Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16130/20.0T8LSB.L2-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL
PRÉVIA REVOGAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. No artigo 22.º da CRP consagra-se o princípio geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas por danos decorrentes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa, por ação ou omissão dos respetivos titulares de órgãos, funcionários ou agentes, lesivos de direitos, liberdades e garantias de outrem. 
II. No direito ordinário, o regime jurídico relativo à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, RRCEE, encontra-se regulado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12, sendo que a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional encontra-se regulada nos artigos 12.º a 14.º do RRCEE.
III. O artigo 13.º trata da «responsabilidade por erro judiciário».
IV. Tal preceito reporta-se a situações de patente, ostensiva, evidente, desconformidade do decidido com o regime constitucional e legal vigente ou os respetivos fundamentos factuais.
V. Em termos exclusivamente subjetivos, o apontado artigo 13.º respeita tão-só a atos ou omissões cometidas por magistrados judiciais.
VI. No erro judiciário a que se reporta o referido artigo 13.º, n.º 1, do RRCEE cabem, em particular, as situações de «sentença penal condenatória injusta» e «de privação injustificada da liberdade» e, em geral, «decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto».
VII. O n.º 2 do artigo 13.º do RRCEE, estabelecendo que «[o] pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente», é aplicável em situações como a presente em que o invocado erro judiciário da decisão (alegadamente) danosa decorre da (suposta) violação do Direito da União por parte do STJ e não estava vedada a via do recurso de revisão do acórdão proferido por esse tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 696.º, al. h), 696.º-A, 701.º e 701.º-A, todos do CPCivil, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13.09, que procurou precisamente responder às questões de (in)constitucionalidade e (des)conformidade com o direito da União Europeia do referido artigo 13.º, n.º 2.
VIII. No descrito contexto, a exigência de «prévia revogação da decisão danosa», conforme artigo 13.º, n.º 2, do RRCEE, constitui pressuposto do direito indemnizatório em causa, pelo que a sua não verificação acarreta a improcedência da ação, com absolvição do pedido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
Em 30.07.2020 a A., ICTS PORTUGAL – EMPRESA DE SEGURANÇA PRIVADA, SA., intentou ação declarativa com processo comum contra o R., ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação deste
«a) No pagamento na quantia de 405.107,23€ (…)
b) No pagamento daquelas quantias que se apurarem na pendência da presente acção judicial ou em liquidação de sentença a título de danos futuros determinados [referente à devolução do subsídio de desemprego aos trabalhadores supra referidos no período de Outubro de 2013 (data da apresentação da petição inicial dos trabalhadores que deu origem à acção de Processo Comum n.º …/…) a 31 de Dezembro de 2018, não inferiores a € 242.515,65];
c) A pagar as referidas quantias acrescidas de custas e juros de mora desde as datas de pagamento pela A. (aos trabalhadores e à Segurança Social) e até efectivo e integral pagamento por parte do R.».
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que, no exercício da sua atividade de prestação de serviços de segurança privada, em 15.06.2007 celebrou com a Portos dos Açores, SA., um contrato de prestação de tais serviços em portos dos Açores, razão pela qual contratou diversos trabalhadores, com eles celebrando contrato de trabalho.
Referiu também que a partir de julho de 2013, na sequência de concurso público, os referidos serviços de segurança em portos dos Açores foram adjudicados à Securitas, SA., termos em que a aqui A. comunicou à Securitas a transmissão de todos os referidos contratos de trabalho, o que não foi por ela aceite.
Nesse contexto, os referidos trabalhadores contratados pela A. intentaram contra esta e a Securitas uma ação de impugnação do despedimento, a qual teve o n.º 357/13.3TTPDL, sendo que o Tribunal de 1.ª Instância e o da Relação consideraram ter havido despedimento ilícito e que este havia sido concretizado pela Securitas.
Inconformada com tal decisão, a Securitas dela recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, em 06.12.2017, considerou procedente a revista, por concluir que não existia no caso transmissão de estabelecimento, o que a A. considera constituir um grave erro de interpretação e aplicação da Lei, contrariando acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 19.10.2017 proferido na matéria.
