Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
136/14.0TBNZR.C1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ERRO JUDICIÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
REQUISITOS
SOCIEDADE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
ARRESTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS / RESPONSABILIDADE PELO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL / ERRO JUDICIÁRIO.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - PROCEDIMENTOS CAUTELARES - CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Ana Celeste Carvalho, “Responsabilidade Civil por Erro Judiciário”, E-book, de 2014, do Centro de Estudos Judiciários, dedicado à Responsabilidade Civil do Estado, 53, 57.
- Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, edição da AAFDL, I, 246.
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, 174-175; Do Abuso do Direito, 102/103.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, 430, 431, 586/587; Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6.ª edição, 503 e 504.
- João Caupers, Estudo acessível em http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/jc_ma_5351.doc
- Maria de Fátima Ribeiro, “A desconsideração da personalidade jurídica: as realidades brasileira e portuguesa”, Direito das Sociedades em Revista, Março 2016, Ano 8, Vol. 15, 29 a 57.
- Maria José Rangel de Mesquita, no Estudo “A responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional: âmbito e pressupostos”.
- Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I, Parte Geral, 429; Manual de Direito Comercial, II, volume, 191/192.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 180 e ss..
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 3.ª Edição, 2000, 221/222.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º2, 9.º, N.º2, 334.º, 483.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 7.º, 8.º, 388.º, Nº 1, B), 406.º, 542.º, 543.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 22.º, 216.º, N.º2.
LEI N.º 67/2007, DE 31-12, QUE APROVOU, EM ANEXO, O REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS (RRCEE), DIPLOMA ALTERADO PELA LEI N.º 31/2008, DE 17-07: - ARTIGOS 12.º, 13.º, 14.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 363/2015, DE 23-9, IN DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º186/2015, SÉRIE II, DE 2015.09.23.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 8.9.2009, PROC. N.° 368/09.3YFLSB;
-DE 15.12.2011, PROC. N.º 364/08.OTCGMR,G1.S1;
-DE 28.2.2102, PROC. N.º 825/06.3TVLSB.L1.S1;
-DE 23.10.2014, PROC. N.º 1668/12.0TVLSB.L1.S1;
-DE 24.2.2015, PROC. N.º 2210/12.9TVLSB.L1.S1;
ACESSÍVEIS IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Em Portugal, anteriormente à vigência da actual Lei Fundamental, a responsabilidade civil extracontratual do Estado era regulada pelo DL n.º 48 051, de 21-11-1967; o alargamento das funções do Estado, no campo social, económico e cultural tornou premente o enquadramento legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras entidades públicas. Rege, actualmente, a Lei n.º 67/2007, de 31-12, que aprovou, em anexo, o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), diploma alterado pela Lei n.º 31/2008, de 17-07.

II - A Lei n.º 67/2007, de 31-12, inovou, conferindo aos lesados o direito a serem ressarcidos dos prejuízos causados no exercício da função jurisdicional, por acções ou omissões, regulando normativamente os casos, diríamos mais comuns, de erro judiciário e de prisão preventiva ilegal ou injustificada e de atraso na prolação de decisões judiciais.

III - A previsão legal não impõe a ressarcibilidade de qualquer erro cometido pelo julgador, seja por violação da lei, seja por errónea apreciação dos factos, antes exige um erro qualificado, “grosseiro”, indesculpável, ostensivo, causal de julgamento que evidencia uma solução jurídica manifestamente inconstitucional, ou ilegal ou injustificada, a todas as luzes indefensável, ilógica na apreciação dos factos, ou na subsunção jurídica, insustentável com base numa criteriosa avaliação exigível ao julgador.

IV - Para proclamar a existência de erro grosseiro não basta que um tribunal de recurso tenha revogado uma decisão para se considerar que tal decisão está errada, que o julgador da decisão recorrida cometeu um erro indesculpável, se, por exemplo, acolheu esta e não aqueloutra corrente doutrinária ou jurisprudencial não sufragada pelo Tribunal ad quem: Se assim fosse, os tribunais estariam pejados de pedidos de indemnização com base em alegados erros grosseiros.

V - O STJ tem, repetidamente, qualificado como erro grosseiro o erro indesculpável, aquele em que não incorreria um julgador prudente, agindo com ponderação, conhecimento e competência.

VI - Para lá do requisito erro grosseiro, de facto ou de direito, envolvendo este a decisão manifestamente inconstitucional, a Lei n.º 61/2007, exige no n.º 2 do art. 13.º, a prévia revogação pelo órgão jurisdicional competente da decisão que se considera danosa e que despoleta a ulterior acção de responsabilidade civil do Estado-juiz por actos da função jurisdicional: trata-se de um requisito que se prende com a jurisdictio da sentença e o instituto do caso julgado, como factores de estabilidade e segurança das decisões judiciais: por via de regra, essa estabilidade é assegurada pelo esgotamento das vias do recurso.

VII - No caso em apreço, peculiar nos seus contornos, a decisão da 1ª instância foi proferida em procedimento cautelar de arresto, decretado sem prévia audição dos requeridos, entre eles a ora autora, sendo que os requeridos, quiçá por razões de estratégia processual, não deduziram, em sede de oposição, o contraditório, como possibilita o art. 388.º, nº 1, b) do CPC, antes tendo apelado da decisão que a todos foi desfavorável. 

VIII - A desconsideração da personalidade jurídica da ora autora e o arresto que sobre os seus bens foi decretado, não podem ser dissociados da apreciação perfunctória dos factos, sem contraditório, no contexto do procedimento cautelar e da sua especificidade.

IX - A desconsideração da personalidade jurídica, também designada por levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais, “disregard of legal entity”, tem, na sua base, o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, o instituto deve ser usado, se e quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios, dolosamente, utilizarem a autonomia societária para exercerem direitos de forma que violam os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída em conformidade com o princípio da especialidade, assim almejando um resultado contrário a uma recta actuação.

X - Nos casos de deliberada confusão patrimonial, bem como naqueles em que a sociedade e a sua autonomia jurídica são usadas/abusadas, com o propósito de camuflar actos lesivos dos sócios, o levantamento da personalidade jurídica societária conduz à imputação de tais actos aos sócios por eles responsáveis.

XI - A desconsideração da personalidade jurídica da aqui recorrente, decretada na 1ª instância, mas revogada na Relação, não constituiu evidência de erro grosseiro do ponto em que, estando em causa a interpretação e aplicação do instituto da desconsideração, tendo havido voluntária e dolosa confusão patrimonial dos negócios celebrados pelos 1.ºs. requeridos no procedimento cautelar e as sociedades que eles dominavam através de um “testa de ferro”, se alcançou fruto da tessitura que urdiram: um resultado lesivo dos requerentes cautelares, que apenas foi possível com a intervenção conluiada das sociedades, geridas de facto pelo 1.º requerido, pai do responsável único das sociedades “Arqbuilding”, ora Autora, e “Buildprime”.

XII - No quadro factual indiciário que o juiz de 1.ª instância teve que apreciar no procedimento cautelar de arresto, sem que tivesse havido oposição dos requeridos, não constitui erro grosseiro o ter-se proferido a decisão contestada, não obstante a parcial divergência evidenciada no acórdão da elação, que sentenciou, revogando a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.
Decisão Texto Integral:
R-548[1]

 

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 

AA Lda., intentou, em 27.4.2014, no Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, agora Comarca de Leiria, Leiria – Inst. Central – Secção Cível – J4, acção declarativa de condenação, contra:

 

Estado Português

 

Pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de € 1.882.524,81, acrescido de juros de mora.

 

Para tanto, alegou, em suma:

 

- em 23.12.2011, BB e mulher CC instauraram um procedimento cautelar de arresto contra DD, EE, a aqui Autora (AA Lda.) e FF, S.A.

 

- nesse procedimento, os aí requerentes alegaram, além do mais, que:

 

- os requeridos DD e EE arquitectaram um plano para não liquidar as obrigações que haviam assumido perante aqueles;

 

- a sociedade aqui Autora havia sido constituída, em 4.06.2004, com dinheiro dos requerentes e dos referidos DD e EE, mas apenas em nome do filho destes, GG, único sócio e gerente da ora Autora, para que aquele DD pudesse prosseguir a actividade de compra, construção e venda de imóveis, a qual sempre foi desenvolvida apenas por este, servindo o nome do seu mencionado filho (unicamente) para esse efeito;

 

- o mesmo sucedeu com a constituição da requerida FF S.A, da qual também o referido GG era administrador único, que foi criada apenas para transferir o património dos requeridos DD e EE para a sua titularidade, para se furtarem ao pagamento aos credores;

 

- concluíram, depois de invocarem a figura da desconsideração da personalidade jurídica relativamente à aqui Autora e à requerida FF S.A, pedindo o arresto sobre vários imóveis;

 

- dessa actuação processual resultou o registo do procedimento cautelar em todos os imóveis pertencentes às demandadas, incluindo a ora Autora, e com ela os requerentes visavam prejudicar as mesmas e forçar os requeridos singulares a submeter-se à sua vontade, por se tratar de empresas (somente) do filho dos requeridos, tendo pressionado, deliberada e consciente, a paralisação da aqui Autora;

 

- esse comportamento dos requerentes, com base em manipulação de factos, acabou por frutificar e cumprir esse seu fito primordial, contando com a inesperada complacência do Tribunal, face à decisão que, sem audiência dos requeridos, veio a proferir decretando o arresto nos moldes peticionados, que, no que à Autora respeita, incidiu sobre todo o seu património;

 

- essa decisão ficou afectada de erro judiciário, em consequência do qual a Autora sofreu os prejuízos cuja reparação pretende nesta acção – resultantes directamente da perda do negócio, cessação dos contratos de trabalho e verbas despendidas com a manutenção dos imóveis (…) –, porque, para além de incorrer em excesso de arresto, considerou, “pelo menos segundo um juízo indiciário de que estamos perante um caso passível de proceder ao levantamento da personalidade jurídica [das requeridas sociedades], na medida em que, designadamente, o contrato-promessa entre 1.ºs requeridos e a 3.ª requerida foi celebrado com o intuito de prejudicar os requerentes, evitando a cobrança do seu crédito, contrato este indiciariamente simulado (arts. 240.º e 289.º, ambos do Código Civil), sendo que as 2.ª e 3.ª requeridas indiciariamente foram utilizadas com esse objectivo.”;

 

- porém, no âmbito do recurso que a Autora interpôs dessa decisão, a Relação revogou-a e, consequentemente, ordenou o levantamento do arresto na parte incidente sobre os imóveis da Autora (recorrente), por ter ponderado: “ (…) só é possível equacionar e operar a desconsideração ou levantamento da personalidade jurídica de sociedade comercial no confronto com membro(s) desta – notadamente sócio(s) – (…). E assim sendo, como é, inviável se apresenta efectuar a desconsideração [invertida] da personalidade jurídica da Recorrente “AA” para, mediante essa – como dito – excepcional medida, fazer responder o seu património pelas dívidas passivas de tais Requeridos, (…) daí que não sendo a Recorrente…devedora dos Requerentes, motivo algum existia ou existe … para que os seus bens sejam objecto do vertente arresto que, desse modo, não se pode manter, antes se impondo prover ao respectivo levantamento.”.

 

O Réu Estado contestou, defendendo que não se retiram dos fundamentos aduzidos pela Autora, nem dos termos do processo, o invocado erro grosseiro e evidente da decisão, de modo a poder reputá-la de ilícita, injusta ou indefensável, ao que acresce, quanto ao alegado excesso no arresto, que tal erro não foi previamente reconhecido pelo tribunal de recurso, o que constituiria uma condição da acção.

 

O Réu também sustentou que os eventuais prejuízos que a Autora pretende ver ressarcidos resultaram, quando muito, da conduta dos requerentes da providência, não podendo ter ocorrido em virtude da decisão judicial do tribunal.

***

No despacho saneador-sentença, foi julgado improcedente o pedido da Autora, por se entender não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil por erro judiciário, tendo sido absolvido o Réu.

 

***

 

Inconformada, a Autora recorreu, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 3.11.2015 – fls. 1311 a 1327 verso –, negou provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.

 

***

 

Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista excepcional, para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido pelo Acórdão da Formação a que alude o nº3 do art. 672º do Código de Processo Civil e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

 

1. Reportam-se as presentes Alegações ao Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, no processo à margem identificado, julgou improcedente o Recurso interposto, mantendo, por essa via, a decisão recorrida.

 

2. Muito embora a impoluta procedência do peticionado (também neste seu segmento) se deva já considerar pacífica na Doutrina e na Jurisprudência, apesar de não unânime, como se verá, uma vez que os arestos que vêm sendo produzidos pelos mais altos Tribunais permitiram consolidar uma posição hermenêutica que o sustenta, o Tribunal negou a pretensão da Autora/Recorrente, perfilhando uma interpretação e aplicação da Lei que não respeita a densidade normativa daquele produto Jurisprudencial e que, ao contrário, retrocede a leituras desatualizadas e manifestamente contra legem, salvo melhor e Douta Opinião.

 

3. Assim, cuida o presente Recurso, em Matéria de Direito, da alteração da decisão plasmada no Acórdão recorrido que, fazendo uma errónea aplicação da Lei e dos Princípios Normativos que a enformam, julgou inverificada a existência de erro judiciário, manifesto e revelador do desconhecimento do direito.

 

       4. Como veremos, a sentença do Tribunal “a quo” proferida pelos M.mos Desembargadores (cuja pessoa nunca fica em causa nas presentes Alegações, mas apenas e tão-somente a decisão) não tem qualquer fundamento atendível e computando-se a uma ilegalidade, deixando a Recorrente submersa numa patente impossibilidade de ver realizada Justiça.

 

5. Resulta da conjugação dos arts. 671.º, nº3, e 672.°, ambos do (n)Código de Processo Civil supra transcritos que o Recurso de Revista Excepcional das decisões pronunciadas pela Relação, efectivamente opera apenas excecionalmente, o que deixa adivinhar, que a sua admissão terá que ter na sua génese uma de três situações: i) ou se trata da apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; ii) e/ou se estão em causa interesses de particular relevância social; iii) ou o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, pro ferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido pro ferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

 

6. Interpretando estas normas, tem o Supremo Tribunal de Justiça sublinhado, em jurisprudência constante, que estamos perante um recurso de revista, na sequência de prolação pelo Tribunal da Relação de Acórdão unânime confirmativo da decisão de 1ª Instância, somente admissível no caso de se verificar algum dos pressupostos previstos nas als. a), b) e c) do n.°1 do art. 672.° do (n)Código de Processo Civil e igualmente somente admissível nos casos em que o Recurso de Revista o seja, designadamente no que concerne ao valor e/ou sucumbência, não fosse a regra da dupla conforme.

 

7. Deste modo, precisamente para que não se transforme um regime excepcional num regime regra, contrariando a estabelecida dupla conforme e a motivação subjacente à adopção dessa nova regra, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, neste domínio da revista excepcional, só se justificará em matérias de maior importância. De resto, tem sido assim que a Jurisprudência pacificada do Venerando Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a interpretar as disposições conjugadas dos agora n.°3 do art.° 671.º e 672.° do (n)Código de Processo Civil.

 

8. A dupla conformidade é, então, pressuposto da competência daquele Colectivo do Supremo Tribunal de Justiça, sendo que indemonstrada não se passará à fase seguinte (verificação dos requisitos do n.°1 do artigo 672.° para, na afirmativa, admitir a revista como excepcional).

 

9. Tem vindo a ser entendido, inclusive ainda no domínio da anterior redacção do Código de Processo Civil, que dentro dos recursos ordinários para o Supremo Tribunal de Justiça, se encontram a revista-regra (ou normal) da previsão do n.°1 do artigo 671.º, a revista extraordinária, que surge nos casos elencados no n.°2 do artigo 629.° e a revista excepcional nos termos acima referidos (estar a montante uma situação de dupla conformidade como única causa de não admissão da revista regra mas, não obstante, tratar-se de questão com muita relevância social ou o aresto recorrido contender com outro (definitivo) da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça (no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito) salvo se conforme com jurisprudência uniformizada.

 

10. Porém, como os recursos não são o que as partes apodam (“nomem iuris” atribuído na interposição/alegação) mas sim o “iter” que pretendem seguir para alcançarem o seu escopo, importa abordar a dogmática da dupla conforme tão enfatizada que é pelas partes.

 

11. O conceito de dupla conforme (dupla conformidade; bi-conformidade) surge com a reforma do Código de Processo Civil introduzida pelo Decreto-Lei n.°303/2007, de 24 de Agosto na nova redacção do artigo 721.º (actualmente 671.º do (n)Código de Processo Civil).

 

12. O legislador pretendeu “aliviar” o Supremo Tribunal de um número excessivo de recursos e conferir-lhe a “dignidade” de Tribunal fundamentalmente vocacionado para “orientação e uniformização de jurisprudência”, que não uma 3ª Instância como se vinha transformando.

 

13. Daí que a dupla conformidade tenha ínsito o não acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, quando a questão já foi julgada, tal qual, pela 1ª Instância e pela Relação.

 14. E é assim que a dupla conforme tem vindo a ser entendida v.g, nos Processos 1822/08.OTBLLE.A.E1.S1; 66/08.5TBVLN.G1.S1; 1/08.7JVNFAY.S1.P1; 10/09.2TBLLE.A.E2.S1; 37/09.4T2AVRA.C1.S1; 549/08.7BBSCR.L1.S1; 680/08.9TBGMR.G1.S1; 907/08.7TVPRT.P1.S1; 3650/10.3TBVFR.P1S1; 1459/08.6YLSB.A.L3.S1; 77/08.OTBEPS.G1.S1; 5470/08.6TBVFR.P1.S1, entre muitos outros e, nesta Formação “una voce sine discrepanti

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15. E reiterando-se o que acima se disse é claro que o legislador de 2007 pretendeu limitar o recurso de revista quando a questão “sub judicio” foi julgada por duas instâncias e estas coincidiram na decisão tomando-a sobreponível nos seus precisos termos.

16. Entendeu, então, que já tendo havido pronúncia de dois Tribunais Superiores só em circunstâncias excepcionais faria sentido nova pronúncia pelo Supremo Tribunal de Justiça, considerando, outrossim, que a primeira vocação deste será garantir a uniformização/estabilidade da jurisprudência (cfr. Prof. Lebre de Freitas e Dr. A. Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, 3°, 1, 145).

 

17. Na verdade, nalgumas das decisões que têm vindo a ser produzidas pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça tem-se ido inclusivamente mais longe quanto a esta concreta questão, já que se tem vindo a entender restritivamente a dupla conformidade, por a mesma se reportar apenas ao segmento decisório, por sua vez reportado ao pedido e à causa de pedir. Ou seja, há que buscar uma total e unânime sobreposição de julgados, sem prejuízo de pontos, ou segmentos, discordantes quanto à fundamentação do decidido.

