Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21172/16.7T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
NULIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A decisão do Banco Central Europeu de revogação da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito do Banco, S.A. ora 1.ª Ré da qual não foi interposto recurso nas competentes instâncias europeias produz os efeitos da declaração de insolvência.
II - Na ação declarativa em que os Autores peticionam a condenação no pagamento da quantia que investiram em obrigações de uma sociedade que foi do mesmo grupo económico das sociedades Rés, é irrelevante saber se transitou ou não em julgado o despacho que ordenou o prosseguimento da liquidação (do requerida pelo Banco de Portugal, ao abrigo do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25-10.
III - É nesse processo, mais precisamente através da reclamação de créditos aí apresentada, que os Autores devem fazer valer o direito de crédito (a indemnização) a que se arrogam, fundado em responsabilidade civil, mantendo atualidade e força persuasiva o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8 de maio de 2013.
IV - Havendo o processo de findar, no fase do saneador, pela procedência de exceção dilatória e com o conhecimento imediato do mérito da causa, a lei prevê a obrigatoriedade de realização de audiência prévia. Mas não está vedada a possibilidade de desvio a essa tramitação legal, quando as especificidades da causa o justifiquem, ao abrigo dos deveres de adequação formal e gestão processual (artigos 547.º e 6.º do CPC), com a prévia audição das partes, para que se possam previamente pronunciar sobre a conveniência da adequação da tramitação processual.
V - No saneador-sentença, o juiz deve, quando seja caso disso, declarar quais os factos que julga (plenamente) provados, mas não já os factos que julga não provados, muito menos devendo/podendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (isto é, apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto), nos termos do art. 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC.
VI - Não se estando diante de meras deficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, não é legalmente admissível o uso da faculdade de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial - cf. art. 590.º, n.ºs 2, al. b), e 4, a contrario sensu, do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

DM… e PA… interpuseram o presente recurso de apelação do saneador-sentença que julgou improcedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, intentaram contra (1.ª Ré) Banco Espírito Santo S.A. - Em Liquidação; (2.ª Ré) Haitong Bank S.A. (anterior Banco Espírito Santo de Investimento, S.A.); (3.ª Ré) Gnb - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. (anterior ESAF - Espírito Santo Fundos de Investimento Mobiliários, S.A.); e (4.º Réu) RE….
Na Petição inicial, apresentada em 24-08-2016, os Autores pediram que os Réus fossem solidariamente condenados:
(1) No pagamento da quantia que se vier a apurar, que resultará da diferença entre o montante que vier a ser recuperado pelos Autores em resultado da liquidação da entidade emitente do instrumento financeiro “ES TOURISM (EUROPE) 26/02/2015” e o montante de 403.732,38 €, correspondente ao capital investido pelos Autores nesse instrumento financeiro, acrescido do montante de 22.647,01 €, correspondente a juros convencionados à taxa de 5,7%;
(2) No pagamento de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a data de incumprimento da obrigação de reembolso pela entidade emitente em 26 de fevereiro de 2015, sobre a quantia referida no número anterior, até integral e efetivo pagamento.
Mais pediram que, caso assim não se entenda, subsidiariamente, seja o Primeiro Réu condenado no pedido constante dos números anteriores, com base nos factos descritos nos capítulos I. e II. e com os fundamentos descritos no capítulo III. B.
Invocando facilidade na leitura da Petição Inicial, apresentaram, no seu art. 1.º, o seguinte índice:
I. Introdução............................................................................................................................................................... 1
II. Os factos..................................................................................................................................................................6
II.A. A criação de uma falsa reputação de robustez financeira do GES e do BES.................................................... 6
II.B. A colocação de dívida GES pelo Grupo BES................................................................................................... 11
(1) Os instrumentos da fraude.................................................................................................................................. 11
(2) Os veículos de financiamento criados pelo Grupo BES..................................................................................... 12
(3) Os fundos de investimento geridos pela ESAF, filial do Primeiro Réu.............................................................. 17
(4) A colocação de dívida do GES pelo BES e pelo BESI diretamente junto dos seus clientes............................... 20
II.C. O financiamento do GES diretamente pelo Grupo BES.................................................................................. 23
II.C.1. O Grupo BES como principal financiador do GES...................................................................................... 23
II.C.2. Os benefícios obtidos pelo Primeiro e Segundo Réus................................................................................... 29
II.C.3. Outros benefícios obtidos pelo Grupo BES................................................................................................... 30
II.D. A manipulação das contas da ESI……............................................................................................................ 43
II.D.1. As dificuldades financeiras do GES…………................................................................................................ 43
II.D.2. A ocultação dos passivos e a sobrevalorização dos ativos do GES............................................................. 44
II.E. O papel do Grupo BES na ocultação dos passivos e sobrevalorização dos ativos do GES…………………… 47
II.E.1. As graves omissões do Grupo BES na avaliação de risco do GES............................................................... 47
II.E.2. A notação de risco atribuída pelo BES ao GES em 2012............................................................................. 56
II.F. A descoberta da verdadeira situação do GES e as suas implicações para o Grupo BES………………………62
II.F.1. As inspeções do Banco de Portugal às contas do BES................................................................................. 62
II.F.2. Os resultados da primeira revisão de contas da ESI realizada pela KPMG................................................ 66
II.F.3. Os resultados da segunda revisão de contas da ESI realizada pela KPMG................................................. 68
II.G. Actos dos Réus posteriores à descoberta da verdadeira situação do GES e tentativa de manter o esquema a funcionar………………………………………………................................................................................................... 70
II.G.1. A violação das determinações do Banco de Portugal...................................................................................70
II.G.2. O aumento de capital do BES....................................................................................................................... 76
II.G.3. Outros actos dos Réus com vista a evitar o colapso total do GES e a intervenção do Banco de Portugal no BES........................................................................................................................................................................... 86
II.H. Os últimos dias do GES e do BES e a intervenção do Banco de Portugal.......................................................91
II.I As ligações entre a alta direção do GES e do Grupo BES..................................................................................94
II.J. A intervenção do Quarto Réu……................................................................................................................... 101
II.K. Os danos sofridos pelos Autores em consequência do colapso do GES…......................................................................................................................................................................104
III. O Direito........................................................................................................................................................... 106
III.A. Da responsabilidade dos Réus ao abrigo do artigo 483.º do Código Civil……………………………............106
III.A.1. A burla........................................................................................................................................................ 106
III.A.2. A violação das regras de supervisão bancária do RGICSF.......................................................................119
(1) A violação de regras de conduta...................................................................................................................... 119
 (2) A violação de regras de conflitos de interesses................................................................................................124
III.A.3. A atuação dos Réus causou danos significativos aos Autores....................................................................125
III.B. Da responsabilidade do Primeiro Réu ao abrigo do artigo 304.ºA do Código de Valores Mobiliários……127
De forma resumida, alegaram que:
- Em 26 de fevereiro de 2014, os Autores subscreveram, junto do Primeiro Réu, títulos de dívida emitidos pela ES Tourism (Europe) S.A. (“ES Tourism”), empresa que fazia parte do Grupo Espírito Santo (“GES”);
- A emissão dos títulos de dívida da ES Tourism fez parte de um esquema fraudulento de rotação de dívida promovido e levado a cabo pelo Primeiro Réu, Banco Espírito Santo S.A. (“BES”) e por várias empresas do grupo, entre elas o Segundo Réu, Banco Espírito Santo Investimento S.A. (“BESI”), a sucursal portuguesa do BPES, e outras empresas do GES;
- Os Réus criaram e executaram um esquema fraudulento de rotação de dívida com vista a financiar prejuízos de diversas empresas do GES, incluindo o Primeiro Réu e a ESI, que viria a provocar a insolvência das principais empresas que compunham o grupo, nomeadamente da ESI, da Espírito Santo Financial Group S.A. (“ESFG”), da Rioforte, da ES Tourism e do Primeiro Réu;
- O Grupo BES, violando ordens do Banco de Portugal, transferiu e ajudou a transferir responsabilidades e riscos próprios do GES para os seus clientes para desta forma procurar salvar o GES e a si próprio de um colapso iminente;
- O esquema fraudulento de financiamento criado e mantido pelos Réus originou vantagens patrimoniais para os Réus e para terceiros à custa dos Autores, no montante total de USD 475.650,00, correspondente a 426.379,39 €;
- Os Réus sabiam que a ES Tourism não iria poder cumprir o contrato celebrado com os subscritores dos instrumentos financeiros emitidos;
- Os Autores nunca recuperaram o investimento realizado com a aquisição das referidas obrigações “ES Tourism (Europe) 26/02/2015”, as quais se venciam em 26 de fevereiro de 2015;
- A responsabilidade dos Réus ao abrigo do artigo 483.º do Código Civil”, decorre, por um lado, da “burla” e, por outro lado, da “violação das regras de supervisão bancária do RGICSF” (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12), tendo a atuação dos Réus causado danos significativos aos Autores;
- O primeiro Réu, tendo atuado no exercício de uma atividade de intermediação financeira (art. 289.º do CVM), é também responsável pela perda dos montantes investidos nos títulos de dívida de que os Autores são titulares, devendo indemnizá-los, nos termos do art. 304.º-A do CVM.
Indicaram os Autores, na Petição Inicial, como valor da causa 30.000,01 €, remetendo tal articulado à então Secção Cível da Instância Local do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

Procedeu-se à citação dos Réus, sendo o primeiro Réu em 13-10-2016 – cf. a/r junto aos autos a fls. 251.
Este Réu apresentou requerimento em que pugnou pela extinção da instância no que a si concerne, por inutilidade originária da lide, salientando que, por deliberação de 17-07-2016, do Banco Central Europeu foi revogada a autorização para o exercício da atividade do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”), o que produz os efeitos da declaração de insolvência, estando a correr termos ação de liquidação judicial do BES (processo n.º …/… da ….ª Secção do Comércio da Instância Central de Lisboa).
Notificados os Autores, vieram, em 31-10-2016, pronunciar-se, defendendo a improcedência do requerimento de extinção da instância por “inutilidade originária da lide.”
A segunda Ré, Banco Haitong, apresentou Contestação, em 14-11-2016, na qual se defendeu por impugnação de facto e de direito, pugnando pela sua absolvição do pedido, em virtude da manifesta improcedência da ação no que a si respeita.
Em 07-12-2016, a primeira Ré apresentou Contestação, na qual invocou, de novo, a inutilidade da lide no que a si concerne, tanto mais que os Autores até já reclamaram créditos no processo de liquidação judicial do BES, concluindo que deve ser declarada a extinção da instância, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC. Invocaram ainda a exceção decorrente da violação do princípio da adesão consagrado no art. 71.º do Código de Processo Penal, considerando que o pedido deduzido pelos Autores assenta em factos que estão a ser investigados em processos de natureza criminal e contraordenacional, concluindo pela extinção da instância. Para o caso de assim não se entender, requereram a suspensão da instância, invocando a pendência de causas prejudiciais. Mais se defenderam, invocando a exceção da prescrição, por força do art. 324.º, n.º 2, do CVM, e por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Em 09-12-2016, a terceira Ré, GNB, apresentou Contestação, defendendo-se por exceção (invocando a sua ilegitimidade processual passiva) e por impugnação de facto e de direito, concluindo pela sua absolvição do pedido ou, pelo menos, da instância.
Em 04-01-2017, o 4.º Réu, RS…, apresentou Contestação, na qual se defendeu por exceção, invocando a ilegitimidade processual ativa, por não ser legalmente admissível aos credores de sociedade declarada insolvente demandar diretamente um administrador fora do processo de insolvência, e a ineptidão da petição inicial, por não ter sido alegado um facto no qual se funda a pretensão dos Autores, já que a mesma depende da liquidação judicial da ES Tourism, não estando alegado que esta tenha sido declarada insolvente ou se encontre em processo de liquidação judicial. Requereu também a suspensão da instância com fundamento na pendência de causas prejudiciais. Mais se defendeu invocando a prescrição do direito que os Autores se arrogam a indemnização (art. 324.º, n.º 2, do CVM), bem como por impugnação de facto e de direito, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Em 08-03-2017 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Alegando os Autores que investiram €403.732,39 a utilidade económica imediata do pedido para os Autores será sempre reconduzível ao valor do capital que investiram, valor este que se configura como valor a fixar à causa, com consequente incompetência deste Tribunal em função do valor.
Pretendendo conhecer de tal questão, concedo às partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem, querendo.
Notifique”.
Em 27-06-2017, foi proferido despacho que fixou o valor da causa em 403.732,39 € e declarou a incompetência da Instância Local do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para conhecer da presente ação, determinando a remessa dos autos à Instância Central Cível do mesmo Tribunal. Nesse despacho, referiu-se, além do mais, o seguinte:
“Conforme resulta da causa de pedir dos Autores e também do alegado no contraditório supra referido, estes apenas desejam reaver o capital e eventualmente os juros, até à data não foram reembolsados dos valores investidos acrescidos dos correspondentes juros à taxa acordada, e peticionam uma indemnização equivalente ao investimento efectuado acrescido dos juros e dos danos não patrimoniais.
Desta forma, e para efeitos do disposto nos artigos 296.º e 297.º do Código de Processo Civil, a utilidade económica do pedido para os Autores, será sempre reconduzível ao valor do capital que investiram – 403.732,39”
Os Autores apresentaram articulado de resposta, pronunciando-se pela improcedência das exceções arguidas.
Em 02-02-2018, foi proferido o despacho com o seguinte teor:
“Terminada a fase dos articulados, caberia, na forma legal típica, sugerir data para realização da audiência prévia, enunciando as finalidades da mesma (art.º 591.º do CPC).
Contudo, o juiz tem o dever de introduzir modificação na tramitação processual normal, i.e., através de uma adequação formal (art.º 547.º do CPC) e de adoptar, nomeadamente, mecanismos de agilização processual (art.º 6.º, n.º 1 do CPC). O dever de gestão processual, que se traduz na direcção activa e dinâmica do processo, visa quer a rápida e justa resolução do litígio, quer a melhor organização do trabalho do tribunal.
Ora, no caso sub judice os Réus contestaram por excepção e por impugnação. Dada a contingência da restrição das funções da réplica, os Autores, nos termos legais, não responderam às excepções deduzidas pelos Réus.
Face ao âmbito reduzido da réplica (cfr. art.º 584.º do CPC), entendemos que, no caso concreto, aliás, como, v.g., no caso previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 592.º do CPC e também quando, deduzidas excepções, o juiz entenda que poderá, em sede de audiência prévia, vir a conhecer do mérito da acção, dever-se-á recorrer ao disposto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, notificando-se as AA. para se pronunciar sobre as excepções arguidas pelos RR.
É, pois, com fundamento no dever de gestão processual (art.º 6.º, n. 1 do CPC), no âmbito da eficiência processual e da melhor organização do trabalho, que entendo que a A. deverá ser notificada para responder (art.º 3.º, n.º 3 do CPC), querendo, às excepções deduzidas pela R., de forma a agilizar e a tornar mais profícuos os trabalhos da eventual audiência prévia.
Pelo exposto, notifique os Autores para, no prazo de trinta dias, responder às excepções deduzidas pelos Réus”.
Em 07-03-2018, os Autores apresentaram requerimento probatório, pedindo a junção de um documento e a requisição de outro, bem como a notificação dos Réus para juntaram outros documentos.
Em 29-06-2018, foi proferido o seguinte despacho:
“Nos termos do disposto no art. 591.º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a Audiência Prévia tem, entre outras finalidades, o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa.
Atendendo a que nos presentes autos, o Tribunal considera que, após a resposta conferida pelos Autores às excepções deduzidas, se encontra habilitado a conhecer do mérito da acção, salvaguardando-se a possibilidade de produção de alegações por escrito, não vislumbramos, ao abrigo do dever de gestão e eficiência processuais – art. 6.º, n.º 1, do CPC – necessidade em designar data para a realização da diligência, com vista proferir decisão.
Efectivamente, atentas as excepções invocadas e sendo as questões a apreciar eminentemente de direito, o Tribunal considera estarem reunidos todos os elementos necessários com vista a proferir decisão de mérito.
Notifique as partes para se pronunciarem sobre a eventual dispensa de Audiência Prévia e, na afirmativa, de que dispõem de dez dias para apresentarem alegações escritas, querendo”.
O primeiro Réu pronunciou-se em dois requerimentos: declarou que não se opunha à dispensa da audiência prévia, remetendo para a Contestação apresentada.
A terceira Ré, em dois requerimentos distintos, veio declarar que não se opunha à dispensa da audiência prévia e reiterar a manifesta improcedência da ação relativamente a si.
Os Autores apresentaram requerimento, concluindo nos seguintes termos:
“(…) Em suma, entendem os Autores que, atentos os factos alegados pelos Autores e contestados pelos Réus, nos termos em que o fizeram, não é possível ao tribunal, nesta fase do processo, conhecer o mérito da causa sem antes apreciar de forma profunda, ponderada e circunstanciada as provas já apresentadas e as demais provas que forem trazidas a juízo pelas partes.
(13) Conforme manda o artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e artigos 6.º e 411.º do CPC, o juiz deve realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, incluindo ordenar a junção de provas e conferir às partes a possibilidade de apresentarem prova documental adicional e testemunhas a serem ouvidas em sede de audiência de julgamento.
(14) Por essa razão, a audiência prévia deverá ser realizada para dar cumprimento às finalidades previstas no artigo 591.º, n.º 1 do CPC e, em particular, nas suas alíneas c), f) e g), ou seja, discutir as posições das partes, a determinação dos temas de prova e a calendarização da audiência de julgamento.
(15) Por tudo isto, entendem os Autores não existir razão para a dispensa de audiência prévia, a não ser que o tribunal considere já estarem reunidos todos os elementos de prova necessários a uma decisão conscienciosa de condenação dos Réus”.