A A. alegou igualmente que em razão daquele erro e da subsequente remessa dos autos ao Tribunal desta Relação de Lisboa, esta declarou ilícito o despedimento dos trabalhadores, retirando daí as respetivas ilações, termos em que que condenou a A. no pagamento de diversas quantias, as quais correspondem ao peticionado na presente ação, tendo tal decisão da Relação sido confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O R. deduziu contestação na qual, em resumo, impugnou parte da factualidade alegada pela A. e referiu que as decisões judiciais referidas pela A. em apoio da sua pretensão indemnizatória não patenteiam qualquer erro de direito ou consubstanciam o erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto, sendo que as imputações da A. são efetuadas de forma vaga e abstrata, tendo tais decisões transitado em julgado e não foram revogadas pela jurisdição competente, termos em que o R. concluiu pela improcedência da ação.
Após audiência prévia, em 11.07.2022 o Juízo Central Cível de Lisboa proferiu saneador-sentença na qual julgou a ação improcedente, absolvendo o R. do pedido.
Inconformada, a A. recorreu daquela decisão, sendo que em decisão singular de 03.04.2023 este Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão com o seguinte teor:
«anulo a decisão recorrida e ordeno que seja proferida decisão em que se explicite com suficiência e clareza a matéria de facto, e correspondente motivação, que venha a fundamentar a nova decisão».
Devolvidos os autos à 1.ª instância, em 16.05.2023 o Juízo Central Cível de Lisboa julgou a ação improcedente, absolvendo dela o R. do pedido.
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A., a qual apresentou as seguintes conclusões:
«A) A Recorrente (prestadora de serviços de segurança privada) intentou a presente acção de processo comum, pedindo a responsabilidade do Recorrido (erro judiciário no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2017) ao abrigo da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro;
B) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2017, em análise, é uma decisão colegial e proferido no âmbito de um recurso de Uniformização de Jurisprudência;
C) De acordo com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, este entendeu que o actual Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, consagrado no n.º 2 do seu artigo 13.º a necessidade de prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente como requisito ou pressuposto específico da acção de indemnização, é manifesto que falha de forma flagrante;
D) Mais entendeu que as decisões que a aqui Autora afirma padecerem de erro judiciário transitaram em julgado não tendo sido previamente revogadas pela jurisdição competente, pelo que (mesmo que a A. conseguisse demonstrar todos os restantes factos), os autos nunca permitiriam afirmar a ilicitude da actuação imputada ao Estado, falhando de forma manifesta um pressuposto necessário de procedência da presente acção de responsabilidade civil;
E) Em conformidade, decidiu, em suma, julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido;
F) Efectivamente, a Recorrente intentou uma acção contra o Recorrido Estado Português, considerando que o Acordão de 6 de Dezembro de 2017 padece de erros judiciários (tal decisão é ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto), pois a respectiva decisão considera que não que existe transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores numa situação de transmissão de unidade económica por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público na adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância;
G) A Recorrente não tinha legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional (artigos 72.º, n.º 1, da a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, e 631.º do Código de Processo Civil), porque não foi parte vencida no Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017, nem existia matéria para recorrer para o Tribunal Constitucional (nem o Tribunal a quo esclareceu se, consoante a sua perspectiva, existiam motivos para o efeito. E a nova decisão proferida pelo Tribunal a quo não refere se, na sua perspectiva, existem motivos para o efeito, o que era fundamental para sustentar a decisão de Direito, conforme exposto vai);
H) O erro judiciário que origina o dever de indemnizar procede de órgão jurisdicional que decida em última instância - Supremo Tribunal de Justiça -, reporta-se à devida interpretação ou aplicação do direito, pelo que pode e deve ser dispensada a prévia revogação da decisão que contém aquele erro;
I) A decisão danosa foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (decisão colegial), exercendo este tribunal o último grau de jurisdição, não existindo a possibilidade da recorrente reclamar para a conferência, nem podia, a Recorrente, conforme as regras do Código de Processo Civil e Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, recorrer para este último tribunal;
J) No que concerne aos factos danosos: está em causa a aplicação do artigo 285.º do Código do Trabalho no que concerne à transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores aludidos na petição inicial;
K) Discutindo-se o âmbito de aplicação do artigo 285.º do Código Civil, não resta outro caminho à Recorrente que intentar a presente acção contra o Estado Português, com fundamento na responsabilidade por erro judiciário, designadamente por incorrecta aplicação do Direito ao caso concreto da (não) transmissão dos trabalhadores ao abrigo da norma supra-referida;
L) Tendo do Tribunal a quo decidido que as decisões que a Recorrente afirma padecerem de erro judiciário, transitaram em julgado não tendo sido previamente revogadas pela jurisdição competente, concluindo que os autos nunca permitiriam afirmar a ilicitude da actuação imputada ao Estado, falhando manifestamente um pressuposto necessário de procedência da presente acção de responsabilidade civil, violou, assim, as disposições dos artigo 13.º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, e artigos 20.º e 22.º da Constituição da República Portuguesa;
São, pois termos em que se espera que o Tribunal ad quem, revogue a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere procedente os pedidos formulados, sem prejuízo dos autos prosseguirem os precisos termos, porque apenas assim se cumprirá a Lei, realizando-se o Direito e fazendo-se a desejada JUSTIÇA!».
