquele normativo, dificulta a percepção dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do julgador, bem como a sindicância a efectuar na presente sede.
Ainda assim, na fundamentação apresentada, e com relevância para o conhecimento da factualidade ora questionada, apenas vislumbramos os seguintes trechos:
A convicção do tribunal fundamentou-se nos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de discussão da matéria de facto e ainda nos documentos juntos aos autos.
A testemunha S……. é, desde 2005, agente da autora Maria, a quem apoia profissionalmente, para além de manter desde então uma relação estreita de amizade com a mesma autora. Foi esta testemunha a pessoa inicialmente contactada pelo réu M……., jornalista do jornal Correio da Manhã, conforme, aliás, consta dos factos dados como provados, tendo sido também a pessoa que informou a autora da manifestada intenção de publicação do livro mencionado nos autos. Face à aludida relação profissional e de amizade que mantinha com a autora, acompanhou esta ao longo do respectivo processo de tratamento da doença, designadamente visitou a autora no hospital, logo após a intervenção cirúrgica a que esta última foi submetida. Confirmou que entre a data de divulgação do comunicado à imprensa, que ocorreu em 28 de Abril de 2008, e a realização da conferência de imprensa de 11 de Novembro de 2008, a autora não deu qualquer entrevista, nomeadamente à revista “Caras”. Esta testemunha acompanhou de perto a autora no âmbito da sua oposição à publicação do livro referido nos autos, tendo presenciado as perturbações emocionais sofridas pela mesma.
(…..)
As testemunhas P……. e E……. são, respectivamente, marido e mãe da autora, tendo acompanhado esta última em todo o processo de tratamento da doença. Conformaram as perturbações emocionais sofridas pela autora em consequência da intenção de publicação do referido livro, tendo descrito pormenorizadamente os factos perguntados na base instrutória relacionados com a vivência da autora no período de doença e recuperação pós-operatório, com especial destaque para o marido da autora que prestou um depoimento convincente e isento de contradições. A mãe da autora esclareceu que esta última, que estava então de férias no Algarve, interrompeu imediatamente as férias e regressou a casa logo que lhe foi transmitida a notícia da iminente publicação do aludido livro.
(….)
Ponderou-se também o teor dos documentos juntos aos presentes autos e ainda aos autos de providência cautelar, com especial relevância para aqueles expressamente referidos nas respostas aos pontos controvertidos da base instrutória.
Ponderou-se igualmente o teor do prestado depoimento de parte”.
- no que concerne ao ponto 1. da base instrutória – com correspondência no facto provado 45.
Procedeu-se á audição do depoimento da testemunha S……., enunciada agente da Autora, ou prestadora de apoio profissional da mesma desde 2005 que, ao responder sob o identificado ponto 1. da base instrutória, declarou expressamente o que consta dos trechos transcritos.
Nomeadamente, que quando foi contactada telefonicamente pelo ora Réu M……., este não indicou que a receita reverteria a favor da indicada instituição, mas antes que pretendiam que parte do dinheiro da venda do livro, precisamente 50 cêntimos, seria doado a uma instituição, pretendendo saber se a Maria, ora Autora, tinha alguma preferência na instituição que receberia tal montante. Em acréscimo, referenciou, ainda, que o valor da venda não seria todo destinado a uma instituição e que não afirmou em tal contacto que seria a favor da União dos Doentes com Cancro, pretendendo antes saber se a Maria queria escolher a instituição beneficiária.
Ora, perante tal teor e inexistindo qualquer outro meio probatório indicado que corrobore o contrário, nomeadamente o teor do exarado na resposta conferida a tal ponto factual quesitado, urge proceder á sua alteração (no reconhecimento da sua prova parcial e objecto de esclarecimento), passando o mesmo a figurar com a seguinte redacção:
45. No dia 6 de Abril de 2009, S. Faria, representante artística da autora, recebeu uma chamada telefónica do réu M…….; este identificou-se, disse que era do jornal “Correio da Manhã” e que no dia 16 de Abril de 2009 iria ser publicado e distribuído junto com o referido jornal um livro sobre a vida da autora e que a receita da venda reverteria parcialmente a favor de uma instituição, pretendendo saber se a autora tinha alguma preferência, e pretendia escolher, a instituição beneficiária [resposta ao ponto 1. da BI].
- no que concerne ao ponto 9. da base instrutória – com correspondência no facto provado 53.
O presente ponto factual divide-se em dois segmentos: o primeiro, reproduz um trecho do livro em equação, constante de página 9, com o seguinte teor: “Maria estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama” ; no segundo, referencia-se que “a autora nunca recebeu tal aviso”, sendo este efectivamente o objecto de impugnação.
Conforme já resulta do supra exposto parece evidente, por um lado, não ter o Tribunal a quo fundamentado a resposta ao equacionado quesito de forma específica ou detalhado, indicando em concreto quais os meios probatórios que lhe permitiram dar como provado nunca ter a Autora recebido tal aviso, pois limitou-se a uma enunciação genérica já supra transcrita.
Por outro lado, da entrevista que a ora Autora deu à Revista Pública (edição de 16/11/2008) – cf., doc. nº. 22 junto com a oposição à providência cautelar, reproduzido como doc. nº. 3 junto com a contestação aos presentes autos -, quando lhe foi perguntado se seja tinha feito alguma mamografia, respondeu nos seguintes termos (fls. 16 de tal revista):
Já. Andava sempre em cima. Foi-me dito por um médico que mais tarde iria ter cancro da mama. Aos 40 anos, aos 50. Preferia transpor a experiência para daqui a 20 anos – daqui a 20 anos a medicina estará mais avançada, existirão medicamentos…..”.
Tal entrevista à Revista Pública surge incontestada, sendo referenciada em vários trechos, inclusive no ora em apreciação, nos factos provados 18. e 25. a 30..
Ora, atento o teor do declarado pela ora Autora naquela entrevista, parece resultar evidente não poder manter-se como provado que a Autora nunca tenha recebido tal aviso. Efectivamente, o que resulta estranho é que o Tribunal recorrido, perante a concludência do relatado pela Autora naquela entrevista, ainda assim, e sem o justificar minimamente, tenha dado como provado que a Autora nunca tenha recebido tal aviso.
Donde, devendo considerar-se não provado o aludido segundo segmento, o facto provado 53., correspondente à resposta ao ponto 9. da base instrutória, passará a figurar com a seguinte redacção:
53. Consta de pág. 9 do livro que «Maria estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama.»”[resposta ao ponto 9. da BI].
- no que concerne ao ponto 11. da base instrutória – com correspondência no facto provado 55.
Tal como o antecedente ponto factual, o presente também se divide em dois segmentos: num primeiro, relata-se um trecho do livro, constante de fls. 16 e 17, onde se referencia que “uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira á noite, Maria, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica” ; por sua vez, no segundo segmento, concretamente objecto de impugnação, consta que “a autora não estava roída de inquietação e impaciência”.
Igualmente como consignado no ponto factual antecedente, a prova deste facto, concretamente na parte efectivamente em controvérsia, não logrou merecer fundamentação detalhada ou precisa, o que tornou imperceptível qual o fundamenta ou argumentação encontrada pelo Tribunal recorrido no sentido de concluir que a Autora, no contexto descrito, não se encontrava no enunciado estado de inquietação e impaciência.
Todavia, também nesta situação, o teor da entrevista concedida pela Autora á mesma Revista Pública contradiz a prova exarada pelo Tribunal a quo.
Com efeito, após a realização da ecografia mamária e consequente biopsia, e tendo sido inquirida acerca do facto de nunca se estar preparado para uma notícia daquelas, a Autora mencionou que (fls. 12 de tal Revista):
Recebi o resultado por telefone, insisti imenso ; a minha inquietação era tal que não aguardei pelo resultado escrito. O P…… estava ao meu lado e percebi na cara dele que já sabia. Ele tinha tentado preparar-me, mas é sempre um choque. Acreditamos na resta de esperança”.
Posteriormente foi-lhe perguntado o seguinte:
Nessa semana de espera, quem estava a par ?
Respondeu a Autora:
O P……., os meus pais e eu. Soube isto numa segunda-feira à noite, e na terça de manhã ligou-me a S…… (amiga, presta-lhe apoio profissional). Eu estava devastada”.
Ora, atento o teor do relatado pela própria Autora, como concluir pela prova de que “não estava roída de inquietação e impaciência” ?
Não se entendendo, em idênticos termos, a resposta conferida, urge alterar a redacção do facto provado 55., correspondente à resposta conferida ao ponto 11. da base instrutória, que passará a figurar com a seguinte redacção:
55. Consta de pág. 16 e 17 do livro que «Uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira à noite, Maria, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica»”[resposta ao ponto 11. da BI].
V) Da FACTUALIDADE QUE DEVE SER CONSIDERADA “PROVADA”
Reclamam, ainda, os Recorrentes dever considerar-se provada a matéria constante dos pontos 36) e 37) da base instrutória, nomeadamente que:
36) Todos os factos constantes do referido livro foram retirados de entrevistas que a autora concedeu aos meios de comunicação social” ;
37) O livro não contém qualquer facto que não seja passível de ser retirado ou depreendido das entrevistas juntas aos presentes autos bem como daquelas que a autora foi dando ao longo da sua carreira”.
Defendem que todos os documentos juntos pelos Recorrentes apontam para uma resposta manifestamente diferente daquela que o Tribunal a quo deu aos presentes quesitos, aduzindo que o próprio Tribunal, em sede de decisão final proferida nos autos do procedimento cautelar, entendeu que “os fatos que a requerente pretende que não sejam publicados, foram divulgados por aquela, uns de forma directa, outros de forma indirecta, tendo todos sido trazidos para o domínio da opinião pública, que acompanhou a experiência traumática que aquela viveu” – cf., pág. 46 de tal decisão.
Referencia, então, as várias entrevistas dadas pela Autora, ou reportagens sobre esta, constantes, fundamentalmente nas revistas Visão (doc. nº. 7 junto com a p.i., reproduzido como doc. nº. 5 junto com a contestação), Pública (os já referenciados docs. nº. 22 junto com a oposição à providência cautelar, reproduzido como nº. 3 junto com a contestação) e Caras, donde é possível extrair manancial probatório suficiente para que tais pontos constantes da base instrutória devam ser considerados provados.
Na resposta apresentada, a Recorrida referencia não poder colher a pretensa resposta diferenciada aos pontos 36) e 37) com base nos aludidos documentos juntos com a contestação.
Apreciando:
Perante a pretensão de publicação do Livro e negando qualquer ilicitude na sua conduta, nomeadamente de afectação do invocado direito da Autora à reserva da sua vida privada, bem como à sua honra e consideração, o núcleo da oposição/contestação apresentada pelos Réus traduz-se na alegação de que a factualidade constante do livro foi retirada, ou teve por base, do teor das várias entrevistas ou reportagens, dadas e acerca da Autora, pela mesma concedidas e autorizadas. Ou seja, invocam os contestantes, ora Recorrentes, ter sido a Autora, enquanto figura pública, a abrir o espaço da sua reserva privada, nomeadamente no que concerne á doença de que foi alvo, tornando-a pública, transmitindo detalhes acerca da forma como a vivenciou, aludindo mesmo especificamente e detalhadamente acerca dos tratamentos a que foi sujeita, sensações percepcionadas, envolvimento dos familiares, sentimentos e angústias a que foi sujeita e relato das emoções, mesmo mais intimistas, que foi diariamente vivenciando.
Donde resulta, claramente, que o constante dos pontos da base instrutória ora equação traduzem efectivos juízos ou conclusões de facto susceptíveis de traduzir ou possuir um sentido normativo, pois, apesar de implicar a apreciação daqueles concretos acontecimentos, ou seja, daquela parcela da vida real, tal tem directos e imediatos efeitos sob a norma jurídica que exclui a potencial ilicitude presente na conduta dos Réus. Donde, a sua consideração e consignação no reclamado campo factual sempre implicaria resposta, por antecipação, à questão de direito supra exposta e evidenciada, ou seja, a existência ou não de circunstância obstativa à invocada violação do direito de personalidade da Autora, que constitui, in casu, a questão em controvérsia.
Efectivamente, apreciar se os factos constantes do livro foram ou não retirados das entrevistas concedidas pela Autora aos meios de comunicação social, e se o mesmo não contém qualquer factualidade que daí não possa ser retirada ou depreendida, é juízo que se retirará da análise da demais factualidade, nomeadamente por comparação do exarado no livro e teor das várias entrevistas e reportagens sobre a Autora constantes dos autos, e não propriamente factualidade que deva figurar na elencagem provada. E que, a concluir-se em sentido afirmativo, não deixará de ter reflexos no êxito da pretensão afirmada pela Autora.
Por todo o exposto, improcede a pretensão de considerar como provados o teor do plasmado nos pontos 36) e 37) da base instrutória (que, conforme referenciado, nem sequer deveriam ter aí figurado nos termos consignados).
*
Ainda no âmbito da impugnação da matéria de facto, referenciam os Recorrentes que dois pontos da base instrutória devem ser dados como provados, nomeadamente os identificados sob os nºs. 31) e 32), com a seguinte redacção:
31) O Réu desconhece o conteúdo dos artigos comercializados com o jornal que dirige” ;
32) O director do jornal não teve qualquer conhecimento prévio do teor do livro objecto dos presentes autos”.
Argumentam que o depoimento da testemunha E……. “está em manifesta oposição com o que foi decidido pelo Tribunal”, impondo decisão contrária, citando, para o efeito, um trecho de tal depoimento, o qual, conjugado com a reconhecida prova do facto 33) – que o livro não foi elaborado a pedido do Director e que este não teve qualquer influência na sua elaboração -, consideram ser suficiente “para o Tribunal da Relação, também aqui, alterar a resposta dada aos referidos pontos para «provado»”.
Na resposta apresentada, e ajuizando acerca da responsabilidade do Director do Jornal, aduz a Apelada que este não só não provou que não tinha conhecimento, como decorre, ainda, da matéria provada que o teve efectivamente, citando a alínea F) e G) dos factos assentes – correspondentes aos factos provados 6. e 7..
Donde, considera, tais factos não podem ter diferenciada resposta, nomeadamente com base no depoimento da testemunha E……., pois a concreta passagem do depoimento transcrita corresponde a “pergunta feita de modo genérico e a resposta é também ela vaga «em princípio», «não conheço uma única situação onde isso tenha acontecido»”.
Acrescenta, ainda, decorrer do depoimento da mesma testemunha, concretamente da passagem 22.01 a 23.27 m, que o Director só podia ter conhecimento, “porquanto a testemunha afirmou que o Director tem conhecimento das capas (primeira página) do jornal, e o livro aí foi publicitado”.
Apreciando:
No despacho proferido relativamente ao julgamento da matéria de facto, no que concerne á fundamentação para a não prova dos pontos factuais exarados sob os nºs. 31) e 32), fez-se constar o seguinte:
respondeu-se não provado, ou de forma restritiva, aos pontos (…) 27) a 32) (….) da Base Instrutória porque os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos não permitem concluir pela existência dos factos afirmados na redacção original daqueles pontos da BI”.
E, no que respeita ao depoimento prestado pela indicada testemunha E……., consignou-se o seguinte:
“(….) exerce as funções de director-adjunto do jornal Correio da Manhã, tendo esclarecido o relacionamento entre o departamento de marketing e a direcção do jornal, informando que é aquele departamento que escolhe os produtos, designadamente livros, que acompanham as tiragens do jornal, gozando este departamento de uma grande autonomia no seu funcionamento diário. Confirmou, no entanto, que antes da divulgação pública do livro sobre a autora, este foi objecto de conversa com o director do jornal, o réu O……, até porque já tinha sido intentada uma providência cautelar visando a sua proibição da sua distribuição ao público. Referiu, ainda, que todas as capas do jornal Correio da Manhã são vistas pelo réu O……., previamente à impressão e distribuição do jornal. Esta testemunha declarou não se lembrar de outro livro que tenha acompanhado a distribuição do jornal Correio da Manhã. Declarou ainda que o livro junto aos autos é uma biografia não autorizada embora tenha esclarecido que não leu tal livro”.
Verifica-se, assim, que, não tendo sido efectuado propriamente um juízo crítico acerca do declarado pela testemunha referenciada, nada nos permite concluir no sentido de tal depoimento não ter sido devidamente valorado e ponderado, antes resultando do exposto que o terá sido, nos termos declarados, ou seja, que a convicção do tribunal a quo, para além do mais, fundou-se “nos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de discussão da matéria de facto”.
Ora, a circunstância de se ter dado como provado que o livro não foi elaborado a pedido do Director do Jornal, nem este teve qualquer influência na sua elaboração – cf., resposta positiva dada ao ponto 33) da base instrutória, correspondente ao facto provado 73. -, bem como o facto da identificada testemunha, inquirida acerca do conhecimento, em termos exemplificativos, do mesmo Director, se as medalhinhas de Fátima distribuídas com o jornal possuem o desenho registado, se os DVD’s distribuídos são piratas ou, no caso de livros, o seu conteúdo pode ser divulgado, ter respondido que tal nunca acontece, “porque isso em princípio é homologado pelo departamento de Marketing”, não conhecendo “uma única situação onde isso tenha acontecido”, não implica ou determina, necessariamente,  que o mesmo Director desconheça o conteúdo dos artigos comercializados com o jornal que dirige e que não tenha tido, no caso concreto, prévio conhecimento do teor do livro objecto dos presentes autos.
Pelo que, não se descortina que o teor de tais declarações, nem o teor da matéria contida no facto provado 73., inculque, por si só e necessariamente, diferenciada resposta aos pontos da base instrutória ora questionados.
Por outro lado, a própria publicitação efectuada, quer na capa, quer no interior do jornal que dirige, inculca ou indicia conclusão contrária, ou seja, que apesar de não ter sido elaborado a seu pedido, nem ter tido qualquer influência na sua elaboração, alguma conhecimento prévio terá tido, ainda que eventualmente não integral, do livro em equação que, ademais, tinha como autores dois jornalistas do mesmo jornal, desempenhando um deles, inclusive, as funções de chefe de redacção.