 

18. Como acima se deixou exposto, o n.°1 do art. 672.° do (n)Código de Processo Civil tem, desde logo, nas alíneas a) e b), os dois pressupostos em que nos iremos concentrar, sendo que o primeiro se prende com a relevância jurídica e cuja apreciação seja necessária para uma melhor aplicação do direito e, o segundo pressuposto prende-se com se discutirem questões referentes a interesses de particular relevância social.

 

19. Ora, a relevância jurídica não é uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista. Pelo que, o conceito indeterminado de “relevância jurídica”, mede-se e traduz-se na capacidade de expansão da controvérsia suscetível de ultrapassar os limites da situação singular em apreço.

 

20. Por sua vez, na apreciação do conceito de “relevância social”, tem-se entendido que este requisito se verifica, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou, capacidade de expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, ou seja, que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

 

21. No caso que agora nos ocupa, dir-se-á, desde já, que a questão que se irá submeter à consideração e apreciação deste Venerado Tribunal, preenche a qualificação daqueles dois conceitos a que se alude nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 672.° do (n)Código de Processo Civil.

 

22. O que nos autos está em causa tem a ver com a verificação/preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, assente em erro judiciário de direito, manifesto ou grosseiro, cometido na decisão que decretou o arresto no procedimento cautelar que motivou a interposição da acção em crise, nas seguintes vertentes, mas sobretudo na l.ª: l) errada aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica da recorrente AA; 2. excesso de bens arrestados, mesmo atendendo a que não houve pronúncia do Tribunal Superior quanto a esta segunda concreta matéria ou parte da decisão.

 

23. Trata-se de tema cuja relevância jurídica e social extravasa — e muito — o caso concreto, estamos perante um tema que tem, recorrentemente, sido discutido nas instâncias judiciais, fruto não só das várias posições doutrinárias existentes sobre os vários temas do direito — no caso concreto quanto à desconsideração da personalidade jurídica — como, igualmente, à cada vez maior dificuldade dos processos judiciais, a falta de simplificação e a imoderada produção legislativa, com bastos diplomas avulsos, de pouca clareza e de qualidade técnica, por vezes, discutível.

 

24. Por esse facto se reconhece que o regime da responsabilidade do Estado por erro judiciário tem de ser um regime particularmente cauteloso, como forma de evitar que sejam postas em causa as dimensões fundamentais do ius dicere (autonomia e independência).

No entanto, esse regime cauteloso, não se poderá confundir — a todo o custo — com desculpabilização e desresponsabilização quanto, notória e evidentemente são cometidos erros susceptíveis de intervir decisivamente na vida das pessoas e das empresas.

 

25. A aplicação deste regime, se por um lado — o que justifica a sua cautelosa aplicação — não pode interferir com a autonomia e independência do sistema judicial, por outro, terá de ser encarado de forma a que, a coberto da defesa da independência e autonomia, não seja visto como uma forma de — reiterada e sucessivamente — se desresponsabilizar o Estado por práticas que se revelam, manifestamente, erradas e desenquadradas da normalidade.

 

26. Diremos ainda que, em circunstância alguma, poderá servir como forma de desincentivar os cidadãos de recorrer à justiça com vista da defesa dos seus direitos constitucionalmente consagrados.

 

27. Todas as decisões têm de ser fundamentadas e, bem ou mal, salvo Douta e Melhor Opinião, são essas concretas decisões que vão ser apreciadas para efeitos de verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado e, a análise posterior que será efectuada, quer em 1a instância quer pelos Tribunais Superiores, terá — somente — de ter em consideração o vertido na decisão que se entende errada e não encontrar e ou fundamentar — quando a outra o não fez — o desígnio que determinou o sentido da decisão, procurando conformá-lo e enquadrá-lo numa determinada linha doutrinal que se poderia entender enquadrável.

 

28. Para além do exposto, ou seja, para além de se entender que ao Tribunal de 1ª Instância e Tribunal Superior não compete justificar e/ou fundamentar uma decisão que foi entendida com errada e determinou o acionamento do Estado no campo da responsabilidade extracontratual, para além do que nela consta, igualmente a verificação — como sucedeu no caso concreto — de várias linhas doutrinárias e jurisprudenciais não justifica o erro cometido nem sequer o diminui.

 

29. Não basta — como é óbvio — concluir pela verificação de vários entendimentos doutrinários e/ou jurisprudenciais — para que se considere que a adopção de um deles é suficiente para afastar o pressuposto da responsabilidade do Estado, designadamente o erro manifesto, já que haverá que ter em consideração toda a factualidade associada e, fundamentalmente, se a mesma se enquadra (ou não) na solução doutrinal/jurisprudencial adoptada.

 

30. A responsabilidade extracontratual do Estado e, no caso concreto a figura da desconsideração da personalidade jurídica são pois dois temas que não encontram unanimidade quer doutrinal quer jurisprudencial, tratando-se de temas que extravasam o caso concreto atendendo à relevância jurídica e social que possuem, tal como supra se referiu.

 

31. Com efeito, esta é uma questão que assume desde logo a sua relevância jurídica, na medida em que, a intervenção deste Venerado Tribunal irá assumir um ponto obrigatório de referência, e portanto, a sua utilidade jurídica, se irá traduzir no esclarecimento dos exatos termos em que se poderá ser esta questão, muito recorrente, passar a ser dirimida.

 

32. Do mesmo modo, a questão que se pretende ver analisada e pronunciada na presente sede de recurso preenche a sua relevância social, dado que, a intervenção do Supremo expande a orientação que irá ser dada em relação ao caso em concreto, a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, tomando-se útil na resolução dos litígios aí constituídos.

 

33. Com efeito, perante a importância jurídica e social da contenda que aqui é suscitada, impõe-se ao Supremo Tribunal de Justiça, lograr por uma orientação que, assaque uma direção que constituirá um guia de resolução deste género de discussão de mérito.

 

34. Entendemos que será entendimento unânime que a admissão de revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias suscita fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na qualidade de órgão de regulação do sistema, ou seja, tendo como finalidade conseguir o bom funcionamento e uniformidade decisória dos Tribunais.

 

35. Do referido, resulta, desde logo, que o recurso de revista para este Supremo Tribunal terá que comportar uma questão que seguramente se irá repetir em casos futuros, para os quais se torna necessário fixar uma tese capaz e bastante para constituir uma bússola para vindouros litígios, sobretudo, quando existem correntes jurisprudências destoantes, gerando incerteza e instabilidade no mundo jurídico.

 

36. Ora, in casu, o acórdão recorrido traz no berço — reconhecidamente – o nascimento de uma divisão no seio da jurisprudência produzida nos mais altos tribunais, levantando dúvidas, incertezas e bastante instabilidade.

 

37. O recurso excepcional de revista visa esclarecer e aplicar correctamente o direito do caso, mas exclusivamente naquelas situações que permitam prever alguma outra valia suplementar, seja para definir o quadro jurídico aplicável a situações tipo, seja para interpretar um regime jurídico, para responder a preocupações especialmente sentidas num certo estrato social, ou para garantir uma melhor aplicação do direito, vista esta aplicação na perspectiva do bom funcionamento da organização e dos meios do contencioso administrativo em que o Supremo funciona como regulador e garantia última do sistema.

 

38. Por tudo o quanto se disse e levando em linha de consideração a decisão explanada no Acórdão Recorrido, dir-se-á que a intervenção deste Venerado Tribunal, revela-se essencial, útil e indispensável para uma melhor aplicação do Direito, pelo que, a decisão que irá ser proferida consistirá num guia de apoio e orientação para a resolução de litígios futuros, que certamente irão existir, ou não estivéssemos perante uma matéria (questão) recorrente (cada vez mais) nos Tribunais Judiciais.

 

39. Haverá que solidificar o entendimento de que a apreciação do erro judiciário para efeitos de enquadramento (ou não) nos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado a ele atinentes terá de ser feito com base na decisão proferida que motivou a instauração do processo e na respectiva motivação e não com base em enquadramento de Direito que posteriormente, na análise dessa acção, possa ser feito para justificar a (in)verificação de tais pressupostos.

 

40. Dito de outro modo e de uma forma mais simplista, o que estará em causa na apreciação destas acções é o entendimento do concreto M.mo Juiz e, como tal, a fundamentação que o mesmo apresenta para justificar e legitimar a decisão que vem a proferir. Não caberá ao Tribunal de 1ª Instância que julga — nessa sequência, a acção instaurada invocar divergências de entendimento doutrinal e jurisprudencial para justificar a decisão que foi tomada.

 

41. Termos em que, e para os efeitos do disposto nos n.°s 1, 2, 3 e 5 do art. 672.° do (n)Código de Processo Civil deve o recurso apresentado pela Recorrente ser admitido, por verificados que estão os pressupostos a que alude o n.°1 e 2 do art. 672.° do mesmo diploma legal.

 

42. A aqui recorrente AA não se conforma com o Acórdão que veio a ser proferido nos presentes autos, o qual, decidiu negar provimento ao Recurso interposto, confirmando a decisão recorrida. A Recorrente entende que a decisão em crise padece, pois, de vícios que definitivamente a inquinam e a sua prolação causou e causa à aqui recorrente danos irremediáveis e irreparáveis que, com a decisão que venha a ser proferida pelos Venerandos Conselheiros urge reparar e minimizar.

 

43. Reportam as presentes alegações ao recurso interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o qual negou provimento ao recurso decidindo confirmar a decisão recorrida, qual, havia decidido que “Na decorrência de todo o exposto e ao abrigo dos normativos legais citados, julga-se improcedente o pedido da autora, por se entender não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil por erro judiciário, absolvendo-se o réu Estado Português desse pedido.”

 

44. A aqui recorrente AA irá ser concisa nesta sua alegação, pois que, atendendo à decisão que veio a ser proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, teme que a extensão das suas Alegações nessa sede oportunamente apresentadas, tenham contribuído para os vários lapsos que se vieram a verificar na decisão e, consequentemente, determinaram o sentido em que a mesma veio a ser proferida.

 

45. Na verdade, a decisão cautelar em crise e que motivou a instauração dos presentes autos, somente no âmbito do recurso interposto na sequência do decretamento da mesma é que mereceu uma análise e interpretação correcta e adequada, já que, quer a M.ma Juiz que a proferiu, quer a M.ma Juiz que se pronunciou em sede de 1ª instância nos presentes autos bem como o Colectivo dos Venerandos Desembargadores, salvo melhor e Douta opinião, não conseguiram percepcionar o que na realidade sucedeu e se verificou, sendo disso exemplo a reiterada confusão entre a aqui recorrente AA e outra sociedade requerida denominada FF.

 

46. A decisão recorrida não conforma a boa solução do caso sub judice, por se entender que Erra no Julgamento da Matéria de Direito.

 

47. A questão a que importa dar resposta e que fundamenta o presente Recurso, prende-se com saber se bem andou o Douto Tribunal a quo ao concluir que não houve erro judiciário suscetível de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual geradora da obrigação de indemnizar a autora, assentando o presente recurso em 3 pontos essenciais: i) Concreto e correcto enquadramento da matéria de facto relativamente à recorrente; ii) incorrecta aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica e, por fim, iii) excesso de arresto.

 

48. Façamos primeiramente um pequeno enquadramento do tema de forma a — definitivamente — procurar que se evite qualquer confusão entre a identificação da aqui recorrente AA e a sociedade FF.

 

• Em 23.12.2011 foi instaurado procedimento cautelar de Arresto por BB e mulher CC (os Requerentes), contra DD e EE (os 1. °s Requeridos), a aqui recorrente AA (2.ª Requerida) e ainda FF, SA. (3.ª Requerida),

• Foi a FF (3ª Requerida) quem celebrou contrato promessa com os 1.°s Requeridos relativamente às fraccões “N”, “P” e “Q”,

• A ora recorrente AA não celebrou qualquer contrato promessa com os 1.°s Requeridos.

• A ora recorrente AA nunca teve a sua sede social na residência dos 1.°s Requeridos (desconhece-se de onde os Venerandos Desembargadores retiraram tal conclusão, da qual se servem para demonstrar a razoabilidade da decisão proferida em sede cautelar)

• A ora recorrente AA foi constituída em 04 de Junho de 2004

 

49. Estes factos que se extraem da factualidade dada como provada são mais que suficientes para possibilitar — definitivamente — a distinção entre a Recorrente AA e FF evitando-se, mais uma vez, o erro quem tem vindo a verificar-se reiteradamente nas decisões que têm vindo a ser colocadas em crise, quer na sentença da Providência Cautelar, quer na decisão da 1ª Instância quer ainda no Acórdão recorrido.

 

50. Já aquando da fixação da matéria de facto pelo Tribunal da Nazaré (no âmbito do Procedimento Cautelar) por intermédio de M.ma Juiz, haveria que haver um cuidado, já que a M.ma Juiz tinha conhecimento funcional dos vários litígios que envolveram as partes naqueles autos cautelares, tendo intervindo nos vários processos identificados na factualidade dada como provada.

 

51. E, por esse facto, muita da factualidade sequer deveria ter sido dada como indiciariamente provada por se encontrar em manifesta contradição com o alegado, pelos próprios requerentes BB e esposa do PC (designadamente quando assumem a posição de RR. nas acções declarativas ou requeridos nas acções cautelares), onde, defendem que o filho dos 1°s Requeridos DD e esposa (o único sócio e gerente da aqui recorrente AA), constituiu uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à construção civil e pai e filho começaram a construir em conjunto, que em 23.05.2005 foi celebrado contrato de empreitada entre os requerentes BB e esposa e a recorrente AA de que é o único sócio e gerente o filho dos 1.°s requeridos DD e esposa, que o 1.º requerido marido (DD) é empregado da recorrente (AA) nada mais normal que, nessa qualidade, seria o mesmo a contactar com subempreiteiros e fornecedores e a pagar-lhes, naturalmente que lhe competia a ele pedir orçamentos, contratar fornecedores e pagar-lhes até porque quem tinha experiência de obra era o 1.º Requerido (DD) e não o filho. (posição que veio a ser adoptada em sede de oposição nos autos cautelares que com o n.°353/09.5TBNZR correu seus termos na secção única do Tribunal Judicial da Nazaré e em sede de contestação (na qualidade de RR. portanto) nos autos de Acção Ordinária que com o n.°506/09.6TBNZR correu seus termos pela secção única do Tribunal Judicial da Nazaré.)

 

52. Nos autos cautelares, que determinaram o presente procedimento, alegaram os requerentes BB e esposa — o que ficou indiciariamente provado – que a sociedade aqui apelante AA foi constituída em nome do seu único sócio e gerente (GG) com dinheiros dos requerentes (BB e esposa) e dos 1.°s Requeridos DD e esposa (noutras inclusive os requerentes BB e esposa defenderam que essa constituição se operou com dinheiro exclusivo dos mesmos), a qual passaria a titular negócios daqueles na proporção de metade para cada um, não obstante, para efeitos de invocação da figura da desconsideração da personalidade jurídica, como é que o Tribunal considera que era o 1.º Requerido marido DD quem efectivamente possuía a sociedade? Como é possível concluir-se que uma sociedade constituída por 2 partes e com recurso a capital de ambas (alegadamente) serve para “esconder” património (que já vimos se traduz em activo circulante) de uma das partes somente.

 

53. Até porque, correram termos pelo Tribunal Judicial da Nazaré (Secção Única) os autos de processo comum — Tribunal Singular — com o n.°266107.5PANZR no qual o único sócio GG e gerente da aqui recorrente AA figurava como arguido, e que, na sequência de participação efectuada por iniciativa do requerente marido BB nos autos cautelares (porque o cheque estava à sua ordem), veio a ser pronunciado (em 11.03.2010) pela prática de um crime de falsificação de documento e um crime de buda qualificada, autos de instrução esses, presididos pela M.ma Juiz que proferiu a decisão cautelar, o próprio Requerente BB prestou depoimento, tendo o mesmo referido que o irmão DD era mero trabalhador da sociedade que o sobrinho era dono e gerente,

 

54. Atente-se que nos aludidos autos criminais, quer em sede de instrução quer em sede de audiência de discussão e julgamento, em momento algum foi referido que a sociedade aqui Recorrente AA foi constituída com dinheiros dos requerentes BB e esposa e mais, resultou claro e evidente que o valor em causa foi depositado em conta bancária da recorrente AA, depois de endossado (a mesma alegadamente propriedade (na proporção de metade) ou na totalidade — segundo a versão trazida aos autos pelos requerentes do procedimento cautelar) e, não obstante (já que a decisão instrutória é anterior — fixou-se como indiciariamente provado que GG (sócio e gerente da apelante) já guardado para si um cheque.

 

55. Não obstante a indesmentível sustentação documental que afasta inequivocamente a fixação do facto nos moldes em que se operou, o Venerando Tribunal da Relação manteve o mesmo nos seus exactos termos, contrariando o que ficou provado em decisão criminal com trânsito em julgado.

 

56. Era esta diligência — até na fixação dos factos indiciariamente provados — que se impunha ao Douto Tribunal da Nazaré, face ao conhecimento funcional que detinha sobre todos os processos supra referidos.

 

57. Veja-se agora também que, no Douto Acórdão recorrido, os Venerandos Desembargadores conseguem, inexplicavelmente, concluir que a recorrente AA possui sede social na residência dos 1.ºs Requeridos, o que nunca sucedeu.

 

58. Sem embargo da extensão do Acórdão, sobretudo na sequência da reprodução do alegado pela recorrente AA e no enquadramento da matéria de direito do tema em crise, a fundamentação para a decisão que veio a ser proferida é manifestamente reduzida, escassa e infundada (cfr. pág. 29 do Acórdão).

 

59. Os factos dados como provados, porque contrariam decisões judiciais que se encontram amplamente suportadas em Certidões Judiciais juntas aos autos, incluindo os cautelares, designadamente i) 47/08.9GANZR, onde se provou que o cheque referido em 23) dos factos provados foi depositado na conta da AA; ii) 383-1O.4TBNZR do qual se extrai uma posição (descrição dos factos) em tudo similar à dos autos cautelares, o qual culminou com a desistência de todos os pedidos contra a AA, aqui recorrente AA iii) 506/09.6TBNZR no qual a recorrente AA não era parte nem foi mencionada na Transacção alcançada, deverão ser alterados. De notar ainda que, no que a esta parte da matéria concerne, o Douto Acórdão em crise não se pronunciou, foi pois totalmente omisso.

 

60. No entanto, por mero exercício académico e assumindo a sua manutenção, questiona-se qual a factualidade dada como provada susceptível de poder justificar a aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica — sem conceder atendendo ao que infra se dirá — à sociedade AA?

 

• Dizem os Venerandos Desembargadores que os 1.°s Requeridos DD e esposa e pais do único sócio da aqui Recorrente AA, na sequência de dívidas ao Estado e outros credores perderam ou ocultaram todo o seu património e não pagaram aos credores.

 

- ora, pode dizer-se que, da conjugação da factualidade dada como provada que determinou esta “conclusão” trata-se de período anterior à constituição da recorrente AA, que somente sucedeu em 2004.