De seguida, em 07-12-2018, foi proferida a seguinte decisão (cuja notificação às partes foi elaborada em 11-12-2018), na qual, além do mais, consta o seguinte:
«I. Por requerimento de 22 de Novembro de 2016, os AA. informaram que requereram a apensação dos presentes autos ao processo nº …/… que corre os seus termos na comarca de Lisboa – Juízo Local Cível (J…).
Considerando o valor que, entretanto, foi fixado aos presentes autos - € 403.732,39 -, evidente se torna que o Juízo Local sempre seria incompetente para conhecer dos presentes autos.
Assim, sendo e atento o estados destes autos – a fase dos articulados encontra-se finda e, conforme despacho proferido em 29/06/2018, encontram-se reunidas as condições para que seja proferida decisão de mérito, entende-se que existiria inconveniente na apensação daqueles autos a este processo, pelo que também não se determina a mesma nos termos do disposto no artigo 267º, nº2, - parte final – do C.P.Civil.
Pelo exposto, nada há a determinar no que concerne à aludida apensação.
*
II. Da dispensa da audiência prévia
(…) Assim, ao abrigo do disposto nos arts 593º, nº 1, art.º 591º, nº 1, al. d) e f) e art.º 595º, nº 1, al. a), todos do Cód. Proc. Civil, dispensa-se a realização da audiência prévia, por as partes já terem procedido ao debate das questões a decidir, nomeadamente na resposta apresentada pelos autores.
*
III. Do valor da causa
O valor da causa encontra-se fixado a fls 2844 e 2844v - € 403.732,39.
*
IV. Da inutilidade da lide invocada pelo Banco Espírito Santo, SA, em Liquidação
(…) Considerando que a presente acção foi instaurada em 24 de Agosto de 2017, ou seja, após a revogação pelo BCE da licença para o exercício da actividade bancária pelo BES, verifica-se uma situação de impossibilidade originária da lide, a qual se traduz numa excepção dilatória inominada, com a consequente absolvição da instância - art. 576º, nºs 1 e 2, e 577º, nº 1, do Código de Processo Civil – cfr neste sentido Ac. da Rel de Guimarães de 15/03/2018, relator: José Flores, o qual pode igualmente ser consultado in www.dgsi.pt/jtrl.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento do requerido pelo BES em termos de extinção da instância nos termos do disposto no artº 71º do C. Penal, bem como da suspensão por pendência de causa prejudicial requeridas subsidiariamente pelo BES, bem como da excepção de prescrição invocada pelo mesmo.
*
Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória inominada de impossibilidade originária da lide quanto ao R. BES – Em Liquidação – e consequentemente, absolvo o mesmo da instância.
Custas pelos AA. na proporção de 1/4 – artº 527º do C.P.Civil.
*
V- Da suspensão da instância por pendência de causas prejudiciais
Nos presentes autos de acção declarativa com processo comum, o réu RE… veio requerer a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, invocando que, caso o crédito dos AA. não seja reconhecido no processo de insolvência/liquidação do BES, inexistirá qualquer crédito sobre o réu, determinando a improcedência do pedido quanto a este, face ao disposto no artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais.
Invocou que a apreciação do pedido indemnizatório deduzido nos presentes autos pressuporá a prova da existência e quantum dos danos alegadamente sofridos e, na presente data, os autores não podem afirmar ter sofrido um dano efectivo.
Sustentou que a apreciação da existência e dimensão de um crédito judicialmente reconhecido e do seu eventual pagamento num dos aludidos processos de insolvência uma causa prejudicial à apreciação dos pedidos dos Autores nos presentes autos.
Os autores responderam nos termos de fls 2870, concluindo que deverá ser negado provimento ao pedido de suspensão da instância deduzido por este R, uma vez que a apreciação da existência e dimensão do crédito judicialmente reconhecido no processo de liquidação judicial do BES não são questões prejudiciais à apreciação dos pedidos deduzidos contra o mesmo R.
(…) Do invocado pelos AA. não resulta que a presente acção tenha sido intentada nos termos do artigo 78.º do CSC. Os próprios AA. na resposta às excepções invocadas e quando se pronunciam quanto ao pedido de absolvição do pedido em sede de despacho saneador deduzido pelo R. RS…, sustentam que à presente acção se aplica o disposto no artigo 483.º do Código Civil.
Assim sendo, independentemente de os autores poderem reclamar o seu crédito no aludido processo de insolvência, nele não está a ser discutida qualquer questão que tenha que ser considerada para efeitos de decisão desta acção, nem tão pouco a decisão que ali venha a ser tomada retirará razão de ser a esta acção.
Atento o referido pelas partes, a verificar-se nos processos de insolvência do BES o pagamento das quantias que ali se encontrem a ser reclamadas pelos AA., o que se poderá verificar nos presentes autos é uma situação de inutilidade superveniente da lide, mas essa inutilidade não se integra no conceito de prejudicialidade.
Com efeito, nada obsta a que, independentemente do que for decidido na reclamação de créditos, seja proferida decisão na presente acção de condenação.
Assim, não se está perante a existência de causa prejudicial, nem de motivo justificado para suspender a presente instância, pelo que indefiro a requerida suspensão.
*
VI - O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
*
O processo é o próprio.
*
Da ineptidão da petição inicial invocada pelo R. RE…
Invocou o R. que a petição inicial enferma de nulidade, porquanto o pedido concretamente formulado pelos AA. nos presentes autos pressupõe e depende da liquidação judicial da ES Tourism, no âmbito de um procedimento de insolvência e em momento algum da petição vem alegado que a sociedade em causa tenha sido declarada insolvente, que a mesma se encontre em processo de liquidação judicial e que os AA. ali tivessem reclamado o seu crédito.
Sustentou que existe falta de causa de pedir e, consequentemente, a petição é inepta. Os AA. responderam.
Decidindo:
De acordo com o disposto no artigo 186º, nº1, do C.P.Civil, “é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”.
Diz-se inepta a petição “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”, “quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir” ou “quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis” – nº2 do mesmo artigo.
Atento o disposto no art. 581º, nº4, do C. P. Civil, considera-se como causa de pedir a factualidade, afirmada pelo autor, de que se faz derivar o efeito jurídico pretendido. De acordo com a teoria da substanciação subjacente ao mencionado normativo, essa factualidade terá de traduzir o facto gerador do direito ou da pretensão invocada, de modo a individualizar qual o objecto do processo.
Conforme resulta da petição inicial, os AA. alegaram, em síntese, que, aconselhados pelo seu gestor de conta, investiram o montante de USD 450.000,00 em obrigações designadas “ES TOURISM (EUROPE) 26/02/2015, as quais se venciam em 26 de Fevereiro de 2015 e que esse instrumento financeiro servia para financiar fraudulentamente o Grupo Espírito Santo. Sustentaram que nunca recuperaram o seu crédito e que sofreram prejuízo patrimonial no montante que referem, prejuízo esse que foi causado, alegadamente, em virtude da conduta dos RR.
Não se verifica a invocada falta de causa de pedir.
As questões suscitadas pelo R. na contestação prendem-se com o mérito da causa
Pelo exposto, improcede a excepção de ineptidão da petição inicial invocada.
*
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
*
Da (i)legitimidade dos AA.
(…) Pelo exposto, julga-se improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa.
*
Da (i)legitimidade da ré GNB-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.
(…) Pelo exposto, julga-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da R. GNB-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., declarando-se a mesma parte legítima.
*
Os restantes RR. também são partes são legítimas.
Não há outras nulidades, excepções dilatórias ou questões prévias de que cumpra neste momento conhecer, relegando-se para final a decisão sobre a invocada excepção peremptória de prescrição/caducidade.
*
VII. Tendo em conta o disposto no art. 595º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil e conforme referido supra, cumpre, neste momento, conhecer directamente do pedido formulado contra os RR. Haitong Bank, SA, Gnb - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. e RE…, na medida em que os autos fornecem já todos os elementos para a decisão a proferir.
(…) Questões a decidir:
- apurar se os AA. têm direito a ser indemnizados pelos RR., a título de danos patrimoniais.
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Fundamentação de Facto:
Com interesse para a para a decisão da causa, atento o acordo das partes e os documentos juntos, nomeadamente de fls 389 a 390v, encontram-se provados os seguintes factos:
1- Em 9 de Julho de 2015, o BESI alterou a sua firma para “Haitong Bank, S.A..
2- O réu RE… foi administrador do “Banco Espírito Santo, S.A.” desde Setembro de 1991 a 13 de Julho de 2014.
3- Por decisão do BCE, de 13/07/2016, foi revogada a licença de exercício da actividade bancária ao BES.
4- O Banco de Portugal requereu a liquidação do BES junto da …ª secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa.
5- Por decisão de 21/07/2016, proferida no processo …/… da …ª secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, foi ordenado o prosseguimento da liquidação do BES.
6- Não foi apresentado recurso da decisão do BCE que decidiu revogar a licença de exercício da actividade bancária ao BES.
7- O Tribunal de Comércio do Luxemburgo declarou a insolvência das sociedades ESI e Rio Forte, em 27 de Outubro de 2014 e 8 de Dezembro de 2014, respectivamente.
8- As sociedades supra aludidas e a sociedade ES Tourism (Europe), SA, faziam parte do Grupo Espírito Santo.
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Fundamentação de Direito
(…) Decisão
Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo os réus Haitong Bank, S.A., GNB-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. e RE… dos pedidos formulados pelos autores.
Custas pelos autores (art.º 527.º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.).
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Da dispensa da taxa de justiça remanescente
(…) Pelo exposto, ao abrigo do disposto no nº 7 in fine do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, dispensam-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Registe e notifique».