O R. contra-alegou, sustentando a manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
- Da necessidade de prévia revogação da decisão judicial danosa;
- Do alegado erro judiciário.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos, os quais não foram impugnados pela Recorrente em sede recursória e, assim, se têm aqui por assentes:
a) Por Acórdão proferido a 06 de dezembro de 2017, no âmbito do processo nº …/… (intentado por diversos trabalhadores contra a Securitas e a Autora), o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se e decidiu sobre a questão de saber se poderia ou não ser qualificada juridicamente como transmissão de empresa ou estabelecimento a substituição da 2.ª Ré “ICTS Portugal” pela 1.ª Ré “SECURITAS” na atividade de vigilância e serviços de segurança que era desenvolvida nas instalações da “PORTOS DOS AÇORES”, em Ponta Delgada, na sequência do concurso público oportunamente aberto pelos referidos Portos e ganho pela 1.ª Ré “SECURITAS”.
b) Este Acórdão do STJ julgou procedente o recurso de revista interposto, absolvendo a 1.ª Ré “SECURITAS”, de todos os pedidos e determinou, em face da improcedência dos pedidos formulados a título principal em relação à Ré “SECURITAS”, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciação e decisão dos pedidos subsidiários formulados contra a 2.ª Ré “ ICTS.
c)  Este tribunal, por seu turno e a 11.04.2018, declarou ilícito o despedimento dos trabalhadores realizado pela aqui A. e condenou esta em conformidade: a proceder à reintegração dos trabalhadores em causa e pagar-lhes, a título de compensação, todas as remunerações vencidas e vincendas.
d) A A. inconformada, recorreu, então, desse Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça.
e) Este Tribunal, por acórdão proferido em 19 dezembro de 2018, julgou tal recurso improcedente e consignou, designadamente, que
“Ora, face ao teor do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Dezembro de 2017, os autos baixaram à Relação unicamente para apreciar se a 2.ª Ré - "RR" procedeu ao despedimento dos Autores, e caso assim se conclua, para extrair as respectivas consequências jurídicas que derivam do regime legal vigente.
Sendo este o objecto do recurso na Relação, o acórdão recorrido apenas teve que decidir se, face à matéria de facto apurada, se podia concluir que a recorrente procedeu ao despedimento dos trabalhadores, ora recorridos.
E desta forma, não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar, sobre a questão da transmissão do seu contrato de trabalho para a QQ, pois o acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Dezembro de 2017, já tinha definido, e com carácter definitivo, que “os trabalhadores mantêm-se contratualmente ligados à 2.ª Ré, RR, tendo continuado a ser seus trabalhadores, não obstante esta empresa ter perdido a concessão dos serviços de vigilância e segurança nas instalações da “TT, S.A.”
Por isso, tendo a questão da inexistência de transmissão da posição contratual dos autores para a QQ ficado definitivamente resolvida no acórdão deste Supremo Tribunal de 6/12/2017, não pode a mesma ser objecto da presente revista.
Além disso, e como é entendimento pacífico, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação de decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Por isso, não tendo o recurso na Relação incidido sobre a questão da transmissão do estabelecimento, em virtude desta matéria ter ficado definitivamente resolvida pelo acórdão de 6/12/17, não se pode tomar conhecimento desta matéria.”
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Nos presentes autos está em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado por alegado erro judiciário.