- ou seja, em momento anterior a 2004 os 1.°s requeridos DD e esposa tinham perdido ou ocultado o seu património, mas não foi na AA por que ainda sequer tinha sido constituída.

- nada consta da factualidade dada como provada sobre a quantificação das dívidas ou a identificação dos credores (com excepção do Estado).

- nada consta da factualidade dada como provada sobre que património ingressou na Arqbuildinq, ou se alguma vez ingressou algum património.

 

• Dizem os Venerandos Desembargadores que, em consequência disso os 1.°s requeridos (DD e esposa) acordaram com os requerentes (BB e esposa) em desenvolverem em conjunto a actividade de compra, construção e venda de imóveis e que, entretanto, foi constituída a recorrente AA para continuar essa actividade e titular os negócios dos 1.°s Requeridos e dos requerentes:

 

- nada consta da factualidade dada como provada que, há data da constituição da recorrente AA permaneciam dívidas por liquidar

- o que resulta inequívoco — mesmo sem conceder — é que foi constituída a recorrente AA para prosseguir a actividade da construção que até aí era desenvolvida em conjunto por requerentes e 1.°s requeridos

- a sociedade AA foi constituída em 2004.

 

• Dizem os Venerandos Desembargadores que, mais tarde foi registada a 3.ª requerida FF, com sede, tal como a apelante/recorrente, na residência dos 1ºs requeridos onde também reside o filho destes, que é igualmente o único administrador da 3.ª requerida.

- a recorrente AA nunca teve a sede na residência dos 1.°s requeridos.

- a recorrente foi constituída em 2004 e a 3ª requerida FF foi constituída em 29.12.2010

 

• Dizem os Venerandos Desembargadores que os 1°s requeridos (DD e esposa) lavraram o suposto contrato promessa referido em 35) apenas com o objectivo de se furtarem ao pagamento das quantias a que se tinham obrigado perante os requerentes (BB e esposa) e, actualmente, para além das fracções identificadas em tal escrito não lhe são reconhecidos outros bens

 

• a recorrente AA não teve qualquer intervenção no contrato Promessa e existe desde 2004

- o putativo crédito dos requerentes a existir, surgiu a partir de 01.05.2011

- o contrato promessa foi outorgado entre os 1.°s requeridos DD e esposa e a sociedade FF (3ª requerida)

- não resulta da factualidade dada como provada que os 1.°s requeridos DD e esposa alguma vez transferiram, o que quer que fosse, para a recorrente AA.

 

61. Do supra refendo não se consegue extrair qual a intervenção da recorrente AA ou qual o seu papel de forma a que se enquadre — sem margem para dúvidas — o seu papel na figura da desconsideração da personalidade jurídica.

 

62. Aliás, fazendo um mero exercício académico de, com base na factualidade dada como indiciariamente provada, retirar todos os factos que respeitem a todas as partes com excepção da recorrente AA, verifica-se que a factualidade fica totalmente despida de factos, com excepção do referente à constituição da empresa e à alienação de imóveis, que se adianta trata-se da prossecução do seu objecto social.

 

63. Dúvidas não subsistem de que todas as decisões judiciais têm de ser devidamente fundamentadas, contrariamente às que nesta sede respeitam, desde a decisão cautelar à decisão ora em crise.

 

64. A justificação do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra já supra foi analisada, pois a mesma, para justificar a aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica à aqui recorrente AA assenta na factualidade que supra se desmontou integralmente. Na verdade, inexistem quaisquer factos que justifiquem a aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica à aqui recorrente AA, independentemente das correntes doutrinarias e/ou jurisprudenciais que existam.

 

65. A aqui recorrente, na sequência da decisão cautelar que veio a ser proferida e da decisão recursiva posterior, entendeu demandar judicialmente o Estado Português por responsabilidade civil extracontratual, por entender que o Tribunal que proferiu a decisão cautelar errou manifesta e clamorosamente na decisão de provimento da providência cautelar.

 

66. É essa decisão que tem de ser analisada e interpretada no sentido de confirmar se existe erro passível de preencher os pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado, como tal, salvo melhor e Douta opinião, o facto de se justificar, quer na apreciação em saneador sentença da P.I. interposta quer em sede de recurso de apelação interposto da mesma, a razoabilidade da decisão pelo facto de existirem várias posições doutrinárias e/ou jurisprudenciais não pode merecer acolhimento.

 

67. Em primeiro lugar, como já vimos, inexistem quaisquer factos passíveis de justificar a aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica. Esse é o primeiro erro, claro, evidente, manifesto e clamoroso e, em segundo lugar importa ter em consideração a fundamentação invocada na Decisão Cautelar que determinou a decisão que veio a ser proferida. É essa que conta. Todas as decisões têm de ser fundamentadas e é a fundamentação que possibilita que se tenha a percepção de qual o raciocínio lógico e mental efectuado pela M.ma Juiz para decidir da forma como veio a decidir.

 

68. Ao Juiz reclamam-se soluções concretas, não meramente automáticas de aplicação da literalidade, geral e abstracta da lei e, como consequência, de modo a alcançar o desiderato da justiça material, alarga-se o âmbito de intervenção pessoal ou individualizado da actividade jurisdicional, abandonando-se a ideia de juiz passivo, de mero aplicador da letra da lei.

 

69. A responsabilidade do Juiz transforma-se, cada vez mais, numa responsabilidade pela fundamentação das suas decisões, dependendo a decisão judicial não tanto da linguagem empregue, nem da virtude do Juiz, mas dos limites do raciocínio judicial, sendo as decisões que criam maior indignação perante o cidadão e a opinião pública, não tanto as que parecem erradas, mas as que, qualquer que seja o seu conteúdo, não são fundamentadas.

 

70. Por decisão injustificada, por erro grosseiro de facto, entende-se aquela que não tem justificação, que não se encontra alicerçada nas concretas circunstâncias de facto que deveriam determinar o seu proferimento, as situações de afirmação ou negação de um facto cuja verificação se mostre incontestada no processo ou que não deixe margem para quaisquer dúvidas ou quando o juiz decidiu em flagrante contradição com os factos dados por provados.

 

71. Quer os Requerentes do Procedimento Cautelar que o próprio Tribunal de 1ª Instância (Nazaré), invocaram posições doutrinárias, citações e jurisprudência (Ac. do TRP de 25.10.2005, www.dgsi.pt e do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.02.2009, in Colectânea de Jurisprudência online transcritas e a que faz alusão na fundamentação da decisão que veio a proferir (decisão cautelar), em sede de Direito, designadamente págs. 18 e 19, as quais têm em comum a referência à ligação entre o entre colectivo e os seus membros ou sócios, nunca a terceiros em relação à sociedade.

 

72. O que permite concluir que o Tribunal da Nazaré que proferiu a decisão cautelar adoptou posição/decisão contrária ao entendimento doutrinal e jurisprudencial que ele próprio invoca para a fundamentar.

 

73. Por outras palavras, o Tribunal da Nazaré adere à vertente da Desconsideração da Personalidade Jurídica que se opera entre a sociedade e os seus membros — só refere essa posição doutrinária e jurisprudencial, é totalmente alheio a qualquer outra corrente doutrinal ou jurisprudencial pois quanto a ela nada diz e, não obstante, acaba por contrariar a posição doutrinal e jurisprudencial que adopta na sua fundamentação.

 

74. Erro mais claro, evidente e manifesto não há! Independentemente de existirem (ou não) outras correntes jurisprudenciais e doutrinais. O Tribunal aderiu a uma e conseguiu decidir contrariamente a ela. É a fundamentação que possibilita, reitera-se, percepcionar o iter lógico e cognitivo subjacente à posição que vem a ser adoptada.

 

75. Até porque — é apodíctico — no que tange à aqui recorrente AA, a 2ª Requerida naqueles autos cautelares, não é concretizado qualquer facto concreto (na decisão cautelar) imputado directamente à ora recorrente AA, pelo contrário, somente é feita — a referência à 3ª requerida FF e a celebração por esta (e pelos 1.ºs Requeridos DD e esposa) de um contrato-promessa.

 

76. Da análise da Douta Decisão cautelar e, do seu confronto com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, no que tange à recorrente AA, a revogou, conclui-se, como manifesta segurança, que aquela não tem qualquer fundamentação que justifique ou legitime — contrariamente ao entendido pelo Douto Tribunal a quo — a aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica.

 

77. Não obstante ter sido considerado indiciariamente provado que os requerentes da providência cautelar, BB e esposa, eram muito amigos dos 1.°s Requeridos DD e esposa, que o 1.º requerido marido tinha dívidas ao Estado e outros credores e que aqueles (1ºs requeridos) perderam ou ocultaram todo o seu património e que, por essa razão acordaram com os requerentes desenvolver, em conjunto, a actividade de compra, construção e venda de imóveis, não resulta indiciariamente provado quais os montantes dessas dívidas, se as mesmas existem (ou ainda existem) e, quando é que essa actividade se iniciou.

 

78. Temos como certo que a alegada (e indiciariamente provada) dívida é de 2011 (Abril ou Novembro como se queira entender), ou seja, a aludida dívida dista 8 anos do aparente início das relações com os requerentes BB e esposa do procedimento cautelar e 7 anos da constituição da aqui recorrente AA.

 

79. Dúvidas igualmente não existem de que a requerida AA foi constituída em 2004 e, adiantando já a conclusão a final, não se percebe como se pode concluir que a uma sociedade constituída em 2004, com o intuído de continuar a desenvolver a actividade de construção que anteriormente era feita entre requerentes BB e esposa e 1.°s requeridos DD e esposa — possa ser aplicada a figura da desconsideração da personalidade jurídica relativamente a uma alegada dívida dos 1.°s requeridos DD e esposa, constituída em Novembro de 2011, reitera-se, 7 anos após a constituição daquela.

 

80. Também não resulta da matéria de facto dada como provada como é que a sociedade recorrente AA funcionou, o que fez, como fez, desde 2006/2007 — data em que os 1.°s requeridos DD e esposa e os requerentes BB e esposa se incompatibilizaram — até à data da constituição da putativa dívida e,

 

81. Não resulta qualquer factualidade quanto à actividade desenvolvida pelo sócio gerente da recorrente AA nos anos subsequentes à finalização da sua licenciatura (em 2001 por acaso), designadamente de 2004 a 2011,

 

82. Como perpassa igualmente da decisão cautelar, os bens pertencentes à aqui recorrente AA encontra(va)m-se onerados com hipotecas de quantias elevadas — cuja existência inclusive motivou a decisão de extensão do arresto à totalidade do seu património — logo, questiona-se, onde está o património dos 1.°s requeridos DD e esposa ou o capital? Como é que os 1.°s Requeridos, que não podiam ter contas bancárias ou recorrer a crédito – porque tinham dívidas segundo a factualidade dada como provada — conseguiram financiamento para adquirir terrenos, fazer construção e erigir pelo menos 50 imóveis.

 

83. Diremos ainda que, não resultou, em momento algum nos autos cautelares, demonstrado que os imóveis que vieram a ser objecto do arresto, foram adquiridos aos 1.°s requeridos DD e esposa, nem que os vendedores tivessem alguma ligação com aqueles, que os 1.°s requeridos tivessem intenção de adquirir os imóveis à sociedade AA.

84. Não basta — no modesto entendimento da recorrente AA — ter sido indiciariamente demonstrado que foi o 1.º requerido marido DD quem negociou e contratou os empreiteiros de todas as obras da recorrente AA (note-se que não se diz quem negociou e/ou contratou a aquisição dos terrenos/imóveis), que é a ele que todos os trabalhadores e fornecedores conhecem, quem faz todos os pagamentos e que o nome do filho apenas serviu para que pudesse prosseguir com os negócios. Isso, quanto muito, permitiria que se concluísse que o mesmo é um gerente de facto da sociedade, sendo manifestamente excessivo que, de tal, se retire que era sócio!

 

85. Acresce ainda que, foi dado como indiciariamente provado nos autos cautelares (cfr. facto provado C. da decisão aqui em crise, ponto 29.) que os requerentes BB e esposa propuseram contra a recorrente AA acção ordinária (Proc. n.°383/10.4TBNZR) na qual pediram a condenação daquela a reconhecer que os mesmos tinham participação de metade na aquisição/construção dos prédios que vieram a ser arrestados (todos), tendo, em 22.10.2010 (cfr. facto provado C. ponto 30.) desistido de todos os pedidos formulados contra a aqui recorrente.

 

86. Desta feita, sem entrar (ainda) na discussão da unanimidade nos pressupostos do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, temos como assente e pacificamente defendido que se trata de um instituto a cujo recurso terá de merecer de elevada ponderação, atendendo a que as sociedades comerciais (como é o caso concreto dos autos) são autónomas e têm personalidade jurídica independente das pessoas a ela ligadas (quer se entendam os sócios quer, até, terceiros).

 

87. O que significa que, a eventual utilização ilícita ou abusiva, para prejudicar terceiros, utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, tem de ser concretizada e sustentada em factualidade. Pois que uma sociedade pode, perfeitamente, conviver com a realização de negócios perfeitamente “legítimos” e, quanto a outros, verificar-se uma confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios (ou outros, sem prejuízo do que infra se dirá).

 

88. Razão pela qual se impõe a demonstração — ainda que meramente indiciária — da verificação dessa promiscuidade ou confusão de patrimónios, o que, reitera-se, é totalmente omisso na decisão cautelar proferida, não tendo portanto sustentabilidade factual a decisão ora em crise.

 

89. Igualmente sem conceder, diremos inclusive que, a falta de demonstração de que os negócios titulados pela recorrente AA, designadamente os atinentes aos imóveis que vieram a ser arrestados, não foram legítimos (note-se que sobre todos com excepção de dois, por incidirem hipotecas, permite a conclusão de que foram efectuados com recurso a crédito bancário) não poderá aplicar-se o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois que aqueles (negócios) resultam da normal actividade da empresa.

 

90. Por outro lado, tal como resulta do facto provado C. ponto 45, todos os imóveis se destinavam a venda (decorrência pois normal do objecto social da empresa ora recorrente), confirmando, mais uma vez, a inexistência de promiscuidade de patrimónios.

 

91. Face a tudo o exposto, salvo melhor e Douta Opinião, no entendimento da aqui recorrente AA, a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Nazaré, contrariamente ao entendimento do Venerando Tribunal a quo, não reflecte uma posição divergente, mas legítima em relação à que veio a ser proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, mas antes uma decisão precipitada, imponderada e insustentada, como tal, manifestamente errada.

Erro esse manifesto, clamoroso e palmar e, como tal, susceptível de determinar a responsabilização do Estado nos termos peticionados pela ora recorrente.

 

92. Razão pela qual, porque quanto a esta Parte o Tribunal a quo errou na interpretação do Direito e na sua aplicação aos factos, outra decisão se impõe — por ser demais evidente — que passa Pela revogação do Douto Acórdão e a sua substituição por outro que determine o prosseguimento dos autos por se encontrarem verificados os pressupostos de que depende a responsabilização do Estado.

 

93. Mas vejamos agora no que tange à inexistência de erro porque o (por alguns) denominado instituto da desconsideração jurídica não é, como é sabido, instituto especificamente regulado pela lei, mas antes uma figura criada pela doutrina e pela jurisprudência, sem que haja unanimidade acerca dos respetivos pressupostos.

 

94. Diremos pois que, a inexistência de unanimidade doutrinária e/ou jurisprudencial, conforme demonstrado, não releva para o caso em apreço. Na verdade, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica veio a ser aplicado sem que existisse factualidade, ainda que indiciariamente demonstrada, que o legitimasse.

 

95. O que está aqui em causa é a aplicação de um instituto, com a invocação de fundamentos doutrinais e jurisprudenciais — e isso é claro — onde somente se faz alusão à relação entre a sociedade e os seus sócios, quando, ficou amplamente demonstrado que os 1.°s Requeridos DD e esposa não integravam, nunca integraram nem integram o elenco societário da apelante. Posição essa rejeitada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra com esse mesmo argumento, ou seja, de que os 1.°s requeridos DD e esposa não integraram, em momento algum, o elenco societário da empresa.

 

96. Não obstante, diremos que o pressuposto que se entende não ser pacífico e unânime é, somente, quanto à qualidade da pessoa (neste caso concreto) que se relacione com a sociedade, ser sócia desta ou “sócia de facto”, sendo que os demais, tais como — e de forma genérica — a confusão e/ou promiscuidade de patrimónios, bem como a actuação abusiva e fraudulenta ou condutas reprováveis — utilização da personalidade colectiva de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios –, sempre terão de ser demonstrados ou, melhor dizendo, concretizados.

 

97. Mais uma vez reitera-se que, quer a distância temporal entre a constituição da sociedade recorrente AA (donde — tal como resultou indiciariamente provado — se extrai o propósito do seu surgimento) e a data em que ocorre o nascimento da dívida já que quanto às demais não se diz quanto à sua existência), quer as funções que indiciariamente se demonstrou ser desempenhadas pelo 1.º requerido marido DD não são suficientes para legitimar a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Há pois que concretizar factos denotativos da existência de confusão/promiscuidade de patrimónios, designada e genericamente a intervenção activa do 1.° requerido DD na aquisição dos imóveis, na sua negociação, na aquisição anterior e posterior inclusão na sociedade ou na intenção de, não obstante integrarem a sociedade, os pretender para si (note-se que da factualidade provada resulta, precisamente, o inverso, a sociedade desenvolveria negócios com capital dos 1.°s requeridos o que, no que tange aos imóveis dos autos, não se verifica atendendo à oneração dos mesmos com hipotecas, o 1.º requerido marido negociou e contratou empreiteiros para as obras e, por fim, todo o património se destinava a venda — na clara prossecução do objecto social da recorrente AA).

 

98. Mesmo que se admita, sem conceder, que aquando da constituição da sociedade o objectivo era prejudicar terceiros e utilizar a mesma de forma abusiva, carece a decisão cautelar de sustentabilidade factual no que tange a essa manutenção de intenção decorridos que estavam (até ao vencimento da dívida dos autos) mais 7 anos.

 

99. Razão pela qual, a invocação de alguma Doutrina e Jurisprudência, que aparentemente estende a aplicação do Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica a entidades não sócias, não colide nem altera os demais pressupostos da sua aplicação, os quais, no caso concreto, foram manifestamente postergados e ignorados, levando ao erro — insiste-se — grave e palmar, susceptível de determinar a responsabilização do Estado como peticionado pela recorrente.

 

100. Diga-se ainda e no que concretamente a este ponto respeita, que, no entendimento da recorrente AA, não releva, de maneira nenhuma, o facto deste instituto não se encontra regulamentado na lei portuguesa, pois o instituto da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.

 

101. Sendo que, quando aplicado — mal aplicado –, igualmente é merecedor da tutela jurídica, designadamente a referente à responsabilização do Estado por erro judiciário. O que se impõe através da revogação da decisão em crise.