Donde se conclui, concludentemente, pela manutenção de tais pontos da base instrutória na elencagem não provada, assim improcedendo a pretensão de passarem a figurar como factos provados.
VI) Dos EFEITOS da ADMISSIBILIDADE do DOCUMENTO SUPERVENIENTE SOBRE a FACTUALIDADE “PROVADA”
Considerando que os factos supervenientes devem escapar á preclusão fundada na violação da disciplina processual, pois esta perde o seu sentido “quando se fala de factos supervenientes, objectiva ou subjectivamente, no momento em que devem ser invocados”, e confrontando o teor do novo documento junto “com os fundamentos em que a Recorrida sustentou a alegada «ilicitude» da biografia não autorizada em causa nos autos”, entendem os Impugnantes dever ser apreciada parte da matéria de facto dada como provada, nomeadamente o teor dos factos considerados provados correspondentes aos quesitos 7), 9), 10), 11), 12), 14) e 23) – factos provados 51., 53. a 56., 58. e 67..
Prescreve o já transcrito nº. 1, do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, referente à modificabilidade da decisão de facto, dever a Relação “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhado nosso).
Tal normativo, possuía correspondência na antecedente alínea c), do nº. 1, do artº. 712º, do Cód. de Processo Civil (antecedente redacção), quer aludia á alteração da decisão do tribunal de 1ª instância acerca da matéria de facto quando o recorrente “documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”.
Referencia Abrantes Geraldes [57]não ser a fase de recurso “naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação daqueles que tenham sido anteriormente apresentados”, prevendo-se, todavia, algumas excepções quanto à produção da prova documental, nos limites enunciados no já transcrito nº. 1, do artº. 651º, do CPC.
Porém, acrescenta, “resolvida que seja a questão, situada a montante, da admissibilidade de junção de documentos, deve a Relação, a jusante, extrair deles as consequências, recolhendo para a decisão os respectivos factos” (sublinhado nosso).
Ora, conforme resulta supra, em sede de fixação da matéria de facto aprecianda, já elencámos vários factos fundados no documento superveniente cuja junção foi admitida, urgindo agora apreciar acerca dos eventuais efeitos de tal prova documental superveniente na demais matéria factual provada.
- no que concerne ao facto provado correspondente ao ponto 7) da base instrutória - facto provado 51.
Tal facto tem a seguinte redacção:
O próprio título do livro não corresponde à verdade, dado que a autora nunca afirmou “V……..”.
Consideram os Apelantes que o título do Livro revela factos que constam das entrevistas concedidas pela Autora aos diversos órgãos de comunicação social, sendo que aquela frase ou expressão mais não é do que “uma conclusão retirada das revelações que foram feitas pela Recorrida na entrevista que concedeu e não revela factos que se inscrevem no domínio da sua privacidade, em sentido estrito ou da sua intimidade”.
Acrescenta que “pese embora tal frase possa não ter sido ipsis verbis produzida pela Recorrida, o certo é que os livros têm títulos chamativos e em aberto para abrirem a curiosidade dos seus leitores”, sendo que a Autora, que é pessoa do conhecimento do público, suscita naturalmente atenções e curiosidades acerca de aspectos da sua vida pessoal, que vai sustentando dando entrevistas e prestando declarações e esclarecimentos relativos a aspectos da sua vida pessoal.
Desta forma, consideram, “embora o título do Livro não seja em parte uma transcrição das palavras da Recorrida nas entrevistas dadas e publicadas, mas apenas uma interpretação das mesmas, tal dizer, no contexto em que é feito, não integra uma inverdade”.
Inferindo-se, ainda, do livro posteriormente escrito pela Recorrida, no ano de 2013, expressões e declarações, cuja conclusão levaria necessariamente á ideia de “V…….”, pelo que este título deve considerar-se verdadeiro, assim se alterando a decisão proferida relativamente ao presente ponto da matéria factual.
Na resposta, entende a Apelada que a junção de tal novo documento não poderá conduzir a diferenciada resposta aos enunciados pontos factuais, pois da matéria em equação não faz parte a publicação ou o conteúdo do livro por aquele publicado.
Apreciando:
No presente contexto está apenas em apreciação se o teor do documento superveniente, cuja junção foi admitida, determina ou não a alteração dos enunciados pontos factuais dados como provados e, especificamente no que ora importa, a alteração do facto provado 51., correspondente à resposta conferida ao ponto 7) da base instrutória.
Analisado o teor de tal documento, não se constata ser pertinente a pretendida alteração.
Efectivamente, em nenhum lugar a Autora alude ao facto de ter vencido o cancro, seja em discurso directo, conforme é utilizado no título do Livro, seja em discurso indirecto, ou seja, que das expressões e explicitações linguísticas utilizadas seja possível extrair tal concludente consideração.
E isto, independentemente da liberdade que o autor de um livro possui para criar títulos mais ou menos chamativos, com intuitos comerciais ou mero chamariz ou aguçar da curiosidade do público destinatário, do que ora não se cuida.
Aliás, concludente de que o teor do novo documento não permite concluir em sentido diferenciado, é o que resulta, desde logo, do teor de fls. 241 do mesmo – facto provado 101. -, onde a Autora, apesar de aludir ter passado a acreditar em finais felizes, relata os cuidados permanentes que mantém, que a impedem de descansar, no acompanhamento, vigilância e monotorização da situação da sua doença.
Donde se conclui pela inalteração do facto provado 51., fruto da resposta conferida ao ponto 7) da base instrutória.
- no que concerne ao facto provado correspondente ao ponto 9) da base instrutória - facto provado 53.
Conforme resulta supra, na apreciação da impugnação ao presente ponto factual, já se decidiu considerar não provado o segmento onde se referenciava que “a Autora nunca recebeu tal aviso”, passando o mesmo a figurar com a seguinte redacção:
53. Consta de pág. 9 do livro que «Fernanda estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama.»”[resposta ao ponto 9. da BI].
Ora, na presente sede, era a manutenção daquele segmento que se questionava, na decorrência do teor de trechos consignados no documento superveniente, nomeadamente os referenciados nos factos provados 87. e 88..
Pelo que, determinada que foi tal alteração, coincidente com a ora requerida, a apreciação ora suscitada perde qualquer sentido útil, o que se decide e consigna.
- no que concerne ao facto provado correspondente ao ponto 10) da base instrutória - facto provado 54.
O presente ponto factual provado tem a seguinte redacção:
Ao final da tarde, quando dava de mamar pela primeira vez à bebé, o simbolismo do momento transforma-se em sobressalto: Maria descobre um nódulo que a deixa seriamente preocupada”, pág. 15 - a descoberta do nódulo não foi assim [resposta ao ponto 10. da BI]
Para fundamentar a pretendida alteração, transcrevem os Recorrentes trechos de fls. 19 a 21 do Livro em equação, nomeadamente os enunciados, ainda que parcialmente, nos factos provados 84. a 86..
E, aduzem que “tendo em consideração que foi no final do primeiro dia de amamentação da sua filha que a Recorrida sentiu pela primeira vez que tinha um nódulo, deve ser este o foque principal que o Tribunal deverá ter em consideração, relevando-se o demais e alterando-se a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida no quesito 10 da resposta á matéria de facto”.
Conhecendo:
Atento o teor do relatado pela Autora, na primeira pessoa, no Livro que constitui o documento superveniente em ponderação, parece irremediável que o presente ponto factual não pode manter-se com a redacção dada como provada.
Com efeito, o quadro factual pela mesma descrito nas aludidas fls. 19 a 21 do Livro (ora reproduzido nos factos provados 84. a 86.) permite concluir que a descoberta do nódulo ocorreu nos termos descritos, salvaguardada que seja a forma mais ou menos enfática ou mais ou menos rebuscada do texto utilizado, bem como o estilo de linguagem, mais ou menos estilizado, adoptado.
Efectivamente, foi a Autora que o descobriu, quando estava em casa, numa altura em que dava de mamar e num circunstancialismo em que a filha tinha nascido cinco horas antes.
Impondo-se, assim, a alteração de tal ponto da matéria de facto provada, limitado ao segundo segmento em que se refere que “a descoberta do nódulo não foi assim”, passando o facto provado 54., correspondente à resposta ao ponto 10) da base instrutória, a figurar com a seguinte redacção:
1. Consta de pág. 15 do livro que «ao final da tarde, quando dava de mamar pela primeira vez à bebé, o simbolismo do momento transforma-se em sobressalto: Maria descobre um nódulo que a deixa seriamente preocupada.»”[resposta ao ponto 10. da BI].
- no que concerne ao facto provado correspondente ao ponto 11) da base instrutória - facto provado 55.
Conforme resulta supra, na apreciação da impugnação ao presente ponto factual, já se decidiu igualmente considerar não provado o segmento onde se referenciava que “a Autora não estava roída de inquietação e impaciência”, passando o mesmo a figurar com a seguinte redacção:
55. Consta de pág. 16 e 17 do livro que «Uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira à noite, Maria, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica»”[resposta ao ponto 11. da BI].
Ora, na presente sede, questionava-se a perduração/manutenção daquele segmento, em consequência do teor de trechos consignados no documento superveniente, nomeadamente os referenciados a páginas 37, 40 e 65 – correspondentes aos factos provados 90., 91. e 94..
Pelo que, também no que concerne ao presente ponto factual, determinada que foi tal alteração, coincidente com a ora requerida, a apreciação ora suscitada perde qualquer sentido útil, o que se decide e consigna.
- no que concerne ao facto provado correspondente ao ponto 12) da base instrutória - facto provado 56.
O presente ponto factual provado tem a seguinte redacção:
“A medicina pouco ou nada podia fazer pelo seu caso – disseram-lhe. Maria estava condenada à morte. Era uma questão de tempo. A cirurgia e os tratamentos complementares, como a quimioterapia e a radioterapia apenas podiam adiar o desfecho final.” – pág. 17 - nenhum médico disse isto à autora [resposta ao ponto 12. da BI]
Citando várias páginas do Livro escrito pela Autora, que constitui o documento superveniente, aduzem os Recorrentes não se poder olvidar que o cancro que foi diagnosticado à Recorrida “era de grau III e que pela experiência médica e de situações semelhantes, a probabilidade de a Recorrida poder não superar a doença existia e era real”.
Donde, entendem não poder considerar-se “como não provado que tenham dito à Recorrida que poderia não sobreviver e que a morte seria uma hipótese que tinha que considerar”, assim se devendo alterar a resposta á matéria de facto em equação.
Conhecendo:
Ao afirmar que o panorama que lhe foi apresentado, por uma das médicas que consultou, era “muito, muito negro” e “mais negro do que tudo aquilo para que se tinha preparado”, e que posteriormente, após recorrer a outro médico, o panorama da vida “passou de preto a cinzento”, traduz, inelutavelmente, uma ideia de gravidade do quadro e diagnóstico efectuado, certamente capaz, de forma natural e compreensível, de ter levado a Autora a pensar na possibilidade da doença contraída poder ser fatal.
Todavia, tal quadro, apesar da sua concludente e de reconhecida gravidade, não é, contudo, equivalente a uma situação em que a medicina pouco ou nada pode fazer, em que a Autora estivesse condenada á morte, sendo uma questão de tempo e que os tratamentos complementares, tais como a quimioterapia e a radioterapia apenas podiam adiar o desfecho final.
Pelo que, o facto provado de que aquelas afirmações não foram ditas à Autora por qualquer médico não logra ser contraditado pelo conteúdo do documento superveniente, assim determinando que o facto provado 56., correspondente à resposta ao ponto 12) da base instrutória, deva manter a sua redacção.
- no que concerne ao facto provado correspondente ao ponto 14) da base instrutória - facto provado 58.
Tem a seguinte redacção o presente ponto factual provado:
A primeira coisa que fez foi levar a mão ao peito. Sentiu o volume dos pensos. “Correu bem?” – perguntou Maria ao médico. Ele respondeu-lhe que sim. Não fora preciso amputar a mama.”- pág. 23 - a autora não disse nunca que sentiu o volume dos pensos [resposta ao ponto 14. da BI].
Referenciam os Apelantes o constante do facto 100. provado, donde consta um trecho do livro escrito pela Autora em 2013, onde se referencia, entre o mais, que:
Pouco mais de uma hora depois, regressava ao quarto, com um penso enorme sobre a mama direita. Ou o que restava dela, se é que restava alguma coisa. Não sabia.
(…)
O médico foi o primeiro a parecer ao pé de mim.
- Correu bem ?
- Correu muito bem”.
Acrescentam que naturalmente a Recorrida, ao sair da operação, teria necessariamente que sentir “um penso enorme sobre a mama direita”, o que acontece normalmente naquele tipo de operações, pelo que “ao sair de uma operação e deixando de se sentir anestesiada a Recorrida sentiria o «peso» do penso que cobria a mama direita, tal como sentiria o «peso» da intervenção e o «peso» do que estava a viver”.
Ora, a Autora, no livro que escreveu, ao referenciar “penso enorme” remete não só para a sua dimensão mas também para aspectos relacionados com o “peso” e incómodo que sentia, pelo que admitir que a Autora “nunca tenha sentido o peso dos pensos seria faltar á verdade, o que não se pode conceder, pelo que não poderá considerar-se como não provado que «a Autora nunca sentiu o peso dos pensos»”, assim se devendo alterar a resposta à matéria factual vertida no ponto 14) da base instrutória.
Apreciando:
No trecho transcrito do livro não está em causa uma qualquer afirmação da Autora no sentido de nunca ter sentido o volume dos pensos, mas antes o ter sentido o volume dos pensos, pelo que a negação daquele relato deve ter-se por referência ao ter ou não sentido o volume dos pensos, e não o ter afirmado que sentiu o volume dos pensos.
Ora, ao ter relatado, como o fez, o acto de regresso ao quarto após a operação, aludindo ao penso enorme sobre a mama direita, é lógico e necessariamente consequente que não pode ter deixado de sentir o volume dos pensos.
O que, por si só, determina efectiva alteração de tal ponto da matéria de facto provada, limitado ao segundo segmento em que se refere que “a autora não disse nunca que sentiu o volume dos pensos”, com o esclarecimento supra exarado, passando o facto provado 58., correspondente à resposta ao ponto 14) da base instrutória, a figurar com a seguinte redacção:
“58. Consta de pág. 23 do livro que «a primeira coisa que fez foi levar a mão ao peito. Sentiu o volume dos pensos. “Correu bem?” – perguntou Maria ao médico. Ele respondeu-lhe que sim. Não fora preciso amputar a mama»” [resposta ao ponto 14. da BI].
- no que concerne ao facto provado correspondente ao ponto 23) da base instrutória - facto provado 67.
O presente facto traduz-se com o seguinte texto:
A autora sempre quis evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico [resposta ao ponto 23. da BI]”.
A citação feito do documento superveniente junto reporta-se a pág. 109 do Livro (e não a pág. 80, conforme consta por lapso no corpo alegacional), correspondente ao facto provado 98.
Referencia-se aí que:
“(….) o meu caso serviu para alertar muitas pessoas que, como eu, também se julgavam um bocadinho mais do que simples mortais. Se calhar fiz com que algumas se policiassem, ficassem mais alerta, fossem fazer exames. Na minha família todas as mulheres foram.
Há quem ache que nunca nada de mal acontece a quem trabalha na televisão. Que a vida dos famosos é só glamour, coisas boas. Acredito que a minha experiência possa ter servido para uma tomada de consciência: «Se acontece àquela, espera lá, então pode acontecer a todos.»
Ao contrário de outras pessoas conhecidas que decidem não divulgar que têm problemas, eu sempre achei que por um lado nunca iria conseguir esconder eternamente, e por outro, que a minha história haveria de servir para alguém.
Aqui está ela”.
Decidindo:
O teor do aduzido em nada questiona que a Autora sempre tenha pretendido evitar especulações sobre a sua doença, pois, contrariamente, antes o reforça e reafirma, não sendo assim compreensível qual a concreta alteração pretendida e o respectivo fundamento que a sustente.
Determinando, sem outras delongas, a manutenção do facto provado 67., correspondente à resposta conferida ao ponto 23) da base instrutória.
Assim, e em resumo, são as seguintes as alterações introduzidas à elencagem factual provada:
- consideração como não escrito do facto provado 49. – correspondente ao ponto 5) da base instrutória ;
- alteração de redacção dos factos provados 45., 50., 53., 54., 55., 58. e 69. – correspondentes às respostas aos pontos 1), 6), 9), 10), 11), 14) e 26) da base instrutória.
3 – DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO
A) Do enunciado geral
Na presente sede, tendo em atenção o delimitado objecto recursório, são os seguintes os fundamentos/argumentos em apreciação:
- Da circunstância de estarmos perante uma obra literária, e não perante um artigo jornalístico, havendo necessidade de proceder à distinção do que constitui conteúdo jornalístico, daquilo que constitui uma biografia autónoma e desenquadrada da Lei da Imprensa ;
- Da consideração das biografias “não autorizadas” como extensão do direito constitucional da liberdade de criação cultural e expressão e da violação dos artigos 37º e 42º da Constituição da República Portuguesa e artº. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ; da violação da doutrina do Tribunal Europeu (a decisão do caso “The Observer e Guardian Nempapaers, LTD v. Reino Unido) ;
- Da responsabilidade da Editora P……., nos termos do artº. 500º, do Cód. Civil ;
- Da responsabilidade do Director do Jornal pela publicação do Livro que acompanha o jornal ;
- Da publicação, no jornal, do “anúncio” e artigo referente ao Livro ;
- Da alegada ilicitude do título do Livro e consequente ilicitude na sua divulgação ;
- Da falta de preenchimento dos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual ;
- Da actuação dos Réus em sintonia com a decisão proferida na providência cautelar ;
- Da não pertença dos excertos em causa à esfera da “privacidade” ;
- Dos alegados danos sofridos pela Autora, ora Recorrida.             Referenciamos, desde já, que a apreciação da totalidade dos enunciados itens poderá configurar-se com natureza eventual, que não obrigatória, atenta a noção de prejudicialidade inscrita no nº. 2 do artº. 608º do Cód. de Processo Civil, ou seja, o conhecimento de algum dos argumentos ou fundamentos, e solução conferida, poderá prejudicar, por inutilidade ou desnecessidade, o conhecimento dos demais.