Vejamos, sendo que na matéria segue-se aqui no essencial a posição sufragada no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05.2023, processo n.º 11359/20.3T8SNT.L1-2, relatado pelo aqui também relator e subscrito pela aqui 1.ª Adjunta.
1. Do regime jurídico aplicável ao caso.
1.1. Segundo o disposto no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, na redação da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30.09, «[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
Ou seja, a Constituição consagra o princípio geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas por danos decorrentes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa, por ação ou omissão dos respetivos titulares de órgãos, funcionários ou agentes, lesivos de direitos, liberdades e garantias de outrem. 
Como refere Jorge Miranda, Direito Fundamentais, edição de 2020, página 446 a 448, «[c]onforme decorre do seu lugar sistemático, do confronto com as fórmulas precursoras das Constituições anteriores e com as raras fórmulas paralelas de Constituições de outros países (…), bem como da ligação íntima com outros artigos, ele [o referido artigo 22.º] incorpora um princípio geral. Não apenas todos os direitos devem receber tutela jurisdicional como, se lesados por qualquer modo, à atuação do Estado há de corresponder uma contrapartida de responsabilidade civil», sendo que «tem-se em vista todas as funções do Estado – a administrativa, a jurisdicional, a legislativa e a política strito sensu ou governativa» e o «art. 22.º é complementado pelo art. 117.º, n.º 1, sobre responsabilidade dos titulares de cargos políticos, pelos arts. 216.º, n.º 2, e 222.º, n.º 5, sobre a responsabilidade dos juízes, e pelo art. 271.º, sobre responsabilidade dos funcionários e agentes da Administração».
1.2. No direito ordinário, o regime jurídico relativo à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas encontra-se regulado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12, adiante designado por RRCEE, sendo que o respetivo artigo 7.º, n.º 2 foi, entretanto, alterado pela Lei n.º 31/2008, de 17.07, em domínio que não releva no caso concreto.
A responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional encontra-se regulada nos artigos 12.º a 14.º do RRCEE.
O artigo 12.º constitui o «regime geral» na matéria, ao passo que o artigo 13.º trata da «responsabilidade por erro judiciário» e o artigo 14.º refere-se à «responsabilidade dos magistrados».
1.3. O referido artigo 13.º, n.º 1, do RRCEE preceitua que «[s]em prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões judiciais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos».
Nos termos daquele preceito, o «erro judiciário» reporta-se a situações de patente, ostensiva, evidente, desconformidade do decidido com o regime constitucional e legal vigente ou os respetivos fundamentos factuais.
Como refere José Manuel Cardoso da Costa, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138, n.º 3954, janeiro-fevereiro de 2009, página 162, «(…) a responsabilidade por erro judiciário é limitada às situações de erro grave, ou muito grave, do ponto de vista da percepção do direito ou dos factos exigível ao decisor  jurisdicional, já que apenas poderá caber nos casos em que tal percepção contrarie de modo manifesto o sentido normativo autêntico da Constituição ou da lei, ou se traduza numa análise grosseiramente  errada dos factos. Limitada a este tipo de situações, no âmbito dele a responsabilidade por erro judiciário assume agora, porém, um carácter geral, por assim dizer, ou de princípio – já que, por um lado, pode ter lugar no âmbito de qualquer domínio jurídico ou jurisdicional e em razão de qualquer decisão jurisdicional (…) e, por outro lado, poderá ser efetivada desde que a decisão produza um qualquer dano ao interessado (não sendo, pois, necessário um dano anormal ou, sequer, de especial gravidade)».
No mesmo sentido, Luís Fábrica, Comentário ao Regime da Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, edição de 2013, páginas 340 e 341, refere que «[o] domínio do erro judiciário abrange, pois, quer a atividade de interpretação e aplicação do direito, quer a atividade de aquisição e valoração dos fundamentos fácticos da decisão».
No dizer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2023, processo n.º 2138/20.7T8BRG.G1.S1, conforme demais jurisprudência daquele Tribunal aí referida e ainda acórdãos do mesmo Tribunal de 10.05.2016, processo n.º 136/14.0TBNZR.C1.S1 e 12.07.2018, processo n.º 237/16.0T8STR.E1.S1, «[é] entendimento pacífico que apenas o erro evidente, crasso, indesculpável, inadmissível e sem justificação, que só por desatenção ou desleixo foi cometido, pode ser qualificado como erro grosseiro para efeitos do art. 13º do RRCEE».