Inconformados com esta decisão, vieram os Autores, em 25-01-2019, interpor recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (dada a sua extensão, transcrevemos apenas a parte útil):
(1) O presente recurso vem interposto do despacho do tribunal a quo, que proferiu saneador-sentença, ao abrigo do qual (i) decidiu verificada a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da lide quanto ao Primeiro Recorrido, absolvendo-o da instância e (ii) conheceu, quanto aos demais Recorridos, de imediato, o mérito da causa, ao abrigo do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC, julgando a ação totalmente improcedente, por não provada, e absolvendo-os dos pedidos.
(2) Com o presente recurso visa-se impugnar o saneador-sentença quanto às seguintes matérias: (i) a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da lide; (ii) a dispensa de audiência prévia, seguida do imediato conhecimento do mérito da causa; (iii) a falta de declaração e fundamentação dos factos não provados e dos factos provados; (iv) a falta de apreciação dos factos relevantes (assentes e controvertidos) para a decisão da causa e da prova documental; (v) a impossibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa no despacho saneador; e (vi) a falta de (eventual) convite para aperfeiçoamento da Petição Inicial.
(3) Em primeiro lugar, andou mal o tribunal a quo ao julgar verificada exceção dilatória inominada de inutilidade originária da lide quanto ao Primeiro Recorrido, sustentando que a presente ação judicial teria sido instaurada em 24 de agosto de 2016, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão do BCE que revogou a autorização para o exercício da atividade bancária do Primeiro Recorrido BES. Decisão, essa, que o tribunal entende produzir os efeitos da declaração de insolvência.
(…) (5) Sucede, no entanto, que é o Decreto-Lei n.º 199/2006, que estabelece o regime da liquidação das instituições financeiras, que prevê a aplicação subsidiária do CIRE (não o TFUE), pelo que é ao despacho do tribunal que ordenou o prosseguimento da liquidação judicial do Primeiro Recorrido BES que se aplicam, a título subsidiário, as disposições do CIRE, e não à decisão de revogação do BCE.
(6) Tal como a sentença de declaração de insolvência, o despacho de prosseguimento de liquidação judicial considera-se transitado em julgado logo que não seja suscetível de recurso ou de embargos, nos termos do disposto nos artigos 40.º, n.º 1 alínea d), 41.º e 42.º, n.º 1 do CIRE, aplicável ex vi do artigo 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 199/2006.
(7) Quer isto dizer que no decurso do prazo para os credores deduzirem embargos ou recorrerem do despacho de prosseguimento da liquidação judicial, este não constituirá uma decisão definitiva, isto é, não se considerará transitado em julgado.
 (8) Ora, na data em que os Recorrentes intentaram a presente ação judicial, ou seja, em 24 de agosto de 2016, ainda estavam em curso as diligências de citação dos credores para, querendo, apresentarem recurso do referido despacho, pelo que este não havia ainda transitado em julgado.
(9) Do que decorre que a presente ação judicial constitui uma ação declarativa pendente em relação ao processo de liquidação judicial do BES e, por isso, sujeita aos efeitos processuais sobre as ações declarativas pendentes previstos no artigo 85.º do CIRE (ex vi do artigo 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 199/2006).
(…) (11) Ora, atendendo a que a ação declarativa foi intentada antes do trânsito em julgado da decisão de prosseguimento da liquidação judicial, que a Comissão Liquidatária não exerceu a faculdade de requerer a sua apensação ao processo de liquidação judicial do BES, a presente ação judicial não fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal, ou seja, que nela os créditos dos Recorrentes possam ser reconhecidos e isto sem prejuízo de correr em paralelo o processo de liquidação judicial (neste sentido, António Pereira de Almeida, “Efeitos do processo de insolvência nas ações declarativas”, in Revista de Direito Comercial de 17 de maio de 2017, p. 149, disponível em www.revistadedireitocomercial.com).
(12) Isto não significa, porém, que os Recorrentes, enquanto credores da insolvência, não tenham que reclamar os seus créditos no âmbito do processo de liquidação judicial – o que fizeram –, ficando, nesta sede, o crédito sujeito a condição suspensiva, ao abrigo do disposto no artigo 50.º do CIRE, sendo acautelado, para efeitos de rateios e pagamentos, pelo disposto no artigo 181.º do CIRE.
(13) Esta é a interpretação que decorre da atual redação do artigo 50.º, n.º 1 do CIRE, que antes – e, em particular, na data em que foi proferido o acórdão n.º 1/2014 de uniformização de jurisprudência – não previa as decisões judiciais como condição suspensiva (neste sentido, igualmente, António Pereira de Almeida, idem, p. 158).
(14) Esta solução também não coloca em causa o princípio da igualdade de tratamento dos credores, pois a existirem alegadas dificuldades de impugnação de créditos, estas resultariam do facto de o direito se fundar numa decisão judicial, e não da sua inexistência, sendo que a impugnação judicial de créditos (no âmbito da liquidação judicial) visa apenas assegurar que não sejam reconhecidos créditos reclamados que não mereçam legalmente ser reconhecidos ou devam ser graduados de forma diferente da proposta pela Comissão Liquidatária.
(15) Acresce ainda que a presente ação é o meio idóneo para dirimir o litígio em causa, tendo em conta que a ação foi proposta em litisconsórcio voluntário passivo (cf. artigo 32.º, n.º 1 do CPC), pelo que, para além do Primeiro Recorrido BES, existem mais três Recorridos, todos eles solidariamente responsáveis para com os Recorrentes.
(16) Logo, e sob pena de uma duplicação de esforços, que se considera desprovida de efeito útil – particularmente em processos complexos como o presente – não fará sentido (a ser procedente o recurso) que o tribunal cível continue a julgar a presente ação contra os Recorridos Haitong, GNB e RS…, e o pedido contra o Primeiro Recorrido BES passe a ser julgada no âmbito do processo de liquidação judicial.
(17) Por tudo isto, o prosseguimento desta ação declarativa é a solução que, encontrando assento na lei, melhor se adequa ao caso, por permitir que os Recorrentes, depois de verem o seu direito reconhecido na presente sede, não tenham de discutir a existência do crédito em sede de impugnação judicial no âmbito do processo de liquidação judicial do BES ou, pelo menos, a impugnação judicial do crédito pela Comissão Liquidatária ou demais credores ficará mais difícil (neste sentido, vide os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de fevereiro de 2007, processo n.º 168/06.2TTCBR.C1, do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de outubro de 2007, processo n.º 0714018, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de abril de 2008, processo n.º 10486/2007-4, do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de dezembro de 2008, processo n.º 0836085, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
(18) O direito de acesso e a uma tutela jurisdicional efetiva mais não é, no essencial, do que o direito a uma solução jurisdicional dos conflitos, em prazo razoável, e com garantias de imparcialidade e independência, como decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional, e que, no presente caso, a manter-se a decisão recorrida, é posta em crise em violação do disposto no artigo 20.º da CRP e artigo 2.º do CPC, pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que mande a presente ação prosseguir contra o Primeiro Recorrido.
(19) Em segundo lugar, o tribunal recorrido não poderia ter decidido, de imediato, sobre o mérito da causa, sem, no mínimo dos mínimos, ouvir as partes em sede de audiência prévia.
(20) O tribunal a quo usou da faculdade permitida na alínea b) do número 1 do artigo 595.º do CPC para casos excecionalíssimos e que nenhuma dúvida deveriam oferecer e, desta forma, não proporcionou às partes a prévia discussão de facto e de direito, bem como negou aos Recorrentes o direito a poderem fazer prova em tribunal dos factos que alegaram na Petição Inicial, a partir da prova nela produzida e de nova prova, que requereram em momento posterior a sua junção aos presentes autos.
 (21) (…) (cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de setembro de 2015, processo n.º 128/14.0T8PVZ.P1, disponível em www.dgsi.pt).
 (22) (…) (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de outubro de 2014, processo n.º 1386/13.2TBALQ.L1-7, disponível em www.dgsi.pt. Em sentido idêntico, vide também acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de setembro de 2015, processo n.º 128/14.0T8PVZ.P1, disponível em www.dgsi.pt).
(23) O saneador-sentença, ao conhecer, de imediato, o mérito da causa, sem realização de audiência prévia, fez um uso indevido do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 595.º do CPC, em violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição das decisões-surpresa), do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, e ainda do direito a um processo justo e equitativo, todos previstos nos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 1, 591.º, n.º 1, b) do CPC, e artigo 20.º da CRP, razão pela qual enferma de nulidade processual e deverá ser anulado nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC.
(24) Em terceiro lugar, o saneador-sentença, na parte em que conheceu o mérito da causa, omitiu por completo a descrição dos factos considerados não provados e a especificação dos meios de prova determinantes para sustentar a convicção do juiz. Verifica-se uma omissão a dois níveis: na falta de declaração dos factos não provados e na falta da sua fundamentação.
(25) A decisão sobre a matéria de facto constitui um elemento integrante da sentença e terá de incluir a declaração dos factos considerados provados e dos factos não provados, acompanhados da respetiva fundamentação, com a especificação dos concretos meios de prova que determinaram a convicção do juiz, quer dos factos tidos por provados quer dos factos tidos por não provados (neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de outubro 2015, processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt), o que não aconteceu no caso concreto.
(26) No saneador-sentença, o juiz, ao abster-se de discriminar e analisar criticamente os factos considerados como não provados, violou os princípios processuais e constitucionais vigentes consagrados no artigo 205.º, n.º 1 da CRP e nos artigos 154.º, e 607.º, n.º 4 do CPC, razão pela qual o saneador-sentença enferma de nulidade processual e deve ser anulado, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, bem como os respetivos termos subsequentes à decisão viciada, nos termos do disposto no número 2 do mesmo preceito legal.
 (27) Em quarto lugar, o tribunal omitiu a fundamentação dos factos considerados como provados no saneador-sentença e não apreciou a prova documental junta com a Petição Inicial.
(28) Numa Petição Inicial com mais de 600 artigos e 70 documentos, resulta, no entender do tribunal, “atento o acordo das partes e os documentos juntos”, que somente ficam provados oito factos; todos os demais factos alegados pelos Recorrentes seriam irrelevantes para a causa. Tudo sem que o tribunal a quo tenha sequer justificado as razões que presidiram à fundamentação de facto produzida.
(29) Ora, como considerou o Tribunal da Relação de Coimbra, “[a] exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correção” (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de maio de 2013, processo n .º 1259/08.0TBGRD.C1, disponível em www.dgsi.pt).
(…) (31) No caso concreto, o tribunal a quo, ao não indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, omitindo o processo lógico e racional seguido para chegar à decisão de facto proferida, omitiu a fundamentação dos factos considerados como provados, ou seja, as formalidades exigidas pelos artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4 do CPC, em violação destas normas jurídicas, bem como do disposto no artigo 205.º da CRP, razão, pela qual, o saneador-sentença deverá ser anulado ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC.
(32) Em quinto lugar, o tribunal escusou-se a apreciar qualquer dos factos alegados pelos Recorrentes e que, no entender destes, demonstram que os Recorridos participaram num esquema fraudulento, violando diversas disposições legais, que resultaram na perda dos investimentos realizados pelos Recorrentes. O tribunal rotulou esses factos de factos gerais e sem relevância e, por isso, teve por não demonstrada a relação causal entre os factos alegados e os danos sofridos.
(…) (34)  Só depois de analisados e ponderados todos os factos alegados e respetiva prova produzida ou a produzir em julgamento, coisa que o tribunal não fez, poderia o tribunal formular a pergunta se existiria ou não nexo de causalidade entre os factos alegados e os danos sofridos (quanto mais chegar logo à conclusão), nexo esse que existiu realmente.
(35) O tribunal a quo não poderia, portanto, ter considerado, como fez, que não foram alegados factos concretos, que permitiam imputar condutas ilícitas aos Recorridos Haitong, GNB e RS…, pois não chegou sequer a analisar a prova junta aos presentes autos.
(36) No caso particular do Quarto Recorrido, RS…, uma pretensa insuficiência ou imprecisão na exposição da matéria de facto é ainda mais de estranhar se tivermos em conta os factos alegados na Petição Inicial, em grande parte suportados em prova documental. Alguns desses factos constituem mesmo factos públicos e notórios (cf. artigo 412.º, n.º 1 do CPC), cuja referência foi simplesmente ignorada pelo tribunal a quo, que apenas considerou provado que “[o] Réu RE… foi administrador do BES desde setembro de 1991 a 13 de julho de 2014”.
(…) (38)  Na realidade, o tribunal “furtou-se” à análise dos factos e da prova documental produzida na Petição Inicial e mais prova que haveria de resultar do requerimento probatório de 7 de março de 2018 apresentado pelos Recorrentes, que o tribunal não apreciou, negando assim a prova de factos alegados e a descoberta de outros essenciais à resolução da causa.
(…) (42)  Logo, o tribunal não poderia – como fez – ter considerado que não foram alegados factos concretos e essenciais para a decisão da causa e decidido, sem analisar a prova produzida, e de forma simplista e prematura, absolver, em sede de saneador-sentença, os Recorridos dos pedidos, com base numa pretensa falta de concretização dos factos, para assim poder concluir pela improcedência do pedido dos Recorrentes.
(43) O tribunal recorrido violou, assim, o disposto no artigo 20.º da CRP e nos artigos 6.º, n.º 1 e 2, 411.º, 413.º, 595.º, n.º 1, alínea b), artigos 607.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 do CPC, razão pela qual o saneador-sentença deverá ser anulado, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e deverão os autos prosseguir os seus termos até final, com seleção da matéria de facto provada e a provar, com os temas de prova, e posterior realização da audiência de julgamento, relegando para final, após apuramento da factualidade necessária, a decisão sobre os pedidos dos Recorrentes.
(44) Em sexto lugar, é forçoso concluir, pelo que se disse acima, que, no presente caso, subsiste matéria controvertida, cuja prova se mostra essencial à resolução das questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal, em particular no que respeita aos factos, que demonstram a existência de um esquema fraudulento de rotação de dívida do GES, e que relevam, de sobremaneira, para a apreciação dos pedidos de ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos Recorrentes, e que o tribunal a quo, ao decidir, de imediato, sobre o mérito da causa, não atendeu.
(45) Na verdade, deveria o tribunal a quo ter dado cumprimento ao disposto no artigo 596.º do CPC, proferindo despacho saneador destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas de prova, uma vez que os autos ainda não dispunham de todos os elementos necessários ao conhecimento de mérito.
(…) (47)  Ou seja, o mérito da causa será julgado no despacho saneador se a questão puder ser decidida nesse momento, i.e., se o processo o permitir, sem necessidade de mais provas. De acordo com a jurisprudência, “[t]al acontecerá (i) quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, (ii) quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e (iii) quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental” (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de fevereiro de 2017, processo n.º 4716/15.9T8VCT-A.G1, disponível em www.dgsi.pt).
(48) Ora, não é esse o presente caso, não se verificando qualquer uma das situações enumeradas acima, sendo impensável que uma justa decisão sobre o mérito da causa possa ser sacrificada pelos princípios da celeridade e economia processuais.
(49) Em sétimo e último lugar, o tribunal a quo, ao considerar que não existiam factos concretos que permitiam fundar as pretensões dos Recorrentes – o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio –, tinha o «poder-dever» de convidar os Recorrentes a suprir as deficiências detetadas nos termos do disposto no artigo 590.º, n.º 4 do CPC, como considerou, num caso semelhante ao dos presentes autos, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 21 de dezembro de 2018, no processo 21175/16.1T8LSB.L1.
(50) O artigo 590.º, n.º 4 do CPC não é mais do que uma das concretizações do disposto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP e artigos 6.º e 411.º do CPC, que estabelecem que incumbe ao juiz o «poder-dever» de realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer e dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo (neste sentido, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2004, p. 433; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 4.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, março de 2004, pp. 72 e 73; Paula Costa e Silva, Saneamento e Condensação No Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar, Aspetos do Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pp. 228 e 229. Cf., igualmente, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de maio de 2013, processo n.º 2665/10.6TJCBR.C1; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 abril de 2005, processo n.º 811/05; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de junho de 2009, processo n.º 3380/07.3TCLRS.L1-1; e acórdão do STJ, de 25 de maio de 2010, processo n.º 115/09.0TBCDN.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
(51) O conhecimento do mérito da causa está dependente da existência de todos os elementos necessários à prolação da decisão final, e não da sua ausência. Logo, a admitir-se por cautela de patrocínio não existirem nos presentes autos, como entendeu o tribunal a quo, factos concretos que permitissem fundar as pretensões dos Recorrentes (ainda que, de forma contraditória, tenha considerado já ter os elementos suficientes para decidir sobre o mérito da causa), deveria o tribunal ter convidado os Recorrentes a aperfeiçoar a Petição Inicial sem coartar o direito dos Recorrentes a um julgamento, com base numa muito duvidosa insuficiência de factos concretos, violando assim o disposto no artigo 20.º da CRP e artigos 6.º, n.º 1 e 2, e 590.º, n.º 4 do CPC.
(52) Por tudo isto se conclui que o saneador-sentença constitui um julgamento sumário, extemporâneo e em denegação do direito dos Recorrentes ao acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva em cumprimento do disposto no artigo 20.º da CRP e artigo 2.º do CPC.
(53) Razão pela qual deverá ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-o totalmente procedente e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra em que se determine o prosseguimento da causa e apreciação dos factos e prova pelo tribunal a quo, bem como que se determine, se necessário, o convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto inicialmente alegada na Petição Inicial.
NESTES TERMOS,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:
(1) Revogar-se a decisão que julgou procedente a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da lide quanto ao Primeiro Recorrido BES;
(2) Ser decretada a nulidade processual do saneador-sentença que procedeu à dispensa da audiência prévia;
(3) Ser decretada a nulidade processual do saneador-sentença por falta de fundamentação de facto quanto à declaração e fundamentação dos factos dados como não provados e como provados;
(4) Ser revogada a sentença na parte em que considerou existirem elementos suficientes no processo para conhecer, de imediato, o mérito da causa e não apreciou os factos, bem como a prova produzida na Petição Inicial e o requerimento probatório de 7 de março de 2018, revogando-se a sentença proferida; e
(5) Serem os Recorrentes convidados, caso assim se entenda, a aperfeiçoar a Petição Inicial.

Foi apresentada alegação de resposta pela primeira Ré (BES), concluindo que “deverá ser negado provimento ao recurso em apreço, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com a consequente extinção da instância no que respeita ao Recorrido”.