 

102. Quanto a este concreto ponto, entende o Venerando Tribunal a quo que sobre esta concreta matéria, não houve revogação da decisão, razão pela qual fica, desde logo, afastada a sua apreciação, não obstante, acaba por se pronunciar sobre a mesma, concluindo que se está perante um normalíssimo acto de interpretação do direito e valoração dos factos indiciados, para os quais a solução definida se mostra adequada.

 

103. Em primeiro lugar, no que concretamente tange ao facto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, na sua decisão, não ter revogado a decisão no que concretamente respeita a este ponto, tal, deveu-se, ao facto de a montante ter sido apreciada e decidida questão — existência de fundamento para o decretamento do arresto — que determinou a sua não apreciação por prejudicialidade. Não deixando — não obstante — de ter sido a decisão revogada.

 

104. Por outro lado, salvo melhor e Douta opinião, não poderá ser feita uma interpretação da disposição legal aplicável (n. °2 do art. 13. ° da Lei n. °67/2007 de 31.12) sob pena de deixar de ser dado enquadramento a todas as decisões — mesmo que manifestamente injustas e erradas — que, por razões de prejudicialidade (como no caso dos autos) não venham a ser julgadas/apreciadas.

 

105. Tal seria manifestamente injusto para o “lesado”, que é totalmente alheio à decisão que vem a ser proferida — não tendo na mesma qualquer intervenção — e, dessa forma, se assim fosse, ficaria privado de, legitimamente, exercer os seus direitos. Basta atentar nos casos em que a decisão de revogação é proferida relativamente a uma matéria em que é notório somente uma divergência de entendimentos — o que não é o dos autos —, por exemplo a 1ª instância ter seguido uma determinada corrente jurisprudencial e o Tribunal Superior uma outra e, a questão a jusante, que, por prejudicialidade não é apreciada, padecer de claro, manifesto, palmar e, até, de forma meramente hipotética — manifestamente dolosa e intencional.

 

106. Não conferir enquadramento a estas situações e, subsequentemente, à dos autos, entendendo-se pois que nos casos em que por inexistir pronúncia quanto a todas as questões suscitadas em sede de recurso passível de configurar erro que determina a responsabilização do Estado, por razões às quais o recorrente é alheio, designadamente por prejudicialidade atendendo a que a montante a decisão foi revogada, será coartar o Direito de acesso aos Tribunais, violando claramente a Constituição da República Portuguesa (e por essa via materialmente inconstitucional) por violação dos arts. 20.° e 22.° da CRP.

 

107. Entrando na questão do excesso de arresto propriamente dito, reconhece a recorrente que não deduziu oposição, mas antes e somente (legalmente está-lhe vedada recorrer simultaneamente às 2 figuras — cfr. n.°1 do art. 388.° do Código de Processo Civil aplicável à data) recurso. Não obstante, da factualidade dada como indiciariamente por provada e da sua conjugação com todos os elementos documentais dos autos, facilmente se alcançaria decisão totalmente diversa daquela que veio a ser determinada no que respeita aos bens a arrestar, mesmo que lícita — como já amplamente demonstrado não ser — o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

 

108. Da petição inicial, para a qual se remete, resulta claro esse clamoroso erro, pois que da factualidade dada como provada nos presente autos (cfr. facto provado C. ponto 27.) resulta que o Tribunal bem sabia que o prédio/imóvel em causa, era composto, pelo menos, por 19 fracções, sendo que, menos de 2 meses antes — período insuficiente para se verificar qualquer alteração dos preços do mercado imobiliário, 9 fracções foram suficientes para distratar e liquidar um crédito de montante superior a € 700.000,00 incidente (através das respectivas hipotecas), pelo menos, sobre 19 fracções.

 

109. Ora, reiterando que a escritura de dação se realizou menos de 2 meses em relação à instauração dos autos cautelares, contrariamente ao entendido pelo Douto Tribunal da Nazaré e, igualmente pelo Venerando Tribunal a quo, podemos concluir, com inequívoco grau de certeza, que as fracções dadas em dação para além dos seus concretos distrates, liquidaram os distrates de mais 10, ou seja, de forma rudimentar mas esclarecedora, cada fracção dada em dação, liquidou 2 distrates, o da fracção respectiva e o de outra fracção que ficou desonerada (onde se incluem aquelas que foram atribuídas aos 1.°s Requeridos — “N”, “P” e “Q”. Valendo por esse efeito, pelo menos, o dobro do distrate (hipoteca) que sobre ela directamente incidia.

 

110. Não sendo pois admissível que — 4 meses depois (atendo à data da decisão cautelar) da escritura de dação, se conclua que as 3 fracções não tinham/têm valor sequer para liquidar os distrates (hipotecas) que sobre cada uma incidia. As quais, porque desoneradas na sequência da dação, eram pois, manifestamente suficientes para liquidação do putativo crédito, podendo, dessa forma, ser o arresto consignado somente àquelas.

 

111. Contrariamente, entendeu o Tribunal estendê-lo a cerca de 50 imóveis da aqui recorrente AA, os quais, efectivamente, se encontravam (não todos) onerados com hipotecas, contudo, tal como é notório e do conhecimento comum, o crédito concedido para construção não tem que ser todo utilizado (ou já se encontrar, como também resulta claro da análise documental parcialmente liquidado) e, para além desse facto, é sempre inferior ao valor das construções que daí resultem. Para isso bastaria ter em consideração o negócio da dação efectuado pelos requerentes da providência junto da Instituição de Crédito que os financiou.

 

112. Até é por demais evidente que sequer havia o periculum in mora — não obstante, mais uma vez o Tribunal da Nazaré assim não ter entendido — pois que, tal como resulta do facto provado C. ponto 46. — os imóveis (todos) encontravam-se a ser negociados desde momento anterior à instauração do procedimento cautelar, ou seja, em momento muito anterior à constituição do crédito e até do acordo (cujo alegado incumprimento motivou o requerimento cautelar) sem que fosse (ainda que indiciariamente) demonstrados quaisquer comportamentos censuráveis por parte da aqui recorrente AA, tanto mais que tais imóveis, aquando do arresto, ainda não haviam sido vendidos ou transferidos para qualquer outra entidade.

 

113. Atento tudo o exposto, entende a recorrente que, quanto a este concreto ponto do excesso do arresto, mal andou o Douto Tribunal a quo ao (entender que não se encontra preenchido o requisito de existência de decisão revogatória e ao) não concluir que tenha existido erro manifesto ou grosseiro de direito na decisão de terminar o arresto de todos os bens indicados, impondo-se por esse facto seja proferida decisão que revogue, também nessa parte, o Douto Acórdão, determinando o prosseguimento dos autos.

 

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, atento o supra exposto e os fundamentos do presente recurso, deve ser admitido o presente Recurso Extraordinário de Revista por estar em causa a apreciação de uma questão que, nela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou por a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, subsequentemente, concedido provimento ao presente Recurso e, consequentemente, com os fundamentos que deverão ser expostos e clarificados, ser a decisão proferida revogada e substituída por outra, que determine a baixa dos autos 1a Instância, prosseguindo os autos em conformidade.

Por essa forma fazendo V. Exas. a costumada Justiça.

 

O Réu Estado contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1ª- AA, Lda., recorre do douto acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que confirmou o saneador-sentença de 1ª instância, julgando improcedente, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação, o recurso que a ora recorrente dele interpusera.

 

2ª - A recorrente fundamenta a excecional admissibilidade do recurso no estatuído nas alíneas a) e b) do n°1 do art. 672° do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n°41/2013, ou seja, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e por estarem em causa interesses de particular relevância social.

 

3ª - A questão que, segundo a recorrente, pela sua relevância jurídica, seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, seria a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário, in casu, cometido na decisão que decretou o arresto de bens da ora recorrente, alegadamente, por errada aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica e por excesso de bens arrestados.

 

4ª - Não cremos que esta questão — que não é nova e tem sido muitas vezes tratada, pela doutrina e pela jurisprudência – possa ser considerada como merecendo um largo debate pela doutrina e jurisprudência, com o objetivo de se obter um consenso, em termos de servir de orientação.

 

5ª - Assim, a falta de inovação da questão em apreço; aliada à inexistência de controvérsia significativa, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial, quanto à mesma matéria, leva-nos a questionar a excecional admissibilidade da revista.

 

6ª - A recorrente alega, também, que estão em causa interesses de particular relevância social, suscetíveis de levarem à excecional admissibilidade da revista, mas não indica fundamentação válida para este efeito, dado que, a alegada “especial capacidade de repercussão no tecido social, ou capacidade de expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou do mesmo tipo”, no primeiro caso, é um mero conceito indeterminado e, quanto ao segundo segmento, como se verifica em relação a todas as decisões dos Tribunais Superiores, se fosse razão para a admissão de revista excecional, então acabava a normal irrecorribilidade dos acórdãos das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça em caso de dupla conforme.

 

7ª- Aliás, o recurso previsto para as situações em que é necessário ou conveniente assegurar a uniformidade da jurisprudência é o de revista ampliada, e não a revista excecional — art. 686° do Código de Processo Civil.

 

8ª - Acresce que, a densificação jurisprudencial da excecional admissibilidade da revista com fundamento em interesses de particular relevância social é a de se tratar de uma situação em que possa haver colisão da decisão jurídica com os valores socioculturais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de sentimentos de inquietação, que minem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas, situações em que, nomeadamente, fique posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade.

 

9ª - Ora, no caso concreto, não cremos que a não atribuição de uma indemnização por parte do Estado à recorrente por erro judiciário possa colidir com os valores socioculturais dominantes ou causar alarme social. Bem pelo contrário (!),

 

10ª - Quando, segundo a matéria de facto provada no douto acórdão a quo, a recorrente é uma sociedade comercial, criada para os pais do seu sócio registral, poderem, juntamente com outro casal de familiares, dedicarem-se aos negócios do imobiliário, eximindo-se ao pagamento das dívidas que aqueles tinham para com os credores e o Estado (cf. factos provados n°s 2 a 8 e 14 a 16); e, anos depois, em face das desavenças entre os dois casais de empresários, a ora recorrente serviu para os pais do seu sócio registral criarem outra sociedade, a FF (de que a recorrente é sócia), prometendo eles vender a esta 3 frações autónomas de um prédio, sendo certo que, dois dias antes da criação da FF, os pais do sócio registral da recorrente tinham celebrado uma transacção judicial, homologada, em que reconheciam que as mesmas fracções autónomas eram propriedade do citado casal de familiares seus e se comprometiam a pagar os distrates das hipotecas contraídas em relação às mesmas fracções, tendo este contrato promessa de compra e venda sido celebrado unicamente para se “furtarem ao pagamento das quantias a que se tinham obrigado no âmbito das transações...”, e não lhes sendo conhecidos outros bens, móveis ou imóveis (cf. factos provados n°s 21, 22, 24, 29, 30, 34, 35, 41).

 

11ª - O âmbito do recurso é o seguinte: a reapreciação do julgamento da matéria de facto efetuado na decisão judicial alegadamente danosa (a que decretou o arresto, com alegado erro judiciário), e se esta decisão não estava fundamentada, mas viciada, por contradição entre a fundamentação e a decisão; a possibilidade de enquadramento da matéria de facto provada na decisão judicial alegadamente danosa na figura da desconsideração da personalidade jurídica e, designadamente, se, atenta a factualidade provada, nada consta dela, quanto à recorrente AA, que pudesse ter levado à desconsideração da sua personalidade jurídica; se a fundamentação do douto acórdão a quo é manifestamente reduzida, escassa e infundada e se a matéria de facto provada no mesmo contraria decisões judiciais transitadas, constantes de certidões juntas aos autos; se a questão do excesso de bens arrestados — que, por razões de prejudicialidade, não foi conhecida no douto acórdão proferido no recurso interposto da decisão judicial alegadamente danosa — não poderia deixar de ser conhecida para efeito de responsabilidade civil extracontratual por erro judiciário, sob pena de violação dos arts. 20° e 22° da CRP.

 

12ª - Quanto à primeira questão, a pretensão da recorrente, de, na revista interposta na ação de indemnização por erro judiciário, impugnar o julgamento da matéria de facto – não revogado no acórdão proferido pela Relação no recurso interposto do arresto — da decisão do arresto, que constitui a decisão alegadamente danosa, e ver declarada uma nulidade da mesma decisão do arresto, não se integra na competência decisória do Supremo Tribunal de Justiça.

 

13ª - Pois, para efeito de responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário, o erro, de facto ou de direito, tem de ser conhecido (e reconhecido) na decisão revogatória, prevista no art. 13°, n°2 do RRCEE aprovado pela Lei n°67/2007, de 31.12.

 

14ª - Acresce que, a recorrente impugna o julgamento da matéria de facto efetuado no arresto com fundamento em factos que, segundo alega, seriam do conhecimento oficioso da M.ma juiz que decretou o arresto, porque a mesma teria julgado as ações mencionadas naquela matéria de facto provada.

 

15ª - Ora, sendo certo que os factos de que o tribunal tem conhecimento por razões de ofício podem ser julgados como provados sem necessidade de alegação ou prova, não é menos certo que, para julgar provados factos ao abrigo do art. 514º, n 2, do AntCPC (vigente na data dessa decisão), a M.ma juiz que decretou o arresto não poderia servir-se apenas da sua memória, mas teria de juntar ao processo do arresto documentos, extraídos dos demais processos que julgara, que comprovassem esse conhecimento, dando a possibilidade às partes de exercerem o contraditório nessa parte.

 

16ª - E, era nesse exercício do contraditório, no arresto e, eventualmente, depois, no recurso do mesmo interposto, que a ora recorrente deveria ter pugnado pelo julgamento da matéria de facto, que ora pretende obter em revista, na ação por erro judiciário;

 

17ª - Ou, se a M.ma Juiz não tivesse utilizado os factos que alegadamente conhecera, ao abrigo do disposto no n°2 do citado art. 514°, deveria a ora recorrente ter alegado e provado documentalmente esses factos, na oposição ao arresto (art. 388°, n°1, al. b) do mesmo Código de Processo Civil), não podendo vir, agora, alegar que os factos provados no arresto contrariam os julgados noutros processos, juntando certidões destes extraídas.

 

18ª - Quanto à segunda questão objecto do recurso, na ação indemnizatória, emergente de responsabilidade extracontratual do Estado por erro judiciário, apenas interessa apreciar se, atenta a matéria de facto provada e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida, houve erro crasso, palmar, a inquinar a decisão danosa.

 

19ª - Porém, a recorrente, ao criticar o douto acórdão a quo, confunde erro de direito, manifesto ou grosseiro, com a sua interpretação discordante da douta decisão a quo e da decisão alegadamente danosa.

 

20ª- Contrariamente ao que a recorrente defende, existe, na doutrina e na jurisprudência, um amplo e consolidado entendimento, no sentido de que uma simples divergência na interpretação da lei, na procura da aplicação da Justiça e na busca da verdade, não configura, só por si, um erro de julgamento, quanto mais um erro palmar ou grosseiro.

 

21ª - E, com o devido respeito pelo Acórdão que revogou o referido arresto, não é pacífico – e, muito menos, pode ser considerado como manifestamente ilegal, constituindo erro crasso, palmar, evidente – que não possa haver desconsideração da personalidade de um ente jurídico sem ser por confronto com o(s) seu(s) sócio(s).

 

22ª - Atenta a matéria de facto provada, como o património dos pais do único sócio registral da recorrente se confundia com o desta (pois que eles eram os verdadeiros sócios “ocultos” da AA), após o desentendimento entre os requerentes do arresto e os pais do único sócio da AA e as várias ações judiciais intentadas, ao desconsiderar a personalidade jurídica da AA, o Tribunal da Nazaré responsabilizou os “verdadeiros” sócios e controladores de “facto” pelo ato praticado, que fazia os requerentes do arresto temerem perder a garantia patrimonial do seu crédito.

 

23ª - Este entendimento não é juridicamente indefensável ou manifestamente ilegal, apenas é diverso do adotado no douto acórdão que revogou o arresto dos bens da ora recorrente, tendo, até, apoio doutrina!

 

24ª - Aliás, é pacífico que o facto de dois juízes, ou coletivos de juízes, no plano da hierarquia dos tribunais, decidirem em sentidos opostos a mesma questão de direito, não significa necessariamente que um deles tenha errado.

 

25ª - Analisado o douto Acórdão recorrido, vemos que todas as questões, que foram colocadas ao tribunal, foram devidamente ponderadas, e têm uma fundamentação bastante; designadamente quanto à questão de saber se a decisão do arresto incorrera em erro manifesto ao desconsiderar a personalidade jurídica da ora recorrente, o douto acórdão a quo pronunciou-se devida e fundadamente.

 

26ª - Ao alegar que a matéria de facto provada no douto acórdão recorrido contraria decisões judiciais transitadas, a recorrente pretende pôr em crise a matéria de facto julgada como provada na decisão judicial de arresto, e mantida no douto acórdão da Relação de Coimbra, que conheceu do recurso interposto no mesmo arresto, matéria de facto esta cujo julgamento não pode ser reapreciado na ação de responsabilidade civil extracontratual interposta contra o Estado com fundamento em erro judiciário.

 

27ª - Acresce que, o que constitui caso julgado — e ressalvando sempre que, como o Estado não foi parte nas ações em que foram julgados os factos a que a recorrente se arrima, nunca as decisões em questão fariam caso julgado em relação ao Estado, pois, como não se tratava de questões de estado, a identidade das partes é um dos pressupostos do caso julgado, cf. arts. 619°, n°1, e 581°, n°s 1 e 2 do Código de Processo Civil – é a decisão, e não, diretamente, os fundamentos, ficando, assim excluídos da eficácia do caso julgado os factos julgados nas decisões, quando considerados isoladamente desta.

 

28ª - No douto acórdão recorrido a questão da existência, ou não de erro na decisão alegadamente danosa, no segmento do alegado excesso de bens arrestados, foi conhecida perfunctoriamente — cf. 31 e 31 v° do mesmo Acórdão.

 

29ª - Não foi é conhecido, por prejudicialidade, pelo TRC, no acórdão proferido em recurso interposto da decisão de arresto, e que não é objecto de reapreciação nesta revista, qualquer eventual excesso no arresto dos bens da Autora, pelo que, uma vez mais, nesta parte, falta um dos pressupostos da responsabilização do Estado por erro judiciário.

 

30ª - Todavia, a ora recorrente poderia ter optado por — no arresto – apresentar oposição à decisão do arresto e aí discutir a alteração da matéria de facto assente ou a necessidade de fixação de outros factos, com base na prova já apresentada pelos requerentes do arresto ou por outra prova, por si indicada, designadamente, a matéria de facto que respeitasse ao alegado excesso de bens arrestados, que, agora, invoca. Optou, então, pelo recurso, em vez da oposição ao arresto, sibi imputat!