1.4. Em termos exclusivamente subjetivos, o apontado artigo 13.º, estando exclusivamente em causa «decisões jurisdicionais», reporta-se tão-só a atos ou omissões cometidas por magistrados judiciais.
Como refere Luís Fábrica, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, edição de 2013, página 340, «[n]a administração da justiça hoc sensu (ou “administração judiciária”, na fórmula tradicional) compreende-se o vasto conjunto de condutas, incluindo omissivas, correspondentes ao serviço público da Justiça, imputáveis a juízes, magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais e outros agentes com competências nos domínios judiciários – ou até ao serviço no seu conjunto. O erro judiciário refere-se, em contrapartida, ao âmbito limitado das decisões judiciais em sentido estrito, ou seja, atuações exclusivas dos juízes que se traduzem na resolução de questões jurídicas através da interpretação e aplicação de preceitos jurídicos aos factos apurados».
1.5. No erro judiciário a que se reporta o referido artigo 13.º, n.º 1, do RRCEE cabem, em particular, as situações de «sentença penal condenatória injusta» e «de privação injustificada da liberdade» e, em geral, «decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto».
1.6. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 13.º do RRCEE, estabelecendo que «[o] pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente», é aplicável a todo e qualquer «erro judiciário», e, pois, igualmente às situações de «decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto».
Em momento prévio à ação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado em virtude de «privação injustificada da liberdade» exige-se, pois, uma decisão judicial que afaste, que revogue, a decisão judicial eivada de erro grosseiro.
Como refere José Manuel Cardoso da Costa, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138, n.º 3954, janeiro-fevereiro de 2009, páginas 163 e 164, “(…) sendo a função jurisdicional e as decisões em que ela se exprime o que são, então não há-de poder atribuir-se qualquer relevo a um alegado «erro» judiciário sem que ele seja reconhecido como tal pela competente instância jurisdicional de revisão. Sem tal reconhecimento, o «erro» (o puro «erro») só o será do ponto de vista ou no plano da análise crítico-doutrinária da decisão, não num plano jurídico-normativo: neste outro plano, o que subsiste é a definição do direito do caso, emitida por quem detém justamente o múnus e a legitimidade para tanto. É, pois, desde logo e fundamentalmente, uma razão dogmático-institucional, ligada à própria natureza da função judicial, que impõe a condição estabelecida pelo (…) n.º 2 do artigo 13.º - e exclui que a ocorrência e o eventual relevo do erro judiciário possam ser aferidos diretamente, e sem mais, em sede de responsabilidade e pelo tribunal competente para o apuramento desta”.
No mesmo sentido refere Carlos Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, edição de 2011, página 220, que «[o] reconhecimento judicial do erro constitui um pré-requisito da responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional, sendo uma condição prévia à demonstração da ilicitude, como pressuposto necessário do direito à indemnização. Se não se fizer a prova no processo destinado a efectivar a responsabilidade civil, da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário, não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deverá necessariamente improceder».
A propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2015, processo n.º 2210/12.9TVLSB.L1.S1, refere que «[e]xige-se no nº 2 do citado art. 13º que o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente. Trata-se de opção do legislador derivada da necessidade (…) de compatibilizar o instituto da responsabilidade civil com a segurança e certeza jurídica do caso julgado».
«Assim, o erro de julgamento deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis; não na acção de responsabilidade em que se pretenda efectivar o direito de indemnização».
«(…) Podemos, pois, concluir que, "se não se fizer a prova, no processo destinado a efectivar a responsabilidade civil, da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário, não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deverá necessariamente improceder (…)”».
1.7. A apontada interpretação conferida ao n.º 2 do artigo 13.º tem merecido diversas reflexões críticas quanto à sua conformidade constitucional – na matéria, veja-se por exemplo Luís Fábrica, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, edição de 2013, página 357 a 364, e as remissões aí feitas.
Com o devido respeito por entendimento diverso, entendemos, contudo, que com o sentido normativo indicado tal preceito legal não afronta materialmente a Constituição, designadamente com os princípios do Estado de direito democrático, da igualdade, da tutela jurisdicional efetiva e da responsabilidade de entidades públicas por condutas lesivas.
Nessa sede, na esteira dos acórdãos n.ºs 90/8471/05, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2015, decidiu «[n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, segundo o qual o pedido de indemnização fundado em responsabilidade por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente».
Naquele último acórdão, o Tribunal Constitucional refere que «[a]nalisando (…) a solução prevista no artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP, importa começar por recordar o amplo espaço de conformação legislativa quanto à definição do âmbito e dos pressupostos da responsabilidade do Estado reconhecido pelo artigo 22.º da Constituição (…). Em especial, no que se refere à responsabilidade do Estado por erro judiciário, esta interfere, pelas razões já mencionadas, com a própria configuração e modo de funcionamento do sistema judiciário, tal como prefigurados na Constituição (…), ampliando desse modo ainda mais o campo de intervenção do legislador ordinário. Assim, para além da previsão genérica do direito à reparação pelos ilícitos cometidos pelos titulares dos órgãos do estado e demais entidades públicas, que, justamente por ser geral, também deve abranger os juízes e os ilícitos que estes eventualmente cometam no exercício das respetivas funções, não é possível a partir do citado preceito constitucional determinar com mais exatidão os contornos do direito à indemnização fundada em erro judiciário».
«Certo é que a mencionada solução legal não exclui em absoluto tal direito, limitando-se a estabelecer que o erro judiciário relevante seja previamente reconhecido pela jurisdição competente, o mesmo é dizer, que o reexercício da função jurisdicional coenvolvido na reapreciação da decisão judicial danosa se faça com respeito pelas competências e hierarquia próprias do sistema judiciário e de acordo com o seu específico modo de funcionamento: o reconhecimento do erro judiciário implica uma revogação da decisão danosa pelo órgão jurisdicional competente no quadro de um recurso ou de uma reclamação (ou, porventura, de uma revisão oficiosa). Ao fazê-lo, o artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP não está a interferir com qualquer âmbito de proteção constitucionalmente pré-definido (muito menos a invadi-lo). E, por isso mesmo, também não se pode dizer que essa norma revista a natureza de uma lei harmonizadora destinada a resolver um qualquer conflito de bens jurídicos fundamentais ou de uma lei restritiva de um direito fundamental (…).»
«Em rigor, a norma do artigo 13.º, n.º 2, RCEEP concorre, juntamente com a do n.º 1 do mesmo artigo, para a configuração do conteúdo do direito de indemnização emergente da responsabilidade do Estado por erro judiciário do Estado. É, nessa exata medida, uma lei conformadora ou constitutiva: “não restringe o conteúdo do direito ou da garantia, porque é a ela própria que cabe determiná-lo, para além do conteúdo mínimo do direito ou do núcleo essencial da garantia, que decorrem da Constituição” (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, cit., p. 213). Na verdade, o direito à indemnização por erro judiciário civil foi fixado, na parte respeitante  à determinação de quem é o juiz competente para realizar a apreciação da decisão judicial danosa, legislativamente pelo artigo 13.º, n.º 2, em causa (cfr. Vieira de Andrade, ibidem, que, na nota 63, refere como exemplo de direitos e faculdades cujo conteúdo é juridicamente construído pelo legislador, entre outros, os direitos às indemnizações previstas nos artigos 27.º, n.º 5, e 29.º, n.º 6, da Constituição – isto é: as indemnizações por erro judiciário penal)».
«Como explica Vieira de Andrade, “apesar do poder legislativo de configuração, ao juiz cabe ainda verificar o respeito pelo conteúdo essencial do direito (que será em regra o seu conteúdo mínimo) […], avaliado segundo um critério de evidência” (v. o Autor cit., ob. cit., p. 214). Ora, como referido, a norma do artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP não elimina o direito à indemnização por erro judiciário, limitando-se a acomodar no regime respetivo, as exigências correspondentes à estrutura e ao modo de funcionamento do sistema judiciário constitucionalmente consagrado. Inexiste, por conseguinte, qualquer evidência de desrespeito pelo conteúdo essencial do referido direito».
«Se à partida, e de modo constitucionalmente legítimo, o direito à indemnização em causa é delimitado negativamente em função da possibilidade legal de reapreciação judicial pelo tribunal competente antes do trânsito em julgado da decisão tida como danosa, também não se coloca qualquer problema de acesso ao direito. Este último, enquanto direito-garantia, pressupõe um direito material, que, no caso, inexiste. Finalmente, as referidas exigências orgânico-funcionais relacionadas com o sistema judiciário explicam satisfatoriamente a solução legal, afastando a ideia de que a mesma seja arbitrária».