Vejamos, em primeiro lugar, de que forma se configurou a sentença recorrida, os temas pela mesma tratados e quais as soluções configuradas para a controvérsia jurídica suscitada pelas partes.
A sentença começou por enunciar as questões analisandas, elencando-as nos seguintes termos:
1. a ilegitimidade dos Réus P……., e O……. ;
2. o pedido de proibição de publicação do Livro junto como doc. nº. 2 junto com a oposição ao procedimento cautelar ;
3. a responsabilidade civil, e consequente obrigação de indemnizar, imputada aos Réus:
- P……. ;
- O……. ;
- M……. ;
- J……. ;
4. a invocada “ilegalidade” do pedido de condenação dos Réus “(….) a não publicarem quaisquer factos sobre a vida privada da Autora” ;
5. a litigância de má fé e consequentes pedidos de indemnização e imposição de multa á Autora.
Apreciando as questões com relevo para a presente fase recursória, entendeu-se, em súmula, o seguinte:
Relativamente à ilicitude da conduta dos Réus M……. e J…….:
- da articulação da factualidade provada, dados normativos e citada jurisprudência, considera-se que os Réus M……. e J……. praticaram um acto ilícito e culposo, ameaçando a vida privada da Autora com  a pretendida ilegal publicação de um escrito, que pretendia ser uma espécie de relato, na primeira pessoa, do período de doença e subsequentes tratamentos da Autora ;
- sendo tais Réus jornalistas, não se vislumbra qualquer espécie de interesse público atendível, susceptível de ser prosseguido com aquele escrito e respectiva publicação ;
- tal escrito, para além de relatar factos da vida privada da Autora, conhecendo os Réus a oposição desta á publicação, contém factos que não correram ou não ocorreram da forma que é relatada ;
- do comportamento da Autora não se pode concluir que esta, implicitamente, abdicou inteiramente da reserva da sua vida privada, violando tal entendimento os normativos constitucionais e legais.
Relativamente à situação jurídica do escrito (na consideração das qualidades jurídicas e mesmo profissionais dos Réus):
- a venda do Livro ou de qualquer outro produto com o jornal Correio da Manhã constitui uma opção de marketing, do departamento de marketing da Ré P……., constituindo a comercialização de produtos com o jornal uma área de negócio autónoma, que não se confunde com o produto que é o jornal ;
- considerando o enquadramento jurídico efectuado no âmbito do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, o escrito em equação revela-se, juridicamente, como obra feita em colaboração entre os Réus M……. e J……..
Relativamente à responsabilidade dos demais Réus:
- os Réus M……. e J……. não elaboraram o respectivo escrito na qualidade estrita de empregados da Ré P……., pelo que não se pode falar em relação de comissão, com as inerentes consequências jurídicas ;
- todavia, atenta a estreita ligação daqueles jornalistas com o jornal Correio da Manhã, pertença da Ré P……., sendo inclusive o Réu M…….  chefe de redacção daquele, cabia à Ré P……. certificar-se da legalidade da publicação que lhe foi solicitada ;
- e, aqui, já pode falar-se em relação de comissão, respondendo a Ré sociedade pelo ilícito cometido, pelo menos negligentemente, pelos seus empregados ;
- relativamente ao Réu O……., director do jornal Correio da Manhã, incumbia-lhe provar que se opôs á distribuição do referido escrito, juntamente com o jornal Correio da Manhã ;
- não logrando efectuar tal prova, é responsável, daí se reafirmando, igualmente, a responsabilidade da Ré sociedade P……., atento o vínculo laboral existente entre aquele e esta ;
- a responsabilidade entre os vários Réus é solidária, nos termos inscritos no nº. 1, do artº. 497º, do Cód. Civil, determinando a sua condenação, a título de danos não patrimoniais, no pagamento do montante de 25.000,00 €.
Efectuando a devida condensação, impõe-se, fundamentalmente, aferir:
- Por um lado, acerca da responsabilidade dos demandados Réus:
1. quer no que concerne á publicação e distribuição do Livro que constitui o doc. nº. 2, junto com o procedimento cautelar ;
2. quer no que concerne à sua civil responsabilização pela produção de danos não patrimoniais na titularidade da Autora ;
- por outro, fixada tal responsabilidade, determinar o quantum indemnizatório/reparatório pertinente ao ressarcimento de tais danos.
B) Da legislação ponderável
No âmbito da Constituição da República Portuguesa, urge ponderar, fundamentalmente no que coincerne ao capítulo referente aos direitos, liberdades e garantias pessoais, no essencial, os seguintes normativos:
- o nº. 1, do artº. 25º, que referencia ser inviolável “a integriddae moral e física das pessoas” ;
- o nº. 1, do artº. 26º, aí se prescrevendo ser a todos “reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação” (sublinhado nosso) ;
- no âmbito da liberdade de expressão e informação, o prescrito nos nºs. 1, 2 e 4 do artº. 37º, onde se referencia que:
“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
(….)
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (sublinhado nosso) ;
- acerca da liberdade de imprensa e meios de comunicação social, o referenciado no artº. 38º, nºs. 1 e 2, alín. a), mencionando-se que:
“1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional” (sublinhado nosso) ;
- no âmbito da liberdade de criação cultural, o enunciado o artº. 42º, nºs. 1 e 2., onde se estatui que:
“1. É livre a criação intelectual, artística e científica.
2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor” ;
- por fim, ocorrendo conflitos entre os direitos enunciados, como princípio geral dos direitos e deveres fundamentais, impõe o nº. 2, do artº. 18º que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (sublinhado nosso).
No âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cumpre ponderar as seguintes normas:
- o artº. 8º, nºs. 1 e 2, prevendo acerca do direito ao respeito pela vida privada e familiar, estatuindo que:
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros” (sublinhado nosso) ;
- o artº. 10º, prevendo a propósito da liberdade de expressão, enuncia que:
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial” (sublinhado nosso).
Relativamente à Declaração Universal dos Direitos Humanos., dispõem os seguintes normativos:
- o artº. 12º, referenciando que “ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei” (sublinhado nosso) ;
- o artº. 19º, prescrevendo-se que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão” (sublinhado nosso) ;
- os nºs. 1 e 2 do artº. 29º, enunciando-se que “o indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2. No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática”.
Dispõe o artº. 1º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [58] que “a dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida” ;
- Dispõe o artº. 7º, sobre o respeito pela vida privada e familiar que “todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações” ;
- por sua vez, o nº. 1 do artº. 11º, sobre a Liberdade de expressão e de informação, referencia que “qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras” (sublinhado nosso).
Prosseguindo o nosso périplo pela legislação potencialmente aplicável, devemos ainda ponderar o estatuído na Lei da Imprensa [59], começando por garantir o artº. 1º, acerca da garantia de liberdade de imprensa, que:
“1 - É garantida a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei.
2 - A liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
3 - O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.
- relativamente ao conteúdo de tal liberdade, aduzem as alíneas a) e c), do nº. 1, do artº. 2º, que:
1 - A liberdade de imprensa implica:
a) O reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas, nomeadamente os referidos no artigo 22.º da presente lei;
(………)
c) O direito de livre impressão e circulação de publicações, sem que alguém a isso se possa opor por quaisquer meios não previstos na lei.
- enuncia o artº. 9º, relativamente à definição de imprensa, que:
“1 - Integram o conceito de imprensa, para efeitos da presente lei, todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado.
2 - Excluem-se boletins de empresa, relatórios, estatísticas, listagens, catálogos, mapas, desdobráveis publicitários, cartazes, folhas volantes, programas, anúncios, avisos, impressos oficiais e os correntemente utilizados nas relações sociais e comerciais” ;
- no que concerne ao papel de director, referenciam os artigos 19º, nº. 1 e 20º, nº. 1, alín. a), que “as publicações periódicas devem ter um director”, ao qual compete “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação” ;
- relativamente aos direitos dos jornalistas, prescreve a alínea a), do artº. 22º constituírem “direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na Constituição e no Estatuto do Jornalista:
a) A liberdade de expressão e de criação (sublinhado nosso) ;
- por fim prevendo acerca da responsabilidade civil, enuncia o artº. 29º que:
“1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais.
2 - No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado (sublinhado nosso).
Em ponderação surge, ainda, o Estatuto dos Jornalistas [60], cuja definição inscreve-se no nº. 1. do artº. 1º como “aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão” ;
- os seus direitos fundamentais encontram-se inscritos no artº. 6º, entre os quais :
“a) A liberdade de expressão e de criação;
b) A liberdade de acesso às fontes de informação;
c) A garantia de sigilo profissional;
d) A garantia de independência” (sublinhado nosso),
acrescentando o artº. 7º, acerca da liberdade de expressão e criação, que “a liberdade de expressão e criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações nem subordinada a qualquer tipo ou forma de censura” ;
- prevê o artº. 7º-A, nºs. 1 e 2, acerca da liberdade de criação e direito de autor, prescrevendo considerarem-se “obras, protegidas nos termos previstos no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e na presente lei, as criações intelectuais dos jornalistas por qualquer modo exteriorizadas, designadamente os artigos, entrevistas ou reportagens que não se limitem à divulgação de notícias do dia ou ao relato de acontecimentos diversos com o carácter de simples informações e que traduzam a sua capacidade individual de composição e expressão.
2 - Os jornalistas têm o direito de assinar, ou de fazer identificar com o respectivo nome profissional, registado na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, as obras da sua autoria ou em que tenham tido participação, bem como o direito de reivindicar a qualquer tempo a sua paternidade, designadamente para efeitos do reconhecimento do respectivo direito de autor (sublinhado nosso) ;
- relativamente aos deveres dos jornalistas, com ênfase para o caso sub júdice, enunciam as alíneas a) e c) , do nº. 1, h), do nº. 2, do artº. 14º, constituir “dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:
a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;
(…)
c) Recusar funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional”.
Bem como “preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas – a alínea h) (sublinhado nosso).
Estando em causa um Livro, enquanto criação de natureza intelectual, urge ponderar, ainda, o estatuído no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos [61](CDADC), o qual referencia:
- nos artigos 11º e 12º que “o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário” e é “reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade” ;
- dispõe o artº. 14º, relativamente à determinação da titularidade em casos excepcionais, que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 174.º, a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda ou por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional quer de contrato de trabalho, determina-se de harmonia com o que tiver sido convencionado.
2 - Na falta de convenção, presume-se que a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por conta de outrem pertence ao seu criador intelectual.
3 - A circunstância de o nome do criador da obra não vir mencionado nesta ou não figurar no local destinado para o efeito segundo o uso universal constitui presunção de que o direito de autor fica a pertencer à entidade por conta de quem a obra é feita” ;
- prescreve o artº. 16º, nº. 1, alíneas a) e b), acerca da noção de obra feita em colaboração e de obra colectiva, que:
“1 - A obra que for criação de uma pluralidade de pessoas denomina-se:
a) Obra feita em colaboração, quando divulgada ou publicada em nome dos colaboradores ou de algum deles, quer possam discriminar-se quer não os contributos individuais;
b) Obra colectiva, quando organizada por iniciativa de entidade singular ou colectiva e divulgada ou publicada em seu nome” (sublinhado nosso) ;
- prevendo acerca da paternidade da obra, aduzem os nºs. 1 e 2, do artº. 27º que:
“1 - Salvo disposição em contrário, autor é o criador intelectual da obra.
2 - Presume-se autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público” ;
- procedendo à definição de contrato de edição, aduz o artº. 83º considerar-se de edição “o contrato pelo qual o autor concede a outrem, nas condições nele estipuladas ou previstas na lei, autorização para produzir por conta própria um número determinado de exemplares de uma obra ou conjunto de obras, assumindo a outra parte a obrigação de os distribuir e vender” ;
- por fim, prevendo acerca de trabalhos jornalísticos por conta de outrem, enuncia o artº. 174º que:
“1 - O direito de autor sobre trabalho jornalístico produzido em cumprimento de um contrato de trabalho que comporte identificação de autoria, por assinatura ou outro meio, pertence ao autor.
2 - Salvo autorização da empresa proprietária do jornal ou publicação congénere, o autor não pode publicar em separado o trabalho referido no número anterior antes de decorridos três meses sobre a data em que tiver sido posta a circular a publicação em que haja sido inserido.
3 - Tratando-se de trabalho publicado em série, o prazo referido no número anterior tem início na data da distribuição do número da publicação em que tiver sido inserido o último trabalho da série.
4 - Se os trabalhos referidos não estiverem assinados ou não contiverem identificação do autor, o direito de autor sobre os mesmos será atribuído à empresa a que pertencer o jornal ou a publicação em que tiverem sido inseridos, e só com autorização desta poderão ser publicados em separado por aqueles que os escreveram”.
Por fim, enunciemos as normas da legislação civil substantiva (Código Civil) com pertinência para a análise do caso concreto, devendo-se ter fundamentalmente em consideração:
- a tutela geral da personalidade, inscrita no artº. 70º, ao referenciar-se que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida” ;
- a tutela do direito à imagem, prevista no artº. 79º, ao prescrever-se que:
“1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada” (sublinhado nosso) ;
- o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, inscrito no artº. 80º, no qual se inscreve que “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, sendo a extensão da reserva “definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas (sublinhado nosso) ;
- quanto à responsabilidade civil das pessoas colectivas, aduz o artº. 165º que “as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários” ;
- prevendo acerca da tutela e colisão de direitos, prescreve o artº. 335º que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”. E que “se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior” (sublinhado nosso) ;
- no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana, e prevendo acerca da ofensa do crédito ou do bom nome, estatui o artº. 484º que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados” (sublinhado nosso) ;
- uma das formas de responsabilidade objectiva ou pelo risco, inscrita no artº. 500º, a propósito da responsabilidade do comitente, prescreve que:
“1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada”.
Por fim, no enquadramento a efectuar acerca da responsabilidade civil imputada, impõe-se ainda considerar os artigos 483º - princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana -, 497º - acerca da responsabilidade solidária – e 487º - prevendo acerca do ónus de culpa a onerar a posição do lesado.
C) Da obra em equação
Considerando que o título em questão se trata de uma biografia não autorizada, em que estão em causa factos inócuos e “pormenores romanceados de factos tornados públicos pela própria Recorrida”, entendem os Apelantes que tal tema encontra-se constitucionalmente protegido, “tanto pela Liberdade de Expressão como pela Liberdade de Criação Cultural, ambos os Direitos salvaguardados pela Constituição da República Portuguesa”.
Reconhecendo que tais Direitos não possuem conteúdo ilimitado pois, contendo inverdades, “passíveis de ofender o bom-nome ou reputação dos biografados” podem originar responsabilidade civil, acrescentam que os factos que a Autora “invocou como fundamento da ilicitude da biografia não autorizada, não são verdadeiras inverdades, mas apenas podem ser consideradas meras imprecisões”, não estando em causa propriamente o relato de factos, mas antes a interpretação que os Autores da biografia fizeram sobre tais factos, muitos deles relatados pela própria Autora.
Aduzem, ainda, estarmos “no campo da obra literária e não da peça jornalística”, sendo assim manifestamente distintos os critérios sobre os seus limites, urgindo, assim, distinguir o que constitui conteúdo jornalístico daquilo que constitui uma biografia, autónoma e desenquadrada da Lei da Imprensa.
Deste modo, não estavam em causa factos sobre a intimidade da Autora, pois esta sempre defendeu que não eram verdadeiros, o que sempre impediria que a sentença devesse ter apreciado a questão no âmbito da privacidade ou da violação da intimidade daquela.
Por outro lado, todos os factos relatados no livro tinham sido revelados, de forma directa ou indirecta, pela mesma Autora, pelo que não poderiam ser considerados privados, pois eram do conhecimento público.
Acrescentam, igualmente, admitir a lei “ao autor biográfico que romantize, idealize e imagine como é que um facto que é do conhecimento público terá ocorrido”, sendo que “a proximidade entre o contexto relatado na biografia com a realidade, apenas serve de filtro para distinguir as boas das más biografias, mas não poderá servir como critério para aferir da ilicitude do escrito”.
Pelo que, “punir com responsabilidade civil as imprecisões de uma biografia é algo que nunca foi visto, nomeadamente quando, dos referidos pontos não resulta qualquer lesão ao bom-nome ou reputação da Recorrida, nem qualquer violação da sua privacidade, pois tratavam-se de factos públicos”.
Desta forma, citando doutrina, acrescentam que como é sabido,"...são lícitos os resumos biográficos e as próprias biografias de pessoas da história contemporânea, feitos a partir de documentos de acesso público, de declarações públicas do biografado e das pessoas que com ele privaram ou contraditaram, de factos ocorridos publicamente e mesmo de acontecimentos e de circunstâncias privadas".
Donde resulta que a decisão recorrida, “para além de constituir uma violação aos mais elementares Princípios Constitucionais de Liberdade de Criação Cultural e Liberdade de Informação, colide com a própria proibição de censura quando proíbe que uma obra literária seja difundida ou aplica indemnizações decorrentes da prática de um fato que é manifestamente lícito, estando por isso em oposição com os artigos 37º (Liberdade de expressão e informação) e 42º (Liberdade de criação cultural), ambos da Constituição da República Portuguesa”, merecendo ainda tutela por parte do artº. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Na resposta apresentada, referencia a Recorrida que conforme consta do decisório da sentença, “o livro objecto dos presentes autos é aquele que foi junto como Doc 2, no requerimento da Providência Cautelar (PC) ou seja, aquele cuja publicação assim se apresentou à recorrida e que de ora em diante se designará por LIVRO, do qual não consta a menção “biografia não autorizada””.