A segunda Ré (Haitong Bank) também apresentou alegação de resposta, em que defendeu que se mantenha na íntegra a decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões (transcrevemos apenas a parte útil):
A. As nulidades processuais invocadas pelos Recorrentes (a existirem, o que não se concede) deveriam ter sido arguidas pelo perante o tribunal que as cometeu no prazo geral de 10 (dez) dias, em conformidade com o disposto nos artigos 149.º, 195.º e 199.º do CPC. Não o tendo sido, sempre deveriam as mesmas ter-se por sanadas, não podendo servir de fundamento ao presente recurso. Sem conceder:
Da alegada nulidade por violação do princípio do contraditório na vertente de proibição de decisões-surpresa
B. Os princípios da adequação formal e de gestão processual previstos nos artigos 547.º e 6.º do CPC concedem ao Tribunal a possibilidade de dispensar a realização da audiência prévia quando as especificidades do caso concreto assim o imponham ou permitam, designadamente nos casos em que as questões relevantes se encontrem suficientemente debatidas nos articulados (ou até mesmo, nos casos em que a improcedência da ação é manifesta, como o é no presente caso) e sobretudo quando a dispensa da audiência prévia tenha sido precedida da auscultação das partes;
C. Todas as questões conhecidas em sede de Sentença foram invocadas pelos Réus nas suas Contestações (incluindo a questão da inexistência de factos concretos suscetíveis de fundar a pretensão formulada pelos Autores quanto aos mencionados Réus e tendo a matéria de exceção nelas contida sido objeto de resposta por parte dos Recorrentes em requerimento autónomo, apresentado em 05.03.201831;
(…) F. Resulta, assim, que as questões relevantes nos autos não só se encontravam já suficientemente debatidas pelas Partes, como a dispensa da audiência prévia foi precedida da auscultação das Partes, tendo-lhes sido inclusive concedida a possibilidade alegarem por escrito se assim o entendessem. Por conseguinte, o Tribunal a quo podia, efetivamente, e ao abrigo dos princípios da adequação e da gestão processuais plasmadas nos artigos 547.º e 6.º do CPC, dispensar a realização de audiência prévia no presente caso, nos termos em que o fez;
(…) I. Por fim, ainda que o Tribunal a quo tivesse realizado audiência prévia nos presentes autos, a decisão da causa seria, necessariamente, a mesma: a total improcedência da ação relativamente ao Recorrido HAITONG BANK por falta de alegação de factos.
(…) Da nulidade em razão da alegada violação do dever de fundamentação da Sentença
K. Tendo o mérito da causa sido conhecido em sede de Despacho Saneador e não tendo havido lugar a um “juízo sobre a demonstração da veracidade dos factos alegados que se encontram controvertidos”, não é possível proceder à indicação (e muito menos à fundamentação) dos factos que não se provaram;
L. Por outro lado, só pode haver lugar à enunciação de factos (provados e não provados), se tais factos tiverem sido efetivamente alegados pelas partes, o que não é o caso dos autos, já que os Recorrentes não lograram invocar quaisquer factos concretos suscetíveis de consubstanciar uma qualquer conduta ilícita por parte do Recorrido HAITONG BANK, geradora da responsabilidade civil que aqui pretende fazer valer;
M. Os Recorrentes também não indicam quais os factos não provados que deveriam ter sido objeto enunciação e fundamentação pelo Tribunal e que não foram, nem explicam de que forma tais factos seriam aptos a alterar a Decisão proferida;
(…) P. O Despacho recorrido não padece, por conseguinte, de qualquer nulidade por falta de fundamentação, seja por falta de declaração e fundamentação dos factos não provados, seja por falta de fundamentação dos factos provados, improcedendo toda a alegação dos Recorrentes a este propósito;
Q. Ainda que se considerasse que o Despacho recorrido padecia de falta ou insuficiência de fundamentação relativamente à matéria de facto (o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona), nunca a mesma poderia ser considerada como causa de nulidade da Decisão, implicando, tão só, que o Tribunal ad quem ordenasse ao Tribunal de 1.ª Instância que procedesse à fundamentação devida, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do CPC.
Da alegada falta de apreciação de factos relevantes (assentes e controvertidos) para a decisão da causa
Da falta de apreciação em geral dos factos relevantes e da prova documental
R. O Tribunal apenas tem de discriminar como provados (ou não provados) os factos essenciais que constituem o fundamento da decisão, não lhe sendo exigido pelo legislador que discrimine todos os factos alegados pelas partes, designadamente, os factos instrumentais, complementares ou irrelevantes, pelo que não há, no caso dos autos, quaisquer outros factos que o Tribunal a quo devesse ter considerado como provados na Sentença proferida;
(…) T. Sendo a Petição Inicial dos autos totalmente omissa quanto a factos concretamente praticados pelo Recorrido HAITONG BANK e merecedores de um qualquer juízo de ilicitude, não pode o recurso ou remissão para os documentos ser considerado como complementando a Petição Inicial apresentada (já que não se pode complementar aquilo que, de todo, não se alegou).
U. Além do mais, os factos constantes dos mencionados documentos, dada a sua extensão e complexidade, não estão inequivocamente individualizados, sem quaisquer dúvidas ou ambiguidades, deles não se podendo inferir com certeza o que se pretende e foi realmente articulado pelos Recorrentes, como exigido pela Jurisprudência.
V. Os Recorrentes tampouco indicam / individualizam quais os factos constantes dos documentos mencionados documentos que se deverão entender como fazendo parte integrante da Petição Inicial, por forma a sanar as imprecisões e insuficiências desta última, o que, só por si, sempre obstaria à procedência da tese por si sufragada.
W. Sem prejuízo, o certo é que de tais documentos também não se retiram quaisquer factos concretos e ilícitos suscetíveis de serem imputados ao ora Recorrido;
Da alegada falta de apreciação de factos relevantes relativos ao HAITONG BANK
(…) Y. Não tendo os Recorrentes logrado imputar ao ora Recorrido quaisquer factos concretos suscetíveis de sustentar a responsabilidade civil delitual invocada, não há quaisquer factos que possam ou devam ser objeto de prova, em sede de audiência de discussão e julgamento;
Z. Além do mais, os Recorrentes não identificam sequer quais as potenciais normas aplicáveis à atividade do Recorrido HAITONG BANK e que o mesmo terá violado com as atuações que os Recorrentes (supostamente) lhe imputam (sendo cristalino que as determinações do Banco de Portugal por si invocadas não foram dirigidas ao Recorrido);
AA. Pelo que o estado do processo permitia ao Tribunal a quo conhecer do mérito da causa nos termos em que o fez;
Da alegada falta de apreciação do requerimento probatório apresentado nos autos
BB. O requerimento probatório em apreço não pode, de forma alguma, suprir as lacunas alegatórias da Petição Inicial (assim falecendo, portanto, o pressuposto no qual os Recorrentes sustentam toda a sua tese em torno da falta de apreciação do requerimento probatório);
CC. A produção de prova pressupõe que hajam sido alegados factos concretos suscetíveis de ser objeto da mesma, produção de prova essa (incluindo a apreciação do requerimento probatório dos Recorrentes) que ficou irremediavelmente prejudicada nos presentes autos pelo facto, precisamente, de os Recorrentes se terem escusado a alegar factos concretos que fossem suscetíveis de imputar aos Recorridos a prática de uma qualquer conduta ilícita.
DD. Os requerimentos probatórios também não servem para “aditar novos factos não conhecidos à data da propositura da ação”, como refere os Recorrentes, sendo que o meio processual adequado para fazer tal aditamento sempre seria a apresentação de um articulado superveniente (cfr. artigos 588.º e 589.º do CPC) e não de um qualquer meio de produção de prova.
EE. Não tendo sido alegados quaisquer factos concretos suscetíveis de serem provados, não se vislumbra, por conseguinte, qualquer utilidade na pronúncia do Tribunal recorrido acerca da admissibilidade e pertinência do requerimento probatório apresentado pelos Recorrentes.
FF. A eventual pronúncia pelo Tribunal a quo acerca da admissibilidade e pertinência do requerimento probatório apresentado pelos Recorrentes e a realização da instrução nos presentes autos titulariam atos inúteis que a lei não poderia admitir à luz do princípio da proibição da prática de atos inúteis ínsito no artigo 130.º do CPC;
Da alegada impossibilidade do conhecimento do mérito da causa
GG. Na Petição Inicial apresentada não são invocados factos concretos que pudessem servir de fundamento aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, designadamente, à matéria relativa ao alegado esquema fraudulento, à violação das normas jurídicas em causa, do dolo na atuação / omissão, do prejuízo dos Recorrentes, e do nexo causal entre o  facto lesivo e o dano, como já acima se demonstrou;
(…) II. Não tendo os Recorrentes logrado imputar ao ora Recorrido quaisquer factos concretos suscetíveis de sustentar a responsabilidade civil delitual invocada, não há quaisquer factos que possam ou devam ser objeto de prova, em sede de audiência de discussão e julgamento.
JJ. Não fazendo qualquer sentido e afigurando-se como verdadeiramente inútil e, por conseguinte, contrário ao princípio acima aludido da proibição da prática de atos inúteis, o prosseguimento da ação para audiência final, aguardando-se por uma decisão de mérito que podia ser proferida sem necessidade de mais provas, na própria fase intermédia do processo, por via do despacho saneador-sentença.
Da alegada falta de convite para completar ou corrigir a petição inicial
(…) LL. No caso dos autos está em causa a absoluta omissão de factos concretos imputados ao Recorrido HAITONG BANK, suscetíveis de um qualquer juízo de censura ou ilicitude e não uma “pequena omissão”, uma “mera imprecisão” ou um lapso ou descuido desculpável.
(…) NN.  Caso se considerasse que o Tribunal a quo se encontrava obrigado a proferir o despacho a que alude o artigo 590.º, n.º 4 do CPC, sempre se teria de concluir que tal omissão configuraria uma nulidade processual para efeitos do mencionado artigo 195.º do CPC (omissão de um acto prescrito na lei), devendo ser arguida perante o tribunal que a cometeu isto no prazo geral de 10 dias, em conformidade com o disposto no artigo 199.º do CPC.
OO. Nessa medida, não tendo os Recorrentes arguido tal irregularidade no prazo legalmente previsto para o efeito, sempre a mesma se deveria ter por sanada, dela não se podendo retirar quaisquer consequências jurídicas, e não podendo a mesma servir de fundamento ao recurso interposto”.

Também a terceira Ré (Gnb) contra-alegou, concluindo a sua alegação de recurso nos seguintes termos (transcrevemos apenas a parte útil):
1. O presente recurso, bem como a ação intentada, carecem de fundamento legal, contratual ou até factual, principalmente no que à Recorrida GNB diz respeito.
(…) o juiz pode dispensar a audiência prévia no caso de, a realizar-se a audiência prévia, esta só teria por finalidade conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do CPC (Cfr. artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
4. No caso concreto, efetivamente os autos reuniam todos os elementos para o conhecimento da inutilidade da lide invocada pelo BES – Em liquidação, da suspensão da instância por pendência de causas prejudiciais requerida pelo Réu RE…, das exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e da Ré GNB e, ainda, para conhecer do mérito da causa.
5. E isto porque as partes já procederam ao debate de todas aquelas questões nos articulados e as exceções e a matéria de impugnação suscitadas nos autos pelos Réus já haviam sido respondidas de forma detalhada pelos Autores no seu requerimento de resposta, apresentado na sequência de um despacho para o efeito emitido pelo Tribunal “a quo”.
6. Acresce ainda que o Tribunal “a quo” ordenou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a eventual dispensa de audiência prévia e para, querendo, apresentarem alegações escritas, o que fizeram.
7. O vício processual alegado pelos Recorrentes, do qual alega ter sido proferida uma “decisão-surpresa” não se verifica, pois o despacho saneador sentença proferido pelo Tribunal “a quo” não contém qualquer decisão sobre eventual exceção dilatória ou matéria de impugnação que não tivesse sido discutida pelas partes.
8. Assim, entendemos que a decisão de prescindir desse ato processual prescrito na lei devidamente fundamentado e precedido do convite prévio aos Autores para se pronunciarem e por escrito, cumpre integralmente a finalidade do que seria oralmente discutido na audiência, se esta tivesse tido lugar.
(…) 11. A sentença recorrida foi fundamentada, pois verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto, compreendida na sentença recorrida, enumera 8 (oito) factos provados e resulta claro que, para o Tribunal “a quo” os restantes factos não se consideraram provados.
12. Após análise crítica da petição inicial, o Tribunal “a quo” constatou que não foram alegados quaisquer factos concretos que permitissem imputar qualquer conduta ilícita à ora Recorrida GNB, relativamente à subscrição de obrigações e do papel comercial pelos Autores, pelo que a ação devia improceder, motivo pelo qual não faria qualquer sentido, elencar factos provados e não provados.
(…) 14. Ora, os Recorrentes confundem omissão de pronúncia com discordância com a apreciação feita pelo Tribunal “a quo” dos argumentos invocados e documentos juntos.
15. O n.º 2 do artigo 608.º do CPC prevê que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
16. Sucede que, ao contrário do que os Recorrentes alegam, o normativo não se refere aos factos alegados pelas partes, mas à causa de pedir e às exceções invocadas, algumas das quais terá o dever de conhecer oficiosamente.
17. O facto de o tribunal poder não incluir na sentença a apreciação sobre parte da fundamentação apresentada pelas partes, por nem sequer ser relevante para a resolução do caso concreto, não constitui uma omissão de pronúncia.
18. O Tribunal elencou quais os factos que julgou provados e fundamentou tal julgamento.
19. O Tribunal “a quo” apreciou e decidiu bem sobre as questões que lhe foram colocadas: avaliar a verificação da responsabilidade civil de cada um dos Recorridos pelo não reembolso dos investimentos feitos pelos Recorrentes através da subscrição de determinados instrumentos financeiros.
20. Na verdade, como bem fundamentou o Tribunal “a quo” no douto despacho saneador sentença, não é imputada qualquer conduta ilícita à Ré, ora Recorrida GNB, pois os Recorrentes apenas alegaram que a Ré GNB criou e gere dois fundos, nem sequer alegaram que subscreveram qualquer um dos fundos que esta geria e não alegaram qualquer facto que relacione a Recorrida GNB e as entidades emitentes que não procederam ao reembolso dos valores investidos ou que relacione a GNB e os Recorrentes na sua decisão de proceder aos investimentos em causa.
21. Considerando a posição das partes e os documentos juntos aos autos, não resulta qualquer desconformidade entre os factos julgados como provados e a restante factualidade que o Tribunal julgou não provada.
22. Os Recorrentes não alegam, em momento algum, nas suas alegações ou na sua petição inicial, que formaram a sua decisão em investir nos instrumentos financeiros em causa por força de uma recomendação emitida pela GNB sobre os mesmos.
(…) 24. Assim, os documentos juntos com a petição inicial, apesar de serem considerados parte integrante da petição inicial, não têm o poder de suprir as lacunas que a petição inicial efetivamente enferma!
(…) 29. No caso concreto, será forçoso concluir que da Petição Inicial não se consegue retirar qualquer facto imputado à aqui Recorrida GNB (assim como aos restantes Réus) e dos quais pudesse resultar a responsabilidade extracontratual que lhe é assacada.
30. Ora, se não foram alegados factos consubstanciadores da conduta atribuída à GNB, não seria possível ou processualmente admissível que o Tribunal convidasse os Recorrentes a corrigir ou completar a Petição Inicial, o que implicaria necessariamente a alegação de factos novos.
31. Assim, o Tribunal “a quo” não estava vinculado ou obrigado a convidar os Recorrentes ao aperfeiçoamento do seu articulado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do CPC, e encontrava-se em condições de apreciar o pedido, sem necessidade de mais provas.
32. Por tudo o exposto, será forçoso concluir que a decisão recorrida não merece qualquer censura, nem viola quaisquer disposições legais, nomeadamente as invocadas pelos Recorrentes, devendo o recurso apresentado ser julgado totalmente improcedente por falta de fundamento factual e legal.
Termos em que, nos melhores de Direito,
Julgando em conformidade com a douta sentença do Tribunal “a quo”, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida”.

No despacho de admissão de recurso, a Sr.ª Juíza do Tribunal recorrido pronunciou-se a respeito das nulidades arguidas nos seguintes termos:
“No recurso interposto, invocaram os AA. que deve ser decretada a nulidade do despacho proferido nos autos que procedeu à dispensa da audiência prévia e ainda que o despacho saneador-sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação dos factos dados como não provados e como provados.
Os RR. pronunciaram-se no sentido que não se verificam as invocadas nulidades.
Apreciando:
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se verificam as invocadas nulidades alegadas pelos AA.
As partes foram ouvidas quanto à dispensa da audiência prévia, constando expressamente do despacho que convidou as mesmas a pronunciarem-se no que a tal concerne que o tribunal entendia que os autos reuniam todos os elementos para conhecer do mérito da acção, sendo que os AA. foram convidados a pronunciarem-se por escrito quanto às excepções alegadas pelos RR. nas contestações. Os AA. responderam nos termos que constam de fls 2861 e ss.
Relativamente à fundamentação da matéria de facto dada como provada, tal fundamentação consta do despacho saneador-sentença a fls 2934, tendo-se entendido que os factos ali referidos eram os relevantes para a decisão e que os demais alegados não assumiam relevo segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Nestes termos, entende-se que não se verificam as nulidades invocadas pelos AA”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece lógica):
1.ª) Extinção da instância decorrente da procedência da exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da lide quanto à primeira Ré (BES);
2.ª) “Nulidade processual do saneador-sentença” em virtude de aí se ter conhecido do mérito da causa sem realização de audiência prévia.
3.ª) “Nulidade processual do saneador-sentença” por falta de fundamentação (de facto), no tocante à “declaração e fundamentação dos factos dados como não provados e como provados”;
4.ª) Nulidade do saneador-sentença decorrente da falta de análise dos factos alegados e da prova documental constantes da Petição Inicial e da que haveria de resultar do requerimento probatório de 7 de março de 2018 apresentado pelos Apelantes;
5.ª) Oportunidade do conhecimento do mérito da causa no saneador (se, no lugar deste, deveria ter sido proferido despacho de enunciação dos temas da prova ou, pelo menos, de convite ao aperfeiçoamento da Petição Inicial).