 

31ª- Finalmente, a jurisprudência constitucional tem vindo a afirmar, reiteradamente, que, noutros ramos do direito que não o direito penal, o direito de acesso aos tribunais não garante, necessariamente e sempre, o direito ao duplo grau de jurisdição, mas apenas o acesso aos tribunais para obter uma decisão definitiva de um litígio.

 

32ª - Daqui decorre que, faltando o pressuposto da prévia revogação da decisão judicial, exigido pelo n.°2, do art. 13° da Lei n.°67/2007, por impossibilidade de interposição de recurso, tal traduz uma opção feita a priori pela ordem jurídica, diretamente decorrente do sistema vigente de recursos e por razões de segurança jurídica, e não qualquer inconstitucionalidade do RRCEE.

 

33ª - Atenta matéria de facto provada, deve a recorrente ser condenada como litigante de má-fé em multa, pois, com dolo, deduz pretensão recursiva cuja falta de fundamento não pode ignorar e faz uso de meios processuais manifestamente reprováveis, com o fim de conseguir um objetivo ilegal — art. 542° do Código de Processo Civil.

 

34ª - Por tudo isto, deve ser mantido o douto acórdão recorrido, condenando-se a recorrente como litigante de má-fé, com o que se fará a habitual Justiça.

 

 

***

 

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

 

Como se vê no Acórdão da Relação, aí se refere, antes da indicação da matéria de facto: “Nos termos do art. 663º, nº6, do Código de Processo Civil, não tendo sido impugnada, nem havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância à mesma concernentes, seguintes factos considerados indiciariamente assentes na decisão que decretou o arresto”:

 

“1) Os requerentes foram emigrantes em França até ao início da década de 2000.

 

2) O requerente marido é irmão do 1.º requerido DD.

 

3) Para além de familiares, os requerentes e 1.ºs requeridos eram muito amigos.

 

4) O 1º requerido se dedica à atividade de construção civil, tendo, no passado, sido gerente de outras empresas.

 

5) Tais empresas deixaram de laborar por existência de dívidas ao Estado e outros credores.

 

6) Na sequência disso, os 1.ºs requeridos perderam ou ocultaram todo o seu património e não pagaram aos credores.

 

7) Por esse motivo, deixaram de ser titulares de contas bancárias e de recorrer ao financiamento bancário para o exercício da atividade empresarial.

 

8) Em consequência do referido em 6) e 7), os 1ºs. requeridos acordaram com os requerentes em desenvolverem em conjunto a atividade de compra, construção e venda de imóveis.

 

9) A atividade iniciou-se com recurso a capitais dos requerentes e titulada apenas por estes, mas desenvolvida em Portugal pelo 1.º requerido, sendo este que procurava os terrenos onde iam ser construídos os edifícios e dirigia a construção e encontrava os compradores para o produto final.

 

10) Na sequência do referido em 8) e 9), no desenvolvimento da atividade de construção, no ano de 2003, os requerentes adquiriram um terreno para construção sito na Rua da …, no Sítio da ….

 

11) O objetivo era construir naquele terreno um edifício destinado a habitação e comércio com três andares e garagens e vinte e sete frações, com recurso a financiamento bancário.

 

12) A construção do edifício foi concluída encontrando-se o prédio descrito na conservatória do registo predial da Nazaré sob o nº…508 (cfr. doc. de fls. 380 e ss.).

 

13) Por escrito intitulado “contrato nº…480 (com hipoteca)”, datado de 11 de Julho de 2005, os requerentes solicitaram e obtiveram do BANCO HH, “crédito no montante de 1.000.000,00€ (um milhão de euros) (…) a qual vai ser utilizada na construção dos edifícios a implantar nos prédios adiante descritos e hipotecados.

 

(…) Cláusula 9ª:

 

Um – Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, designadamente amortização do capital mutuado, pagamento de juros, encargos contratuais ou prémios de seguro que a “IC” venha a pagar em substituição do mutuário, este constitui hipoteca sobre os seguintes imóveis:

Prédio descrito sob o nº03305, da freguesia de …, da Conservatória do Registo Predial da …, inscrito na respetivamente matriz predial rústica sob o artigo … da secção Z. A referida hipoteca encontra-se já inscrita provisoriamente a favor da “IC” pela inscrição C-1” (cfr. doc. de fls. 39 e ss.).

 

14) A sociedade “AA, Lda.”, encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial da …, com o NIPC …860, mediante a Ap. …604, com o objeto social de arquitetura, engenharia, design, marketing, bem como consultadoria e formação profissional e não profissional em todas as áreas atrás descritas; conceção e acompanhamento de obras, edifícios ou objetos em todas as vertentes das áreas atrás descritas; construção civil e obras públicas; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; promoção imobiliária, com o capital de 5.000,00€, com o seguinte sócio: GG, com uma quota de 5.000,00€, cabendo a este a gerência, doc. de fls. 50 e ss., quando este concluiu a licenciatura em arquitetura, para continuar a atividade de compra, construção e venda de imóveis desenvolvida pelos requerentes e 1ºrequeridos, utilizando para o efeito capitais pertencentes a estes. [Provado indiciariamente ainda que o] referido GG é filho dos 1ºs requeridos.

 

15) Os requerentes, os 1ºs requeridos e o único sócio da 2ª requerida acordaram que a referida sociedade titularia negócios dos requerentes e 1ºs requeridos em proporção que concretamente não foi possível apurar.

 

16) A partir de então, os negócios tanto podiam ser titulados pelos requerentes como pela 2ª requerida.

 

17) Sempre foi o 1.º requerido marido quem negociou e contratou os empreiteiros de todas as obras da 2.ª requerida.

 

18) É a ele que todos os trabalhadores e fornecedores conhecem, sendo que o nome do filho apenas serviu para que pudesse prosseguir com os negócios.

 

19) É igualmente o 1.º requerido marido quem faz todos os pagamentos da 2.ª requerida.

 

20) A sociedade “FF, SA”, encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de …, com o NIPC …626, mediante a Ap. …229 com o objeto social de prestação de serviços de arquitetura, engenharia, design, marketing e consultadoria das referidas áreas. Formação profissional. Acompanhamento, direção e fiscalização de obras. Construção civil e obras públicas, promoção imobiliária. Compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Administração e gestão imobiliária. Com sede na rua de …, com o capital de 50.000,00€, sendo administrador único: GG, residente na rua de … (cfr. doc. de fls. 54 e ss.).

 

21) Os 1ºs requeridos e a 3ª requerida redigiram o escrito referido em 35) apenas com o objetivo dos primeiros se furtarem ao pagamento das quantias a que se tinham obrigado no âmbito das transações mencionadas em 30).

 

22) As relações entre os requerentes e os 1ºs requeridos degradaram-se ao ponto de os mesmos cortarem relações entre si há cerca de 4 a 5 anos.

 

23) Tal sucedeu depois dos requerentes terem sabido que GG tinha guardado para si um cheque de 80.000,00€ (oitenta mil euros) que lhes era destinado.

 

24) Após o mencionado desentendimento, requerentes e requeridos propuseram uns contra os outros várias ações judiciais, com objetos e pedidos diversos.

 

25) Em 25 de outubro de 2007, GG apresentou participação crime contra o Requerente, designadamente pela prática de um crime de injúrias, ameaças e abuso de confiança, conforme doc. de fls. 236 e ss..

 

26) Tal queixa deu origem ao Proc. N.º47/08.9GANZR, que correu termos no Tribunal Judicial da Nazaré (cfr. doc. de fls. 235 a 269).

 

27) Os primeiros requeridos propuseram contra os requerentes o procedimento cautelar de restituição provisória que correu os seus termos neste tribunal sob o n.º353/09.5TBNZR, pedindo que fossem restituídos na “posse do edifício composto por cave, rés-do-chão, primeiro e segundo autores, constituído por três unidades para comércio, sete fogos do tipo T1 e nove fogos do tipo T2, construído no prédio urbano sito na Estrada do …, Sítio da …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº…305 (cfr. doc. de fls. 170 e ss.).

 

28) Os primeiros requeridos propuseram contra os requerentes a ação ordinária n.º506/09.6TBNZR, que correu termos neste tribunal, pedindo a condenação dos requerentes no reconhecimento de que na construção do edifício referido fora constituída uma sociedade irregular entre eles, na qual os primeiros tinham ¾ e os últimos ¼ e que, como tal, o prédio pertencia em ¾ aos 1.ºs requeridos e ¼ aos requerentes; que os requerentes fossem condenados a restituir aos 1.ºs requeridos a posse do mesmo edifício; que fosse declarada nula ou anulada e de nenhum efeito a constituição da propriedade horizontal; fossem cancelados todos os registos provisórios ou definitivos de venda de cada uma das frações entretanto constituídas e que os requerentes reconhecessem a propriedade integral por parte dos 1.ºs requeridos do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º…819 da mesma freguesia (cfr. doc. de fls. 144 e ss.).

 

29) Em 2010, os requerentes propuseram contra os 1.ºs requeridos e 2.ª requerida acção declarativa com processo ordinário que correu termos neste tribunal sob o n.º383/10.4TBNZR, na qual pediram a condenação dos aqui 1.ºs requeridos a reconhecerem que na aquisição e construção do prédio da Quinta do …, na …, com a descrição n.º…819, foi constituída uma sociedade irregular, na qual os requerentes detinham metade e os 1.ºs requeridos metade e, como tal, o direito de propriedade sobre o referido prédio pertencia a ambos na proporção de metade para cada um; que a aqui 2.ª requerida fosse condenada a reconhecer que entre ela e os aqui requerentes fora constituída uma sociedade irregular na qual estes tinham a participação de metade na aquisição/construção dos prédios com as descrições …442 de …, …834 da …, …067 da …, …366 da …, …589 da … e ainda das frações A, B, C, D, F, G, H, J, K, L, N, O, S, T, U, V, W, X, Y, e Z do prédio com a descrição …213 da freguesia de …, sendo como tal os requerentes proprietários de metade dos referidos prédios; pedindo ainda a condenação dos 1.ºs e 2.ª requerida a permitirem aos requerentes o acesso aos imóveis em causa e ainda que fosse ordenada a inscrição no Registo Predial do direito de propriedade dos requerentes sobre metade de cada um dos imóveis referidos (cfr. doc. de fls. 122 e ss.).

 

30) No âmbito da ação mencionada em 29), em 22/10/2010, os aqui requerentes, 1.ºs requeridos e 2.ª requerida lavraram termo de transação com o seguinte teor:

 

“Cláusula Primeira

Os réus DD e mulher EE reconhecem a propriedade exclusiva dos autores sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º…819 da freguesia da …..

Cláusula Segunda

Os autores desistem de todos os pedidos formulados contra a ré AA,Lda.

Cláusula Terceira

As partes prescindem expressamente do prazo de recurso. (…)”

 

O qual foi homologado por sentença proferida em 26/10/2010, transitada em julgado em 27/10/2010 (cfr. doc. de fls.122 e ss).

 

E no âmbito da ação mencionada em 28), em 22/10/2010, os aqui requerentes e 1.ºs requeridos lavraram termo de transação com o seguinte teor:

 

“ (…) Cláusula Quinta

Os autores e os réus BB e esposa CC transigem entre si sobre o objeto do processo nos termos seguintes:

a) Autores e Réus concordam que constituíram uma sociedade irregular com vista à construção do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o número …305 da freguesia da …;

b) Os Réus BB e mulher CC reconhecem a propriedade exclusiva dos autores sobre as frações autónomas designadas pelas letras “N”, “P” e “Q” do prédio urbano referido na alínea anterior;

c) Os autores reconhecem a propriedade exclusiva dos réus BB e mulher CC sobre as restantes frações do prédio;

d) Os autores reconhecem ainda a propriedade exclusiva dos mesmos réus sobre o prédio descrito na Conservatória do registo Predial da … sob o número …819 da freguesia da …;

e) Autores e Réus ficam responsáveis pelo pagamento das quantias referentes aos distrates das hipotecas que incidem sobre os prédios ou frações que por via do presente acordo couberam a cada uns pagando o valor que para cada uma delas está fixado ou vier a ser fixado pelos bancos credores;

f) No que toca às frações “N”, “P” e “Q”, os juros referentes ao empréstimo serão suportados na íntegra pelos réus BB e mulher CC até 31.12.2010, correndo por conta dos autores a partir dessa data;

g) Os autores comprometem-se a obter o distrate da hipoteca que incide sobre as fracções “N”, “P” e “Q” até ao final de Abril de 2011 e a pagar os juros que entretanto se tiverem vencido até 3 (três) dias antes do vencimento respetivo, através de depósito na conta bancária dos réus junto do banco credor;

h) Os réus entregam nesta data aos autores as chaves das três supra referidas fracções autónomas;

i) Os réus entregam as frações autónomas em causa no estado de novas como actualmente se encontram;

j) Os réus obrigam-se a não perturbar por qualquer forma o acesso dos autores às referidas frações autónomas (…)”

 

O qual foi homologado por sentença proferida em 26/10/2010, transitada em julgado em 27/10/2010 (cfr. doc. de fls. 144 e ss).

 

31) O Banco credor repartiu o capital em dívida proveniente do empréstimo referido em 13), sendo que da Certidão do Registo Predial do prédio identificado em 12), mediante a Ap. 7 de 2005.04.20, consta inscrita a hipoteca voluntária a favor de BANCO HH, crédito: 1.000.000,00€, montante máximo assegurado: 1.370.000,00€ (cfr. doc. de fls. 376 e ss.).

 

32) O BANCO HH – credor hipotecário – não interveio nos processos, nem na transação e não deu o seu acordo prévio à mesma.

 

33) Em 14 de Outubro de 2011, os montantes em dívida para obter o distrate da hipoteca que onerava as três frações que cabiam aos 1ºs requeridos ascendiam a 226.591,92€, que estes não liquidaram.

 

34) Por documento escrito datado de 29/12/2010, denominado de “Contrato de Sociedade Anónima”, os 1.ºs requeridos, GG, este por si e em representação da AA, Lda., e II, cujas assinaturas foram reconhecidas presencialmente, acordaram entre si:

 

“Artigo 1.º

Tipo e Firma

1. A sociedade é comercial, adota o tipo de sociedade anónima e a firma FF, S.A.

2. A sociedade tem o número de pessoa coletiva …626 e o número de identificação na segurança social …268.

Artigo 2.º

Sede

1. A sociedade tem a sede em: Rua de …, na freguesia da …, concelho da ….

(…) Artigo 4.º

Capital

O capital social, integralmente realizado em numerário, a depositar no prazo legal de cinco dias úteis, dividido em 500 ações do valor nominal de 100 euros, pertencentes a:

a) 150 ações pertencentes a GG, solteiro, (…) residente em Rua de … (…);

b) 5 ações pertencentes a II, (…);

c) 150 ações pertencentes a DD, (…);

d) 150 ações pertencentes a EE, (…);

e) 45 ações pertencentes a AA, Lda.

(…) Os sócios declaram que procederão ao depósito do capital social no prazo de cinco dias úteis, nos termos legalmente previstos. (…)” - (cfr. docs. de fls. 54 e ss, fls. 61 e ss. e fls.81 e ss).

 

35) Por documento escrito datado de 30/12/2010, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, cujas assinaturas foram reconhecidas pela Conservatória do Registo Predial/Civil/Comercial da …, os 1.ºs requeridos declararam prometer vender a FF, S.A., representada por GG, declarou prometer comprar, as frações N, P e Q) identificadas em 30), pelos preços respetivos de 90.000,00€, 90.000,00€ e 70.000,00 €, nos seguintes termos:

“ (…) O preço global da transação é de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil escudos), e será pago pela segunda outorgante aos primeiros outorgantes da seguinte forma:

a) Com a celebração do presente contrato promessa de compra e venda será pago pela segunda outorgante aos primeiros outorgantes a quantia de 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros).

b) Na data da outorga das escrituras públicas, será paga pela segunda outorgante, aos primeiros outorgantes a quantia restante de 70.000,00 (setenta mil euros).

(…) Sexta

Os Primeiros Outorgantes entregarão os prédios livres de ónus ou encargos.

Sétima

Nesta data, trinta de Dezembro de 2010, os primeiros outorgantes entregam desde já à segunda outorgante as chaves das frações aqui prometidas ceder.(…)” - (cfr. doc. de fls. 65 e ss).

 

36) Mediante a Ap….749 de 10/03/211, a 3.ª requerida requereu o registo provisório de aquisição das três referidas frações a seu favor (cfr. doc. fls. 71 e ss).

 

37) Mediante a Ap….67 de 15/09/2011, a 3.ª requerida requereu a renovação da inscrição da Ap….749 de 10/03/2011 (cfr. doc. de fls. 74 e ss).

 

38) Em 19/09/2011, a 3.ª requerida desistiu do registo de renovação e, mediante a Ap….280 de 19/09/2011, requereu o registo provisório a seu favor das referidas três frações (cfr. doc. fls. 77 e ss., cujo).

 

39) Os 1ºs. requeridos comem, dormem e recebem os amigos e familiares na Rua de …, na ….

 

40) A cláusula 4.ª do contrato promessa previa a realização da escritura até ao dia 28 de Fevereiro de 2011, conforme doc. de fls. 67 e ss.

 

41) Atualmente, para além das frações identificadas em 35), aos 1ºs. requeridos não são conhecidos outros bens móveis ou imóveis.

 

42) Em novembro de 2011, o empréstimo perante o Banco apresentava um saldo devedor de 709.329,00€, conforme doc. de fls. 84 e ss.

 

43) Por escrito intitulado “Dação em cumprimento”, datado de 04 de novembro de 2011, os requerentes “para pagamento total das suas responsabilidades, dão em cumprimento ao BANCO HH, pelo valor de setecentos e nove mil trezentos e vinte e nove euros, livre de pessoas”, as frações “A”, “B”, “C”, “G”, “H”, “I”, “J”, “M”, “O” “ (…) todas as frações autónomas fazem parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na rua da …, número …, Sítio da …, freguesia e concelho da …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …, da aludida freguesia, registado sob o dito regime pela apresentação quatrocentos e catorze, de vinte e três de Setembro de dois mil e nove, com a aquisição das referidas frações autónomas registadas a favor dos devedores, conforme a apresentação seis, de doze de Dezembro de 2003 e três mil quatrocentos e três, de dezassete de Fevereiro de 2012, prédio inscrito na matriz da freguesia da …, sob o artigo …979”, dação que o banco aceitou, ficando liquidada igualmente a parte que onerava as frações dos 1ºs requeridos, conforme doc. de fls. 84 e ss.

 

44) As referidas frações “N”, “P” e “Q” encontram-se descritas na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº…508, a favor dos 1ºs requeridos, mediante a Ap. …433, de 2011/02/17, por decisão judicial, e mediante a Ap….280 de 19/09/2011, provisoriamente a favor da 3.ª requerida:

 

O prédio urbano composto por dois edifícios sito na Rua …, em …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º…2003, em regime de propriedade horizontal mediante a Ap….010, e a titularidade das frações “A”, “B”, “C”, “D”, “F”, “G”, “H”, “J”, “K”, “L”, “N”, “S”, “T”, “X”, “Y”, e “Z” encontra-se registada a favor da 2.ª requerida mediante a Ap….0 de 26/06/2007, e sobre tais frações encontra-se ainda registada mediante a Ap….1 de 26/06/2007 hipoteca voluntária a favor da JJ, S.A., para garantia de abertura de crédito e outras responsabilidades aí identificadas, até ao limite de 1.700.000,00€ sendo o montante máximo assegurado de 2.555.950,00 €.