Acrescenta que, deste modo, qualquer homem médio seria “forçosamente levado a concluir que o LIVRO se trataria de um relato na primeira pessoa da Maria, no qual, relataria a sua vitória sobre o cancro. E não é. O LIVRO é a materialização suprema da especulação da doença da recorrida, ou seja um acto do qual os recorrentes retirariam vantagens através de um engano”.
Aduz, igualmente, que os Apelantes “fazem crer que o livro em discussão é aquele ao qual foi aposto na capa a menção “biografia não autorizada” o que fazem ao longo das suas alegações, afirmando mesmo, na página 124 das mesmas: “Mais, contrariamente ao que o Tribunal “a quo” entendeu, é impossível que o público em geral pense que a autora tenha autorizado a publicação do livro ou que o mesmo se trata de uma biografia autorizada já que, da capa do mesmo consta a indicação expressa de que se trata de uma “biografia não autorizada” (documento nº 30 junto com a contestação), sofisma de que lançam mão ao longo das suas alegações”.
Vejamos:
No âmbito do presente enquadramento jurídico, e tendo em consideração as matérias equacionadas como fundamento recursório, previamente á ponderação da eventual responsabilidade de cada um dos demandados Réus, ora Apelantes (Editora e concomitantemente proprietária do jornal, Director do Jornal e Autores do Livro), urge efectivamente aferir acerca da eventual prática de conduta que deva considerar-se ilícita, culposa (efectiva ou presuntivamente), causadora de danos e que ocorra nexo causal entre tal conduta e o dano, ou seja, aferir, na conduta daqueles, acerca do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana. Com ressalva, no que concerne à Ré Editora P…….., da sua eventual responsabilização igualmente em sede objectiva ou pelo risco, nos quadros do artº. 500º do Cód. Civil, fruto da sua posição de comitente, relativamente aos actos alegadamente culposos praticados pelos comissários (Director do jornal e Autores do Livro, enquanto jornalistas do mesmo jornal, propriedade de tal Ré).
Um segundo elemento a considerar prende-se com o facto do Livro em equação tratar-se efectivamente de uma obra literária, e não de um artigo jornalístico, urgindo, deste modo, efectuar a devida destrinça entre o que constitui conteúdo jornalístico e o que constitui uma concreta obra biográfica, com autonomia.
E, afigura-se-nos, não seria pelo facto do mesmo Livro vir a ser distribuído juntamente com o jornal (e, ainda assim sem obrigatoriedade, pois podia ser adquirido separado do jornal – cf., facto 79.), mediante o pagamento de um valor suplementar, que tal destrinça deva ter-se por desprezível, mitigada ou mesmo inócua, nomeadamente no que concerne ao seu eventual enquadramento legislativo (exemplificativamente, no que concerne à sua abrangência relativamente a algumas das normas da Lei da Imprensa).
Enunciadas tais questões prévias, avancemos então para o devido enquadramento jurídico, tendo em atenção o vasto manancial factício provado, ora cimentado com a ponderação do documento superveniente admitido.
D) Da tutela geral da personalidade e dos direitos em equação
Decorre da tutela geral da personalidade inscrita no artº. 70º, do Cód. Civil, constituírem-se os direitos de personalidade como “direitos subjectivos absolutos, que têm por fim tutelar a integridade física e moral do indivíduo, impondo a todos os componentes da Sociedade o dever negativo de se absterem de praticar actos que ofendam a personalidade alheia” [62].
A partir de tal cláusula geral, quer doutrinária, quer jurisprudencialmente, um sector passou a admitir “a existência de um direito geral de personalidade”, enquanto que outro apenas veio a reconhecer “direitos especiais de personalidade”, sustentando “o carácter não taxativo dos mesmos”.
Concretizando tal dualidade, referencia Rabindranath V. A. Capelo de Sousa [63] que enquanto Pires de Lima e Antunes Varela [64] “desentranham do art. 70º do Código Civil um número não taxativo de direitos especiais de personalidade, considerando, nomeadamente, aí tutelados a vida, a integridade física, a liberdade, a honra, o bom nome, a saúde e o repouso”, Orlando de Carvalho [65], “no âmbito mais vasto da matriz do direito geral de personalidade, considera também aí incluídos, com relativa autonomia, v.g., os bens especiais da vida, da integridade física, das partes destacáveis do corpo humano, da liberdade, da honra, da imagem, da palavra escrita e falada, do carácter pessoal, da história pessoal, da intimidade pessoal, da identificação pessoal, da verdade pessoal e da criação pessoal”.
Aplaudindo tal amplidão dos bens de personalidade protegidos, referencia o mesmo Autor que a “personalidade física ou moral” tutelada em tal normativo “está considerada globalmente e é abrangida no seu carácter unitário, multifacetado, dinâmico e individualizado. Pelo que são protegidos tanto os elementos físicos agrupados na ideia do homo phoenomenon como as componentes espirituais ou morais decorrentes da racionalidade e da liberdade reflectidas na concepção do homo noumenon. Do mesmo modo, a nossa lei civil tutela em cada homem, quer a sua humanidade ou repositório dos caracteres comuns a todos os homens, quer a sua individualidade ou complexo dos caracteres próprios de cada homem, que lhe atribuem originalidade e irrepetibilidade, quer ainda a sua pessoalidade ou dimensão pessoalizada da sua existência em relação com os demais indivíduos humanos e, até, com certas coisas”.
Ora, in casu, no que concerne à posição da Autora, ora Apelada, está fundamentalmente em equação o seu direito à reserva quanto à intimidade da vida privada e familiar, com extensibilidade no que concerne ao seu direito à imagem.
Em contraponto, no que respeita à posição dos demandados Réus, indaga-se fundamentalmente acerca do seu direito á liberdade de expressão e liberdade de criação intelectual.
Direitos que, conforme já supra expusemos, merecem reconhecimento e consagração constitucionais, para além da tutela reconhecida nos vários instrumentos legislativos internacionais enunciados, aos quais a República Portuguesa deve obediência, apresentando-se, por vezes, como potencialmente, e mesmo concretamente conflituantes, a obrigar a um exercício de aplicabilidade de princípios de compatibilização, proporcionalidade, adequação e necessidade.
Em consonância com tal necessidade de compatibilização, e ínsita ou pressuposto a qualquer operação nesse sentido, surge, de forma inquestionável, a necessidade de proceder á tutela da dignidade da pessoa humana, “elevada a valor fundamental que confere sentido e unidade às disposições constitucionais, e, em particular, às relativas aos direitos fundamentais”, configurando-se, ainda, como “elemento integrante da ordem pública (interna e internacional) do Estado Português”.
E, dessa garantia da dignidade humana decorre, desde logo, “como verdadeiro imperativo axiológico de toda a ordem jurídica, o reconhecimento da personalidade jurídica de todos os seres humanos, acompanhado da previsão de instrumentos jurídicos (nomeadamente direitos subjectivos) destinados à defesa das refracções essenciais da personalidade humana, bem como a necessidade de protecção desses direitos por parte do Estado” [66].
E) Dos direitos à reserva quanto á intimidade da vida privada e familiar e á imagem
Relativamente aos enunciados direitos de personalidade, está essencialmente em equação, no que concerne à positivação normativa (já supra transcrita), os artigos 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa, 8º, nº. 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e artigos 1º e 7º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Bem como, no âmbito da nossa lei civilística comum – Código Civil -, o enunciado no artº. 79º, no respeitante ao direito à imagem, artº. 80º, relativamente ao direito à reserva sobre a intimidade da vida privada e o artº. 81º, que prevê acerca da limitação voluntária dos direitos de personalidade, donde decorre a sua nulidade “se for contrária aos princípios da ordem pública”, e a sua permanente revogabilidade, quando estamos perante uma limitação voluntária e legal. Na tutela da personalidade moral enunciada no aludido artº. 70º do Cód. Civil, “é juscivilisticamente protegido o bem da reserva (resguardo e sigilo) do ser particular e da vida privada de cada indivíduo”, pois, “a dignidade da natureza de cada homem, enquanto sujeito pensante dotado de liberdade e capaz de responsabilidade, outorga-lhe autonomia não apenas física mas também moral, particularmente, na condução da sua vida, na auto-atribuição de fins a si mesmo, na eleição, criação e assunção da sua escala de valores, na prática dos seus actos, na reavaliação dos mesmos e na recondução do seu comportamento”.
Tal determina que cada homem deva possuir “uma esfera privada onde possa recolher-se («right to be alone»), pensar-se a si mesmo, avaliar a sua conduta, retemperar as suas forças e superar as suas fraquezas, esfera essa que os demais sob pena de ilicitude não devem violar, v. g., intrometendo-se nela e instrumentalizando ou divulgando os elementos que a compõem”.Tal tutela da esfera privada possui, assim, um “âmbito geral”, pois, “e para além da amplitude com que é consagrado no art. 80º do C. Civ. um direito de guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, aquele âmbito geral decorre directa e mais extensamente da natureza da personalidade moral do homem geralmente tutelada no art. 70º, nº. 1, do C. Civ. Na verdade, a reserva juscivilisticamente tutelada abrange não só o respeito da intimidade da vida privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual e inclusivamente os respectivos acontecimentos e trajectórias, mas ainda o respeito de outras camadas intermédias e periféricas da vida privada (…)”, no sentido de poder inclusive aludir-se a um direito geral de reserva [67], do qual surgem como manifestações, para além da aludida reserva sobre a intimidade da vida privada, o direito á imagem inscrito no artº. 79º (para além do próprio direito ao segredo equacionado nos artigos 75º a 78º, do mesmo diploma). Entre tais camadas periféricas e intermédias, incluem-se “a própria reserva sobre a individualidade privada do homem no seu ser para si mesmo, v. g., sobre o seu direito a estar só e sobre os caracteres de acesso privado do seu corpo, da sua saúde (….)” (sublinhado nosso).   Efectivamente, a “saúde de uma pessoa, como resulta desde logo do sigilo médico de que é objecto (….), faz incontestavelmente parte da individualidade privada do ser humano”, sendo assim “ilícitas as investigações abusivas sobre a saúde de outrem, as divulgações e as publicações de doenças de que sofrem as pessoas e as fotografias de pessoas no seu leito hospitalar ou alquebradas pela doença, quando perturbadoras do seu ser ou da sua vida privada” [68].
Todavia, tal “amplidão da tutela civil do ser e da vida privada de cada indivíduo não é incompatível com a existência aí de diversos círculos concêntricos de reserva, dotados de maior ou menor eficácia jurídica, particularmente de garantias mais ou menos profundas. O que bem se compreende face á diversa natureza dos diferentes interesses tuteláveis e que obtém nomeadamente tradução legal no nº. 2 do art. 80º do C. Civ. ao preceituar que «a extensão da reserva (sobre a intimidade da vida privada de outrem) é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas»”.
Desta forma, a enunciada reserva “desdobra-se em círculos de resguardo, nos quais se poderá tomar (em certas circunstâncias) conhecimento de determinadas manifestações das pessoas mas em que são ilícitos a divulgação ou o aproveitamento das mesmas, e em círculos de sigilo, nos quais são liminarmente ilícitas a intromissão e a tomada de conhecimento das respectivas manifestações”.
Variável é, igualmente, tendo em atenção os bens resguardados, a profundidade do dever de reserva, sendo “menor a intensidade da tutela nos casos em que a vida privada dos indivíduos é adjacente à esfera pública dos mesmos, nomeadamente quando o indivíduo se movimenta em lugares públicos, como estradas, restaurantes, praias, cerimónias públicas, recintos culturais (teatro, cinema, ópera, etc.) ou desportivos, mas em que a privacidade da sua vida impõe mesmo aí uma certa reserva. Depois, podem considerar-se zonas intermédias de resguardo, já mais sensíveis e interditas á publicidade, os elementos privados da actividade profissional e económica. Mas é sobretudo na intimidade da vida familiar, doméstica, sentimental e sexual e no ser do homem para si mesmo que reside uma maior eficácia da reserva, originando um crivo muito mais apertado de eventuais causas de justificação da ilicitude nas ofensas a tais bens” (sublinhado nosso).
Ora, já referenciámos definir-se a extensão da reserva sobre a intimidade da vida privada por referência à natureza do caso e á condição das pessoas.
No que concerne á natureza do caso, reporta-se à “justa identificação, avaliação e ponderação do conjunto dos bens ou interesses juridicamente relevantes na concreta situação ou relação jurídica de personalidade. Nomeadamente, da qualidade ou do grau de intensidade dos particulares bens ou áreas da intimidade da vida privada afectados ; da natureza e da intensidade dos interesses que concretamente se lhe oponham (desde interesses históricos, artísticos, culturais e de participação pública até meros interesses de curiosidade ou inclusivamente de pura coscuvilhice); do local (público ou privado) onde se deu o facto perturbador da intimidade da vida privada; do comportamento do titular quanto á exposição ou não da sua vida privada e do modo e das circunstâncias da interferência na intimidade da vida privada”.
Relevante, de forma particular, é, ainda, a condição das pessoas intervenientes na situação concreta, ou seja, “a veste ou o circunstancialismo sócio-individual objectivo em que as pessoas agem, v. g., se a reserva tem por objecto personalidades que, pela relevância dos seus actos á história contemporânea (….), que busquem a publicidade (p. ex., vedetas das artes ou dos espectáculos (…). Tal não implica, porém, a inexistência de limites ao conhecimento e divulgação de factos relativos à vida daquelas personalidades (desde logo, quando esteja em causa a dignidade da pessoa humana, sendo aqui, nomeadamente, aplicáveis as disposições dos nºs. 1 a 3 do art. 79º. do Código Civil, na medida permitida pela analogia das situações) ou a quebra do princípio da igualdade (art. 13º Constituição). As diferenciações de regime jurídico hão-de basear-se na desigualdade  das situações objectivas, que não em pretensa primazia ou hierarquia de uns indivíduos sobre outros ou em categorizações meramente subjectivas de uns cidadãos face a outros” [69] (sublinhado nosso).  
Relevante é, ainda, considerar-se que a “tutela civil do sigilo do ser e da vida privada”, por força da enunciada tutela geral da personalidade, abrange ou abarca “todos os pensamentos, opiniões, sentimentos, acontecimentos, acções, omissões, ou caracteres do modo de ser particular que, recognoscivelmente, qualquer indivíduo mantém escondidos, manifestando a vontade de os não querer revelar e face aos quais há um interesse não ilícito e socialmente compreensível na manutenção do respectivo segredo”.
Ora, são vários e variados os modos ilícitos de ofensa do denominado ser pessoal e da vida privada, entre os quais relevam, no que ora importa, as “intromissões e perturbações do indivíduo nos seus direitos a estar só, ao sossego e ao recolhimento ou a conviver privadamente com quem reciprocamente, entender, até à divulgação ou aproveitamento de factos ou circunstâncias pertinentes á vida privada das pessoas”, entre os quais se elencam os reportados a “doenças graves”, abrangendo inclusive o ilícito civil “as ofensas negligentes e não tipificadas” [70](sublinhado nosso).
Todavia, ressalva o mesmo Autor ser óbvio que o referenciado “bem juscivilístico do ser e da vida privada de cada homem tem também os seus limites”, pelo que, no campo da ilicitude, não ocorrerão “comportamentos antijurídicos quando se trate do relato de acontecimentos da vida gerais e comuns a qualquer pessoa (como o nascimento, o casamento, a morte, promoções e transferências) se não forem divulgados pormenores íntimos, quando as circunstâncias do ser e da vida privada sejam tornadas pelos próprios interessados livremente acessíveis ou ainda quando o titular não guarde ele mesmo o seu segredo”.
Pelo que, acrescenta-se, inexistem igualmente “deveres de respeito na tomada de conhecimento ou na difusão de certos aspectos circunstanciais, v. g. acontecimentos da vida das pessoas que desempenhe ou pretendam desempenhar actividades públicas ou de representatividade social ou daquelas pessoas que, por razões de procura de publicidade  ou de notoriedade social, originam o interesse do público pela sua vida particular, sem prejuízo porém da existência aí de uma esfera privada mais circunscrita que tutela tais pessoas da curiosidade exagerada e injustificada do público”.
Desta forma, “são lícitos os resumos biográficos e as próprias biografias de pessoas da história contemporânea, feitos a partir de documentos de acesso público, de declarações públicas do biografado e das pessoas que com ele privaram ou contraditaram, de factos ocorrido publicamente e mesmo de acontecimentos e de circunstâncias privadas (….)”.
E, no que concerne às pessoas que, por razões de procura de publicidade ou notoriedade social, originam o interesse do público pela sua vida particular, citando Tommaso Amedeo Auletta [71], referencia tratar-se de “«actividade provada de interesse geral», ou seja, de «actividade cujos resultados interessam a um largo círculo de público ; de costume ela desenvolve-se através de frequentes contactos com o público e consegue favoráveis resultados económicos com a obtenção de um certo grau de notoriedade e de um juízo colectivo positivo sobre o seu desenvolvimento», sendo «tal juízo favorável ………particularmente importante porque frequentemente o ganho deriva de uma soma de pequenos ganhos resultantes de numerosos clientes». Desenvolvem tal actividade, v. g., «as personalidades do mundo do espectáculo e de desporto, os escritores, os cientistas, os artistas, os profissionais liberais, os industriais e os comerciantes»”.
Acrescenta relevar nesta apreciação, ao lado do interesse geral de informação, “o modo como foi adquirida a notoriedade e a atitude do interessado quanto ao conhecimento e á divulgação do facto em concreto, particularmente, se a notoriedade da pessoa ou o conhecimento e a divulgação do facto resultam ou não de vontade, expressa ou tácita, ou são acompanhados ou não de provocação ou de tolerância do interessado (…)” [72].