1.ª questão – Extinção da instância por inutilidade/impossibilidade da lide quanto à primeira Ré (em virtude da sua insolvência)
Vejamos a fundamentação da decisão recorrida, a este respeito:
Veio o R. Banco Espírito Santo, SA, em Liquidação requerer que seja declarada extinta a instância por inutilidade da lide no que ao mesmo concerne, invocando, em síntese, que, por deliberação de 13.07.2017, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade do Banco Espírito Santo, SA.
Tal decisão de revogação da autorização produz os efeitos da declaração de insolvência, tendo, na sequência da mesma, o Banco de Portugal requerido a liquidação judicial do BES.
Nos termos do disposto nos artºs 90º e 128º do CIRE, qualquer credor que pretenda ver satisfeito o seu crédito tem de reclamá-lo no processo de insolvência/liquidação e, à luz da doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014, com a declaração de insolvência torna-se inútil a acção declarativa do credor destinada a obter a reconhecimento de um crédito sobre a massa insolvente.
Concluiu que deve ser declarada extinta a instância nos termos e para os efeitos do disposto no artº 277º, alínea e), do C.P.Civil.
Os Autores opuseram-se ao requerido com os fundamentos que explanam de fls 2861 a 2864, invocando, em síntese, que na pendência dos presentes autos, não ocorreu qualquer facto de que tenha resultado o desaparecimento do objecto da acção. Sustentaram que sem que haja despacho do tribunal relativo à liquidação judicial não faz sentido falar-se de efeitos de declaração da insolvência e que aquando da propositura da presente acção o despacho de prosseguimento da liquidação judicial do “BES” não tinha transitado em julgado.
Alegaram ainda que existe um interesse pertinente dos autores no prosseguimento da presente acção e nada estipulando o Dec. Lei nº 199/2006 e o CIRE em sentido contrário, não se afigura possível que o Tribunal, por sua iniciativa, possa declarar inútil a presente lide e extinguir a instância.
*
Cumpre decidir e com relevância para a decisão, face aos documentos de fls 389 a 390v, encontram-se provados os seguintes factos:
1- Por decisão do BCE, de 13/07/2016, foi revogada a licença de exercício da actividade bancária ao BES;
2- O Banco de Portugal requereu a liquidação do BES junto da …ª Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa;
3- Por decisão de 21/07/2016, proferida no processo …/… da …ª secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, foi ordenado o prosseguimento da liquidação do BES;
4- Não foi apresentado recurso da decisão do BCE que decidiu revogar a licença de exercício da actividade bancária ao BES.
*
Resulta do disposto no artigo 4º, nº1, alínea a) do Regulamento (EU) nº 1024/2013 do Conselho, de 15/10/13, que o Banco Central Europeu tem competência para revogar autorização do exercício de actividade de instituição bancária.
A liquidação é a consequência da revogação da autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito e de acordo com o disposto no artº 8º, nº1, do DL 199/2006, de 25/10, esta faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e a decisão de revogação da autorização produz os efeitos da declaração de insolvência.
Não tendo existido, nos termos do art. 263º do T.F.U.E., impugnação da decisão do B.C.E. para o T.J.U.E., a decisão que determina os efeitos da insolvência é definitiva.
Sobre os efeitos gerais limitativos da declaração de insolvência em relação ao insolvente rege o art. 81º, nº1, do Dec. Lei nº 53/2004, de 18 de Março – CIRE -, que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – nº 4 do artigo supra citado.
Assim, em consequência da declaração de insolvência de uma sociedade, os seus órgãos estatutários ficam privados do poder de disposição e de administração do respectivo património presente ou futuro, o que consubstancia uma limitação decorrente do facto de, declarada a insolvência, ser o interesse dos credores que fica em causa, com o que se esbate a autonomia do insolvente em relação ao seu património, que juridicamente se transmuta na massa insolvente, limitação esta que se funda na ideia resultante de uma avaliação objectiva da incapacidade revelada pelo insolvente na conveniente gestão do seu património. Esta limitação é estabelecida no interesse dos credores, no sentido de que o insolvente não pode praticar actos efectiváveis sobre os bens da massa insolvente ou à custa deles, enquanto tal massa insolvente subsistir, e ela subsiste até que seja extinta ou até que os créditos em causa sejam realizados.
Com efeito, nos termos do artº 81º, nº 1, do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
Declarada a insolvência são considerados credores da insolvência todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrados na massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração – cfr artº 47º, nº1, do CIRE.
Estabelece o nº 4 deste normativo as classes de créditos sobre a insolvência:
“a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) ‘Comuns’ os demais créditos.”
O artº 50º do CIRE define ainda uma espécie de créditos que é às classes de créditos supra referidas: créditos sob condição.
De acordo com o disposto neste artigo, na redacção dada pela Lei 16/2012, de 20/04:
“1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.
A finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art. 1.º /1 do CIRE – postula a observância do princípio par conditio creditorum, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes susceptíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes.
Logo, quanto aos efeitos processuais da insolvência sobre as acções pendentes há que atender ao disposto nos arts. 85º a 89º do CIRE. E dispõe o artº 85º, nº 1 que “declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Resulta deste preceito que todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, são apensadas ao processo de insolvência, bem como as acções de natureza exclusivamente patrimonial, desde que a apensação seja requerida pelo administrador de insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo. E de acordo com o nº 2 do mesmo preceito são também apensados todos os processos nos quais tenha sido efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens do insolvente.
Afirma-se, assim, o regime da plenitude da instância falimentar em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa.
Qualquer acção declarativa, designadamente a que vise o reconhecimento de um direito de crédito e a condenação de quem foi declarado insolvente a pagar, tem indirectamente a ver com os bens apreendidos para a massa falida.
Neste sentido foi proferido o Acórdão UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA nº 1/2014, publicado em Diário da República de 25.02.2014 - Acórdão STJ - com a seguinte síntese decisória:
«Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C».
Declarada a insolvência, vencem-se imediatamente todas as obrigações do insolvente e abre-se a fase de convocação de credores, que devem reclamar os seus créditos dentro do prazo fixado na sentença (artº 91º e 128º nº 1 do CIRE)
Essa reclamação de créditos tem carácter universal, abrangendo todos os créditos existentes sobre o insolvente à data da declaração da insolvência (artºs 47º nº 1 e 128º do CIRE) independentemente do fundamento do crédito e da qualidade do credor. Aliás, nos termos do artº 90º do CIRE, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o que dispõe o CIRE e durante o processo da insolvência.
De tudo o exposto conclui-se que, após o trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência do devedor, deixa de ter interesse o prosseguimento da acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.
De acordo com o artº 88º do CIRE, com a declaração de insolvência, a sentença que viesse a ser proferida não poderia sequer ser executada.
Mesmo que os autores nesta acção obtivessem o reconhecimento judicial do seu pedido na acção pendente, que passa pela condenação do réu BES a pagar-lhes uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil, a respectiva sentença, valendo apenas inter partes, mais não constituiria do que um documento para instruir o requerimento da reclamação/verificação de créditos (art. 128.º nº 1do CIRE), não dispensando os autores de reclamarem o seu crédito no processo de insolvência, nem os isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter de aí fazer toda a prova relativa à sua existência e conteúdo.
Na verdade o facto do crédito dos autores ser objecto de uma eventual sentença condenatória definitiva nestes autos, não impede de o mesmo vir a ser impugnado, como se alcança do disposto no art. 130º do CIRE.
Então, como se referiu, mesmo com sentença condenatória nestes autos, caso o crédito seja impugnado, os aqui autores não estão dispensados de produzir prova relativamente ao mesmo no âmbito do processo de insolvência, como se retira do disposto nos arts. 134º, 25º nº 2, 137º e 139º do CIRE.
Se o crédito reclamado na insolvência aí não for impugnado então será considerado verificado e graduado conforme consta da lista de credores reconhecidos, nos termos do art. 130º nº 3 do CIRE, de nada relevando o facto de, nestes autos declarativos, ter havido sentença condenatória e independentemente do montante da condenação.
O Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ supra referido não “perdeu a validade”, continuando a aplicar-se às acções declarativas que visam a condenação da insolvente no pagamento de quantias pecuniárias, como sucede in casu – cfr neste sentido, entre outros, Acs RL de 27/04/2017, relatora: Ondina Alves, de 07/03/2017, relatora: Carla Câmara, de 07/03/2017, relator: Luís Filipe Sousa, os quais podem ser consultados in www.dgsi.pt/jtrl.
Considerando que a presente acção foi instaurada em 24 de Agosto de 2017, ou seja, após a revogação pelo BCE da licença para o exercício da actividade bancária pelo BES, verifica-se uma situação de impossibilidade originária da lide, a qual se traduz numa excepção dilatória inominada, com a consequente absolvição da instância - art. 576º, nºs 1 e 2, e 577º, nº 1, do Código de Processo Civil – cfr neste sentido Ac. da Rel de Guimarães de 15/03/2018, relator: José Flores, o qual pode igualmente ser consultado in www.dgsi.pt/jtrl.

Pretendem os Apelantes a revogação desta decisão, pelos argumentos condensados nas conclusões que acima citámos. Defendem que, como o despacho de prosseguimento de liquidação judicial do BES ainda não tinha transitado em julgado na data em que foi intentada a presente ação, esta encontra-se sujeita à previsão do art. 85.º do CIRE, aplicável ex vi do artigo 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 199/2006, e que, como a Comissão Liquidatária não exerceu a faculdade de requerer a apensação dos presentes autos ao processo de liquidação judicial do BES, os Apelantes tiveram que reclamar os seus créditos no âmbito do processo de liquidação judicial – o que fizeram –, ficando, nesta sede, o crédito sujeito a condição suspensiva, ao abrigo do disposto no artigo 50.º do CIRE.
Mais sustentam ser a presente ação o meio idóneo para dirimir o litígio em causa, tendo em conta que a ação foi proposta em litisconsórcio voluntário passivo, possibilitando aos Apelantes verem reconhecido o seu direito, não tendo de discutir a existência do mesmo em sede de impugnação judicial no âmbito do processo de liquidação judicial do BES ou, pelo menos, beneficiarem do facto de a impugnação judicial do crédito pela Comissão Liquidatária ou demais credores ficar mais difícil.
Os Apelados defendem o contrário, considerando que deve manter-se a decisão recorrida.
Desde já adiantamos que a razão está do lado destes últimos.
Está provado que o Banco Central Europeu, em 13 de julho de 2016, revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), para o exercício de atividade bancária. E que não foi apresentado recurso da decisão do BCE que decidiu revogar a licença de exercício da atividade bancária ao BES.
Como é consabido, não obstante a competência para a revogação da autorização das instituições de crédito caber atualmente ao Banco Central Europeu, ao regime de liquidação das instituições de crédito nacionais continua a ser aplicável o disposto no Decreto-Lei nº 199/2006, de 25 de outubro. Logo, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 8.º deste diploma legal, a aludida revogação da autorização do BES produz os efeitos da declaração de insolvência e determina a entrada em liquidação desta instituição.
O Banco de Portugal requereu junto da ….ª Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa a liquidação judicial do BES e propôs a nomeação de uma Comissão Liquidatária, o que veio a ser deferido por despacho de prosseguimento da liquidação.
O referido Decreto-Lei n.º 199/2006 regula especificamente a liquidação das instituições de crédito, dispondo o n.º 3 do artigo 9.º que “são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do presente decreto-lei, com exceção dos títulos IX e X”, pelo que haverá que articular as disposições dos dois diplomas no processo de liquidação do BES.
Ora, os Apelantes parecem fazer tábua rasa deste facto crucial e respetivo efeito jurídico: a decisão do Banco Central Europeu de revogação da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito do Banco BES, S.A., da qual não foi interposto recurso nas competentes instâncias europeias (nem os Apelantes alegam e, muito menos, comprovam, que o tenha sido), produz os efeitos da declaração de insolvência.
Portanto, a insolvência da primeira Ré, Banco BES, S.A. é um facto incontornável, sendo irrelevante, para o caso, saber se transitou ou não em julgado o despacho que ordenou o prosseguimento da liquidação requerida pelo Banco de Portugal, ao abrigo do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25-10, e que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa (processo n.º .../…).
Esse processo está pendente (nem os Apelantes alegam e, muito menos, comprovam que esteja findo) e já estava pendente à data da propositura da presente ação. Logo, a conclusão inevitável é a de que apenas nesse processo, mais precisamente através da reclamação de créditos aí apresentada, devem os Autores/Apelantes fazer valer o direito de crédito (a indemnização) a que se arrogam, fundado em responsabilidade civil. Aliás, sintomático disso mesmo é a circunstância de não ter ocorrido a apensação prevista no art. 85.º do CIRE.
A jurisprudência que citam (acórdãos de 2007 e 2008) não reveste, como é óbvio, força persuasiva superior à que decorre do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8 de maio de 2013, que mantém a sua atualidade, não se podendo, no caso em apreço, retirar o contrário da atual redação do art. 50.º do CIRE, atinente aos créditos sob condição, até porque, de forma alguma, se poderá considerar que o crédito invocado pelos Autores e reclamado na insolvência é um crédito sob condição, com o sentido previsto nessa norma (a sua constituição ou subsistência não está dependente da verificação ou não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força de decisão judicial a proferir na presente ação).
Este entendimento vem sendo de forma reiterada seguido em casos semelhantes, inclusivamente pelo Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se, por exemplo, o acórdão de 22-11-2018, proferido no processo n.º 4144/17.1T8LSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário citamos, pelo seu interesse:
I. A instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide, quando uma ocorrência processual torna a instância desnecessária.
II. As instituições de crédito não estão subordinadas, sem mais, às regras atinentes à responsabilidade patrimonial, decorrentes do art.º 601º do Código Civil quando está em causa, nomeadamente, a violação de regras prudenciais e a impossibilidade de satisfazer as suas obrigações, tendo havido a preocupação de diferenciar as instituições de crédito, neste contexto da responsabilidade patrimonial, de outras entidades particulares que exercem uma actividade lucrativa.
III. As instituições de crédito, têm, no âmbito da responsabilidade patrimonial, concretamente, nas enunciadas circunstâncias de violação de regras prudenciais e a impossibilidade de satisfazer as suas obrigações, um regime próprio, um regime especial, que importa, necessariamente, a intervenção do Banco Central Europeu, cujo escopo, além do mais, contende com o controlo e supervisão das entidades que, no espaço da União, exercem a actividade bancária, outrossim, remetendo a respectiva liquidação, no caso que nos interessa, enquanto Estado Membro, para o Banco CC, enquanto órgão de supervisão do sistema bancário nacional.
IV. A decisão de revogação da autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito, sem qualquer impugnação contenciosa, e sequente requerimento de liquidação, levado a cabo pelo Banco CC, produz os efeitos de insolvência.
V. Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, durante o processo de insolvência, o que significa que, para obterem a satisfação dos seus direitos, terão que reclamar o seu crédito, nos termos do art.º 128º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas [CIRE], donde a ausência de qualquer interesse no prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência,
VI. A reconhecida ausência de interesse no prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, foi declarado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8 de Maio de 2013”.
Na mesma linha, veja-se ainda o acórdão do STJ de 29-01-2019, proferido no processo n.º 18366/16.9TBLSB,L2-A.S2, disponível em www.dgsi.pt, que considerou, num caso próximo do que nos ocupa, não merecer censura a decisão no que respeita à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC. Do respetivo sumário, em que consta uma síntese da argumentação, salientamos a seguinte passagem: “A revogação da autorização para o exercício da actividade bancária de que foi alvo o BB, equivale à declaração de insolvência do Banco, razão pela qual, por força do disposto no art. 90º do CIRE, apenas no processo de insolvência e de acordo com os meios processuais previstos na lei insolvencial, podem os credores da insolvência exercer os seus direitos na pendência deste processo, devendo aí reclamar os seus créditos – art. 128º, nº1, do CIRE: ao processo insolvencial têm de acorrer todos os credores do insolvente, mesmo os que disponham de sentença definitiva que reconheça os seus créditos, razão por que não se vislumbra que, estando em causa o incumprimento de um contrato de intermediação financeira em relação ao qual os Autores formulam pedido pecuniário a título de indemnização, a acção devesse prosseguir contra o BB em fase de liquidação”.
Também a jurisprudência dos Tribunais da Relação tem sido pacífica a este respeito, destacando-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão da Relação de Guimarães de 05-04-2018, no processo 1246/16.5T8VRL.G1, e os acórdãos da Relação de Lisboa de 11-05-2017, no processo n.º 31411/15.6T8LSB.L1-8, e 28-11-2017, no processo n.º 5436/16.2T8LSB.L1-7, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Nem a circunstância de existir um litisconsórcio, tanto mais, voluntário, poderá justificar algum desvio à referida solução, conforme também vem sendo reiteradamente reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores. Neste sentido, considerando que o facto de o devedor insolvente ter sido demandado juntamente com outras pessoas ou entidades, a quem tenha sido imputada responsabilidade solidária não constitui exceção ao princípio consagrado no AUJ n.º 1/2014, veja-se o acórdão da Relação do Porto 29-02-2016, no processo 204654/09.1YIPRT-A.P1, e o acórdão da Relação de Lisboa de 30-03-2017,  no processo n.º 33945/15.3T8LSB-A.L1-2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
A única dúvida poderá ser se faz sentido falar-se em inutilidade superveniente, conforme se decidiu nos referidos acórdãos do STJ, ou impossibilidade originária, como entendeu o Tribunal recorrido, que considerou, assim, verificada uma exceção dilatória inominada.
Parece-nos que tal depende da data da propositura da presente ação, tendo presente que do aludido ato do Banco Central Europeu cabia recurso, cujo prazo ainda não tinha terminado, para o Tribunal Geral da União Europeu, atento o disposto nos artigos 256.º e 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Se, à data da propositura da ação, essa decisão, equivalente à de insolvência da primeira Ré, já não admitisse recurso, poder-se-ia considerar verificada a referida exceção dilatória inominada ou, dado que até já se encontrava pendente o processo de liquidação judicial, que se verificava um insanável erro na forma de processo, que importaria nulidade processual no tocante àquela Ré, o que também constitui uma exceção dilatória conducente à absolvição da mesma da instância, nos termos conjugados dos artigos 193.º, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al. b), do CPC. A absolvição da instância redunda numa extinção da instância – cf. artigos 277.º, al. a), e 261.º, n.º 2, ambos do CPC.
A ter sido na pendência da presente ação que terminou o prazo para interpor recurso daquela decisão do BCE (como parece extrair-se dos factos provados, à luz dos referidos artigos do TFUE), então é de concluir pela inutilidade superveniente da lide, o que determina a extinção da instância – artigos 277.º, al. e), do CPC.
Contrariamente ao que invocam os Apelantes, esta interpretação normativa não é ilegal, nem pode ser considerada inconstitucional, não se verificando qualquer violação do direito de acesso aos tribunais ou a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 2.º do CPC e no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, os Apelantes podem fazer valer o direito a que se arrogam através da reclamação de créditos apresentada no processo de liquidação judicial em curso, como, aliás, dizem ter feito, só aí podendo ser apreciada a pretensão deduzida, no confronto com outros credores e com a Comissão Liquidatária, não sendo correto afirmar que não terão de discutir a existência do crédito em sede de impugnação judicial no âmbito do processo de liquidação judicial do BES.
Acresce que nenhuma verdadeira e efetiva utilidade poderiam os Apelantes retirar da (eventual) prolação de decisão judicial de procedência da presente ação relativamente à primeira Ré, pois está definitivamente arredada a possibilidade de fazer executar uma tal decisão, considerando a insolvência daquela Ré e a pendência do referido processo de liquidação judicial. Evidentemente, não podem os Apelantes esperar que os Tribunais estejam a dirimir litígios, produzindo decisões insuscetíveis de serem executadas e que apenas serviriam, quando muito (e até isso é duvidoso que pudesse suceder), para tornar mais difícil a impugnação judicial do crédito pela Comissão Liquidatária ou demais credores.
Em conclusão: a tese dos Apelantes não pode ser acolhida, por assentar numa desconsideração dos efeitos da insolvência da primeira Ré e numa insustentável interpretação normativa, contrária à interpretação feita pelo STJ no referido acórdão uniformizador e reiterada na jurisprudência recente deste Tribunal superior e das Relações.
Assim sendo, inevitável é concluir que os autos não podem prosseguir contra a primeira Ré, pelo que não há razão para revogar a decisão que julgou extinta a instância relativamente à mesma.