O prédio urbano sito na Rua da …, em …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º…89, em regime de propriedade horizontal mediante a Ap….244 de …010, e a titularidade das frações “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O”; “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U” e “V” encontra-se registada a favor da 2.ª requerida mediante a Ap. 4 de …31, e sobre tais frações encontra-se registada mediante a Ap.5 de …07, hipoteca voluntária a favor da JJ, S.A., para garantia de empréstimo no valor de 1.600.000,00€, sendo o montante máximo assegurado de 2.405.600,00€.

O prédio rústico composto de terra de semeadura, com a área de 1200m2, sito na Serra dos …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº…442 encontra-se registado a favor da 2.ª requerida mediante a Ap.2, de …03.

O prédio urbano sito na Rua …, freguesia de …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º…66, em regime de propriedade horizontal mediante a Ap….80 de 19/08/2011, e a titularidade das frações A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “J”, “N” e “O” encontra-se registada a favor da 2.ª requerida mediante a Ap.30 de …07, e sobre tais frações encontra-se ainda registada mediante a Ap.18 de …08 hipoteca voluntária a favor da JJ, S.A., para garantia de empréstimo e outras responsabilidades aí identificadas, no montante de 1.000.000,00€ sendo o montante máximo assegurado de 1.503.500,00€.

O prédio urbano, composto de moradia de r/chão, 1.º e 2.º andares, com a área total de 75,45m2, sito nos nºs. 16/18 da Rua …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº…067, a favor da 2.ª requerida mediante a Ap. 2 de …17.

O prédio urbano com a área coberta de 20m2 e descoberta de 460m2, composto de casa destinada a habitação e quintal, sito na rua …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº…704, a favor da 3.ª requerida mediante a Ap. …483 de 2010.12.30 (tudo cfr. docs. de fls.92 a 104, 270 a 275, 293 a 294, 376 a 444, 455 a 594).

 

45) Todos os imóveis dos requeridos se destinam à venda e todos estão à venda em diversas agências imobiliárias.

46) No ano passado, os requeridos encetaram negociações com o Grupo KK com vista à venda de todos os seus imóveis.

 

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso –, importa saber se a Autora deve ser indemnizada pelo Estado, em virtude de erro judicial contido na decisão da 1ª Instância que decretou um arresto excessivo nos seus bens imóveis, bem como saber se houve (quanto a si), errada aplicação da figura da desconsideração personalidade jurídica: ademais, as mesmas questões objecto do recurso de apelação.

A questão decidenda prende-se com a sensível problemática da responsabilidade civil do Estado pelo exercício das suas funções, no caso da função judicial que compete aos tribunais estaduais, e à irresponsabilidade dos juízes pelas suas decisões: por um lado, o instituto da responsabilidade civil deve assegurar a reparação de danos ilicitamente causados seja por quem for; por outro lado, se aos juízes não for assegurada independência e irresponsabilidade pelas suas decisões pode estar em risco a segurança dos cidadãos e a independência do poder judicial, garante imparcial do julgamento dos feitos que envolvem os particulares entre si e estes com os órgãos dos Estado.

 

O art. 22º da Constituição da República consigna – “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”

 

Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª edição revista, em comentário ao citado normativo, págs. 430, 431 escrevem:

 

“O art. 22° constitui também fundamento constitucional quanto responsabilidade do Estado por facto de função jurisdicional. A Constituição prescreve, expressis verbis, a indemnização no caso de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade (mesmo quando decretada por um juiz) e nos casos de condenação injusta, como, por exemplo, nas hipóteses de erro judiciário (arts. 27º-5 e 29°-6). Mas, para além destes casos, deve valer o princípio geral da responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional sempre que das acções ou omissões ilícitas praticadas por titulares de órgãos jurisdicionais do Estado, seus funcionários ou agentes resultem violações de direitos, liberdades e garantias ou lesões de posições jurídico-subjectivas (ex.: prisão preventiva ilícita, prescrição de procedimento, não prolação de uma decisão jurisdicional num prazo razoável).”

 

O nº2 do art. 216º da Lei Fundamental expressa: “Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei.”

 

Na obra citada, págs. 586/587, em anotação, pode ler-se:

 

“O princípio da irresponsabilidade dos juízes está envolto por crescente poluição conceitual. O primeiro sentido que seguramente se pode atribuir à irresponsabilidade é o do chamado “privilégio de jurisdictio”, que se traduz sobretudo na garantia da “força jurídica das sentenças” e outras decisões judiciais contra quaisquer repetições dos processos (salvo o caso de recursos previstos na lei) com o fundamento de falsidade, erro ou injustiça.

Contra as decisões dos juízes recorre-se para tribunais superiores; não se intentam acções de responsabilidade para contestar a interpretação de normas e valoração dos factos e dos meios probatórios. O segundo sentido é o da responsabilidade criminal da responsabilidade disciplinar. A primeira refere-se à responsabilidade por qualquer crime cometido no exercício das respectivas funções, e, neste contexto, não se pode falar de irresponsabilidade. A segunda diz respeito à sua conduta profissional, havendo normas especificamente reguladoras da disciplina dos magistrados (tipificação de ilícitos disciplinares dos magistrados). A terceira — e que agora é particularmente discutida – relaciona-se com a responsabilidade civil-pública por danos provocados no exercício das funções e por causa desse exercício, ou seja, por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional. Deve, porem, distinguir-se entre responsabilidade do Estado e responsabilidade dos magistrados, considerando-se que a irresponsabilidade prevista neste artigo significa proibição de responsabilidade directa dos magistrados pelos danos praticados no exercício das respectivas funções (e a existir direito de regresso do Estado ele só pode efectivar-se nos casos de dolo ou culpa grave)”.

 

Historicamente a questão de saber se o Estado, mormente, o Estado-juiz, poderia ser responsabilizado pelos seus actos, mereceu, em geral, resposta negativa com base na consideração “the king can do no wrong”, perspectiva que ancorava na consideração que, entre o Estado e os seus agentes, intercedia uma relação de mandato civil que o isentava de indemnizar os danos causados por actos ilegais dos seus agentes, praticados contra o mandato, que só os seus autores responsabilizavam, deixando o Estado indemne. A responsabilidade era, pois, pessoal e não institucional.

 

Em Portugal, anteriormente à vigência do actual texto constitucional, a responsabilidade civil extracontratual do Estado era regulada pelo Decreto-Lei nº 48 051, de 21.11.1967: o alargamento das funções do Estado, no campo social, económico, e cultural, tornou premente o enquadramento legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras entidades públicas.

 

Rege, actualmente, a Lei n.°67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou em anexo o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas. (doravante RRCEE), diploma alterado pela Lei n.°31/2008, de 17 de Julho.

 

Como afirma João Caupers[2], “O que está em causa é a ideia fundamental de que nada do que acontece em nome do Estado e no suposto interesse da colectividade, mediante as acções ou omissões das suas instituições, pode ser imune ao dever de reparar os danos provocados aos particulares. Podem discutir-se as condutas relevantes, os danos ressarcíveis, as circunstâncias, a profundidade, as condições e os limites da reparação; mas o que não pode, em nosso entender, é discutir-se o princípio.”

 

Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª edição, págs. 503 e 504, ensina, acerca da responsabilidade por facto da função jurisdicional:

 

“Além da responsabilidade da administração, a norma constitucional está “aberta” à responsabilidade por facto das leis (“responsabilidade do Estado-legislador”) e à responsabilidade por facto da função jurisdicional (“responsabilidade do Estado-juiz”). Relativamente a esta última, a Constituição consagra expressamente o dever de indemnização nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade (CRP, artigo 27.°/5) e nos casos de erro judiciário (CRP, artigo 29°/6), mas a responsabilidade do Estado-juiz pode e deve estender-se outros casos de “culpa grave” de que resultem danos de especial gravidade para o particular (cfr. arts. 225.° e 226.° do Cód. Processo Penal).

Não obstante as reticências da jurisprudência portuguesa, a orientação mais recente de alguns países vai no sentido de consagrar a responsabilidade dos magistrados (de tribunais individuais ou colectivos) quando a sua actividade dolosa ou gravemente negligente provoca um dano injusto aos particulares.

Sob pena de se paralisar o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer hipótese de responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova. Por outro lado, é duvidoso que, fora dos casos de responsabilidade penal e disciplinar do juiz, se possa admitir a responsabilidade civil do juiz com a consequente possibilidade de direito de regresso por parte do Estado.

No entanto, podem descortinar-se hipóteses de responsabilidade do Estado por actos ilícitos dos juízes e outros magistrados quando: (1) houver grave violação da lei resultante de “negligência grosseira”; (2) afirmação de factos cuja inexistência é manifestamente comprovada no processo; 3) negação de factos, cuja existência resulta indesmentivelmente dos actos do processo; (4) adopção de medidas privativas da liberdade fora dos casos previstos na lei; (5) denegação da justiça resultante da recusa, omissão ou atraso do magistrado no cumprimento dos seus deveres funcionais.”

 

A Lei nº67/2007, de 31.12, em vigor, inovou, no que respeita ao direito conferido aos lesados de poderem ser ressarcidos dos prejuízos causados no exercício da função jurisdicional, sejam actos ou omissões, regulando normativamente os casos, diríamos mais comuns, de erro judiciário e de prisão preventiva ilegal ou injustificada e de atraso na prolação de decisões judiciais.

 

No que concerne à responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional a Lei prevê no art. 12º o regime geral, no art. 13º a responsabilidade por erro judiciário e no art. 14º a responsabilidade dos magistrados.

 

No art. 12º: “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”

 

No art. 13º: “1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.

2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

 

No art. 14º: “1 — Sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possam incorrer, os magistrados judiciais e do Ministério Público não podem ser directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que pratiquem no exercício das respectivas funções, mas, quando tenham agido com dolo ou culpa grave, o Estado goza de direito de regresso contra eles.

2 — A decisão de exercer o direito de regresso sobre os magistrados cabe ao órgão competente para o exercício do poder disciplinar, a título oficioso ou por iniciativa do Ministro da Justiça”.

 

No caso de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais, ou ilegais ou injustificadas, por erro grosseiro, na apreciação dos respectivos pressupostos de facto ou de direito, o Estado só está incurso no dever de indemnizar se, como resulta de lei, se tratar de erro grosseiro e se a decisão for manifestamente ilegal, ou inconstitucional ou injustificada.

 

A previsão legal não postula qualquer erro, seja por violação da lei, seja por errada apreciação dos factos, antes exige um erro qualificado, “grosseiro” e que na causa dele esteja uma percepção/julgamento manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificado, que partindo da decisão de facto exprima, faça emergir uma solução a todas as luzes indefensável, patentemente ilegal por inconstitucionalidade ou inadmissível, por numa perspectiva lógica a aprecição dos factos ou a operação de subsunção deles ao direito ser insustentável à luz de uma criteriosa avaliação exigível ao julgador.

 

Bem se compreende que assim seja, não só porque, não sendo de deificar a função dos juízes, a sua responsabilidade social é do maior alcance do ponto em que se lhes exige isenção, equanimidade, eficácia; em suma, soluções justas sem as quais os cidadãos, directa ou indirectamente afectados por elas e a comunidade, não encontram nesse reduto a mínima segurança e confiança inerentes à paz social.

 

Também não podem ser afastadas de tal ponderação as circunstâncias em que os Juízes proferem as suas decisões, seja sob o ponto de vista das condições em que exercem o seu múnus, seja pelo elevado grau de conhecimento das leis e da doutrina nacional e comunitária com que têm de operar, sem esquecer que, por largos anos se debatem questões na doutrina e na jurisprudência que, tardiamente, são objecto de uniformização (cuja doutrina deixou de ser obrigatória após a revogação do instituto dos assentos).

 

Assim, não basta de modo algum que um tribunal de recurso tenha revogado uma decisão para se considerar que tal decisão está errada, que o julgador da decisão recorrida cometeu um erro grosseiro, se, por exemplo, acolheu esta e não aqueloutra corrente doutrinária da qual discorda o tribunal ad quem: se assim fosse os Tribunais estariam pejados de pedidos de indemnização com base em alegados erros grosseiros.

 

A independência dos juízes, a liberdade de julgar, segundo critérios legais e de harmonia com as leis vigentes, comporta a possibilidade de entendimentos divergentes sem que se possa falar em erro judicial, muito menos em erro grosseiro: a opção por uma corrente doutrinária, ou por um enquadramento factual divergente, só por si não evidenciam erro judiciário.

 

As decisões judiciais, em regra, são corrigíveis por via de recurso tendo em conta, naturalmente, os critérios legais definidores da recorribilidade das decisões, como sejam o valor da causa, o da alçada do tribunal e a sucumbência.

 

O Juiz não pode proferir decisões caprichosas, com base naquilo que considera ser justo em função de uma lei de que discorda, mas antes deve actuar no quadro legal aplicável, presumindo que o legislador adoptou as melhores soluções – arts. 8º, nº2, e 9º, nº2, do Código Civil –, cabendo-lhe interpretar a lei segundo as regras da hermenêutica jurídica, onde cabe a interpretação actualista, ponderando os factos com sabedoria, prudência e objectividade. Infringindo estes ditames proferirá uma sentença injusta porque incursa em erro grosseiro, indesculpável.

 

A lei prescinde de juízos acerca da culpa do julgador para a qualificação do “erro grosseiro”: tratando-se de um conceito indeterminado, ou norma em branco, a casuística é determinante para a avaliação.

 

No estudo “Responsabilidade Civil por Erro Judiciário”, da autoria de Ana Celeste Carvalho, Juíza Desembargadora e Docente do CEJ, in E-book, de 2014, do Centro de Estudos Judiciários, dedicado à Responsabilidade Civil do Estado, pág. 53, a tratadista pondera:

 

“Não fornecendo o RRCEE uma noção de erro judiciário, apontam-se as características que esse erro deve revestir para que seja fonte geradora de responsabilidade civil: ter sido praticada uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal (erro manifesto de direito) ou que seja injustificada, por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto (erro grosseiro de facto), isto é, em ambos os casos, erros evidentes e indesculpáveis, os quais consistem nos pressupostos materiais da responsabilidade civil por erro judiciário.

Resulta do exposto a utilização de conceitos indeterminados, cuja interpretação e preenchimento se farão, caso a caso, pelo juiz, por não ser possível a priori definir de forma segura e exclusiva todas as condições que recaem no seu âmbito.

Na maior parte são de admitir situações intermédias, sendo a sua qualificação essencial para a efectivação da responsabilidade civil.

Sendo imediatamente valorativos, os conceitos manifesto e grosseiro, traduzem uma elevada relevância ou importância, não bastando qualquer erro, o erro banal, corrente ou comum, mas antes aquele que o magistrado tem a obrigação de não cometer, por ser crasso clamoroso.

Assim, encontra-se subtraído do conceito de erro juridicamente relevante para efeitos de responsabilidade civil, a simples diferença de interpretação da lei, pois julgando o juiz segundo a sua convicção, formada com base nos elementos factuais demonstrados no processo e no quadro normativo vigente, essa interpretação na grande maioria das vezes não é singular, não sendo a única possível”. Mais adiante, págs. 55, in fine, e 56: “Como salienta Karl Larenz, não existe “uma interpretação “absolutamente correcta”, no sentido de que seja tanto definitiva, como válida para todas as épocas”, devendo entender-se a sua correcção, não como “uma verdade intemporal, mas correcção para esta ordem jurídica e para este momento”.

Assim, para efeitos de responsabilidade civil por erro judiciário, releva apenas o erro manifesto ou grosseiro, extraído do juízo relativo à relevância jurídica do dano, de proporcionalidade e de repartição dos custos e encargos com o sistema de justiça (o dano indemnizável), sem prejuízo da relevância de qualquer erro para efeitos de revogação da decisão danosa.

De resto, apenas será relevante o erro que permita estabelecer o nexo causal com o dano produzido, pelo que, ocorrendo um erro ainda que manifesto e grosseiro e indemnizável, se o mesmo não for a causa adequada do dano, será de excluir a responsabilidade”.

 

O Supremo Tribunal de Justiça tem, repetidamente, qualificado como erro grosseiro o erro indesculpável em que não incorreria um julgador prudente, agindo com ponderação conhecimento e competência.

 

Assim, inter alia, os Acórdãos de 8.9.2009 - Proc n.°368/09.3YFLSB – Relator Sebastião Póvoas – “O erro grosseiro é o que se revela indesculpável, intolerável, constituindo, enfim, uma “aberratio legis”. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade fáctica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente”; de 15.12.2011, Proc. 364/08.OTCGMR,G1.S1 – Relator João Trindade – “O erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativa de ou gravemente negligente.”; de 28.2.2102 – Proc. 825/06.3TVLSB.L1.S1 – Relator Nuno Cameira – “O erro de direito só constituirá fundamento de responsabilidade civil quando, salvaguardada ai essência da função jurisdicional, seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que tome a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas”; de 23.10.2014 – Proc.1668/12.0TVLSB.L1.S1 – Relatora Fernanda Isabel – “O erro de direito, para fundamentar a obrigação de indemnizar, terá de ser “escandaloso, crasso, supino, procedente de culpa grave do errante”, sendo que só o erro que conduza a uma decisão aberrante e reveladora de uma actuação dolosa ou gravemente negligente é susceptível de ser qualificada como inquinada de “erro grosseiro.”; de 24.2.2015 – Proc. 2210/12.9TVLSB.L1.S1 – Relator Pinto de Almeida – “O erro de direito deve ser manifestamente inconstitucional ou ilegal: não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa.”. (Os arestos, excepto o segundo indicado, estão acessíveis in www.dgsi.pt.)

Para lá do requisito de erro grosseiro de facto ou de direito, envolvendo este a decisão manifestamente inconstitucional, a Lei nº61/2007, exige no nº2 do art. 13º a prévia revogação pelo órgão jurisdicional competente da decisão que se considera danosa e que despoleta a ulterior acção de responsabilidade civil do Estado-juiz pelos actos da função jurisdicional: trata-se de um pressuposto processual deste tipo de pretensão indemnizatória, que se prende com a jurisdictio da sentença e o instituto do caso julgado, como factores de estabilidade e segurança das decisões judiciais: por via de regra essa estabilidade é assegurada pelo esgotamento das vias do recurso.

 

No caso em apreço, peculiar nos seus contornos, a decisão da 1ª instância, de 12.3.2012 – fls. 184 a 204 – foi proferida em procedimento cautelar de arresto, art. 406º do Código de Processo Civil, decretado sem prévia audição dos requeridos, entre eles a ora Autora, sendo que todos, quiçá por razões de estratégia processual, não deduziram, em sede de oposição, o contraditório como possibilitava o art. 388º, nº1, b) do vCódigo de Processo Civil, antes tendo apelado da decisão que a todos foi desfavorável.

 

Nesse procedimento cautelar são requerentes: BB e mulher CC e requeridos: (1ºs requeridos) – DD, e EE; (2ª requerida) – “AA, Lda.”; e (3ª requerida) “FF, S.A. (diga-se, desde já, que os 1ºs requeridos e o 3ª requerida têm, respectivamente, domicílio e sede social em morada comum – Rua de …).

A ora Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, da decisão proferida no procedimento cautelar que foi decretado, ordenando o arresto de bens das requeridas sociedades, tendo a decisão da 1ª Instância desconsiderado a personalidade jurídica da aqui Autora/recorrente, AA, Lda.”, lá 2ª requerida, por considerar, além do mais, que:

 

“Face aos pontos 14), 20), 21), 32), 34), 35), 39) justifica-se igualmente demandar as 2.ª e 3.ª requeridas.

Estamos, quanto a estas já no campo da figura da desconsideração da personalidade colectiva das sociedades. Pretende-se com essa figura superar ou ultrapassar a autonomia pessoal e patrimonial das pessoas colectivas quando ela é abusada, o que tem sido sobretudo tratado a nível comercial. Opera-se, designadamente, o levantamento da personalidade colectiva “quando ocorre o aproveitamento ilícito desta autonomia para obter a fuga à imputação pessoal e à responsabilidade patrimonial por parte dos sócios de sociedades comerciais de responsabilidade limitada” – Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2007,Almedina, 4ª ed., p. 183. […]

“ […] E, face à factualidade acima enunciada, dúvidas não existem pelo menos segundo um juízo indiciário de que estamos perante um caso passível de proceder ao levantamento da personalidade jurídica da 2.ª e 3.ª requeridas, na medida em que, designadamente, o contrato-promessa entre l.°s requeridos e 3ª requerida foi celebrado com o intuito de prejudicar os requerentes, evitando a cobrança do seu crédito, contrato este indiciariamente simulado (arts. 240.° e 289.°, ambos do Código Civil), sendo que as 2.ª e 3.ª requeridas indiciariamente foram utilizadas com esse objectivo”.

 

No recurso para o Tribunal da Relação, interposto pela aqui Autora, pediu-se a revogação da decisão com fundamento em que não ocorriam os pressupostos para o decretamento do arresto, nem para se desconsiderar a personalidade colectiva da ora Autora/recorrente.

 

O Tribunal da Relação, por Acórdão de 26.2.2013 – fls. 209 a 245 –, sentenciou:

 

“Termos em que, na procedência da apelação, revoga-se a douta decisão recorrida no segmento por ela em crise, consequentemente dando sem efeito o decretado arresto na parte incidente sobre os prédios/fracções de que é titular inscrita a aqui Recorrente – a saber, todos os identificados sob os pontos 2), 3), 4), 5), e 6), do dispositivo de tal decisão –, ordena-se o respectivo levantamento.

No mais, mantém-se a referida decisão”.

 

No Acórdão, onde também foi impugnada a matéria de facto, que foi mantida excepto quanto à correcção de erro de escrita[3], pode ler-se, na pág. 241:

 

“Insurge-se também a Recorrente contra desconsideração, operada na douta decisão, da sua personalidade jurídica [colectiva], dizendo, no fundamental, que foi constituída sete anos antes do surgimento do arvorado crédito dos Requerentes, que é unipessoal – constituída pelo seu único sócio-gerente, GG –, prossegue com normalidade a sua actividade – compra e venda de imóveis e construção dos mesmos, com recurso ao crédito –, não foi provado que o 1º Requerido foi ou é seu sócio, não fez qualquer negócio com os 1.ºs Requeridos, nada deve aos Requerentes e, demais, não praticou qualquer acto que prejudicasse estes últimos, ou, até mesmo, passível de ser considerado desviante dessa antes referida actividade comercial normal.

Conhecendo da exposta questão, diremos, antecipando o veredicto, que em nosso modesto entender, e salvaguardando sempre o muito respeito, nesse conspecto assiste razão à Recorrente.

Com efeito, o instituto ou mecanismo da desconsideração – também designada superação, levantamento, penetração –, da personalidade jurídica de pessoa colectiva – em especial, e no que ao caso importa, sociedade comercial – , postula, indispensavelmente, que a separação das esferas jurídicas por ele em causa respeitem, de um lado, à sociedade, e do outro, a um ou alguns dos respectivos membros, vale dizer, o(s) respectivo(s) sócio(s). Portanto, a aplicação de tal mecanismo não pode, de modo algum, equacionar-se no confronto entre o ente social e alguém estranho ao seu seio”.

Depois de pertinentes citações de doutrina e jurisprudência, a fls., 36 do Acórdão (pág. 244 da paginação dos cinco volumes que compõem o processo), aproximando a conclusão, pode ler-se:

 

“…Na verdade, e ao invés do ocorrente com a 3ª Requerida, nenhum dos sobreditos Requeridos faz parte, de modo que seja, da efectiva estrutura social da ora Requerente, da qual – reiterado Facto nº 14 – é único sócio e gerente o filho dos mesmos, GG.

E assim sendo, como é, inviável se apresenta efectuar a desconsideração [invertida] da personalidade jurídica da Recorrente “AA” para, mediante essa – como dito – excepcional medida, fazer responder o seu património pelas dívidas passivas de tais Requeridos.

Nesta parte, e como avançámos, assiste razão à Recorrente neste seu ora analisado fundamento recursório, o que implica a correspondente Insubsistência da douta decisão aqui sob censura.

5. E como assim, segue-se daí que não sendo a Recorrente, como efectivamente não é, devedora dos Requerentes, motivo algum existia ou existe – conforme art. 619.º, nº1, do Código Civil, e art. 406º, nº 1 –, para que os seus bens sejam objecto do vertente arresto que, desse modo, não se pode manter, antes se impondo prover ao respectivo levantamento.

O douto recurso em exame logra pois vitória, pelo que, achando-se prejudicada a apreciação da restante questão suscitada pela Recorrente – excesso te amplitude do arresto –, sem mais, cumpre findar com a seguinte decisão:

Termos em que, na procedência da apelação, revoga-se a douta decisão recorrida no segmento por ela em crise, consequentemente dando sem efeito o decretado arresto na parte incidente sobre os prédios/fracções de que é titular Inscrita a aqui Recorrente – a saber, todos os identificados sob os pontos 2), 3), 4), 5), e 6), do dispositivo de tal decisão –, ordena-se o respectivo levantamento.

No mais, mantém-se a referida decisão.”

 

Ante o teor das decisões das instâncias cumpre saber se existe sentença transitada que decretou o excesso de arresto como afirmou a Recorrente, já que o Acórdão recorrido tendo considerado indevido o levantamento da personalidade colectiva desta requerida, revogou a decisão, nessa parte, dando sem efeito o decretado arresto na parte incidente sobre os prédios/fracções de que é titular inscrita a aqui Recorrente (AA), ou seja, não houve pronúncia, por desnecessidade, da questão de saber se houve excesso de arresto sobre bens desta sociedade, questão que não tinha que ser apreciada, uma vez que a revogação da decisão no que respeita à desconsideração, deixou prejudicada tal questão.

 

Este ponto prende-se com saber se se acha verificado o requisito da revogação, com trânsito em julgado, da decisão sobre a questão recorrida, in casu, sobre a questão – excessividade do arresto – já que, constitui requisito legal, que a decisão onde alegadamente se cometeu o “erro grosseiro”, tenha sido previamente revogada pelo Tribunal competente.

 

No antes citado Estudo de Ana Celeste de Carvalho, sobre o requisito da prévia revogação da decisão jurisdicional, na pág. 57, pode ler-se:

 

“Merece ser questionado se, para efeitos do pressuposto legal da prévia revogação, é exigível a revogação integral da decisão e se a ela equivalerão as seguintes situações: […] c) de alteração da providência cautelar (por a providência primitivamente aplicada ser alterada quanto à sua natureza) […].

[…] A resposta à situação em c) dependerá das circunstâncias do caso concreto, já que importará apurar se essa alteração tem por base os mesmos pressupostos de facto e de direito ou é fundada na alteração das circunstâncias inicialmente existentes […]”.

[…] Em suma, quando não exista a prévia revogação da decisão danosa, seja porque dela cabe recurso, seja porque o lesado não proveu a interposição de recurso ou a sua reapreciação não existe erro de julgamento que deva ser reparado no domínio da acção de responsabilidade civil por erro judiciário.”

 

Sobre esta problemática, Maria José Rangel de Mesquita, no Estudo “A responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional: âmbito e pressupostos”, afirma a certo trecho:

 

“A previsão, quanto ao regime especial da responsabilidade por erro judiciário, do requisito adicional da “prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”, na qual deve ser fundado o pedido de indemnização coloca, assim, a seguinte questão: a revogação da decisão danosa pela jurisdição competente deve ser obtida apenas através dos meios processuais disponíveis para o efeito (e que podem ser usados pelo lesado, a quem incumbe o ónus de os accionar) ou, pelo contrário, implica um verdadeiro direito à revogação da decisão jurisdicional danosa, através de um meio específico (a criar, não existindo) para o efeito – à semelhança do que prevê a CRP quanto à condenação injusta, no seu artigo 29.º- 6?

Se a revogação da decisão danosa apenas puder ser obtida pelo lesado de acordo com os meios processuais de reapreciação de decisões judiciais à sua disposição, pode acontecer que não seja admissível recurso ordinário (em razão do valor da causa ou da sucumbência ou um recurso extraordinário de revisão. Tal implica que o lesado não conseguirá, por sua iniciativa, preencher o requisito da prévia revogação da decisão danosa consequentemente, demandar o Estado e deduzir o seu pedido de indemnização.

É duvidoso que a efectivação de um direito constitucionalmente previsto – e concretizado pelo Regime aprovado pela Lei nº67/2007 – possa ficar dependente de um requisito que a Constituição, ao consagrar aquele princípio, não prevê e consequentemente, do teor da legislação ordinária ora vigente em matéria de recursos (reapreciação de decisões judiciais). A concretização do princípio constitucional apela a que o legislador preveja uma disposição expressa que permita a revogação, pela jurisdição competente, de sentença danosa fundada em erro judiciário, configurando um verdadeiro direito à revogação no caso de decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro nos respectivos pressupostos de facto.”

 

No caso houve recurso da decisão da 1ª Instância e, não obstante o Acórdão da Relação não ter expressamente apreciado a questão do excesso de bens arrestados à ora Autora, que era um dos fundamentos da apelação (e que na tese da recorrente/Autora constituiu erro grosseiro), tendo tal questão ficado, logicamente, prejudicada pelo facto de ter sido revogada a decisão na parte em que desconsiderou a personalidade jurídica da sociedade sobre a qual foi decretada o arresto de imóveis, considera-se que houve decisão definitiva, estando preenchido o requisito do art. 13º, nº2, do RRCE.

 

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.2.2015, Proc. 2210/12.9TVLSB.L1.S1, antes citado, sentenciou-se a propósito, “ […] O erro de julgamento deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis; não na acção de responsabilidade em que se pretenda efectivar o direito de indemnização. Se não se fizer essa prova da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário (art. 13.º, n.º2, do citado Regime), não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deve necessariamente improceder.

Apesar do seu carácter restritivo, o referido regime não cerceia arbitrária e desproporcionadamente o princípio da responsabilidade do Estado nem o princípio da igualdade consagrados na Constituição (arts. 22.º e 13.º, respectivamente).”.

 

No plano da constitucionalidade, o Acórdão 363/2015, de 23.9, in Diário da República n.º186/2015, Série II, de 2015.09.23, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, segundo o qual o pedido de indemnização fundado em responsabilidade por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

 

Da fundamentação do aresto constitucional destacamos o seguinte excerto:

 

É o seguinte o teor do seu artigo 13.º, n.º 1, na parte que interessa à decisão do presente recurso: “ [O] Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais [...].»

E a norma cuja constitucionalidade vem sindicada é a que consta do n.º 2 do mesmo artigo: “O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

Como se tem entendido, o legislador estatuiu neste último preceito uma condição (de procedência) da ação para efetivação da responsabilidade por erro judiciário: a ausência de revogação da decisão danosa fundada num vício de julgamento qualificável como erro judiciário determina, só por si, a improcedência da ação de responsabilidade (cf. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil..., cit., anot. 8 ao artigo 13.º, p. 274, nota 479, e anot. 9 ao artigo 13.º, p. 276, nota 483; e Luís Fábrica, Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil..., cit., nota 3 ao artigo 13.º, p. 357).

Nesse sentido, dir-se-á, que a verificação do requisito da ilicitude convoca “a existência de uma decisão que, com efeitos de caso julgado, determine a revogação da sentença ou acórdão que tenha incorrido em erro de direito ou de facto”, pelo que “o direito indemnizatório [só] opera, nos termos previstos na presente disposição, em relação a um erro de julgamento que seja cometido por um qualquer tribunal numa qualquer ordem de jurisdição, desde que se não trate da decisão definitiva, isto é, da decisão que tenha fixado em última instância (e, por isso, sem possibilidade de recurso nem de reclamação) a solução jurídica do caso. Por conseguinte, há lugar a indemnização por erro judiciário que tenha sido praticado em decisão proferida por um tribunal de primeira instância, por um tribunal de segunda instância ou por um tribunal supremo, desde que a existência do erro judiciário tenha sido reconhecida em recurso por um tribunal hierárquica ou funcionalmente superior, em termos de ter determinado a revogação dessa decisão” (assim, v., uma vez mais, Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil..., cit., anot. 8 ao artigo 13.º, p. 274 e pp. 272-273; note-se que a revogação da decisão danosa também pode provir, na sequência de uma reclamação ou de um pedido de reforma, do próprio tribunal - cf. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil..., cit., anot. 8 ao artigo 13.º, p. 274; e Cardoso da Costa, “Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado...”, cit., pp. 159-160 e p. 165). Ou seja, conforme sintetiza Carlos Fernandes Cadilha, “se a decisão pretensamente ilegal ou inconstitucional não é recorrível ou se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente um erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil” (v. Autor cit., Regime da Responsabilidade Civil..., cit., anot. 9 ao artigo 13.º, p. 276)”.

 

Abordados os aspectos, cremos que pertinentes, do enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial, da problemática em torno dos requisitos exigidos pelo art. 13º do RRCEE, há que ponderar que estamos perante acção indemnizatória cujos fundamentos são a existência de erro grosseiro de julgamento e, alegadamente, os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual – art. 483º, nº1, do Código Civil.

 

O Tribunal, sendo a causa de pedir da acção indemnizatória o alegado erro grosseiro de julgamento, apenas terá que apreciar à luz dos factos definitivamente provados na acção onde alegadamente foi cometido tal erro, – no caso, a decisão proferida no procedimento cautelar de aresto –, se ele existe e foi causado por uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal, ou injustificada – art. 13º da Lei nº67/2007, de 31.12.

 

Vejamos:

 

A Recorrente, nas suas muito extensas conclusões, sustenta que foi erro clamoroso ter-se decretado o arresto sobre bens da sociedade AA, Lda., e o ter a decisão cautelar desconsiderado a personalidade colectiva dessa sociedade, porque, aduz, a recorrente nada teve a ver com o negócio em perigo de cumprimento despoletador do arresto.

 

O quadro factual, resumidamente, é o seguinte: os requerentes cautelares BB e mulher CC requereram o arresto de bens imóveis que indicaram contra os requeridos (1ºs requeridos) DD e mulher EE; (2ª requerida) AA; e (3º requerida) FF.

 

A 2ª requerida foi constituída com dinheiro dos requerentes BB e Mulher e dos requeridos DD e EE, mas apenas em nome de GG, filho de DD e EE; GG é o único sócio e gerente da Autora (uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada). Foi engendrado por todos, requerentes e requeridos pessoas singulares, uma estratégia para que DD pudesse prosseguir a sua actividade de compra, construção e venda de imóveis; a 3ª requerida da qual também era administrador único GG, foi criada para que o requerido DD e mulher transferirem o seu património e assim se furtarem ao pagamento aos credores requerentes cautelares.

 

Nas contra-alegações, o Recorrido sintetiza a matéria de facto, assim: A recorrente é uma sociedade comercial, criada para DD e esposa EE, os pais do seu sócio registral, poderem, juntamente com outro casal, constituído por um irmão e uma cunhada daqueles, BB e esposa, se dedicarem aos negócios do imobiliário, eximindo-se ao pagamento das dívidas que aqueles tinham para com os credores e o Estado (cf. factos provados n°s 2 a 8 e 14 a 16); anos depois (porque, como a recorrente acertadamente salienta, a AA foi criada em 2004, mas a FF apenas foi criada em 2010, e, certamente não por mero acaso, no dia seguinte àquele em que os pais do único sócio registral da recorrente e o casal formado pelos seus citados irmão e cunhada, entretanto incompatibilizados com aqueles, lavraram uma transação judicial, na qual os primeiros se comprometiam, entre outras cláusulas, a reconhecer a propriedade dos segundos em relação a 3 frações autónomas de um prédio e a pagar as hipotecas que sobre elas incidiam), a sociedade recorrente foi utilizada para criar uma nova sociedade – pois que a recorrente é sócia da FF, o que a recorrente parece esquecer –, à qual, um dia depois da constituição da FF, os pais do único sócio da recorrente prometeram vender as mesmas 3 frações autónomas que, segundo a transacção, lavrada 2 dias antes e homologada judicialmente, tinham reconhecido serem propriedade do BB e da esposa, sendo certo que os pais do único sócio da recorrente e a FF redigiram este contrato promessa de compra e venda unicamente para se «furtarem ao pagamento das quantias a que se tinham obrigado no âmbito das transações…», não sendo conhecidos àqueles outros bens móveis ou imóveis (cf factos provados n°s 21, 22, 24, 29, 30, 34, 35,41).

 

Com base na matéria de facto que a Relação apenas alterou no que respeita ao erro material a que acima se aludiu, o Tribunal de 1ª Instância decretou o arresto, afirmando, além do mais: Pelo menos segundo um juízo indiciário de que estamos perante um caso passível de proceder ao levantamento da personalidade jurídica [das requeridas sociedades], na medida em que, designadamente, o contrato-promessa entre 1.ºs requeridos e a 3.ª requerida foi celebrado com o intuito de prejudicar os requerentes, evitando a cobrança do seu crédito, contrato este indiciariamente simulado (arts. 240.º e 289.º, ambos do Código Civil), sendo que as 2.ª e 3.ª requeridas indiciariamente foram utilizadas com esse objectivo”.

 

Desde logo importa acentuar que a decisão foi proferida em procedimento cautelar de arresto, mediante a alegação dos requerentes e ante a prova só por eles produzida, não tendo sequer havido contraditório por parte dos arrestandos que apelaram dessa decisão.

 

Como se sabe nos procedimentos cautelares exige-se uma prova de primeira aparência, summaria cognitio, não tendo o juiz senão que formular um juízo de verosimilhança, bem ao invés do que sucede na acção declarativa onde a produção de prova é ampla, mais exigente, e, em geral, contraditada.

 

A desconsideração da personalidade jurídica de ora Autora e o arresto que sobre os seus bens incidiram, não podem ser indissociados da apreciação cautelar dos factos, e, consequentemente, da concreta aplicação do direito, pelo que esta especificidade é de acentuar. Tudo se torna diferente quando, após a decisão, e em sede de recurso, a recorrente, que até aí não impugnara o julgamento da matéria de facto, apresenta argumentos que não foram facultados ao julgador de 1ª Instância.

 

Temos para nós que não obstante a parcial revogação da decisão pelo Tribunal da Relação, não estamos perante um erro grosseiro, apenas e como se refere nesse Acórdão, se entendeu que não havia lugar à desconsideração da personalidade jurídica da Autora.

 

Pode-se concordar ou não com tal julgamento, mas importa frisar que nem sequer a Relação, ao revogar a decisão, considerou estar-se perante uma decisão sem qualquer fundamento legal. No caso, o facto de existirem duas decisões divergentes, como antes acentuámos, não evidencia a se erro grosseiro.

 

Permitirmo-nos algumas breves notas sobre o instituto da desconsideração da personalidade colectiva.

 

A desconsideração da personalidade jurídica, também designada levantamento da personalidade colectiva, das sociedades comerciais “disregard of legal entity”, tem na sua base o abuso do direito da personalidade colectiva, tal instituto deve ser convocado quando, a coberto do manto ou véu da personalidade colectiva, a sociedade ou os sócios excederem, ou utilizarem a autonomia societária em relação a terceiros, para exercerem direitos de forma que contraria os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída, haja em vista o princípio da especialidade.

 

A desconsideração como instituto assente no abuso do direito – art. 334º do Código Civil – tem em si abrangida a violação das regras da boa-fé no interagir com terceiros, implica a existência de uma conduta censurável que só foi possível alcançar mediante a separação jurídica do ente societário – através da personalidade jurídica que a lei lhe atribui – e a pessoa dos sócios para assim almejar um resultado contrário a uma recta actuação.

 

Como ensina Pedro Pais de Vasconcelos – 2005 – págs. 180 e segs – in “Teoria Geral do Direito Civil”:

 

“A desconsideração da personalidade colectiva tem sido estudada principalmente em sede do direito das sociedades comerciais.

É nessa área que, na verdade, tem sido sentida, com maior acuidade, a necessidade de desconsiderar a autonomia pessoal e patrimonial, principalmente das sociedades por quotas e anónimas, quando ocorre o aproveitamento ilícito desta autonomia para obter a fuga à imputação pessoal e à responsabilidade patrimonial por parte dos sócios de sociedades comerciais de responsabilidade limitada”.

 

Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Comercial”, II, volume, págs. 191/192:

 

“O atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade colectiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa colectiva: para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios…o abuso do instituto da personalidade colectiva é uma situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da actuação do visado, através duma pessoa colectiva. No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai caracterizar-se por atentar contra a confiança legítima (venire contra factum proprium, suppressio ou surrectio) ou por defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente […].”

 

Castro Mendes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, edição da AAFDL, I, 246:

 

“Não devemos antropomorfizar a pessoa colectiva a ponto de perdermos de vista que – ao contrário da pessoa singular, fim em si mesma – ela não é mais que um instrumento de realização de interesses humanos. Inclusivamente, a personificação pode ser, ou passar a ser, instrumento de abuso; e deve neste caso ponderar quais os verdadeiros interesses humanos em causa. Esta atitude é o que os juristas anglo-saxónicos chamam romper o véu da pessoa colectiva”.

 

Um dos casos em que deve intervir a figura da desconsideração é da confusão de esferas jurídicas em clara violação da autonomia patrimonial dos sócios e da sociedade com o fito de, fraudulentamente, prejudicar direitos de terceiro.

 

De acordo com Menezes Cordeiro, “A confusão de esferas jurídicas verifica-se quando, por inobservância de certas regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objetivas, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e o do sócio ou sócios.” – “Direito das Sociedades”, I, Parte Geral, página 429.

 

Nos casos de deliberada confusão patrimonial bem como naqueles em que a sociedade e a sua autonomia jurídica são usadas/abusadas com o propósito de camuflar actos lesivos dos sócios o levantamento da personalidade conduz à imputação dos actos lesivos e desviantes aos sócios por eles responsáveis.

 

O facto de uma sociedade preexistir à constituição de outras sem que intervenha, directamente, em negócios fraudulentos maxime simulados, não exclui que, em relação a ela, possa operar a desconsideração. Como ensina Menezes Cordeiro, “para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios…o abuso do instituto da personalidade colectiva é uma situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da actuação do visado, através duma pessoa colectiva.”

 

Como se provou com referência ao procedimento cautelar:

 

Os 1ºs requeridos DD e mulher EE, pais de GG, único sócio da apelante, na sequência de dívidas ao Estado e outros credores, perderam ou ocultaram todo o seu património e não pagaram aos credores, deixando de ser titulares de contas bancárias e de recorrer ao financiamento bancário para o exercício da actividade empresarial.

Em consequência disso, os 1ºs requeridos acordaram com os requerentes BB (irmão do DD, entretanto desavindos) e mulher CC em desenvolverem em conjunto a actividade de compra, construção e venda de imóveis, a qual se iniciou com recurso a capitais dos requerentes e titulada apenas por estes, mas desenvolvida e dirigida somente pelo 1º requerido DD.

Entretanto, foi constituída a apelante, que tem como sócio único e gerente o filho dos 1ºs requeridos, para continuar essa actividade e titular negócios dos requerentes e 1ºs requeridos, mas sempre foi o 1º requerido marido quem negociou e contratou todas as obras da apelante e quem fez todos os pagamentos desta, servindo o nome do filho apenas para que pudesse prosseguir com os negócios.

Os requerentes, os 1ºs requeridos e o único sócio da 2ª requerida acordaram que a referida sociedade aqui Autora titularia negócios dos requerentes e 1ºs requeridos em proporção que concretamente não foi possível apurar.

A partir de então, os negócios tanto podiam ser titulados pelos requerentes como pela 2ª requerida.

Mais tarde, foi registada a 3ª requerida, com sede, tal como a apelante, na residência dos 1ºs requeridos, onde também reside o filho destes, que é, igualmente, o único administrador da 3ª requerida.

Os 1ºs requeridos lavraram o suposto contrato promessa referido em 35) apenas com o objectivo de se furtarem ao pagamento das quantias a que se tinham obrigado perante os requerentes e, actualmente, para além das fracções identificadas em tal escrito, não lhes são conhecidos outros bens.

 

A actuação da Autora AA e da sociedade FF – que têm como responsável comum e único, GG, filho dos requeridos DD e EE –, agiram em manifesto conluio, instrumentalizadas pelos 1ºs Requeridos, para defraudarem os negócios em que estes intervieram a título pessoal, tendo sido usadas como meras testas de ferro para criar a aparência de que estas eram as titulares de posições jurídicas que, na realidade, pertenciam àqueles requeridos.

 

A decisão que decretou o arresto justificou-se, no contexto da prova cautelar seguindo uma interpretação não arredada de ilogicidade e ilegalidade, perfilhada pelo julgador como meio de acautelar o crédito dos arrestantes, tendo sido desconsiderada a personalidade colectiva da Autora, sem dúvida coenvolvida no negócio celebrado, um contrato-promessa cujo incumprimento poderia causar dano aos requerentes/cautelares.

 

Importa reter que a Autora é sócia da “FF”, tendo sido os 1ºs requeridos, pais de GG, responsável único das duas sociedades, quem redigiu o contrato promessa de compra e venda, unicamente para se “furtarem ao pagamento das quantias a que se tinham obrigado no âmbito das transacções (judiciais) …”, como evidenciam os factos provados nºs 21, 22, 24, 29, 30, 34, 35 e 41 do Acórdão.

 

Os 1°s requeridos e a 3ª requerida redigiram o escrito datado de 30/12/2010, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, cujas assinaturas foram reconhecidas pela Conservatória do Registo Predial/Civil/Comercial da …, através do qual os l.°s requeridos declararam prometer vender a FF, S.A., representada por GG, que declarou prometer comprar, as fracções N, P e Q) identificadas em 30).

 

A desconsideração da personalidade jurídica da aqui Autora, decretada na 1ª Instância, mas revogada na Relação, não constituiu evidência de erro grosseiro do ponto em que estando em causa a interpretação e aplicação do instituto da desconsideração, tendo havido voluntária e dolosa confusão patrimonial dos negócios celebrados pelos 1ºs Requeridos no procedimento cautelar, e as sociedades que eles dominavam, se alcançou, fruto da tessitura que urdiram, um resultado lesivo dos requerentes cautelares que apenas foi possível com a intervenção das sociedades geridas de facto pelo 1º Requerido, pai do responsável único das sociedades AA e FF.

 

Coutinho de Abreu, in “Do Abuso do Direito”, a propósito do sentido da personalidade jurídica das sociedades comerciais e a questão do interesse social, escreve a págs. 102/103:

 

“Hoje, os autores são concordes na visão da personalidade jurídica como uma “criação do Direito”, um “expediente jurídico”, um “mecanismo técnico” ordenado a fins essencialmente práticos e limitado por esses fins.

O conceito de personalidade não deve pois ser absolutizado nem ser demasiado abstractizado. Ele não pode ter a posição dum feitiço (fétiche). No que em especial diz respeito às sociedades comerciais, tal conceito potenciará um mais eficiente relacionamento dos sócios entre si e da colectividade por eles constituída com terceiros. São as vantagens que normalmente lhe andam ligadas — autonomia de activo e passivo, capacidade de gozo e exercício de direitos (sendo estes exercidos por órgãos representativos), independência de domicílio e nacionalidade — que explicam a personalização das sociedades.”.

 

De notar que na transacção judicial referida em 30), na sequência da acção referida em 28), as partes concordaram que tinham constituído uma sociedade irregular e que, na acção referida em 29) dos factos provados, que também findou por transacção judicial e que os requerentes propuseram contra os l.°s requeridos e 2ª requerida, pediram a condenação dos 1.°s requeridos a reconhecerem que na aquisição e construção do prédio da Quinta do …, foi constituída uma sociedade irregular, na qual os requerentes detinham metade e os l.°s requeridos a outra metade. Mais pediram que a 2.ª requerida (aqui recorrente/Autora) fosse condenada a reconhecer que entre ela e os aqueles requerentes fora constituída uma sociedade irregular na qual estes tinham a participação de metade na aquisição/construção dos prédios ali identificados.

 

Muito embora não seja muito frequente em Portugal, é-o na doutrina brasileira, a teorização da desconsideração da personalidade jurídica na modalidade aí designada “desconsideração inversa”.

 

No Acórdão do Superior Tribunal de Justiça do Brasil – Recurso Especial nº1.236.916-RS (2011/0031160-9), a que acedemos via internet pode ler-se:

 

“Na seara doutrinária, quem primeiramente tratou do tema, foi o Prof. Fábio Konder Comparato, em sua obra “O Poder de Controle na Sociedade Anónima” (Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008), da qual se extrai o seguinte ensinamento: Aliás, a desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade desta última por atos do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador.

A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em beneficio da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente parte do negócio, obrigam o patrimônio social uma vez demonstrada a confusão patrimonial de facto.

Na mesma senda, entendimento de Fábio Ulhoa Coelho: Em síntese para responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade, também é possível, contudo, o inverso desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação de sócio (Bastid-David-Luchaire: 1960:47). (Curso de Direito Comercial, volume 2: Direito de empresa, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 21011, p. 65)”.

 

A doutrina citada tem, a nosso ver, dada a similitude do tratamento do instituto em ambos os países, aplicação no direito português.[4]

 

A desconsideração da personalidade jurídica, figura de criação doutrinal, relativiza o carácter absoluto da personalidade jurídica do ente societário intervindo quando existe abuso da autonomia patrimonial do ente societário, mormente, no caso de confusão de patrimónios exercida de modo desviante, ilegal, que pode ir da simulação de negócios e da fraude à lei até ao abuso do direito, em vista a proceder a uma correcta imputação da autoria e responsabilização de quem é na realidade o titular das posições jurídicas, levantando o véu para almejar a situação que deve prevalecer.

 

Segundo a definição de Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, vol. II, pág. 174-175: “A desconsideração da personalidade colectiva das sociedades como a derrogação ou não observância da autonomia jurídico-subjectiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respectivos sócios. Tal desconsideração legitimar-se-á através do recurso a operadores jurídicos como, nomeadamente (e consoante os casos), a interpretação teleológica de disposições legais e negociais e o abuso de direito – apoiados por uma concepção substancialista da personalidade colectiva (não absolutizadora do “princípio da separação”).”

 

À luz destes ensinamentos e no quadro factual indiciário que o Juiz teve que apreciar no procedimento cautelar de aresto, sem que tivesse havido oposição dos requeridos, não constitui erro grosseiro o ter-se proferido a decisão contestada, não obstante a divergência evidenciada no Acórdão da Relação.

 

Como afirma o douto Acórdão recorrido – “Donde, a matéria indiciada permitiria, fundadamente, concluir, com base numa summario cognitio (…), que: em face da situação concreta, era o 1º requerido marido quem, sem aparecer como administrador ou gerente (“homem oculto”), servindo-se do nome do filho, ou seja, actuando através de pessoa fictícia (“homem de palha”), sempre deteve o domínio dos factos e o controlo efectivo da apelante; e esta apenas serviu como “testa de ferro” para aquele poder desenvolver a respectiva actividade e pôr o seu património a salvo dos credores, actuando através de um gerente ficticiamente designado.

Assim sendo, ao reconhecer a existência de abuso da autonomia patrimonial da sociedade apelante, em prejuízo dos credores, mais do que plausível, foi defensável a abordagem fáctico-jurídica que a Sra. Juíza engendrou, obtendo, com autonomia e uma racionalidade (também) prático-normativa, um resultado que, não sendo singular nem o único possível, de modo algum, pode ser apodado de “peregrino”.

 

O Recorrido Estado, nas suas contra-alegações, pede que a Recorrente seja condenada como litigante de má-fé, escrevendo: “Atenta matéria de facto provada, deve a recorrente ser condenada como litigante de má-fé em multa, pois, com dolo, deduz pretensão recursiva cuja falta de fundamento não pode ignorar e faz uso de meios processuais manifestamente reprováveis, com o fim de conseguir um objetivo ilegal — art. 542° do Código de Processo Civil”.

A condenação do pleiteante como litigante de má fé tem um forte cariz punitivo do seu comportamento processual, por ter como requisito um comportamento eivado de dolo ou de negligência grave, ficando tal actuação incursa na previsão do art. 543º do Código de Processo Civil.

 

Este normativo estatui:

 

“1 – Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 – Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”

 

As partes, em juízo, não obstante a complexidade da controvérsia e a intensidade que colocam na defesa de posições próprias, estão sujeitas aos deveres de cooperação, probidade e boa fé na sua relação adversarial perante o Tribunal, já que a lide visa a obtenção de decisão conforme à Verdade e ao Direito, sob pena de a protecção jurídica que demandam não ser alcançada, com desprestígio para si mesmas e para a Justiça.

 

Daí que o legislador, no art.7º do Código de Processo Civil, imponha aos magistrados, partes e mandatários “o dever de cooperarem com vista à justa composição do litígio”.

 

O art. 8º do citado diploma – dever de boa fé processual – reafirma tal princípio ao aludir ao dever de actuação de boa-fé inerente ao dever de cooperação.

Uma das condutas em que se exprime a litigância de má-fé consiste na alegação, voluntária e consciente, de factos que seriam relevantes para a decisão da causa, mas que a parte sabe que, ao alegar como alega, não ignora que desvirtua a realidade por si conhecida, visando, por isso, intencionalmente, um objectivo censurável.

 

Também actua de má-fé, a parte quem litiga com propósitos dilatórios, obstando pela sua conduta temerária, que o Tribunal almeje uma rápida decisão, pondo assim em causa o objectivo de realização de uma justiça pronta, que reponha a certeza, a paz social e a segurança jurídica, afrontadas pelo litígio.

 

Quando assim procede, o pleiteante litiga com má-fé material e instrumental, não só porque sabe que não lhe assiste o direito que ajuizou, como faz mau uso dos meios processuais.

Como ensina (doutrina que se mantém actual) o Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª Edição – 2000 – pág. 221/222:

 

“A má fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse.

A reforma processual de 95/96 mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.

A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.° e 266º-A.

Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má fé.

A doutrina tem classificado a má fé de que trata o preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número”.

 

A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma, tem a consciência de não ter razão.

 

A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542º, do Código de Processo Civil; todavia, se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé.

 

A litigância de má fé ocorre, existindo negligência grave na actuação processual violadora dos indicados princípios, não exige uma actuação dolosa. Todavia, tal actuação não deve ser confundida com a veemente sustentação de interpretações jurídicas, ainda que não acolhidas nas decisões judiciais. Cremos que a recorrente não litigou de má-fé.

 

Pelo quanto se disse o Acórdão recorrido não merece censura.

 

 

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

 

Decisão:

 

Nega-se a revista.

 

Custas pela Autora/recorrente.

 

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de maio de 2016

Fonseca Ramos (Relator

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

 

_______________________________________________________

[1] Relator – Fonseca Ramos.

Ex.mos Adjuntos:

Conselheiro Fernandes do Vale.

Conselheira Ana Paula Boularot.

 

[2] Estudo acessível em http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/jc_ma_5351.doc

[3] “…Assiste plena razão à Recorrente, desde já se adiante, devendo-se, sem dúvida, a manifesto lapso material essa desconformidade que a mesma assaca à redacção do facto em apreço, ilação a que logo se acede tomando em conta o teor do pronunciamento, em sede da decisão sobre a matéria de facto, a respeito do artigo 50º da P.I. e, notadamente, do doc. de fls. 77 e ss. aí mencionado. Assim sendo, e sem mais, opera-se a devida correcção de tal Facto nº44 [1º período], cuja redacção passará a ser a que segue: “As referidas fracções “N”, “P” e “Q” encontram-se descritas na Conservatória do Registo Predial da Nazaré sob o nº-3305-19950508, a favor dos 1ºs requeridos, mediante a Ap. 3433, de 2011/02/17, por decisão judicial, e mediante a Ap.2280 de 19/09/2011, provisoriamente a favor da 3.ª requerida.”

[4] Cfr.“ A desconsideração da personalidade jurídica: as realidades brasileira e portuguesa”, da Professora Maria de Fátima Ribeiro, in “Direito das Sociedades em Revista”, Março 2016, Ano 8, Vol. 15, págs. 29 a 57.