1.8. De todo o modo, com a entrada em vigor da Lei n.º 117/2019, de 13.09, e consequente redação dos artigos 696.º, al. h), 696.º-A, 701.º e 701.º-A, todos do CPCivil, em situações como a presente, em que é invocado o erro judiciário da decisão (alegadamente) danosa decorrente da violação de direito da União por parte do STJ, afiguram-se ultrapassadas as suscitadas questões de (in)constitucionalidade, bem como as decorrentes da desconformidade com o Direito da União Europeia, e em função do acórdão do TJUE de 09.09.2015, C-160/14, João Filipe Ferreira da Silva Brito e o./Estado Português, posto que a parte possa, ao invés da instauração da ação declarativa de indemnização, lançar mão do recurso de revisão, assim logrando obter, quando seja caso disso, a prévia revogação da decisão (supostamente) danosa.
Como referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, edição de 2022, página 317, em anotação ao respetivo artigo 696.º, «[p]erante esta decisão [o referido acórdão do TJUE], e em vez de alterar o art. 13-2 RRCEE, o legislador criou novo fundamento de recurso extraordinário de revisão, regulando-o no artigo seguinte. Por este modo, evita-se a discussão de acórdãos da Relação ou do STJ na 1.ª instância, com fundamento na responsabilidade civil do Estado (…)».
No mesmo sentido refere Miguel Teixeira de Sousa, Julgar on line, As recentes alterações na legislação processual civil [I Jornadas a Sul], dezembro de 2019, o regime decorrente da Lei n.º 117/2017 «é totalmente compatível com a jurisprudência europeia, dado que esta apenas determinou a impossibilidade da exigência da revogação prévia da decisão violadora de direito europeu quando, em termos práticos, aquela revogação não estava legalmente assegurada para todas as decisões (alegadamente) violadoras de direito europeu. Agora, segundo o novo regime, passa a ser viável a revogação prévia da decisão, independentemente de a violação imputada pelo recorrente à decisão respeitar ao direito europeu ou ao direito interno. Cabe assim acentuar que o novo regime acaba com qualquer diferença entre decisões (supostamente) violadoras de direito europeu e decisões (alegadamente) violadoras de direito interno».
Igualmente em post de 20.04.2020, Jurisprudência 2019 (221), Miguel Teixeira de Sousa refere que «[q]uanto ao regime processual da responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional, importa agora ter presente o disposto nos arts. 696.º, al. h), 696.º-A, 701.º e 701.º-A CPC, todos na redacção da L 117/2019, de 13/9».
«Como não podia deixar de acontecer, a referida dualidade de regimes quanto à necessidade ou à dispensa da revogação prévia da decisão na qual se cometeu o alegado erro judiciário deixa de se verificar no novo regime legal. Agora, a revogação prévia da decisão é obtida, qualquer que seja o fundamento da alegada responsabilidade civil do Estado, no recurso de revisão (cf. art. 701.º, n.º 1 caput, CPC)».
2. Do caso em apreciação.
A A. funda o seu pedido de condenação do Estado em alegado erro judiciário.
Concretizando.
Na sua petição inicial, a A. fundamenta o seu pedido indemnizatório em alegado erro judiciário decorrente de três acórdãos, todos proferidos no âmbito do processo n.º 357/13.3TTPDL:
- Desde logo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2017, o qual alegadamente «violou lei substantiva (artigo 285.º, n.º 1, do Código do Trabalho), que consistiu no erro de interpretação e de aplicação da Lei, considerando-se como lei substantiva as normas e princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de carácter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, no caso do Tribunal de Justiça da União Europeia», acórdão de 19.10.2017, sendo que no caso o Supremo fez dele «uma interpretação (…) caracterizada por um erro grave ou muito grave, quer do ponto de vista da interpretação do direito, quer do ponto de vista de apreciação dos factos (…) e que conduz a uma situação manifestamente violadora da Lei do Trabalho e da Constituição da República Portuguesa», conforme artigos 51., 53. e 54. da petição inicial;
- Depois, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11.04.2018, proferido «na sequência» do referido acórdão de 06.12.2017, sendo que tal acórdão da Relação teve «como premissa que a A. despediu os trabalhadores», termos em que declarou «ilícito o despedimento dos trabalhadores, realizado pela A.» e condenou esta no pagamento de diversos quantitativos, conforme artigos 57. a 59. da petição inicial;
- Finalmente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2018, o qual manteve «a condenação da A.», igualmente na sequência do referido acórdão de 06.12.2017, conforme artigos 62 e 63 da petição inicial.
Em suma, refere a A. na sua petição inicial que:
«64. Em síntese e no que concerne ao caso concreto em apreciação na presente pendência: Conforme foi alegado, analisado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Abril de 2018 (que teve como base o acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017), o STJ e a Relação de Lisboa violaram lei substantiva (designadamente, o artigo 285.º, n.º 1, do Código do Trabalho), violação esta que consistiu no erro de interpretação e de aplicação, considerando-se como lei substantiva as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, no caso do Tribunal de Justiça da União Europeia.
65. As decisões proferidas pela Relação de Lisboa, tomando por base o critério e interpretação plasmados no acórdão de 6 de Dezembro de 2017 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, e esta mesma decisão, são manifestamente incoerentes com o que decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia e violam a Constituição da República Portuguesa.
(…)
89. Efectivamente, existe um erro judiciário porque o Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 6 de Dezembro de 2017) não aplicou correctamente o plasmado na decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, ou seja foi proferida uma decisão manifestamente inconstitucional e ilegal, “injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto” (…)».
O pedido indemnizatório da A. decorre, pois, de alegados «danos decorrentes do exercício da função judicial».
Ora, a prolação de tais acórdãos foi dada como provada, conforme ponto III. deste acórdão, sendo que o acórdão de 19.10.2017 do TJUE constitui o documento n.º 8 junto com a petição inicial na indicação da A., documento n.º 10 na versão citius, o qual não foi impugnado e, pois, a factualidade dele decorrente está igualmente assente.
No caso vertente inexiste, contudo, decisão revogatória da alegada decisão danosa.
Ou seja, in casu a invocada responsabilidade por erro judiciário não se mostra fundada «na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente», conforme referido artigo 13.º, n.º 2, do RRCEE.
Com tal desiderato, em função das apontadas alterações decorrentes da Lei n.º 117/2019, de 13.09, entrada em vigor em 01.01.2020, em data, pois, anterior à propositura da presente ação, a A. poderia/deveria ter lançado mão do recurso extraordinário da revisão, a fim de nessa sede ser apreciada e decidida da revogação da alegada decisão danosa e eventualmente o pedido de indemnização contra o Estado, conforme nomeadamente resulta dos artigos 701.º, n.º 1, alínea e), e 701.º-A, ambos do CPCivil.
Nestes termos, em função do supra exposto, uma vez que o pedido indemnizatório por erro judiciário não se mostra no caso vertente fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, conforme exigência do indicado artigo 13.º, n.º 2, do RRCEE, enquanto pressuposto do direito indemnizatório em causa, improcede a pretensão da A./Recorrente quanto ao erro judiciário e, pois, também nessa parte o recurso em causa.
*
Segundo o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, na parte que aqui releva «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)». 
Nos termos da apontada disposição legal, o Juiz deve abster-se de conhecer de questões cuja apreciação se mostre desnecessária, escusada, inútil, em função de outras anteriormente abordadas e decididas, o que bem se compreende por motivos de coerência lógica do discurso judiciário e de eficiência do sistema de justiça.
Ora, na situação em apreço, não procedendo a responsabilidade do Estado por erro judiciário, por a mesma não se fundar na prévia revogação de decisão alegadamente danosa, conforme exposto, mostra-se prejudicado o demais suscitado pela Recorrente, nomeadamente a apreciação do invocado erro grosseiro em si mesmo.
Improcede, assim, o recurso.
*
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva a Recorrente configura-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhes desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pelo Recorrente, incluindo naquelas tão-só as custas de parte, conforme artigos 529.º, n.º 4, e 533.º do CPCivil, assim como 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.

V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se, pois, a decisão recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte, pela Recorrente.

Lisboa, 26 de outubro de 2023
Paulo Fernandes da Silva
Inês Moura
Laurinda Gemas