2.ª questão – “Nulidade processual do saneador sentença” decorrente do conhecimento do mérito da causa sem audiência prévia
Defendem os Apelantes que “o saneador-sentença, ao conhecer, de imediato, o mérito da causa, sem realização de audiência prévia, fez um uso indevido do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 595.º do CPC, em violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição das decisões-surpresa), do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, e ainda do direito a um processo justo e equitativo, todos previstos nos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 1, 591.º, n.º 1, b) do CPC, e artigo 20.º da CRP, razão pela qual enferma de nulidade processual e deverá ser anulado nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC”.
Se bem percebemos, pretendem arguir a nulidade da decisão recorrida, isto é, do saneador-sentença, em virtude de no mesmo se ter conhecido do mérito da causa sem prévia realização da audiência prévia. Ou seja, invocam a verificação de uma nulidade processual - a omissão de um ato, a audiência prévia, cuja realização a lei prevê, no art. 591.º do CPC -, com a subsequente nulidade/anulação da decisão recorrida/saneador-sentença, na parte em que conheceu do mérito da causa – art. 195.º do CPC.
Os Apelados sustentam o contrário, referindo mesmo a segunda Ré que, a existir nulidade processual, estaria sanada, por não ter sido oportunamente arguida.
O Tribunal recorrido manteve a decisão recorrida, por entender que “não se verificam as invocadas nulidades alegadas pelos AA.
As partes foram ouvidas quanto à dispensa da audiência prévia, constando expressamente do despacho que convidou as mesmas a pronunciarem-se no que a tal concerne que o tribunal entendia que os autos reuniam todos os elementos para conhecer do mérito da acção, sendo que os AA. foram convidados a pronunciarem-se por escrito quanto às excepções alegadas pelos RR. nas contestações. Os AA. responderam nos termos que constam de fls 2861 e ss.”
Apreciando.
Como é consabido, no Código de Processo Civil consagrou-se, para o processo declarativo comum, a regra da obrigatoriedade da audiência prévia – cf. artigos 591.º, 592.º e 593.º, do CPC. A Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (PL 521/2012, de 22-11-2012), na génese da Lei n.º 41/2013, que aprovou aquele Código, é particularmente elucidativa a este respeito, mormente nas seguintes passagens:
“Há um manifesto investimento na audiência prévia, entendida como meio essencial para operar o princípio da cooperação, do contraditório e da oralidade. Tem-se presente que a audiência preliminar, instituída em 1995/1996, ficou aquém do que era esperado, mas há também a convicção de que, além da inusitada resistência de muitos profissionais forenses, certos aspectos da regulamentação processual acabaram, eles próprios, por dificultar a efetiva implantação desta audiência no quotidiano forense.
(…) A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados.
(…) Numa perspetiva de flexibilidade, mas nunca descurando a assinalada visão participada do processo, prevê-se que o juiz, em certos casos, possa dispensar a realização da audiência prévia. Nessa hipótese, o juiz proferirá despacho saneador, proferirá despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, programando e agendando ainda os actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua provável duração”.
Há que distinguir os casos de não realização de audiência prévia dos casos de dispensa. Nos primeiros, avulta a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 592.º: a audiência prévia não se realiza quando “havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados”.
Já o artigo 593.º, n.º 1, regula os casos de dispensa, preceituando que “(N)as ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e), e f) do n.º 1 do artigo 591.º.”
Ora, com a decisão recorrida, o processo findava pela procedência de exceção dilatória (nos termos acima referidos) e com o conhecimento imediato do mérito da causa, pelo que, à luz dos citados normativos, não podia ter sido dispensada a audiência prévia.
Não era caso de “não realização da audiência prévia”, nos termos do art. 592.º, n.º 1, al. b), e tão pouco podia ser dispensada a audiência prévia, já que a mesma não se destinaria apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art. 591.º do CPC. Pelo contrário, a audiência destinar-se-ia a facultar às partes a discussão nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do art. 591.º.
No entanto, não está vedada a possibilidade de desvio à descrita tramitação legal (obrigatoriedade da realização da audiência prévia), quando as especificidades da causa o justifiquem, ao abrigo dos deveres de adequação formal e gestão processual (artigos 547.º e 6.º do CPC), com a prévia audição das partes, para que se possam previamente pronunciar sobre a conveniência da adequação da tramitação processual.
É, aliás, conhecida a jurisprudência da Relação de Lisboa a este respeito. A título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão de 09-10-2014, no processo n.º 2164/12.1TVLSB.L1-2, cujo sumário, pelo seu interesse se passa a citar:
“I. Se, em ação contestada, de valor superior a metade da alçada da Relação, o juiz entende, finda a fase dos articulados e do pré-saneador, que o processo deverá findar imediatamente com prolação de decisão de mérito, deverá convocar audiência prévia, a fim de proporcionar às partes prévia discussão de facto e de direito.
II. A não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só será possível no âmbito da gestão processual, a título de adequação formal (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do CPC), se porventura o juiz entender que no processo em causa a matéria alvo da decisão foi objeto de suficiente debate nos articulados, tornando dispensável a realização da dita diligência, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio; tal opção carecerá, porém, de prévia auscultação das partes (cfr. art.º 6.º n.º 1 e 3.º n.º 3 do CPC).
III. A prolação de decisão final de mérito em saneador-sentença, com dispensa de audiência prévia, assente tão só na asserção de que “o estado dos autos permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação do mérito da causa”, desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso, implicando a revogação da decisão que dispensou a convocação da audiência prévia e a consequente anulação do saneador-sentença proferido.” - disponível em www.dgsi.pt
No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão de 05-05-2015, no processo n.º 1386/13.2TBALQ.L1-7, e, mais recentemente, o acórdão de 08-02-2018, no processo n.º 3054-17.7T8LSB-A.L1-6, ambos também disponíveis em www.dgsi.pt
Ora, o Tribunal recorrido, invocando precisamente o dever de gestão processual, começou por convidar os Autores a responderem, querendo, às exceções deduzidas nas Contestações. E depois, invocando igualmente o dever de gestão processual e explicitando que se considerava já habilitado a conhecer do mérito da causa, determinou que as partes fossem notificadas para se pronunciarem sobre a eventual dispensa de audiência prévia e, na afirmativa, para apresentarem alegações escritas.
As partes corresponderam a este convite, pronunciando-se por escrito. Os Autores manifestaram interesse na realização da audiência prévia, discordando da sua não realização. Porém, perante a decisão em contrário do Tribunal, não vieram reagir, interpondo recurso dessa concreta decisão e pugnando pela realização da audiência prévia, antes se limitaram a arguir uma nulidade processual, nos termos acima referidos.
Ora, o meio próprio para reagir contra as nulidades processuais cobertas por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou (ainda que só de modo implícito) o respetivo ato ou omissão é o recurso desse despacho (na lição de Manuel de Andrade, explicando que se trata da “doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se”, in “Noções elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 183). Não estando a nulidade a coberto de decisão judicial (despacho), a mesma deve ser arguida, mediante reclamação, nos termos e prazo do art. 199.º do CPC.
Logo, improcede a arguição de nulidade processual, pois os Autores podiam ter recorrido da decisão que dispensou a realização da audiência prévia, mas não o fizeram, como se infere pela economia das conclusões da sua alegação de recurso, em que os Apelantes não pedem a revogação do despacho que dispensou a realização da audiência prévia e a sua substituição por decisão que a convoque.
Ainda que, por mera hipótese, assim não se entenda e se considere que também dessa concreta decisão pretenderam recorrer, a verdade é que, nos presentes autos, admitindo-se que efetivamente a audiência prévia apenas se destinaria à discussão de facto e de direito nos termos do art. 591.º, n.º 1, al. b), do CPC, já tendo os Autores respondido às exceções arguidas nas Contestações e tendo as partes alegado por escrito, não se mostrava necessária a realização de audiência prévia, sendo processualmente adequada a sua dispensa.
Não sendo caso para revogar ou anular o despacho que dispensou a audiência prévia, também não será possível, por essa razão e ao abrigo do art. 195.º, n.º 2, do CPC (aplicável diretamente ou, por analogia, no caso de revogação), a subsequente anulação do saneador-sentença.
Acresce a falta de razão dos Apelantes quando defendem que a decisão recorrida (saneador-sentença) é uma decisão surpresa, que viola o princípio do contraditório, consagrado no art. 3.º, n.º 3, do CPC. Com efeito, no presente processo foi cumprido o contraditório, como se impunha, pois as partes foram clara e expressamente informadas sobre a intenção/possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa no despacho saneador. Se o não tivessem sido, compreender-se-ia se os Apelantes viessem arguir a nulidade da decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (por o juiz ter conhecido de questões de que não podia então conhecer), mas, como vimos, os Apelantes nem sequer invocaram uma tal nulidade da decisão recorrida.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade, improcedendo neste particular as conclusões da alegação de recurso.

3.ª questão – “Nulidade processual do saneador-sentença”, por falta de fundamentação, no tocante à “declaração e fundamentação dos factos dados como não provados e como provados”
Sustentam os Apelantes que o saneador-sentença, na parte em que conheceu o mérito da causa, omitiu por completo a descrição dos factos considerados não provados e a especificação dos meios de prova determinantes para sustentar a convicção do juiz, verificando-se uma omissão a dois níveis: na falta de declaração dos factos não provados e na falta da sua fundamentação.
Alegam que o juiz, ao abster-se de discriminar e analisar criticamente os factos considerados como não provados, violou os princípios processuais e constitucionais vigentes consagrados no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e nos artigos 154.º, e 607.º, n.º 4, do CPC, razão pela qual o saneador-sentença enferma de nulidade processual e deve ser anulado, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, bem como os respetivos termos subsequentes à decisão viciada, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal.
Mais sustentam que o tribunal a quo, ao não indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, omitindo o processo lógico e racional seguido para chegar à decisão de facto proferida, omitiu a fundamentação dos factos considerados como provados, ou seja, as formalidades exigidas pelos artigos 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 4, do CPC, em violação destas normas jurídicas, bem como do disposto no artigo 205.º da CRP, razão, pela qual, o saneador-sentença deverá ser anulado ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC.
Os Apelados defendem que não se verifica uma tal nulidade ou a violação dos indicados preceitos legais, pelo que deverá manter-se a decisão recorrida.
No despacho de admissão do recurso, o Tribunal a quo considerou que não se verifica a nulidade invocada, porquanto “(R)elativamente à fundamentação da matéria de facto dada como provada, tal fundamentação consta do despacho saneador-sentença a fls 2934, tendo-se entendido que os factos ali referidos eram os relevantes para a decisão e que os demais alegados não assumiam relevo segundo as várias soluções plausíveis de direito”.
Desde já adiantamos que não assiste razão aos Apelantes.
É bem certo que, no saneador-sentença, o juiz deve, quando seja caso disso, declarar quais os factos que julga (plenamente) provados, mas não já os factos que julga não provados, muito menos devendo/podendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (isto é, apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto), nos termos do art. 607.º, n.ºs 4 e 5. Nem estes preceitos legais, nem a jurisprudência citada pelos Apelantes têm qualquer cabimento quando se trata de “saneador-sentença”.
Na verdade, não podemos confundir uma decisão de mérito proferida na fase do saneamento com uma decisão de mérito/sentença proferida após a audiência final. Na primeira, o Tribunal deverá limitar-se a elencar os factos tidos por relevantes (factos essenciais, em sentido amplo, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as exceções invocadas – cf. art. 5.º do CPC) que estão plenamente provados (admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão).
Criticam os Apelantes a decisão recorrida pela escassez de factos que foram considerados provados, numa petição inicial de mais de 600 artigos. Porém, além de ser irrelevante para o caso o n.º de artigos da Petição Inicial, peça processual que é, sem dúvida, prolixa, a verdade é que os Apelantes não cuidaram, nas conclusões da sua alegação de recurso, de identificar quaisquer outros factos que, na sua perspetiva, sejam relevantes para a decisão da causa e que estejam provados.
Se o Tribunal entendeu - bem ou mal, isso é outra questão - que não existiam, além dos factos que elencou, outros factos juridicamente relevantes para a decisão do mérito da causa, ainda que muitos outros estivessem alegados nos articulados, obviamente não tinha que os considerar, fosse onde fosse, muito menos apreciar a prova livre.
Seria também um exercício inútil estar, no saneador-sentença a elencar factos não provados, logo proibido, atento o princípio da limitação dos atos – cf. art. 130.º do CPC.
Ademais, relativamente a factos plenamente provados, não opera o princípio da livre apreciação da prova, estando vedada a formação de convicção do juiz.
No saneador-sentença recorrido encontram-se especificados os fundamentos de facto e de direito que, segundo o tribunal a quo, justificaram a decisão de mérito, sendo certo que os Apelantes nem sequer arguiram a nulidade dessa decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), mas uma nulidade processual, que, claramente, não se verifica pelas razões invocadas.
Não se mostrando violados os invocados normativos legais, nem se verificando a nulidade em apreço, improcedem, pois, as conclusões da alegação neste particular.