Pelo que, considerando-se que a “vontade do titular da reserva pode determinar a medida em que ele torna acessível aos demais a sua vida privada e é um elemento constitutivo do sigilo, compreende-se que o consentimento do lesado exclua aqui muito latamente a ilicitude das ofensas, nos moldes dos arts. 340º e 81º do Código Civil”, pois, “as pessoas podem preferir a notoriedade do seu ser e vida privados ao seu resguardo e segredo” (sublinhado nosso) [73].
Referencia Paulo Mota Pinto [74] que, apesar de intransmissível e irrenunciável, tal não significa que o titular do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada “não possa, em maior ou menor medida, efectuar disposições voluntárias sobre ele, num exercício de liberdade que constitui, também, expressão da sua personalidade”, acrescentando reconhecer-se mesmo actualmente “uma tendência no sentido da exploração do valor patrimonial de direitos de personalidade como o direito à imagem e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, o que resulta validado, ad contrario sensu, do prescrito no nº. 1, do artº. 81º, do Cód. Civil.
Tal direito, que tem por objecto o “controlo de informação sobre a vida privada”, enquanto incorpora, desde logo, uma componente de liberdade, visa proteger “o interesse em controlar a tomada de conhecimento, a divulgação ou simplesmente a circulação de informação sobre a vida privada – isto é, genericamente, sobre os factos, comunicações ou posições relativos ou próximos do indivíduo ou confidenciais ou reservados -, bem como o interesse na subtracção à atenção dos outros (anonimato lato sensu), ou interesse na solidão (na exclusão do acesso físico dos outros à pessoa). A estes interesses opõem-se o interesse ao conhecimento e à divulgação da informação, e o interesse no acesso ou controlo das acções da pessoa”.
Desta forma, o objecto do direito inscrito no citado nº. 1, do artº. 80º, do Cód. Civil, é definido pela “confluência do controlo (auto-determinação) sobre informação com a esfera da vida privada. Nesta perspectiva do direito à reserva é de aceitar a extensão da noção de «direito à autodeterminação informativa» para além do domínio do tratamento de dados pessoais – como aspecto do «direito geral de personalidade» -, e abrangendo a protecção perante a intrusão no domínio pessoal e a tutela perante a divulgação de afirmações pessoais e factos verdadeiros”.
Tal determina que a definição do que deve ser o alcance da sua «vida privada» é, numa certa perspectiva e grau, “função do indivíduo”, que o pode modelar ou conformar, para além de poder, ainda, “consentir na limitação do direito à reserva”, atenta a sua disponibilidade, que valida limitações voluntárias.
E, tal limitação voluntária enquadra-se não como “consentimento enquanto causa de justificação ou exclusão de ilicitude de um acto lesivo do direito (assim, o artigo 340º, nº. 1, nos termos do qual «o acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão.»), mas antes o de mero acordo que, pela limitação do direito, exclui a existência de lesão deste” (sublinhado nosso).
Donde, definindo-se o conteúdo do direito à reserva como o aludido direito de controlo de informação sobre a sua vida privada, a enunciada limitação voluntária do mesmo, “através da divulgação pelo próprio ou da autorização para tomada de conhecimento e divulgação de informação por terceiro, traduz ainda, na realidade, uma forma de exercício deste direito à reserva”, ou seja, “com a divulgação pelo próprio, ou com a autorização para divulgação por terceiros, é ainda o próprio conteúdo do direito à reserva – a autodeterminação sobre informação relativa à vida privada – que obtém expressão, consistindo o acordo ou autorização ainda numa forma de realização do objecto de protecção do direito à reserva.
O consentimento, acordo ou autorização deve, pois, ser considerado como limitativo do próprio direito – não como causa de justificação para a violação deste. Em caso de limitação voluntária, nem sequer se poderá, pois, dizer que existe violação do direito à reserva” (sublinhado nosso) [75].
Acresce que tal declaração de consentimento para a limitação voluntária do direito de reserva goza dos princípios de liberdade declarativa e de forma (os artigos 217º, nº. 1 e 219º, do Cód. Civil), podendo, assim, ser conferida de forma expressa ou tácita, e sem necessidade de ser reduzida a escrito, configurando-se os limites materiais de tal limitação voluntária longe de uma qualquer “concepção substancial do viver de forma «virtuosa», justa ou correcta”, competindo antes a cada pessoa “a determinação da «vida virtuosa» (….), no exercício da liberdade de desenvolvimento da sua personalidade, não sendo a forma de realização da personalidade humana algo de pré-determinado, que se receba por atribuição, herança, situação num dado momento, papel histórico ou classe, ou imposição ou dádiva a partir de um determinado padrão ou modelo. Trata-se, antes, de algo que se auto-institui ou constrói, segundo o seu próprio projecto, determinado a partir da própria pessoa como centro de decisão autónomo – numa concepção «do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual (plastes et fictor)»” [76].
Por fim, no que concerne aos objectivos ou fins que podem motivar ou determinar a limitação voluntária, “e que constituem a «causa» do consentimento -, podem consistir, quer na difusão de uma certa informação, quer na obtenção de notoriedade (e esta, porventura, como meio de conseguir lucros), quer, simplesmente, na obtenção de vantagens económicas como correspectivo directo da limitação“, no que é referenciável como concreta “«comercialização» de informações sobre a vida privada” [77] (sublinhado nosso) .
Ainda no âmbito doutrinário, referencia Maria Raquel Guimarães [78]que o direito á reserva da vida privada é, no essencial, “um direito sobre informações relativas à pessoa, informações que dizem respeito à sua esfera privada, pessoal e à sua esfera de segredo”, sendo reconhecido a cada pessoa “um direito a controlar a divulgação das informações que lhe dizem respeito, no sentido de um direito à riservatezza, para utilizar a fórmula de de Cupis”.
Desta forma, entendendo-o como um direito sobre informação, de forma a definir a extensão da privacidade, “compreende-se o importante papel que o titular do direito assume na delimitação das fronteiras dos seus círculos de reserva. A divulgação de informação pessoal e até íntima pela própria pessoa, nomeadamente através das redes sociais, não pode significar uma renúncia definitiva à sua riservatezza, tanto mais que as limitações aos direitos de personalidade consentidas pelo titular são sempre revogáveis e não podem pôr em causa a ordem pública”, o que se extrai positivamente do já enunciado nº. 1, do artº. 81º, do Cód. Civil.
Acrescenta a mesma Autora pressentir-se na actualidade “uma diluição ou desvanecimento das fronteiras entre as esferas pública e privada ou mesmo uma publicização ou desvalorização da esfera privada, embora vários estudos empíricos realizados não demonstrem uma alteração geracional perante a privacidade. Ainda assim, a utilização em massa das redes sociais certamente importará consequências no que respeita ao modo como entendemos os círculos de reserva privada e de reserva pessoal, consequências essas ainda não completamente conhecidas”.
A definição da fronteira da privacidade/intimidade foi igualmente analisada no teor da decisão final proferida no âmbito do procedimento cautelar apenso, aí se referenciando constituir matéria “complexa em termos hermenêuticos atentas as próprias oscilações histórico-culturais entre o público e o privado” e a comunicabilidade entre tais esferas.
Referenciou-se, então, o que ora reproduzimos, por que pertinente, que “um dos contributos mais relevantes na dilucidação desta matéria é a chamada teoria dos três graus ou esferas (Dreistufentheorie) elaborada pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão.
Segunda esta teoria, há que diferenciar entre a:
a) Vida íntima que compreende os gestos e factos que, em absoluto, devem ser subtraídos ao conhecimento de outrem (área nuclear inviolável).
O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada tutela esta primeira esfera. Estarão materialmente abrangidas nesta esfera: o passado da pessoa; os seus sentimentos; factos atinentes à sua saúde; a respectiva situação patrimonial; os seus valores ideológicos; o domicílio; as convicções religiosas e políticas; as peripécias da vida conjugal e familiar; as causas e circunstâncias de um divórcio; a vida amorosa fora e ao lado do casamento; os comportamentos sexuais íntimos das pessoas. Este reduto mínimo abrangerá o direito a excluir dos outros factos ou actos que, ao serem conhecidos e revelados, poderiam causar perturbação moral ao seu titular.
b) A vida privada que engloba os acontecimentos que cada indivíduo partilha com um número restrito de pessoas.
c) A vida pública que, correspondendo a eventos susceptíveis de ser conhecidos por todos, respeita à participação de cada um na vida da colectividade. Esta esfera abarca designadamente a vida profissional e económica.
Naturalmente que estes círculos concêntricos de reserva não são absolutamente fixos e imutáveis. É a própria lei que no-lo diz: a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas —artigo 80.°, n.° 2, do Código Civil.
Com a expressão condição das pessoas, quis o legislador significar que o diâmetro da vida particular é dependente do modo de ser do indivíduo e com a forma pela qual este se integra na sociedade.
Nesta linha de raciocínio, a extensão do direito à reserva reduz-se nos casos de pessoa célebre pelos seus feitos, nomeada ou maneira de viver (public figure) porquanto a colectividade tem interesse em conhecer-lhes a vida privada e as peculiaridades que esta apresenta. O legislador terá considerado legítimo tal interesse em virtude de se tratar de personagens que, consciente ou inconscientemente, se expõem à publicidade.
Noutros casos, é o modo particular de viver, a profissão exercida por força da qual se tornam personalidades de interesse público ou a proeminência social atingida que exigem que a pessoa faça da respectiva intimidade uma espécie de imagem de marca.
Em qualquer um destes casos, a redução da esfera de intimidade não implica a respectiva supressão. A intimidade da vida privada existirá sempre, compreendendo as manifestações essenciais de isolamento, isto é, aquelas que não têm relação necessária com a actividade por virtude da qual a pessoa se tornou notória.
Cabe ainda referir que as pessoas cuja condição faz estreitar as fronteiras da respectiva privacidade são livres de, a todo o momento, abdicando de tal condição, voltar à categoria de homens comuns. Neste caso beneficiarão de tutela que recairá sobre as mesmas vicissitudes que integram a intimidade da vida de qualquer outra pessoa.
Assim, a esfera de protecção da vida privada não é seguramente igual para todos os cidadãos, sem que dai advenha qualquer violação do princípio da igualdade”.
Retratando a questão no âmbito do direito à imagem, e sendo o bem por esta protegido o da imagem humana correspondente à aparência ou configuração exterior da pessoa, referencia David de Oliveira Festas [79] que “o primeiro valor pessoal protegido pelo direito à imagem é a auto-determinação da pessoa sobre a sua imagem”, cabendo a cada um “decidir se, quando e sob que condições deve o seu retrato ser exposto ou divulgado”.
Assim, e para além daquela auto-determinação da pessoa sobre a sua imagem, “o direito à imagem protege ainda instrumentalmente outros valores pessoais, nomeadamente a intimidade e a honra”.
Integrando o direito à imagem no universo dos direitos de personalidade, o mesmo Autor procede á sua delimitação relativamente ao direito á reserva sobre a intimidade da vida privada, ainda que estabelecendo conexões entre ambos, pois, desde logo, “um dos valores reconhecidamente protegidos pelo direito à imagem é a privacidade”, anotando que a sua legal consagração em disposições diferentes (artigos 79º e 80º do Cód. Civil) “representou um passo significativo na autonomização dos dois direitos”, insistindo, com ênfase, na sua efectiva distinção e individualidade.
Para o justificar, argumenta que “a lesão do direito à imagem nem sempre implica uma violação do direito à reserva da intimidade da vida privada.
Inversamente, pode haver violação do direito à reserva da intimidade da vida privada sem haver violação do direito à imagem como, por exemplo, revelando informações relativas à vida privada, por escrito, sem que haja exibição ou reprodução do retrato.
Finalmente, pode haver violação simultânea do direito à imagem e do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. É o que sucede com a publicação não consentida de um retrato de uma pessoa numa situação da sua vida privada” [80].
Por fim, no que concerne á natureza jurídica do consentimento, e efectuando a devida destrinça entre o consentimento como causa de exclusão da ilicitude e o consentimento enquanto excludente da própria lesão, defende que “quando o titular do direito à imagem consente na captação, exposição, reprodução ou divulgação de um retrato, designadamente para fins económicos, exerce o seu direito de autodeterminação sobre a sua imagem, sem que tenha ocorrido qualquer violação do direito à imagem”.
Pelo que, conclui, “o consentimento prestado pelo titular do direito à imagem (nos termos dos arts. 79º e 81º) não deve ser, assim, considerado como consentimento justificante ou excludente da ilicitude (como o que se encontra previsto no art. 340º), mas antes como consentimento excludente da própria lesão do direito”, aplicando-se ao consentimento, que deve ser exprimido por uma declaração de vontade expressa ou tácita, as mesmas regras legais das declarações negociais, nos termos já descritos para a invasão da privacidade [81].
F) Dos direitos à liberdade de expressão e liberdade de criação intelectual
Na apreciação dos presentes direitos equaciona-se a positivação supra transcrita correspondente aos artigos 37º, nºs. 1 e 2, 38º, nºs. 1 e 2, alín. a) e 42º, nºs. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 11º, nº. 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 7º-A, nºs. 1 e 2, do Estatuto dos Jornalistas e 1º e 2º, nº. 1, alín. c), da Lei da Imprensa.
Em termos constitucionais, referenciam Gomes Canotilho e Vital Moreira [82] traduzir o artº. 37º o primeiro dos quatro artigos que “dispõem sobre um conjunto de direitos fundamentais concorrentes em matéria de liberdades e direitos de expressão e informação”, regulando aquele “as liberdades e direitos de expressão e informação, em geral”, enquanto o artº. 38º “ocupa-se desses direitos quando exercidos  através da imprensa e demais meios de comunicação de massa”, integrando, juntamente com os artigos 39º e 40º, “uma ampla constituição da informação, que forma a base do regime desta”.
Entendem, deste modo, como reconhecidos no artº. 37º dois conjuntos de direitos distintos, “embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação” (sublinhado nosso) e, entendendo não ser fácil o estabelecimento da fronteira entre ambos, consideram assentar a mesma “na distinção comum entre, por um lado, a expressão de ideias ou opiniões e, por outro lado, a recolha e transmissão de informações”, ainda que sob o ponto de vista jurídico-constitucional tenham idêntico regime.
Enfatizam, porém, que o âmbito normativo da liberdade de expressão deve ser o mais extenso possível, não pressupondo “sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos”, alargando-se, ainda, “à protecção dos meios de expressão (palavra, imagem ou qualquer outro meio)”.
Desta forma, “o direito de expressão e o de informação não podem ser sujeitos a impedimentos nem discriminações”, ressalvando, todavia, que “«sem impedimentos» não pode querer dizer sem limites”, e que “«sem discriminações» não pode eliminar o alcance das excepções expressamente previstas na Constituição”.
Porém, acrescentam, “dentro dos limites do direito (expressos ou implícitos), não pode haver obstáculos ao seu exercício e, fora as exclusões constitucionalmente admitidas, todos gozam dele em pé de igualdade. Na falta de uma cláusula de restrição dos referidos direitos, ele tem de ser pelo menos harmonizado e sujeito a operações metódicas de balanceamento ou de ponderação com outros bens constitucionais e direitos com eles colidentes como a dignidade da pessoa humana, os direitos das pessoas à integridade moral ao bom nome e reputação, à palavra e á imagem, à privacidade, etc. (art. 26º)”.
O que significa e traduz a existência de “certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento”, no intuito de “salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de protecção, inclusive penal” [83] (sublinhado nosso).
G) Do conflito de direitos e da sua concordância prática
No campo doutrinário, referencia Ricardo Leite Pinto [84], ajuizando acerca dos bens jurídicos incluídos no âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, no que concerne ao campo de conflito entre liberdade de imprensa e vida privada, “a esfera de protecção da vida privada não é seguramente igual para todos os cidadãos, sem que com isso se viole o princípio da igualdade”.
Deste modo, o “«muro da vida privada» é mais baixo, por exemplo, em relação a certas categorias de pessoas, como as apelidadas vedetas ou os titulares de cargos políticos”.
Donde, ajuizando acerca dos critérios de concordância prática, da ponderação de valores e da prevalência de direitos naquele campo de conflito, aduz que “uma das zonas mais controvertidas na resolução do conflito entre os dois direitos, é a que se localiza no ponto de intersecção entre a liberdade de informação e a privacidade das «figuras públicas»”, nomeadamente as que, por alguma razão, se expõem publicamente, entre os quais figuram os actores
Decorre que nestas situações as limitações ou restrições ao direito à intimidade da vida privada decorreria, desde logo, “pela circunstância dessas pessoas procurarem e fomentarem o aparecimento e divulgação de factos da sua vida privada”.
Citando Fariñas Matoni [85], explicita que “haverá que rejeitar o «direito a uma protecção hipócrita da intimidade». (….) A pedra de toque para saber se existe uma violação hipócrita com respeito à esfera da vida privada está em saber se há ou não conhecimento e consentimento expresso ou tácito da pessoa cuja intimidade é violada (sublinhado nosso).
Desta forma, referencia ser com base nos dois elementos referenciados no já citado nº. 2 do artº. 80º - condição das pessoas e natureza do caso -, “que a categoria das chamadas «figuras públicas» encontra fundamento para a redução da sua esfera de privacidade”, sendo certo que “uma apelidada figura pública é livre de, a qualquer momento, voltar á condição de cidadão comum, beneficiando assim da tutela que recai sobre a intimidade de qualquer pessoa”.
Efectivamente, no que concerne às denominadas figuras (cidadãos) que exercem actividades de acrescida exposição pública, entre os quais se incluem “autores, artistas, intérpretes de obras musicais, dramáticas ou cinematográficas, campeões no desporto”, tornam-se conhecidos “pela sua forma de viver, pela popularidade de que desfrutam ou pelos feitos que conseguem”, possuindo em comum “a circunstância de, consciente ou inconscientemente, se exporem à publicidade (…).
Ora, nestes casos, o público tem um interesse legítimo (public interest), em conhecer não só os aspectos públicos da sua actividade, mas também os aspectos da sua vida privada que são a expressão da sua actividade pública.
Ou seja, a parte da personalidade que contribui para a notoriedade da apelidada figura pública, pode ser objecto da investigação e posterior divulgação por parte dos media”.
Todavia, conforme se reconhece em douto Acórdão desta Relação de 12/10/2000 [86], sendo inquestionável que todo o cidadão merece da devida tutela e protecção jurídica da sua honra e consideração, bem como da sua privacidade, intimidade e imagem, “porém, para as "pessoas da história do seu tempo ", ou seja, para aqueles que ocupam a boca de cena no palco da vida politica, cultural, desportiva, etc., a tutela dos bens pessoais em questão é mais reduzida e fragmentada do que no caso do cidadão comum".
Todavia, ressalva, aquele mesmo Autor – Ricardo Leite Pinto -, tal não impede, obviamente, que as “«figuras públicas» tenham vida privada, e que, perante ela, a liberdade de imprensa deva ceder”, enunciando várias decisões judiciais no sentido de protecção da vida privada daquelas, entre as quais se referenciam “ser ilícita a tomada e reprodução de fotografias, encontrando-se a figura pública no seu domicílio, sem o consentimento desta (…), da utilização não consentida da imagem de celebridades do mundo do espectáculo, para fins comerciais ou publicitários”, vindo a ser também entendido como “fazendo parte da vida privada das «figuras públicas», o que afecta o corpo, nomeadamente as malformações ou a doença (cfr. o caso relativo ao tratamento por parte da imprensa, da doença de JACQUES BREL).
(…) a divulgação não consentida de aspectos da vida conjugal e extraconjugal, para além dos que resultam da publicidade legal dos actos de registo civil “, bem como a divulgação, por via da imprensa, “do pseudónimo de artistas, do seu domicílio, do seu número de telefone (quando este não conste da lista telefónica oficial ou para quem é conhecido do público apenas pelo pseudónimo) e a sua residência secundária”.
Ou seja, conclui, “o conteúdo essencial da intimidade da vida privada das «figuras públicas» não é posto em causa pela consideração inicial de que, nestas, a esfera de protecção da sua intimidade se reduz” [87] (sublinhado nosso).
Aludindo à colisão de direitos fundamentais, com conteúdo constitucional, referencia Gomes Canotilho [88] considerar-se existir “uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”, situação em que não estamos “perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um «choque», um autêntico conflito de direitos”.
Considera, assim, ser perfeitamente admissível “casos de colisão imediata entre os titulares de vários direitos fundamentais”, exemplificando com a situação em que “a liberdade de criação intelectual e artística (art. 42º/1) é susceptível de colidir com outros direitos pessoais como o direito ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida familiar”.
Acrescenta não ser tarefa fácil a solução de tais conflitos, “recorrendo muitas vezes a doutrina e jurisprudência ao «critério da ponderação de bens», ao «princípio da concordância prática», à «análise do âmbito material da norma» e ao «princípio da proporcionalidade»”, enunciando, ainda, como frequente o recurso da jurisprudência constitucional “à ideia de abuso de direitos fundamentais, designadamente quando se considera que o exercício de um direito fundamental viola criminalmente um outro direito (direito à integridade pessoal, direito ao bom nome e reputação)”.
Adita, ainda, que como critério operador “aponta-se, igualmente, o princípio da optimização de direitos e bens constitucionais conducente ao estabelecimento de limites aos direitos colidentes, de forma a conseguir uma autêntica eficácia óptima de ambos os direitos”.
Conclui, todavia, que, “de qualquer modo, a directiva fundamental é esta: todos os direitos têm, em princípio, igual valor, devendo os seus conflitos solucionar-se preferentemente mediante o recurso ao princípio da concordância prática” (sublinhado nosso).
H) Da conduta e (ir)responsabilidade dos Réus M……. e J…….
Aqui chegados, retornemos à factualidade apurada e sua articulação com o enquadramento jurídico exposto.
Antes de mais, relembremos a pretensão de análise supra inscrita, ou seja, a de que, atendendo ao âmbito do objecto recursório, previamente á ponderação da eventual responsabilidade de cada um dos demandados Réus, ora Apelantes, impõe-se, aprioristicamente, aferir se a provada conduta se deve considerar como ilícita, efectiva ou presuntivamente culposa, causadora de danos e tradutora de efectivo nexo causal entre a conduta e o dano, ou seja, determinar se a conduta daqueles traduz efectivo e concreto preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana. 
Ressalvando-se, tal como referenciámos, a eventual responsabilização da Ré Editora P……., igualmente em sede objectiva ou pelo risco, nos quadros do artº. 500º do Cód. Civil, fruto da sua posição de comitente, relativamente aos actos alegadamente culposos praticados pelos comissários (Director do jornal e Autores do Livro, enquanto jornalistas do mesmo jornal, propriedade de tal Ré).
Também consignámos, como segundo elemento de necessária e relevante ponderação, o facto do Livro em equação tratar-se efectivamente de uma obra literária, e não de um artigo jornalístico, urgindo, deste modo, efectuar a devida destrinça entre o que constitui conteúdo jornalístico e o que constitui uma concreta obra biográfica, com autonomia.
E sustentámos, o que ora reiteramos, que não é o facto do mesmo Livro vir a ser distribuído juntamente com o jornal, mediante o pagamento de um valor suplementar, que tal destrinça deva ter-se por mitigada, diluída ou mesmo inócua, nomeadamente no que concerne ao seu eventual enquadramento legislativo e efeitos daí decorrentes.
A sentença apelada, apreciando a conduta dos Réus autores do Livro, consideraram-na como ilícita e culposa, entendendo-a como ameaçadora da vida privada da Autora, com a pretendida ilegal publicação de um escrito, que pretendia ser uma espécie de relato, na primeira pessoa, do período de doença e subsequentes tratamentos daquela.
Acrescentou-se na mesma peça processual sob sindicância que, sendo tais Réus jornalistas, não se vislumbrava qualquer espécie de interesse público atendível, susceptível de ser prosseguido com aquele escrito e respectiva publicação, pois, para além de relatar factos da vida privada da Autora, conhecendo os Réus a oposição desta á publicação, continha factos que não correram ou não ocorreram da forma que é relatada.
E que, ademais, não era extraível nem era possível concluir do comportamento da Autora que esta, implicitamente, havia abdicado inteiramente da reserva da sua vida privada, violando tal entendimento os normativos constitucionais e legais.
Ora, entendemos que tal entendimento não pode manter-se, nem se configura como minimamente sustentável. O que procuraremos fundamentar.
Em primeiro lugar, consideramos resultar com evidência da factualidade provada que o conteúdo do Livro referenciado teve, efectivamente, por base os vários relatos que a própria Autora foi fazendo da sua doença ao longo das entrevistas que foi dando e as informações, notícias e detalhes pela mesma proferidos nas conferências de imprensa que deu.
O que surge com maior acuidade, e de forma manifesta, do teor das entrevistas concedidas à Publica, na edição de 16 de Novembro de 2008 – cf., facto 66. -, à Visão, na edição de 20 de Novembro de 2008 e nas várias reportagens referenciadas na factualidade provada, nomeadamente nas Revistas Caras e VIP – cf., factos provados 10. a 30. -, tendo algumas delas por base o teor quer do comunicado enviado aos órgãos de comunicação social em 28/ de Abril de 2008, quer o teor da conferência de imprensa que a Autora realizou em 11/11/2008. E isto, apesar da prova de que entre a data daquele comunicado e a conferência de imprensa, ter sido opção da Autora não dar entrevistas exclusivas ou pessoais aos órgãos de comunicação social sobre a sua doença, mantendo-se em silêncio e dedicada à sua recuperação – factos 64. e 65..
Desta forma, a factualidade relatada acerca da doença de que a Autora padeceu teve, fundamentalmente, por base, o teor do relatado pela própria, ainda que por vezes, numa linguagem de teor ou cariz romanceado ou com presuntivos detalhes, nem sempre precisos e de estrita obediência á veracidade, deduzidos do teor dos factos objectivos relatados.
Resulta, assim, ter sido a própria Autora a balizar, de forma assaz ampla, o seu direito à reserva quanto à intimidade da vida privada e familiar (com extensibilidade no que concerne ao seu direito à imagem), nomeadamente no que concerne à sua específica questão de saúde.
Efectivamente, conforme mencionámos e resulta do estatuído no nº. 2, do artº. 80º, do Cód. Civil, a extensão da reserva sobre a intimidade da vida privada é aferida por referência à natureza do caso e á condição das pessoas.
Ora, no que respeita á natureza do caso, tal aferição é efectuada tendo por base a percepção do comportamento do titular, in casu, da Autora, quanto á exposição ou não da sua vida privada, bem como ao modo e circunstancias em que ocorreu a interferência no círculo da intimidade da vida privada daquela.
E, no que concerne á condição das pessoas, o direito de reserva em equação tem por alvo uma personalidade mediática, uma actriz deveras conhecida do grande público (nomeadamente pela intervenção em novelas de grande audiência televisiva), que sempre procurou e facilitou a publicidade, nomeadamente através da forma como sempre expôs a sua vida, quer profissional quer pessoal, em formatos reveladores da vida social das pessoas que vivem do espectáculo e da arte que desempenham. 
Pelo que, ainda que se deva reconhecer que existem áreas ou círculos de intimidade onde não se devem admitir ingerências, intromissões ou perturbações, mesmo quando estão em causa pessoas com a mediatização enunciada, de que é exemplo a situação em que padecem de doenças graves, tal como sucedia com a Autora [89], inexiste, todavia, qualquer comportamento ilícito quando as concretas circunstâncias da vida privada sejam tornadas livremente acessíveis pelos próprios titulares, nomeadamente nos termos em que a Autora transmitiu tal conhecimento de uma parcela reservada e intimista da sua vivência privada.
O que determina, claramente, o conferir de licitude à biografia da Autora, ainda que não autorizada, atento o facto da mesma ter por base ou sustentáculo declarações públicas da própria, ainda que reportando-se a um círculo de resguardo que a mesma não manteve nem logrou imacular.
Efectivamente, estamos perante uma Autora que, atentas as funções artísticas desempenhadas, e por razões de efectiva procura de publicidade ou notoriedade social (donde lhe advêm necessários ganhos, nomeadamente económicos), origina o concreto e efectivo interesse ou curiosidade do público pela sua vida particular, que a mesma também sempre foi sustentando e fomentando, nomeadamente através da publicitação da sua vida profissional, particular, amorosa, familiar e emocional, utilizando preferencialmente a denominada imprensa cor-de-rosa – cf., factos 31. a 42., 78. e 80. [90].
Ora, atendendo à forma como a mesma sempre foi transmitindo e divulgando os pormenores da doença que a acometeu, tendo-se limitado a um período de silêncio apenas durante 7 meses (entre Abril e Novembro de 2008, ou seja, entre o envio do comunicado à comunicação social em 28/04/2008 e a conferência de imprensa de 11/11/2008) – cf., factos 64. e 65. -, resulta indubitável que o fez de forma expressa, ou seja, eivada de uma vontade plenamente assumida, que, sendo perfeitamente admissível (em vez de preferir uma atitude de efectivo resguardo e segredo, atenta a natureza do círculo de sigilo em equação), excluí qualquer ilicitude numa subsequente utilização de tal manancial informativo ou de conhecimento na elaboração ou relato da sua biografia, limitada àquela parcela da vida em que teve que lidar com uma doença assaz grave e marcante.
Concretizando de forma mais prosaica, a factualidade que a Requerente pretende que não seja publicada no Livro em referência foi pela mesma transmitida ou dada a conhecer, através de directa ou indirecta divulgação, tendo assim sido trazidos ou deslocados para o palco ou domínio da opinião pública, que acabou por conhecer, vivenciar e acompanhar a experiência traumática, pessoal e familiar, de que a Autora foi vítima.
Pelo que pretender, após tal conduta, impedir a publicação do Livro, configura-se como acto dicotómico e destituído da reclamada tutela.
Ademais, quando resulta provado ter pretendido sempre a Autora evitar especulações sobre a sua doença, sem qualquer carácter didáctico – cf., facto 67..
Com efeito, tendo o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada por objecto o “controlo de informação sobre a vida privada”, nos termos já supra expostos, ao actuar da forma descrita a Autora, ora Apelada, ainda agiu nesse espaço de liberdade, que lhe permitia controlar a tomada de conhecimento, divulgação e a circulação da informação relativa á doença que a assolou, forma como foi descoberta, o auxílio procurado, as angústias vivenciadas, a abordagem e modo como a família encarou o novo quadro vivencial e as medidas adoptadas no sentido de debelar ou minorar o quadro de doença diagnosticado.
Ao não fazê-lo, mas antes actuando da forma lograda provar, a Autora modelou ou conformou, voluntariamente, aquilo que entendeu serem os seus limites do direito à reserva de que dispunha ou beneficiava, limitando-o ou encolhendo-o, o que funciona como causa excludente da existência de qualquer lesão do próprio direito, e não como prestação de consentimento capaz de funcionar enquanto causa de justificação ou exclusão de ilicitude de um acto lesivo do seu direito à reserva.
Efectivamente, aquela informação, enquanto enformadora da esfera privada, pessoal ou de segredo da Autora, não poderia deixar de ser reconhecida como estando sob o seu controlo, cabendo-lhe o direito de a divulgar ou de a manter sob sigilo, pois era á mesma que sempre competia o direito de delimitar, circunscrever ou balizar os seus círculos de reserva.
Conforme sumariado no douto aresto do STJ de 27/09/2003 [91], acerca de tal limitação voluntária, “a tutela do direito à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes: a protecção contra a intromissão na esfera privada e a proibição de revelações a ela relativas.
III - A saúde faz parte da individualidade privada do ser humano, e, assim, do assegurado resguardo da vida particular contra a eventualidade de divulgação pública.
IV - O direito de resguardo não é, no entanto, absoluto em todos os casos e relativamente a todos os domínios.
V - Havendo que atender à contraposição do interesse do indivíduo em obstar à tomada de conhecimento ou à divulgação de informação a seu respeito e dos interesses de outros em conhecer ou revelar a informação conhecida, interesses que ganharão maior peso se forem também interesses públicos, a extensão do dever de resguardo, e, assim, do correlativo direito, deverá ser apreciada "segundo as circunstâncias do caso e das pessoas".
VI - Desde que não contrariados por esse modo os princípios da ordem pública interna, é lícita a limitação voluntária do exercício dos direitos de personalidade, designadamente, podendo, em princípio, o exercício do direito ao resguardo, nas suas várias manifestações, ser objecto de limitações voluntárias” (sublinhado nosso).
Ademais, e em manifesto reforço e corroboração argumentativa, resulta que a própria Autora, em Abril de 2013, acabou por escrever um livro onde relata, na primeira pessoa, a experiência vivenciada com a sua doença, e no qual transmite, de forma detalhada e muito circunstanciada, todo o quadro envolvente a tal pedaço da sua vivência, através do qual publicizou, de forma manifestamente reforçada, o seu espaço de reserva, que assim resultou ainda mais restringido ou limitado – cf., facto 81.
O que resulta, claramente, não só do teor da capa do livro, e seu verso, enunciados nos facto 82. e 83., como ainda dos vários excertos transcritos nos factos provados 84. a 102., nos quais se procede, inclusive, ao relato de factualidade de conteúdo manifestamente intimista e do círculo mais reservado, livremente efectuada pela Autora, no exercício do seu direito à  livre definição do próprio campo de reserva sobre a intimidade da sua vida privada.
Donde, tendo agido da forma descrita, não pode concluir-se terem os Réus, ora Recorrentes, autores do Livro, actuado ou agido de forma ilícita e culposa, nomeadamente em violação do direito á reserva sobre a intimidade da vida privada da Autora, nem de qualquer outra forma afectando um qualquer outro direito de personalidade que mereça reconhecimento da devida tutela.
Pelo que, faltando, desde logo, o preenchimento de tais pressupostos ou requisitos constitutivos da afirmada responsabilidade extracontratual ou aquiliana, não pode concluir-se pela sua responsabilização civil, mas antes se impondo o não reconhecimento da civil responsabilização inscrita na sentença apelada.
Ademais, tal conclusão não surge como questionada pelo facto de se ter provado que o exarado no Livro, relativamente a dois pontos circunstanciais ou detalhes, não terá tido total correspondência com a realidade, nomeadamente o facto de nenhum médico ter referenciado à Autora o aduzido no facto 56. e a circunstância dos pais da Autora não estarem ao seu lado quando esta acordou da operação, conforme facto 57. – cf., ainda, facto 52..
Ora, tal circunstância, de um certo romancear dos factos, ou de extracção presuntiva de uma situação de facto, de natural ou previsível sequência relativamente ao relatado pela Autora, e estando em equação uma biografia não autorizada, surge como natural ou entendível, não devendo aí descortinar-se uma qualquer ilicitude, pois, no geral, a verosimilhança é evidente e clara por referência ao teor das entrevistas por aquela concedidas e reportagens realizadas, publicadas em várias revistas de sociedade com a sua anuência, expressa ou tácita.
Conforme referenciado na decisão final proferida no âmbito do procedimento cautelar apenso, entendeu-se assistir aos requeridos o direito à publicação do Livro (ainda que sob determinados condicionalismos), “não obstante do mesmo constarem algumas cenas que foram «dramatizadas» pelos autores desta obra, já que deste facto não deriva qualquer comportamento ilícito, dado que, no fundo, na base, os factos relatados são verosímeis com os vividos pela actriz em questão”.
Conforme concludentemente se sumariou em douto aresto desta Relação de 28/04/2009 [92], “face à exposição pública a que estão sujeitas as personalidades que gozam de notoriedade, e que por isso são conhecidas, não só pelos feitos alcançados mas também pela forma que escolhem para conduzir a sua vida, existe um interesse legítimo por parte do público em conhecer quer os aspectos públicos da sua vida quer, os de cariz privado que possam ser a expressão da actividade pública, contribuindo dessa forma para a referenciada notoriedade”.
Todavia, não ficando “em absoluto, afastada a possibilidade de uma reserva de intimidade, a respectiva delimitação deverá ser feita tendo em conta o que foi divulgado, expressa ou tacitamente, tornando acessíveis circunstâncias da vida da figura pública, principalmente quando o respectivo conhecimento possa ser significativo para os contemporâneos, ou para a posterioridade, apreciarem o destino, o carácter e as acções da pessoa em causa”.
Pelo que, “a realização de uma obra de ficção, baseada em factos biográficos narrados por uma afamada Artista, de inquestionável notoriedade, ou divulgados com o seu assentimento, que de forma dramatizada ou recriada, num exercício de liberdade artística, mas com um mínimo de verosimilhança com a realidade que pretende retratar, relata aspectos da biografia de tal Artista, não põe em causa a honra, bom nome e consideração que lhe são devidas, nem se configura como uma violação à reserva de intimidade, no extravasar do presumível assentimento decorrente da divulgação, levada a cabo pela visada, dos aspectos descritos da sua vida” (sublinhado nosso).
Ora, caso assim não se entendesse, estaríamos perante uma situação de evidente colisão de direitos fundamentais, nomeadamente, por um lado, no que concerne á Autora, o seu direito à reserva sobre a intimidade da sua vida privada e familiar, com reflexos ou extensibilidade no seu direito à imagem ; e, no que concerne aos Réus autores do Livro, os direitos à liberdade de expressão e liberdade de criação intelectual ou cultural, no âmbito mais global da liberdade de imprensa.
O que sempre implicaria que estes direitos tuteladores da posição dos Réus devessem ser harmonizados ou compatibilizados, assim se lhe reconhecendo limites de exercício, com os direitos e bens constitucionais com os mesmos colidentes, ou seja, e in casu, com o direito da Autora à sua privacidade e imagem, no intuito da salvaguarda da sua dignidade enquanto pessoa humana.
Desta forma, sempre seria necessária a adopção dos denominados critérios de concordância prática, da ponderação de valores e da prevalência de direitos naquele campo de conflito, de forma a estabelecer-se pontos de não intercepção ou não interferência entre, por um lado, o que deve ainda ser entendível como liberdade de expressão ou de criação intelectual, no âmbito da liberdade de imprensa, e o que deve ser entendível, por outro, como o espaço de privacidade da Autora, enquanto figura pública, atento o seu grau de exposição e divulgação factual da sua vida privada.
Ou seja, tendo em consideração, num primeiro argumento, a redução da esfera privada da Autora, enquanto figura pública que fomenta ou impulsiona tal exposição ou publicidade, que acicata a curiosidade e interesse do público pela vertente da sua vida privada, mas, num segundo argumento, tendo a necessidade de reconhecer que, também a Autora, e apesar daquela matriz de figura pública, tem direito a um círculo de privacidade mais intimista ou de maior resguardo, no qual se inclui necessariamente uma situação de doença grave.
O que sempre imporia, uma decisão que acautelasse aquele círculo de protecção essencial da intimidade da vida privada da Autora, apesar do efectivo reconhecimento da aludida redução da esfera de protecção da sua intimidade [93].
Devendo, porém, tal operar-se, até ao limite do possível, através da adopção prática do aludido princípio de optimização de direitos e bens constitucionais, através do balizamento dos identificados direitos colidentes, no intuito de lograr-se uma optimização da sua eficácia.    Por que pertinentes e assertivas, retornemos ao aduzido na decisão final proferida no âmbito do procedimento cautelar, donde consta que:
“Segundo o critério da ponderação de bens, estando em causa o exercício de dois direitos constitucionais em colisão, a solução de tal litígio deve resultar de um juízo de ponderação em que se procure, em face da situação concreta, encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais — neste sentido, Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, Almedina, pág. 220. Porém, só existe verdadeiro conflito de direitos quando os mesmos são exercidos dentro dos seus limites uma vez que não há direitos absolutos ou ilimitadamente elásticos — Professor Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, IV Vol., Coimbra Editora, pág. 157.
De acordo com o critério do âmbito material da norma, dir-se-á que os limites de cada direito se determinam em função do seu próprio fim e pela existência de outros direitos. Assim, se o agente, no exercício concreto do direito, ultrapassa o seu fim, extravasa o limite do direito.
O critério do princípio da proporcionalidade assenta na seguinte ordem de raciocínio. Ao direito fundamental de informação cumpre o exercício de uma função pública onde se insere toda a actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria política, social, económica e cultural numa sociedade aberta (cfr. artigos 1.° e 4.° da Lei de Imprensa). O direito à informação afere-se, assim, em função da relevância social da notícia. Pelo que, quando a imprensa actua no domínio do entretenimento, da notícia de pura sensação ou da vida privada dos cidadãos, extravasa o âmbito da garantia jurídico-constitucional do direito à informação.
Quando relata factos no exercício do direito de informação que eventualmente ponham em causa o bom nome e honra das pessoas, o jornalista deve expor os factos do modo mais comedido possível, com moderação e  urbanidade, dentro do propósito de informar com ponderação, adequação na forma e verdade (veja-se o artigo 1 1 .°, n.° 1 do Estatuto do Jornalista que exige a este rigor e objectividade).
Com efeito, conforme explica o Professor Figueiredo Dias «...é indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento da função pública da imprensa; ou mais exactamente: de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto. Por isso mesmo o meio utilizado não só não pode ser excessivo, como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido. Qualquer "excesso" pode ser suficiente para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito...» (in Direito de informação e tutela da honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ, Ano 115.°, págs. 137 e 170).
O critério do princípio da proporcionalidade e da ponderação de bens estão mesmo consagrados ao nível do Código Civil.
Na verdade, o artigo 335.°, do Código Civil, dispõe que, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. Se os direitos forem de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
Em obediência estrita a este último critério, dir-se-á então que o direito à reserva da vida privada, ao bom-nome e reputação está acima e sobrepõe-se ao direito de informação e crítica da imprensa” [94].
Todavia, conforme supra consignámos, tendo tal factualidade relativa à doença sido tornado pública pela própria Autora, ainda no exercício do espaço de liberdade de gestão da sua esfera privada, não é possível concebê-la, limitá-la ou aprisioná-la no espaço de reserva de intimidade daquela, fora do conhecimento colectivo, pelo que sempre se preponderia pela concessão de prevalência à afirmada liberdade de expressão e liberdade de criação intelectual que assiste aos autores de tal escrito.
J) Da conduta e (ir)responsabilidade dos demais Réus
Relativamente á reconhecida responsabilidade dos Réus, ora Apelantes, P……. (proprietária do jornal Correio da Manhã e editora do Livro) e O……. (director do mesmo jornal), entendeu-se na sentença apelada que não tendo os Réus M……. e J……. elaborado o respectivo escrito (Livro) na qualidade estrita de empregados da Ré P……., não se poderia falar em relação de comissão, com as inerentes consequências jurídicas.
Todavia, na consideração da estreita ligação daqueles jornalistas com o jornal Correio da Manhã (o Réu M……. chefe de redacção e o Réu J……. jornalista do mesmo – cf., facto 3.), pertença da Ré P……., cabia a esta certificar-se da legalidade da publicação que lhe foi solicitada, pelo que aqui já se poderia falar em relação de comissão, respondendo a Ré sociedade pelo ilícito cometido, pelo menos negligentemente, pelos seus empregados.
Por sua vez, no que concerne ao Réu O……., director do jornal Correio da Manhã, incumbia-lhe provar que se opôs á distribuição do referido escrito, juntamente com o jornal Correio da Manhã.
Donde, não logrando efectuar tal prova, é responsável, daí se reafirmando, igualmente, a responsabilidade da Ré sociedade P……., atento o vínculo laboral existente entre aquele e esta, sendo solidária a responsabilidade entre os vários demandados (o artº. 497º, do Cód. Civil.).
Ora, e independentemente dos fundamentos argumentativos dos Apelantes, relativamente á responsabilidade dos sujeitos ora em equação – da existência ou não de suficiente alegação factual fundante da responsabilidade inscrita no artº. 500º, do Cód. Civil ; da eventual exigência de se aferir acerca da responsabilidade dos funcionários do departamento de marketing da sociedade editora, para o funcionamento do mesmo normativo ; da responsabilidade desta mesma sociedade editora por decorrência do vínculo contratual com o Réu director ; da eventual inaplicabilidade da Lei de Imprensa na responsabilização do director do jornal, nomeadamente do regime do seu artº. 29º, , pois apenas aplicável aos conteúdos publicados (inseridos) numa publicação periódica, sendo antes aplicável o regime geral da responsabilidade civil – decorre claramente do artº. 500º do Cód. Civil, já supra transcrito, que prevê, no âmbito da responsabilidade objectiva ou pelo risco, a propósito da responsabilidade do comitente, que esta depende ou está condicionada à existência de responsabilidade culposa por parte dos comissários.
Ora, conforme constatámos, e independentemente da existência ou não de uma efectiva e concreta relação de comissão entre a Ré P……., enquanto editora do Livro e proprietária do jornal, e os seus autores, enquanto jornalistas, atenta a especificidade do escrito em equação e o facto da mesma Ré não ter escolhido o título, teor ou imagem utilizados (cf., facto 74.), não se logrando reconhecer a responsabilidade ilícita e culposa destes, não se preenche o fundamento de responsabilidade objectiva ou pelo risco da comitente, por omissão de verificação da condicionante inscrita no último segmento do nº. 1, do mesmo artº. 500º.
O que, desde logo, e com base no presente fundamento, afasta a responsabilidade da Ré, ora Apelante, P……. .
No que concerne à responsabilidade do Réu, ora Apelante, O……., enquanto director do jornal, não se reconhecendo a responsabilidade civil dos co-Réus autores do Livro, surge como inquestionável a sua não responsabilização.
E, tal conclusão não é contraditada ou colocada em causa pela fonte de responsabilidade civil inscrita no já referenciado artº. 29º da Lei da Imprensa, ao consagrar uma situação de presunção legal [95].
Por um lado, sempre seria de deveras dificuldade a consideração do Livro como “inserido em publicação periódica”, nos termos que já justificámos (a que a acresce a efectiva prova de que o mesmo poderia ser vendido com ou em separado do jornal – cf., facto 79.) e, por outro, tal responsabilidade solidária, por presunção conducente a um juízo de culpa relativamente ao director, sempre dependeria do reconhecimento da natureza ilícita e culposa do escrito inserido na publicação. Natureza que, conforme concluímos, não se verifica, o que igualmente afasta a responsabilização civil do Réu director do jornal.
Relativamente ao qual, ademais, sempre se imporia a ponderação da concreta prova de que a venda de um livro ou de qualquer outro produto com o jornal “Correio da Manhã” constitui uma opção de marketing, tomada pelo departamento de marketing da ré P……., constituindo uma área de negócio autónoma que não se confunde com o produto que é o jornal, que não é o director do jornal quem escolhe quais os produtos que são vendidos com o mesmo e que o Livro não foi elaborado a pedido do director do jornal nem este teve qualquer influência na sua elaboração – cf., factos 71. a 73..
K) Dos efeitos sob o petitório accional julgado procedente
Aqui chegados, e considerada a inexistência de uma situação de não responsabilização civil dos Réus, por ausência de preenchimento dos pressupostos legais determinantes de efectiva responsabilidade por factos ilícitos, aquiliana ou extracontratual, resulta evidente não poder manter-se o segmento condenatório identificado na alínea a) do dispositivo da sentença apelada, nomeadamente a condenação solidária dos Réus a pagar á Autora, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de 25.000,00 €.  
Determinando-se, nesta parte, num juízo de parcial procedência das conclusões recursórias, a revogação da sentença recorrida.
No que concerne à alínea b) do mesmo decisório, julgamos, igualmente, não poder manter-se o teor do decidido. E isto, independentemente do Livro em equação (e o que está em equação é o que consta como doc. nº. 2 junto aos autos da providência cautelar) já ter sido, ao que parece e depreende-se do alegado nos autos, objecto da devida edição e distribuição, nos termos determinados na decisão final proferida em sede do procedimento cautelar.
Pelo que, na consideração de que o título do Livro não corresponde propriamente á verdade, pois a Autora nunca afirmou “V…….”, contendo uma suposta frase da Autora em discurso directo, que pode ser entendida como tendo sido proferida pela mesma, e que o Livro seria da sua pessoal autoria – cf., factos 51. e 69. -, impõe-se, tal como decidido naquela sede, que a admissibilidade da sua publicação fique condicionada à adopção de um outro título [96], devendo ainda constar, de forma expressa e visível, tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Autora.
Donde, neste segmento, a procedência das conclusões recursórias surge apenas com vestes de parcialidade.
Em acréscimo, consigna-se, no que concerne aos demais fundamentos recursórios, atento o teor do decidido, configurar-se uma situação de prejudicialidade, ou seja, e nomeadamente, o reconhecimento da não responsabilização civil dos demandados, prejudica o efectivo e real conhecimento dos demais argumentos contidos no objecto de recurso formulado – cf. o nº. 2 do artº. 608º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil.
Determinando, em guisa conclusiva, juízo de parcial procedência da presente apelação, revogando-se parcialmente a sentença recorrida/apelada, nos segmentos integrantes do objecto recursório, a qual se substitui por outra que, relativamente às alíneas a) e b) do dispositivo daquela, passe a ter a seguinte redacção:
“ a) absolver os Réus P……., O……., M……. e J……., do pagamento à Autora de indemnização/compensação a título der danos não patrimoniais ;
b) condenar os mesmos réus P…….., O……., M…… e J……. a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial], salvo se fizerem constar do mesmo um diferenciado título, bem como, de forma expressa e visível, tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Autora”.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação opera-se nos seguintes termos:
- relativamente á acção:
Custas a cargo da Autora e Réus na proporção, respectivamente, de 83,3% e 16,7% ;
- relativamente ao recurso:
Custas a cargo dos Recorrentes/Apelantes/Réus e Recorrida/Apelada/Autora, na proporção, respectivamente, de 25% e 75%.           
*
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa no seguinte:
Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes/Recorrentes/Réus P……., O……., M……. e J……., em que figura como Autora/Recorrida/Apelada MARIA e, consequentemente, decide-se:
I) revogar parcialmente a sentença recorrida/apelada, nos segmentos integrantes do objecto recursório, a qual se substitui por outra que, relativamente às alíneas a) e b) do dispositivo daquela, passe a ter a seguinte redacção:
a) absolver os Réus P……., O……., M……. e J……., do pagamento à Autora de indemnização/compensação a título de danos não patrimoniais ;
b) condenar os mesmos réus P……., O……., M……. e J……. a não proceder à publicação e distribuição do livro que constitui o documento n.º 2 junto aos autos de procedimento cautelar em apenso [e oferecido com o respectivo requerimento inicial], salvo se fizerem constar do mesmo um diferenciado título, bem como, de forma expressa e visível, tratar-se de uma biografia ou trabalho não autorizado pela Autora”.
Relativamente à tributação:
- no que concerne á acção:
Custas a cargo da Autora e Réus na proporção, respectivamente, de 83,3% e 16,7% ;
- no que concerne ao recurso:
Custas a cargo dos Recorrentes/Apelantes/Réus e Recorrida/Apelada/Autora, na proporção, respectivamente, de 25% e 75%.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Almedina, pág. 572 e 573.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 423.
[4] Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Procedimento Cautelar Comum, Almedina, 1998, pág. 127 e 128.
[5] Idem, pág. 131 e 134.
[6] Em sentido aparentemente divergente, referenciam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre – Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 22 – resultar do nº. 4 do artº. 364º que nenhuma influência pode ter na acção principal o julgamento da matéria de facto, “não se aplicando o art. 421-1 (relativo ao valor extraprocessual das provas), mesmo na sua parte final (mero princípio de prova)”.
[7] Tinha o presente facto a seguinte redacção original: “No dia 6 de Abril de 2009, Sandra Faria, representante artística da autora, recebeu uma chamada telefónica do réu M…….; este identificou-se, disse que era do jornal “Correio da Manhã” e que no dia 16 de Abril de 2009 iria ser publicado e distribuído junto com o referido jornal um livro sobre a vida da autora e que a receita da venda reverteria a favor da União dos Doentes com Cancro e pretendia saber se a autora queria que a receita revertesse para outras instituições [resposta ao ponto 1. da BI]”.
[8] Originalmente, o presente ponto tinha a seguinte redacção: “Com o referido na alínea I), o réu M…….. deu a entender que a autora boicotou um suposto rendimento a favor da associação humanitária de doentes com cancro [resposta ao ponto 5. da BI]”.
[9] Era a seguinte a redacção inicial do presente ponto: “O réu M……., ao referir que o livro é exemplar e que não contém factos sobre a vida privada da autora – o que não é verdade -, levou o público a pensar que a autora vetou a sua publicação por mero capricho [resposta ao ponto 6. da BI]”.
[10] Originalmente o presente facto tinha a seguinte redacção: “Maria estava avisada pelos médicos: Mais ano, menos ano, muito provavelmente iria sofrer de cancro da mama.”, pág. 9 do livro - a autora nunca recebeu tal aviso [resposta ao ponto 9. da BI]”.
[11] Anteriormente, o presente facto tinha a seguinte redacção: “Ao final da tarde, quando dava de mamar pela primeira vez à bebé, o simbolismo do momento transforma-se em sobressalto: Maria descobre um nódulo que a deixa seriamente preocupada”, pág. 15 - a descoberta do nódulo não foi assim [resposta ao ponto 10. da BI]”.
[12] Tinha o presente facto a seguinte redacção: “Uma semana depois da biopsia, uma segunda-feira à noite, Maria, roída de inquietação e impaciência, telefonou à médica” – págs. 16 e 17; a autora não estava roída de inquietação e impaciência [resposta ao ponto 11. da BI]”.
[13] O presente facto tinha a seguinte redacção: “A primeira coisa que fez foi levar a mão ao peito. Sentiu o volume dos pensos. “Correu bem?” – perguntou Fernanda ao médico. Ele respondeu-lhe que sim. Não fora preciso amputar a mama.”- pág. 23 - a autora não disse nunca que sentiu o volume dos pensos [resposta ao ponto 14. da BI].
[14] Tal facto tinha a seguinte redacção originária: “A capa do livro, com uma foto da autora e uma suposta frase desta, na primeira pessoa, “Venci o cancro”, induziria o público a pensar que o livro era o relato na primeira pessoa sobre a sua doença [resposta ao ponto 26. da BI]”.
[15] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[16] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[17] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, Vol. III, pág. 102.
[18] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[19] Idem, pág. 603, citando doutrina de Alberto dos Reis, bem como o sustentado no douto aresto da RP de 28/10/2013, Processo nº. 3429/09.5TBGDM-A, no sentido de que “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1 do citado art. 615º do Novo Código Processo Civil. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
[20] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 370, especifica traduzir-se o presente vício na “falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os nºs. 3 e 4 do artº 607º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada ; [esta última pode afectar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando, contudo nulidade]”, citando Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 140.
[21] Neste sentido, cf, entre outros, o douto aresto do STJ de 06/07/2017, Relator: Nunes Ribeiro, Processo nº. 121/11.4TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[22] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 603.
[23] Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 7598/12.9TBCSC-A.L1-6, in  http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf , citado pelo Apelante.
[24] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[25] Ob. cit., pág. 606.
[26] Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 126 e 127.
[27] Idem, pág. 135 a 137.
[28] Referem, ainda, o mesmo Autor e obra – fls. 138, nota 27 -, que os tribunais franceses vêm recusando a aplicação do princípio do contraditório “nos casos em que o tribunal se limita a retificar a qualificação feita pelas partes”. Acrescenta, porém, que tal só é de aceitar na medida em que “não acarrete a aplicação duma norma jurídica diversa ou, acarretando-a, os efeitos desta norma não sejam substancialmente diversos dos da norma precedentemente considerada, caso em que é indiscutível que nos encontramos perante uma nova questão de direito” sublinhado nosso).
[29] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 19 e 20.
[30] Idem, pág. 20.
[31] Relator: Roque Nogueira, Processo nº. 543/05.0TBNZR.C1.S1, in www.dgsi.pt .
[32] Temas da Reforma do Processo Civil, 1º vol., 2ª ed., pág.77.
[33] Relator: Hélder Roque, Processo nº. 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[34] Relator: Conselheiro Messias Bento, Processo nº. 102/2001, Jurisprudência do Tribunal Constitucional, in www.dgsi.pt .
[35] Ob. cit., pág. 370 e 371.
[36] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605.
[37] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[38] Idem, pág. 285 a 287.
[39] Relatora: Maria Clara Sottomayor, Revista nº. 5146/10.4TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[40] Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 206-207.
[41] Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 433.
[42] «Matéria de Facto-Matéria de Direito», RLJ, Ano 129, pp.162-165.
[43] Idem, pág. 166 e 167.
[44] Ob. cit., pág. 212.
[45] Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 312.
[46] Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, 1999, p. 147.
[47] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 637-638.
[48] do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, Processo n.º 151/97, Relator: Conselheiro Sousa Inês.
[49] Relator: Júlio Gomes, Processo nº. 19035/17.8T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[50] Anotação ao Acórdão do STJ de 28/9/2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1, Blog IPPC, Jurisprudência 784.
[51] Relator: Nuno Cameira, processo n.º 07A3060.
[52] A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107.
[53] No mesmo sentido, cf., o douto aresto do STJ de 19/05/2021, relatado pelo mesmo Relator (Júlio Gomes), Revista nº. 9109/16.8T8PRT.P2.S1, in www.dgsi.pt , no qual se sumariou que “não deve o Tribunal da Relação eliminar como conclusivos, factos que contenham um substrato factual relevante, ainda que acompanhado de valorações”.
[54] Relatora: Graça Amaral, Revista nº. 2124/17.6T8VCT.G1-S1, in www.dgsi.pt.
[55] Processo n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1.
[56] Apelação nº. 20514/17.2T8LSB, Relatora: Gabriela Cunha Rodrigues, na qual os ora Relator e 1º Ajunto figuraram como Adjuntos ; cf., igualmente, desta Secção e Relação, o Acórdão de 17/12/2020, Apelação nº. 1011/11.6TBAGH.L1.L1, no qual interveio o mesmo Colectivo.
[57] Ob. cit., pág. 276.
[58] A sua aplicação directa decorre do artº. 6º do Tratado da União Europeia, ao estatuir que “a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados” – cf., o nº. 1.
[59] Lei nº. 02/1999, de 13/01, alterada, sucessivamente, pela Lei nº. 18/2003, de 11/06, Lei nº. 19/2012, de 08/05 e Lei 78/2015, de 29/07.
[60] Aprovado pela Lei nº. 01/99, de 13/01.
[61] Aprovado pelo DL nº. 63/85, de 14/03.
[62] Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. I, Lisboa, 1987, pág. 116.
[63] O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 151 e 152.
[64] Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, pág. 104.
[65] Nas várias obras aí referenciadas, entre as quais Teoria Geral da Relação Jurídica (Direito Civil), (ap. Santos Justo), Coimbra, 1973, pág. 275 e segs..
[66] Paulo Mota Pinto, A Limitação Voluntária do Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada, Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. II, Coimbra, 2001, pág. 548.
[67] Defende Tiago Soares da Fonseca – Da Tutela Judicial Civil dos Direitos de Personalidade, ROA, Ano 66, Vol. I, Janeiro de 2006 – resultar do nº. 1, do artº. 80º, do Cód. Civil, que “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem. Apesar da letra do preceito apenas falar em reserva dos factos atinentes, «não pode ser retirado “a contrario” a licitude da invasão da privacidade alheia desde que mantida a reserva.» Tal interpretação levaria à admissão de situações igualmente atentatórias da dignidade da pessoa, que o legislador não pretendeu ver reconhecidas. Alguns autores defendem que o art. 80.º do Cód. Civil apenas consagra um afloramento do chamado direito à privacidade, direito mais extenso que o conteúdo do próprio preceito.
A devassa da vida privada expõe as pessoas quase totalmente. Manifesta-se através da publicidade, do jornalismo, dos chamados “ficheiros de crédito”, do cruzamento de informação e, desde os inícios dos anos oitenta, através da informática( em particular e mais recentemente, da internet. OLIVEIRA ASCENSÃO vai ao ponto de afirmar que «cada pessoa passa assim a viver numa espécie de liberdade condicional. Está constantemente exposta, ou dependente de quem a expõe. A todo o momento pode ser liquidada por factos tirados do passado, revelados na medida necessária e momento oportuno.»”.
[68] Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 316 a 325.
[69] Idem, pág. 326 a 328 (nota 824).
[70] Ibidem pág. 338 a 341 (nota 855).
[71] Diritto alla riservatezza e «droit à l’oubli», in L’informazione e i diritti della persona, Nápoles, Jovene, 1983, pág. 107.
[72] Por analogia do estatuído no artº. 217º do Cód. Civil, o consentimento em equação pode ser expresso ou tácito, “mas neste último caso só quando resulte de factos inequívocos, sendo de excluir a existência de presunções factuais de autorização tácita de captação ou divulgação de imagens ou de factos  da vida privada” – cf., Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 350, nota 873.
[73] Idem, pág. 341 a 344 e 349, notas 860, 861 e 873.
[74] Ob. cit., pág. 527 a 529.
[75] Idem, pág. 532 a 536.
[76] Ibidem, pág. 539 e 549.
[77] Ibidem, pág. 550 e 551.
[78] A Tutela da Pessoa e da sua Personalidade: algumas questões relativas aos direitos à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao carácter, pág. 31 a 34, CEJ, Colecção Formação Contínua, 2017, A Tutela Geral e Especial da Personalidade Humana.
[79] Do conteúdo Patrimonial do Direito á Imagem, Coimbra Editora, 2009, pág. 55 e 57.
[80] Idem, pág. 82 a 84.
[81] Ibidem, pág. 295 e 297.
[82] Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág. 571.
[83] Idem, pág. 573 a 575.
[84] Liberdade de Imprensa e Vida Privada, ROA, Ano 54, Abril 1994, pág. 102 e 130 a 135.
[85] El Derecho a la Intimidad, Madrid, 1983, pág. 44.
[86] Relator: Nuno Gomes da Silva, Processo nº. 0039719, in www.dgsi.pt .
[87] Acerca da presente questão, sumariou-se no douto aresto do STJ de 15/02/2005 – Revista nº. 3875/04, 1ª Secção, Relator: Faria Antunes, in CEJ, Colecção Formação Contínua, 2017, A Tutela Geral e Especial da Personalidade Humana, ob. cit. -, que “mesmo sendo figura pública - conhecida actriz e apresentadora de televisão - a pessoa tem o direito de não ser vilipendiada, amesquinhada, apoucada, no seu valor aos olhos da sociedade, de não ser atingido, mormente perante o grande público, designadamente enquanto protagonista da profissão que abraçou.
II - Como direito subjectivo absoluto, que vincula todos os particulares e entidades públicas (vale erga omnes), o direito da A. à preservação da honra, bom nome e reputação.
III - Provando-se que a R., proprietária de um conhecido jornal de circulação nacional, fez publicar dois artigos sobre a A., num dos quais se refere que esta esteve ameaçada de ficar sem emprego na novela de que era protagonista, o que era falso, artigos que davam da A. uma imagem de pessoa conflituosa, como a R. bem sabia, actuou de forma ilícita e culposa, ofendendo a honra da A., seu bom nome e reputação”.
Ainda no âmbito da colisão de direitos, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 08/05/2013 – Relator: Alves Velho, Processo nº. 1755/08.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt -, que “se o conteúdo duma reportagem, em que se inclui a informação sobre a localização da residência do autor, “figura pública”, em nada se relaciona, directa ou indirectamente, com a actividade em que o mesmo adquiriu notoriedade e fama, não pode deixar de se considerar que não há direito de liberdade de imprensa, por inexistir razão para não permanecer reservado aquilo que, respeitante à reserva da vida privada, não é exigido pelo interesse público, por muito que, reportado ao específico público-alvo da publicação, possa ser do interesse desse público.
III - Nesse caso, do ponto de vista da formação da opinião pública, informando e sendo informada, o direito emerge despido do objecto justificativo da garantia de liberdade de informação, pois que o interesse da informação se fica pelo puro campo do privado, desprovido de qualquer dimensão de interesse público social, mas em colisão com o interesse público constituído pela protecção da vida privada e como tal reconhecido pelo sistema jurídico”.
[88] Direito Constitucional, 4ª Edição, Almedina, 1986, pág. 495 e 496.
[89] Conforme referenciado no douto aresto do STJ de 14/06/2005 – Relator: Nuno Cameira, Processo nº. 05A945, in www.dgsi.pt -, "simplesmente, 'pagar" o preço da fama, ser uma figura pública, não significa ter que renunciar antecipadamente aos direitos de personalidade, abdicando deles na totalidade e sujeitando-se à invasão e devassa da privacidade em toda e qualquer circunstância. A lei diz — art.° 80°, n° 2, do CC — que a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas. São estes os dois elementos, um objectivo e outro subjectivo, em função dos quais se delimita a protecção do titular do direito".
Donde, "a invocação do direito de informar consagrado no art.° 37°, n° 1, da Constituição não legitima a conduta do lesante se não houver qualquer conexão entre as imagens ou factos divulgados pertencentes ao foro privado do lesado e a actividade profissional por ele desempenhada que originou a sua notoriedade pública".
[90] Sumariou-se me douto aresto desta Relação de 15/03/2007 – Relator: José Eduardo Sapateiro, Processo nº. 10344/2006-6, in www.dgsi.pt -, que “relativamente a pessoas que ganharam o estatuto de figuras públicas, como a Autora, a divulgação da sua imagem e de aspectos da sua vida privada, embora sujeita naturalmente a restrições, não pode ser aferida pela mesma bitola de exigência e rigor que é utilizada para um qualquer cidadão anónimo e desconhecido, constituindo, de alguma maneira e de acordo com a nossa doutrina e jurisprudência mais conceituadas, o preço, por vezes indesejável, da fama e exposição públicas.
II – Concordando-se ou não com o mercado das chamadas revistas cor-de-rosa e com as necessidades fúteis e de baixo nível que também satisfazem, certo é que a informação particularizada e específica que presta, não pode ser, liminar e radicalmente excluída ou erradicada, por, como diz a Autora, não se traduzir na divulgação de factos de interesse e relevância públicas, pois o direito à liberdade de expressão, informação e imprensa (artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa) engloba e enquadra também aquele tipo de publicações e o respectivo conteúdo, sendo certo que o referido conceito de interesse e relevância pública é relativo, mutável e bastante abrangente, podendo abarcar também o universo em análise (sem prejuízo dos limites e sanções legais que para ele, como para toda a restante comunicação social, se encontram consagrados – cf., por exemplo, o artigo 39.º da Constituição da República Portuguesa)” (sublinhado nosso).
[91] Relator: Oliveira Barros, Processo nº. 03B2361, in www.dgsi.pt .
[92] Relatora: Ana Resende, Processo nº. 1971/08.4TVLSB.L1-7, in www.dgsi.pt .
[93] No douto Acórdão do STJ de 27/11/2007 – Relator: Silva Salazar, Revista nº. 3341/07, 6ª Secção, in CEJ, Colecção Formação Contínua, 2017, A Tutela Geral e Especial da Personalidade Humana, ob. cit. -, sumariou-se, acerca da colisão de direitos em referência, que “apesar do direito de informar consagrado, além do mais, no art. 37.°, n.ºs 1 e 2, da CRP, não pode deixar de se ter em conta que a liberdade de informação tem limites, como é o caso da necessidade de respeito pelos direitos à integridade moral, ao bom nome e reputação, à imagem, à dignidade pessoal e à não utilização abusiva ou contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas, também consagrados na Constituição (arts. 25.° e 26.°) e regulados na lei ordinária (arts. 70.°, 79.° e 484.° do CC), limites esses cuja inobservância dá origem a direito de indemnização pelos danos sofridos, como logo resulta do disposto nos n.ºs 3 e 4 daquele art. 37.º, e que nem o interesse de tornar qualquer publicação apelativa de forma a aumentar a sua circulação e venda justifica sejam ultrapassados” ; por sua vez, em douto aresto do mesmo Alto Tribunal, datado de 27/09/2007 – Relator: Alberto Sobrinho, Revista nº. 2528/07, 7ªÇ Secção, na mesma Colectânea -,  menciona-se que “ainda que constituindo o direito à liberdade de expressão um pilar essencial do Estado de Direito democrático, o certo é que esse direito não pode ser exercido com ofensa de outros direitos, designadamente o direito ao bom nome e reputação, direito de igual dignidade e idêntica valência normativa”.
[94] Fora dos quadros do consentimento, em que operamos, na sequência da conduta da Autora, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 17/12/2009 – Relator: Oliveira Rocha, Processo nº. 4822/06.0TVLSB, in www.dgsi.pt – que “por aplicação do disposto no citado art. 335º do C. Civil, há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva) atentar contra os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação”.
[95] Conforme sumariado no douto Acórdão do STJ de 14/02/2012 – Relator Hélder Roque, Processo nº. 5817/07.2TBOER.L1.S1, in www.dgsi.pt -, “impondo-se ao director da publicação o dever, de acordo com as competências definidas por lei, de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo, em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao mesmo do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra uma presunção legal, porque a lei considera certo um facto quando se não faça prova em contrário.
II - Esta presunção legal dispensa o lesado do ónus da prova do facto a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do agente, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a natureza tantum iuris da presunção em causa.
III - O art. 29.º, n.º 2, da Lei da Imprensa, não determina, como condição da efectivação da responsabilidade da proprietária da publicação, que o director da mesma seja demandado, conjuntamente com aquela, por inexistir uma situação de litisconsórcio necessário passivo, relativamente ao director da empresa, independentemente de se ter provado que o escrito tinha ou não sido publicado com o conhecimento e sem a oposição do mesmo” (sublinhado nosso).
Acerca da presente presunção legal, cf., ainda, o douto Acórdão desta Relação e Secção de 09/06/2011, Relatora: Teresa Albuquerque, Processo nº. 604/09.6TVLSB.L1, in www.dgsi.pt .
[96] E isto, apesar de reconhecer-se, conforme sumariado no douto Acórdão do STJ de 10/07/2008 – Relator: Henriques Gaspar, Processo nº. 08P1410, in www.dgsi.pt -, “na imprensa escrita, os títulos, bem como as fotografias ou outras representações gráficas, têm uma função de destaque preliminar, imediato, impressivo que se destina a transmitir uma mensagem de primeira aparência, simples e mais facilmente apreensível sobre determinados factos noticiados ou sobre comentários produzidos.
Os títulos pretendem evidenciar os aspectos mais característicos da notícia, «apresentando-a de forma icástica e sintética», com «particular força impressiva», possuindo, por isso, muitas vezes, «uma acrescida eficácia corrosiva»; constituem uma «síntese» que «por antonomásia se identifica com o conteúdo total da notícia», com a consequência de muitas vezes a imagem ou a impressão resultante do título ser aquilo que se retira e se fica a saber (cf. Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, págs. 620-621). Por isso, para intensificar a força das impressões, o título exorbita, por vezes, dos factos narrados, em «escala variável» de distanciamento com maior ou menor deformação ou desvio dos textos a que se refere e que pretende apresentar de forma sintética”.