4.ª questão – Nulidade do saneador sentença por falta de análise dos factos alegados e da prova documental constantes da Petição Inicial e da que haveria de resultar do requerimento probatório de 7 de março de 2018
Sustentam os Apelantes que “o tribunal não poderia – como fez – ter considerado que não foram alegados factos concretos e essenciais para a decisão da causa e decidido, sem analisar a prova produzida, e de forma simplista e prematura, absolver, em sede de saneador-sentença, os Recorridos dos pedidos, com base numa pretensa falta de concretização dos factos, para assim poder concluir pela improcedência do pedido dos Recorrentes”.
E que, ao fazê-lo, “o tribunal recorrido violou, assim, o disposto no artigo 20.º da CRP e nos artigos 6.º, n.º 1 e 2, 411.º, 413.º, 595.º, n.º 1, alínea b), artigos 607.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 do CPC, razão pela qual o saneador-sentença deverá ser anulado, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e deverão os autos prosseguir os seus termos até final, com seleção da matéria de facto provada e a provar, com os temas de prova, e posterior realização da audiência de julgamento, relegando para final, após apuramento da factualidade necessária, a decisão sobre os pedidos dos Recorrentes”.
Temos alguma dificuldade em destrinçar esta nulidade da anteriormente apreciada. Os Apelantes parecem pretender, desta forma, arguir a nulidade do saneador-sentença, sem, todavia, a reconduzirem a nenhuma das situações expressamente previstas no art. 615.º do CPC. Como invocam a violação do disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, somos levados a pensar que estão a arguir a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 2 do CPC, ou seja, decorrente da falta de pronúncia do Tribunal recorrido sobre questões que devesse apreciar. Essa foi também a conclusão da terceira Ré, respondendo, na sua contra-alegação, que “ao contrário do que os Recorrentes alegam, o normativo não se refere aos factos alegados pelas partes, mas à causa de pedir e às exceções invocadas, algumas das quais terá o dever de conhecer oficiosamente”.
Adiante reproduziremos a fundamentação da decisão recorrida, na parte em que conheceu do mérito da causa, mas, desde já, salientamos que a mesma procurou dar resposta à questão de saber se a 2.ª e a 3.ª Rés e o 4.º Réu poderiam vir a ser responsabilizados pelo pagamento aos Autores da quantia peticionada.
O Tribunal a quo considerou que, face aos factos substantivamente relevantes que já se encontravam plenamente provados (acima descritos) e aos demais factos alegados, independentemente de estarem ou poderem vir a ser considerados provados (com base na prova documental constante dos autos ou na restante prova que viesse a ser produzida) a resposta a essa questão não podia deixar de ser negativa. E, por isso, considerou prejudicado o conhecimento das exceções.
Perante uma tal conclusão, obviamente não podia o Tribunal recorrido estar a analisar os inúmeros documentos juntos aos autos, nos vários volumes, para dos mesmos poder (eventualmente) extrair factos (meramente complementares, concretizadores ou instrumentais dos factos essenciais que já deveriam ter sido alegados – cf. art. 5.º do CPC) que também pudessem ser considerados na decisão. Muito menos estar a antecipar a possibilidade de virem a ser provados tais factos, por via do aludido requerimento probatório, que não cumpria apreciar. É que, pura e simplesmente, não se avançaria para a fase da instrução.
Coisa diferente, e que nada tem a ver com a nulidade da decisão recorrida, é a de saber se foi acertado o juízo do Tribunal recorrido quanto à oportunidade de conhecimento do mérito da causa no saneador. Trata-se, pois, de saber se existiu, a esse respeito, um erro de julgamento, o que iremos de seguida apreciar.
Porém, face à fundamentação de facto e de direito constante do saneador-sentença, não se verifica a invocada nulidade.

5.ª questão - Se os autos já continham (ou não) os elementos necessários para conhecer do mérito da causa no saneador.
 Trata-se, pois, de apreciar se a Petição Inicial continha uma alegação fáctica suficiente para a procedência da ação, como defendem os Apelantes, ou se estamos perante uma situação de manifesta improcedência, conforme considerou o Tribunal recorrido. Uma terceira possibilidade se coloca, avançada ainda pelos Apelantes, a de estarmos perante uma petição deficiente, mas passível de aperfeiçoamento.
Haverá que analisar aquele articulado, conjugando-o também com as Contestações apresentadas pelas 2.ª e 3.ª Rés e pelo 4.º Réu, em ordem a decidir se foi prematuro o conhecimento do mérito da causa no saneador.
Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no seu “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 659, “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.
Tal pode acontecer por inconcludência do pedido (…), procedência ou improcedência de exceção perentória (…) e procedência ou improcedência do pedido.
Este conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa”.
Estes autores, no Volume 1.º, da mesma obra, explicam em que consiste a inconcludência jurídica, referindo-se-lhe como a “situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da ação.” Reconhecendo, porém, que a fronteira entre a ineptidão da petição inicial e a inconcludência é difícil de estabelecer (cf. obra citada, 4.ª edição, pág. 376).

Vejamos, por partes, a fundamentação de direito desta decisão, começando pelo que diz respeito à 2.ª e à 3.ª Rés.
“Atento o invocado pelos AA., cumpre começar por apreciar se, face a tal invocação, o R. Haitong Bank, S.A, poderá vir a ser responsabilizado pelo pagamento aos mesmos das quantias peticionadas.
Sustentaram na petição inicial que a actuação do mesmo R. configura participação num esquema fraudulento, o qual foi desenvolvido pelo R. através da comercialização de dívida emitida pelas entidades integradoras do grupo GES, nomeadamente, através da ocultação de passivos e da sobrevalorização de activos.
Como se refere na sentença proferida na Acção de Processo Comum nº 21130/16.1T8LSB desde Juízo Central Cível de Lisboa – J16 - e cuja alegação e as questões a decidir são muito idênticas às que se encontram em discussão nestes autos, fundamentação essa com a qual concordamos, os AA. “não alega(m) factos concretos que possam imputar qualquer conduta à ré “Haitong Bank, S.A.”, nomeadamente factos que pudessem consubstanciar a consultoria na estrutura de capital da “ESFG”, nem quaisquer serviços quanto à determinação da forma de financiamento da sua atividade ou à sua condição financeira, nem sequer a ocultação por parte da ré da dívida ou da sobrevalorização dos ativos de qualquer entidade.
O(s) autor(es) também não identifica(m) quais as regras a que estaria sujeito o réu na sua atividade que tenham sido desrespeitadas, sendo certo que as determinações do BdP não tinham como destinatária o réu “Haitong Bank, S.A.”»
É que para permitir a responsabilidade em termos de responsabilidade civil extracontratual, não basta invocar que “A emissão dos títulos de dívida da ES Tourism, que foram subscritos pelos Autores junto do Primeiro Réu, fez parte de um esquema fraudulento de rotação de dívida promovido e levado a cabo pelo Primeiro Réu, Banco Espírito Santo, SA (BES) e por várias empresas do GES, entre elas o Segundo Réu, Banco Espírito Santo Investimento S.A. (“BESI”)...”.
O dever de indemnizar, em termos de responsabilidade civil extracontratual, tem como pressupostos a existência de um facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano – cfr artº 483º do C.Civil – e do alegado pelos AA. nada resulta que, a provar-se, permitisse vir a concluir desde logo pelo preenchimento do pressuposto relativo ao nexo de causalidade. Ou seja, do alegado nada se pode concluir no sentido que os danos invocados pelos AA., derivados dos seus alegados investimentos, sejam imputáveis, em termos de causalidade adequada, à ESI. Conforme resulta do alegado, a única entidade que terá tido intervenção na subscrição pelos AA. das obrigações referidas na petição inicial, terá sido o BES.
Assim, tem o R. Haitong que ser absolvido do pedido”.
Passando agora a decidir do pedido formulado contra a ré GNB, S.A. – anteriormente designada ESAF – Espírito Santo Fundos de Investimento Mobiliário, SA -, de acordo com o alegado pelos AA., a mesma criou e geriu dois fundos de investimento – o ES Liquidez e o ES Rendimento.
Do concretamente invocado não se pode vir a concluir pela existência de factos susceptíveis de dar origem à responsabilidade civil da R. e do dever de indemnizar por parte da mesma.
Tal como os AA. fundamentam a sua pretensão e não sendo imputados à R. quaisquer factos concretos integradores de ilicitude, também quanto à R. GNB, S.A, terá a acção que ser julgada improcedente”.
Os Apelantes sustentam que “subsiste matéria controvertida, cuja prova se mostra essencial à resolução das questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal, em particular no que respeita aos factos, que demonstram a existência de um esquema fraudulento de rotação de dívida do GES, e que relevam, de sobremaneira, para a apreciação dos pedidos de ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos Recorrentes, e que o tribunal a quo, ao decidir, de imediato, sobre o mérito da causa, não atendeu”.
Concluem que “o tribunal a quo ter dado cumprimento ao disposto no artigo 596.º do CPC, proferindo despacho saneador destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas de prova, uma vez que os autos ainda não dispunham de todos os elementos necessários ao conhecimento de mérito” ou, pelo menos, “ao considerar que não existiam factos concretos que permitiam fundar as pretensões dos Recorrentes – o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio –, tinha o «poder-dever» de convidar os Recorrentes a suprir as deficiências detetadas nos termos do disposto no artigo 590.º, n.º 4 do CPC”.
A 2.ª e a 3.ª Rés defendem, em síntese, que na “Petição Inicial apresentada não são invocados factos concretos que pudessem servir de fundamento aos pressupostos da responsabilidade civil delitual”.
Vejamos.
Não deixa de ser estranho que invocando estas Rés uma tal falta de alegação fáctica, não tenham arguido a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, decorrente da falta de causa de pedir (cf. art. 186.º do CPC).
O Tribunal recorrido também não teve esse entendimento. Mas pensamos que isso resulta da circunstância de, em face das Contestações apresentadas e da posição dos Autores, ser de concluir que as Rés (e o Tribunal recorrido) interpretaram convenientemente a petição inicial, pelo que se está perante a previsão do n.º 3 do art. 186.º do CPC.
Portanto, o que importa é perceber se foram alegados factos essenciais, substantivamente relevantes que permitam, a final, concluir pela responsabilidade civil destas Rés.
Desde já adiantamos que a resposta, a nosso ver, deve ser negativa, concordando-se com o entendimento do Tribunal recorrido a este respeito, cujas considerações se nos afiguram corretas, não merecendo, pois, censura.
Com efeito, os Autores sustentaram, na Petição inicial, que a “responsabilidade dos Réus ao abrigo do artigo 483.º do Código Civil” decorre, por um lado, da “burla” e, por outro lado, da “violação das regras de supervisão bancária do RGICSF” (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12), concluindo que a atuação dos Réus causou danos significativos aos Autores.
O princípio geral no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos está consagrado no n.º 1 do art. 483.º do CC, segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Assim, para que alguém incorra em responsabilidade civil extracontratual, suportando a respetiva obrigação de indemnizar, é necessário que estejam verificados os seguintes pressupostos:
a) o facto voluntário do agente, conduta humana (que pode traduzir-se numa ação ou numa omissão) dominada ou dominável pela vontade;
b) a ilicitude desse facto, que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjetivo) ou de violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) o nexo de imputação do facto ao lesante, ou culpa do agente, em sentido amplo, que se traduz num juízo de censura ou reprovação da sua conduta, e que pode revestir a forma de dolo ou de negligência;
d) o dano ou prejuízo;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado.
No nosso ordenamento jurídico está consagrada a doutrina da causalidade adequada: “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (art. 563.º do CC). Ou seja, “determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (Galvão Telles, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 578).
No quadro da responsabilidade civil por factos ilícitos, todo aquele que intenta uma ação de indemnização nela fundada tem de alegar e demonstrar que estão verificados todos os pressupostos acima referidos para que o Tribunal possa concluir pela titularidade do direito à indemnização, constituindo tais pressupostos factos constitutivos do direito que o lesado se arroga (art. 342.º, n.º 1, do CC).
Ora, seja qual o prisma jurídico pelo qual se tente enquadrar os escassos factos concretos alegados atinentes à atuação destas Rés, não nos parece que seja possível concluir que incorram na obrigação de indemnizar os Autores fundada em responsabilidade civil extracontratual. Nem se alcança que outras normas jurídicas possam ser aplicáveis aos factos alegados em ordem a produzir-se o efeito jurídico pretendido pelos Autores/Apelantes.
A verdade é que a generalidade dos factos alegados dizem respeito à atuação da 1.ª Ré, só pontualmente sendo feita referência às outras duas Rés.
No tocante à violação das regras de supervisão bancária, nada é referido relativamente à 3.ª Ré, sendo certo que se trata de uma sociedade gestora de fundos de investimento, não responsável por qualquer “colocação de dívida” juntos de clientes.
Relativamente à 2.ª Ré, também não descortinamos que factos concretos sejam esses na profusa alegação constante da Petição Inicial. É referido que esta Ré colocou quantidades de dívida do GES em clientes institucionais, mas nada é alegado que permita considerar que tal lhe estivesse vedado, atendendo a que a proibição do Banco de Portugal, que terá sido enviada à ESFG, se reportava apenas à comercialização de dívida de entidade do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho (cf. artigos 341.º e 376.º da Petição Inicial).
Também não nos parece que os factos alegados configurem a prática por estas Rés do crime de burla. Os Autores alegam, a esse propósito, que os Réus sabiam que a ES Tourism não iria poder cumprir o contrato celebrado com os subscritores dos instrumentos financeiros que emitiam. Mas a verdade é que estas Rés não são, conforme também resulta inequívoco do teor da Petição Inicial, responsáveis, nem pela emissão, nem pela comercialização das obrigações ES Tourism.
A emissão da dívida em apreço foi feita pela ES Tourism (Europe), S.A. e a comercialização das obrigações foi efetuada pela 1.ª Ré. Sublinhamos não ter sido nenhuma destas Rés quem intermediou a colocação da dívida relativa às obrigações subscritas pelos Autores.
Acresce que essas obrigações foram subscritas pelos Autores em fevereiro de 2014. Ora, é importante salientar que, segundo alegam os Autores, aquela sociedade ES Tourism era, até agosto de 2013, uma filial da ESI, tendo sido vendida, por um euro, à Wetsby Enterprises Ltd., pelo que, à data dos factos, a ES Tourism já nem sequer faria parte do GES.
Seja como for que se procure enquadrar a atuação destas Rés, não nos parece de todo possível considerar que a mesma seja causal do dano invocado pelos Autores. Quando muito existiria uma causalidade remota e indireta, considerando que a ES Tourism teria, segundo alegam os Autores (ainda assim reportando-se apenas a agosto de 2013), como principal ativo um crédito sobre a ESI de 116 milhões de euros e sobre o GES de 197 milhões de euros, consistindo o passivo principal da ES Tourism em obrigações emitidas e colocadas por entidades da ESFG em clientes do BES (189 milhões) e em fundos geridos pela ESAF (40 milhões). Note-se que foi alegada a insolvência da ES Tourism, mas nenhuns factos concretos que permitam sequer imputar essa (eventual) ocorrência à atuação da 2.ª e 3.ª Rés.
De forma alguma nos podemos bastar, no quadro da responsabilidade civil extracontratual, com uma propalada ilicitude e uma causalidade remota e indireta, pressupostos sem substrato fáctico substantivamente relevante, sendo certo que, perante alegações conclusivas, genéricas e vagas, queda inviável o convite ao aperfeiçoamento da Petição Inicial que, sublinhe-se, os Apelantes, confrontados que foram com a análise feita no saneador-sentença, nem se propuseram fazer, nada adiantando de concreto a esse respeito.
Como é evidente, não se estando diante de meras deficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, não é legalmente admissível o uso da faculdade de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial - cf. art. 590.º, n.ºs 2, al. b), e 4, a contrario sensu, do CPC.
Concluímos, pois, ser acertada a decisão recorrida na parte em que absolveu a 2.ª e a 3.ª Rés do pedido.

Passemos a apreciar a decisão recorrida no tocante à absolvição do 4.º Réu do pedido.
As considerações de direito tecidas no saneador-sentença a esse propósito são as seguintes:
“Cumpre, agora, conhecer do pedido formulado contra o réu RE….
A responsabilidade dos administradores face aos credores sociais deve considerar-se ter natureza extracontratual, já que não existe, entre uns e outros qualquer relação. As relações de crédito estabelecem-se e ligam o credor e a sociedade (cfr neste sentido, Coutinho de Abreu / Elizabete Ramos, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume 1º, 2º edição, pág. 962).
O art.º 78º n.º 1 do CSC consagra a responsabilidade directa dos administradores para com os credores sociais e, assim, uma acção autónoma dos mesmos relativamente aos primeiros, estando a acção subrogatória (por danos causados à sociedade em consequência da insuficiência patrimonial) prevista no n.º 2 do art.º 78º.
O art.º 78º n.º 1 tem em vista as situações em que o credor social sofre um dano em virtude da insuficiência patrimonial da sociedade.
Pressupostos desta acção são a qualidade de credor social e a inobservância, por parte do administrador, das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais, (para uma análise das disposições legais susceptíveis de integrar o normativo em referência, Coutinho de Abreu/Elizabete ramos, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I, 2ª edição, 2017, pág. 959) o que configura a ilicitude e que, por causa dessa inobservância, o património social da sociedade se tenha tornado insuficiente (dano directo para a sociedade) para a satisfação do respectivo crédito (dano indirecto dos credores sociais).
Importa no entanto tomar em consideração o disposto no art.º 78º n.º 4, o qual dispõe que no caso de falência da sociedade, os direitos dos credores podem ser exercidos durante o processo de falência, pela administração da massa falida.
Comentando este normativo, dizem Coutinho de Abreu/Elizabete Ramos, in ob cit. pág. 966):
“ ...o art.º 78º, 4, além de desactualizado terminologicamente, deve ser considerado revogado (tacitamente) pelo art.º 82º, 3, b) do CIRE, segundo o qual, na pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem legitimidade exclusiva para propor e fazer seguir “as acções destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente, como posteriormente à declaração de insolvência”.
Este regime terá sido inspirado pelo princípio da par conditio creditorum. Se os singulares credores sociais mantivessem a legitimidade para accionar (ou prosseguir acção contra) os administradores, corria-se o risco de apenas os credores mais ativos, informados ou fortes verem os seus créditos satisfeitos. Não assim se for o administrador da insolvência a exigir as indemnizações, que revertem para a massa insolvente, de onde sairão os pagamentos aos credores (com respeito, embora, pelas prioridades marcadas na lei...)”.
Por sua vez, o art.º 79º, n.º 1, do CSC, dispõe que os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.
Os AA. não alegam factos concretos necessários e suficientes à integração no art.º 78º do CSC, não invocando a insuficiência patrimonial do “BES”, de que o réu foi administrador, para pagamento do seu invocado crédito, caso haja lugar a responsabilidade do mesmo enquanto intermediário financeiro. Tão pouco resulta do alegado que os danos que os AA. invocam resultem de uma concreta actuação exista uma situação de insuficiência decorrente de uma concreta actuação do réu violadora de disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais.
Os próprios AA. alegam na resposta às excepções invocadas pelo R. na respectiva contestação que «o quarto Réu foi demandado pelos AA. na qualidade de um dos principais senão o principal mentor do esquema fraudulento do GES e, responsável, atendendo às funções de liderança que ocupava nos diversos órgãos de administração do GES, por diversos actos e omissões que “alimentaram” esse esquema de rotação da dívida do GES e que se traduziram, nomeadamente, na prática de criem de burla qualificada, nos termos dos artigos 217º e 218º do CP e de infracções às normas de supervisão bancária, nos termos do RGICSF...».
Assim, à presente acção não poderá ser aplicado o normativo do art.º 78º do CSC. Passando ora a apreciar o peticionado face ao disposto no artº 79º, nº1, do CSC.
Como referem Coutinho de Abreu/Elizabete Ramos, ob. cit. pág. 970, este normativo consagra a responsabilidade dos administradores para com terceiros, os quais se definem pela negativa - são os sujeitos que não a sociedade, os administradores, os sócios dela (enquanto tais) – e pela positiva – trabalhadores da sociedade, fornecedores, clientes, credores sociais (que não beneficiem do art.º 78º), sócios enquanto terceiros (A responsabilidade em causa há de resultar de factos ilícitos, culposos e danosos praticados pelos administradores “no exercício das suas funções”, ou seja, durante e por causa da actividade de gestão e/ou representação social.
O citado preceito legal, ao dispor que os administradores respondem nos termos gerais, estabelece uma remissão para o art.º 483º do Cód. Civil, e, assim, para a responsabilidade civil por factos ilícitos. Neste caso, estão em causa deveres genéricos de respeito, de normas gerais destinadas à protecção de outrem.
Como se refere no Ac. da Rel. Porto de 11-07-2012, relator: Rui Moura, “A directa responsabilização dos gerentes, administradores ou directores só surge, face a este artigo 79º-1 do CSC, para com os sócios e terceiros, quando a culposa inobservância das normas de protecção por parte daqueles provoque nestes danos, mas tal responsabilidade apenas cobre os danos directamente causados.
Para Menezes Cordeiro a responsabilidade dos gerentes, administradores ou directores é directa quando os danos resultem do facto ilícito sem qualquer intervenção de quaisquer outros eventos. Isto reconduz-se a práticas dolosas dirigidas à consecussão do prejuízo verificado, ou no caso de práticas negligentes grosseiras cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa.”
Atentos os factos alegados pelos AA. e ainda que os mesmos viessem a resultar provados, tais factos não permitiriam concluir pelo preenchimento dos pressupostos do artigo 483º do C. Civil, nomeadamente pela existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, da petição inicial não resultam factos que permitam concluir por uma actuação do R. violadora de direitos absolutos e também não se encontram alegados factos integradores de uma qualquer concreta actuação do réu, no exercício das suas funções de administrador do “BES, S.A.” violadoras de disposição legal destinada a proteger interesses alheios geradora, em termos de causalidade adequada, dos danos invocados pelos AA.
As alegações dos AA. são vagas e genéricas em termos, nomeadamente, da viciação de contas e resultados e da responsabilidade pelo estado a que chegaram as empresas do grupo GES, sendo que os AA. não alegaram qualquer factualidade da qual resulte qualquer intervenção directa do R. na subscrição das obrigações de dívida em causa nos autos. Pelo contrário: quem teve intervenção foram os funcionários do balcão do BES.
Levando a análise ao limite – dentro do contexto posição creditícia invocada pelos AA. e no que concerne à responsabilidade nos termos do artigo 304ºA do CVM -, estabelece o art.º 304º n.º 1 do mesmo código que os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
Os n.ºs 2, 3 e 4 consagram um conjunto de deveres e o n.º 5 dispõe que:
“ Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares dos órgãos de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais á prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência”.
Por outro lado o art.º 304º A do CVM, cuja epígrafe é a responsabilidade civil, dispõe no seu n.º 1 que:“ os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes á organização e ao exercício da actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”.
O normativo consagra a responsabilidade civil do intermediário financeiro e não se refere a nenhuma das pessoas referidas no art.º 304º n.º 5 do CVM.
Gonçalo André Castilho dos Santos, in A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Estudos sobre o mercado de valores mobiliários, Almedina, 2008, pág. 232 diz que a norma em referência dita a responsabilidade pessoal dos sujeitos ali referidos, expandindo o potencial universo dos responsáveis perante os clientes.
Mesmo que assim seja e que a responsabilidade consagrada se trate de uma responsabilidade pessoal e não de um dever funcional – em que a violação de tais princípios ou deveres não dá lugar a uma responsabilidade pessoal/subjectiva do colaborador, mas a uma responsabilidade do intermediário financeiro, podendo mas só indirectamente dar lugar a responsabilidade contratual, disciplinar ou direito de regresso, sobre alguma das referidas pessoas - também não se vislumbra nas alegações dos autores qualquer actuação do réu, enquanto administrador do “BES, S.A.”, que, uma vez provada, pudesse traduzir a violação da obrigação de informar os autores, recomendando e advertindo-os acerca dos riscos das invocadas operações, adequando o seu conselho e assistência à experiência, conhecimentos e perfil de risco do cliente, na medida em que o réu não teve qualquer intervenção directa na subscrição das obrigações dos autos.
Atento tudo o que fica referido, não existem factos que permitam responsabilizar o réu RS… nos termos e para os efeitos dos referidos normativos, pelo que a acção também terá que improceder quanto ao mesmo.
Em conformidade com o consagrado nos artigos 3.º, n.º 1 e 5º do C.P.Civil, compete às partes definir os contornos fácticos do litígio, o que significa que sobre elas recaí o ónus de carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir. Ao autor incumbe alegar os factos que consubstanciam a pretensão por si formulada e ao réu incumbe alegar a factualidade que sustenta a sua defesa.
Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 5.º do CPC, ou seja, com excepção dos factos notórios, dos factos de conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas funções e dos factos indiciadores de uso anormal do processo, bem como dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa e dos factos que sejam “complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
Por outro lado, resulta inequivocamente do disposto nos nºs 2, b), 3 e 4 do artigo 590º que o juiz deve elaborar um despacho de aperfeiçoamento, formulando convite, nomeadamente ao autor, para suprir as insuficiências ou imprecisões da matéria de facto, por forma a precisar os pontos concretos da matéria de facto já alegada na petição inicial.
Podem ser superadas, por iniciativa do julgador, as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada ou o seu esclarecimento, aditamento ou correcção, mas não pode haver lugar a convite ao aperfeiçoamento de uma petição inicial quando esteja em causa a falta de alegação de factos essenciais, o que é o caso dos presentes autos”.
Vejamos.
Na sua alegação de recurso, os Apelantes chamam a atenção para os factos que alegaram relativos à atuação do 4.º Réu, o que evidencia, pelo menos, um certo reconhecimento das fragilidades da Petição inicial relativamente às 2.ª e 3.ª Rés. Parece-nos que, com razão, pois efetivamente estamos perante realidades do ponto de vista fáctico e jurídico diferenciadas.
É verdade que, conforme se refere na decisão recorrida, a forma como os Autores enquadraram juridicamente a atuação deste Réu foi a de «principal mentor do esquema fraudulento do GES e, responsável, atendendo às funções de liderança que ocupava nos diversos órgãos de administração do GES, por diversos actos e omissões que “alimentaram” esse esquema de rotação da dívida do GES e que se traduziram, nomeadamente, na prática de criem de burla qualificada, nos termos dos artigos 217º e 218º do CP e de infracções às normas de supervisão bancária, nos termos do RGICSF».
No entanto, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC), razão pela qual o Tribunal recorrido equacionou, e fez bem em fazê-lo, a responsabilidade do 4.º Réu à luz do disposto nos artigos 78.º e 79.º do CSC.
Assim, mencionou-se no saneador-sentença a doutrina que defende a revogação tácita do n.º 4 do art. 78.º do CSC pelo art. 82.º, n.º 3, al. b), do CIRE, nos termos do qual, durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir as ações destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência. Porém, a verdade é que foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade processual ativa.
Afastou-se, no saneador-sentença, a subsunção da atuação do 4.º Réu no disposto no art. 78.º do CSC, por se ter considerado que os Autores «não invocaram a insuficiência patrimonial do “BES”, de que o réu foi administrador, para pagamento do seu invocado crédito, caso haja lugar a responsabilidade do mesmo enquanto intermediário financeiro. Tão pouco resulta do alegado que os danos que os AA. invocam resultem de uma concreta actuação exista uma situação de insuficiência decorrente de uma concreta actuação do réu violadora de disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais».
Todavia, estando ainda pendente, à data da propositura da ação, o processo de liquidação judicial do BES (tinha sido iniciado pouco tempo antes), esse facto poderia vir a ser alegado em articulado superveniente, não sendo despiciendo lembrar que foi requerida a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial.
Relativamente ao possível enquadramento dos factos na previsão do art. 79.º do CSC, ou seja, no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, considerou-se no saneador-sentença não resultarem da Petição Inicial «factos que permitam concluir por uma actuação do R. violadora de direitos absolutos e também não se encontram alegados factos integradores de uma qualquer concreta actuação do réu, no exercício das suas funções de administrador do “BES, S.A.” violadoras de disposição legal destinada a proteger interesses alheios geradora, em termos de causalidade adequada, dos danos invocados pelos AA.
As alegações dos AA. são vagas e genéricas em termos, nomeadamente, da viciação de contas e resultados e da responsabilidade pelo estado a que chegaram as empresas do grupo GES, sendo que os AA. não alegaram qualquer factualidade da qual resulte qualquer intervenção directa do R. na subscrição das obrigações de dívida em causa nos autos. Pelo contrário: quem teve intervenção foram os funcionários do balcão do BES.
(…) não pode haver lugar a convite ao aperfeiçoamento de uma petição inicial quando esteja em causa a falta de alegação de factos essenciais, o que é o caso dos presentes autos».
Ora, neste particular, não podemos acompanhar a decisão recorrida.
Desde logo, não podemos deixar de sublinhar uma incoerência: tendo sido expressamente arguida pelo 4.º Réu a ineptidão da petição inicial, o Tribunal recorrido pronunciou-se a esse respeito, concluindo que não se verificava a falta de causa de pedir, não sendo a petição inicial inepta, no tocante a este Réu; mas a ser assim, não podia, de seguida, afirmar que se estava perante a falta de alegação de factos essenciais.
Estamos, sem dúvida, perante uma causa de pedir complexa, exposta ao longo de 600 artigos da Petição Inicial, em que foram alegados factos substantivamente relevantes (mormente nos artigos 4.º a 6.º, 437.º, 439.º, 448.º a 467.º da Petição Inicial), sendo certo que outros, complementares e concretizadores de factos essenciais, ainda poderão resultar da instrução, nos termos previstos no art. 5.º do CPC.
Os Apelantes não adiantam mais factos que, para já, possam ser alegados, mas sublinham a relevância jurídica dos que alegaram, não sendo, também, de descartar que se possam tornar patentes eventuais insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto, no decurso de eventual discussão em audiência prévia, cuja realização ainda poderá vir a ser determinada [pese embora tenha sido dispensada, não está vedado ao tribunal recorrido convocá-la se tal se lhe afigurar adequado - cf. art. 547.º do CPC -, destinando-se às finalidades previstas nas alíneas c), f) e g) do n.º 1 do art. 591.º do CPC]. Assim, o prosseguimento dos autos não obsta, antes pelo contrário, a que possa ser observado o disposto nos artigos 7.º, n.º 2, e 591.º n.º 1, al. c), ambos do CPC.
Tanto basta para que tenhamos de concluir que a decisão recorrida foi prematura. Os autos não reuniam os elementos bastantes e necessários para se decidir do mérito no saneador, tendo havido, assim, violação do disposto no art.º 595.º, n.º 1, al. b), do CPC.
A apelação é, pois, parcialmente procedente.

Vencidos os Autores/Apelantes e o 4.º Réu/Apelado são responsáveis pelo pagamento das custas processuais do presente recurso, na proporção de ¾ e ¼, respetivamente, dispensando-os do pagamento do remanescente de taxa de justiça, atendendo a que se trata de recurso interposto de saneador-sentença, em que as questões colocadas não se revestem de complexidade, e face à conduta das partes no recurso – artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC, e art. 6.º, n.º 7, do RCP.

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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão (saneador-sentença) recorrida, na parte em que conheceu do mérito da causa no tocante ao pedido deduzido contra o 4.º Réu e, em sua substituição, determina-se o prosseguimento dos ulteriores termos do processo, mormente com a prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.

Mais se decide condenar os Autores/Apelantes e o 4.º Réu/Apelado no pagamento das custas do presente recurso, na proporção de ¾ e ¼ respetivamente, dispensando-as do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

D.N.

Lisboa, 06-06-2019
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua