Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31411/15.6T8LSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: RESOLUÇÃO DO BANCO DE PORTUGAL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A resolução é, a par de outras - mormente a intervenção correctiva e a administração provisória - uma das medidas que o Banco de Portugal pode aplicar tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro (artigo 139º nº 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
- Uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (artigo 145º-E nº 1 alª b) do RGICSF).
- No âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal determina a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (artigo 145º-O nº 1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (artigo 145º-P nº 1 do RGICSF).
- A resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.
- A potencial imputação de qualquer responsabilidade que pudesse decorrer em razão da eventual violação de deveres por parte do BES na comercialização e intermediação financeira, nomeadamente violação do dever de informação, em data anterior a 3.8.2014, mostra-se, em todo e em qualquer caso, por via das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, absolutamente excluída, qualquer o título de responsabilização em que se pretendesse fundar a correspondente pretensão.
- Atenta a deliberação do Banco Central Europeu, de 15.7.2016, que revogou ao Banco Espírito Santo, SA, a autorização para o exercício da actividade bancária, não tendo sido interposto recurso desta deliberação para o Tribunal Geral da União Europeia, impõe-se a extinção da instância em acção movida contra o BES por inutilidade superveniente da lide, devendo os autores reclamar o seu crédito no âmbito da liquidação do BES.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I - RELATÓRIO
F... e A... intentaram acção declarativa com processo comum contra o Banco Espírito Santo S.A., Novo Banco, SA e E..., pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais sofridos, que computam simbolicamente em 5.000,00 €.
Em síntese, alegaram que são titulares de acções preferenciais “Poupança Plus 603/13 ISIN:SCBESOAE0258, no montante de € 90.000,00, adquirida por influência do 1º réu, sem nunca imaginar que Poupança Plus não eram depósitos a prazo, mas acções de uma sociedade veículo (SPV) com sede nas Ilhas Jersey. Tal não lhes foi explicado e os autores nunca pretenderam fazer aplicações financeiras, mas apenas depósitos a prazo. Tais aplicações financeiras foram realizadas em benefício do BES e contra os interesses dos autores.
Os autores só aceitaram as aplicações que lhes foram propostas com a garantia do BES de que, no prazo indicado, lhes seria assegurado o retorno do capital investido e dos juros, no montante total que lhes foi referido nessa data. Só desta forma os autores beneficiavam de uma garantia idêntica à dos depósitos a prazo, conforme correspondia à sua vontade declarada. A obrigação de recompra das acções preferenciais Euro Aforro, Top Renda, Poupança Plus não só se transmitiu para o Novo Banco, por efeito da operação de resolução, como se encontra reconhecida no respectivo Balanço.
Em suma, fundamentam a acção em responsabilidade do BES por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediação financeira, tendo-se transferido esta responsabilidade para o Novo Banco, por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição.
Os autores deixaram de usufruir os lucros cessantes com a falta de pagamento pelo BPES das importâncias depositadas. Por outro lado, os autores sofreram um grande abalo psicológico e físico quando souberam que não lhe seriam restituídas as quantias depositadas. Ambos passaram noites sem conseguir dormir. Os seus dias são passados com grande ansiedade e desespero por terem perdido o seu dinheiro. Angustiados com o futuro, tendo recorrido a ansiolíticos e antidepressivos. A vida familiar ficou perturbada, pois ambos se encontram num estado de irritabilidade e frustração, o que origina várias discussões.
Os réus Novo Banco SA e E... contestaram, invocando a sua ilegitimidade passiva, alegando que, por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, SA (“BES”) a qual por lei é da competência do Banco de Portugal que, como instituição de supervisão, ao abrigo dos poderes discricionários que lhe são legalmente conferidos determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos dos BES para o Novo Banco. Mais alegaram que, na relação material controvertida os autores imputam ao BES um conjunto de factos que, se provados, constituiriam pelo menos uma violação de disposições regulatórias que os autores imputam a título de dolo eventual ou negligência grosseira, estando tais situações claramente abrangidas nos "passivos excluídos" do Anexo 2 da deliberação do BdP. Esta deliberação foi objecto de sucessivas alterações, sendo que o presente processo judicial está expressamente incluído nos anexos às referidas deliberações. De qualquer forma, mesmo pela nova redacção da deliberação se conclui que não houve transferência para o Novo Banco das eventuais responsabilidades do BES, assumidas na comercialização e intermediação financeira de acções preferenciais. Por isso, o Novo Banco é parte ilegítima nos presentes autos, tal como o 3º réu, na medida em que é demandado na qualidade de presidente do Conselho de Administração do Novo Banco.
A medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal reveste a natureza de acto administrativo, beneficiando da presunção de legalidade do exercício do poder de autoridade nos actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal no uso das suas competências legais. A lei imputa expressamente aos tribunais administrativos a competência para conhecer dos litígios emergentes das decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução (artigo 145.º-AR/135 do RGICSF), estabelecendo regras especiais para o processo (artigo 145.º-AR/2/436 do RGICSF) e atribui ao Banco de Portugal inclusive a prerrogativa de invocar causa legítima de inexecução no caso de sentenças anulatórias (artigo 145.º-AR/337 do RGICSF). Assim sendo, está vedado aos tribunais judiciais apreciarem a validade de actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal, competindo essa competência, por determinação de lei expressa, aos tribunais administrativos. Cabe aos autores, querendo, impugnar nos tribunais administrativos a medida de resolução, estando-lhe vedado recorrer aos tribunais cíveis para discutir contenciosamente, ainda que prejudicialmente, aquele acto administrativo. Pelo que não deverá o Tribunal julgar improcedente a excepção de ilegitimidade arguida, com base na invalidade da medida de resolução, sem primeiro suspender a instância, remetendo essa competência anulatória para os tribunais administrativos (artigo 92.º/1 do CPC).
O Banco Espírito Santo (“BES”) contestou, pedindo que seja julgada procedente a excepção peremptória de inexigibilidade do cumprimento das obrigações do réu BES, absolvendo-o dos pedidos; ou, subsidiariamente, julgada improcedente a acção, por não provada.
Em síntese, alegou que se verifica a inexigibilidade do cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas em resultado da medida de resolução aplicada ao BES por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014. Apesar de ter determinado a transferência parcial da sua actividade para o réu Novo Banco, o BdP não determinou a revogação da autorização do réu BES «simultaneamente ou em momento imediatamente posterior à aplicação» da medida de resolução. Do que decorre necessariamente que o réu BES teria uma eventual obrigação de indemnização com base nos factos alegados pelos autores, o cumprimento dessa obrigação não lhe é legalmente exigível.No mais impugna a matéria alegada pelos autores, afirmando que, pelo menos desde 2009, os autores investiam em produtos semelhantes aos em juízo nos autos: séries comerciais de acções preferenciais. Os autores perceberam, na sua contratação, que o produto subscrito não configurava um depósito a prazo.
Os autores apresentaram réplica respondendo às excepções, referindo que a deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, na sua correcta interpretação, transferiu para o Novo Banco os direitos dos autores. O BES garantiu aos autores o capital investido e juros, verificando-se uma assunção de dívida por este Banco, ou quando assim não se entenda o BES prestou uma fiança, garantindo o direito de crédito dos autores relativamente às aplicações realizadas. O BES é responsável, seja por responsabilidade pelos conselhos, por violação do dever de informação a cargo das instituições de crédito e dos intermediários financeiros, seja por assunção de dívida, seja por fiança. Trata-se de uma responsabilidade efectiva que se transferia necessariamente para o Novo Banco, por força da operação de resolução.
No Balanço de 2014 do Novo Banco os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPVs em causa aparecem no activo, como "Recursos de Clientes". O registo dos pagamentos dos clientes que compraram as acções preferenciais como "Recursos de Clientes", no balanço do Novo Banco, é a prova provada de que tinham a natureza de depósitos a prazo. A obrigação de recompra das acções preferenciais Euro Aforro, Top Renda, Poupança Plus não só não se transmitiu para o Novo Banco, por efeito da operação de resolução, como se encontra reconhecida no respectivo Balanço. O Novo Banco está sujeito às regras do CSC, por força do disposto no n.º 10 do art.º 145-G do RGICSF. A operação de resolução subsume-se a uma cisão simples pelo que nos termos do art.º 122º n.º 2 do CSC, as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade condida anteriores à inscrição no registo comercial.
A transferência de activos para o Novo Banco desacompanhada da transferência de responsabilidades viola também o art.º 12º n.º 6 da Directiva 82/891/CEE. Esta transferência constitui manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Não se verifica qualquer questão prejudicial, pelo possa determinar a suspensão da instância. Uma vez que o BES se encontra em liquidação, a invocada excepção da inexigibilidade do cumprimento das obrigações deixou de ser pertinente.
Por requerimento apresentado em 28.08.2016, o réu BES pediu:
(i) que seja declarada a extinção da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, absolvendo-se, consequentemente, o réu Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância; ou, caso assim não se entenda,
(ii) Ordenar a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272º, n.º 1 do CPC, até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da actividade do BES, sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, absolvendo-se o Réu Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância.
Em resumo, alegou que, por deliberação de 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (“BES”). Por outro lado, e conforme consta do Comunicado divulgado no site do Banco de Portugal: “O Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”) para o exercício da actividade de instituição de crédito. A decisão de revogação da autorização do BES implicará a dissolução e a entrada em liquidação do banco, em conformidade com o disposto nos números 1 e 2 do artigo 5º do DL nº 199/2006. Desta forma, o Banco de Portugal vai requerer, nos termos da lei, junto do tribunal competente o início da liquidação judicial do BES.”
Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de outubro “A decisão de revogação da autorização […] produz os efeitos da declaração de insolvência.” Na sequência da revogação da autorização para o exercício da actividade, veio o Banco de Portugal, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 8.º do mencionado DL 199/2006, requerer a liquidação judicial do BES. Em 21 de Julho de 2016, foi proferido, no âmbito dos referidos autos, despacho de prosseguimento de liquidação judicial do BES, nos termos do artigo 9.º do DL 199/2006, o qual foi publicado na plataforma “Citius” em 22 de Julho de 2016, sendo fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
Os autores responderam, dizendo, em síntese, que reclamaram o seu crédito subjacente à presente acção declarativa no processo de insolvência do réu BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação. Pelo que a presente acção declarativa não perdeu o seu interesse e fundamento para reconhecimento definitivo do crédito dos autores.
Caso o tribunal decretasse a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, essa extinção só operaria relativamente ao BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, mantendo-se a instância contra o outro R., Novo Banco, S.A., à semelhança, aliás, do que ocorre nas acções executivas.
No DESPACHO SANEADOR proferido em 09.01.2017 foi julgado:
(i) que o réu Novo Banco tem legitimidade processual;
(ii) a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no artigo 277º, alª. e), do CPC, no que respeita ao réu “Novo Banco, S.A.”.
(iii) extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC, no que respeita ao réu Banco Espírito Santo, SA, em liquidação.
Não se conformando com tal decisão, dela recorreram os autores, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA QUANTO AO R. NOVO BANCO, S.A.
1ª - O BES, ao vender aos seus clientes, os ora AA., as acções preferenciais da SPV Poupança Plus actuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro.
2ª - Pelo que ficou sujeito às correspondentes obrigações e responsabilidades, nos termos do RGIF e do CVM.
3ª - O BES, ao efectuar as operações de compra e revenda das referidas acções preferenciais, celebrou contratos de intermediação financeira, nos termos do art.º 321.º, n.º 1 do CVM.
4ª - O art.º 74.º/RGIF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
5ª - Devendo a diligência ser apreciada de acordo como elevados padrões técnicos e comportamentais, tendo em conta o interesse dos Clientes, os riscos e a segurança das aplicações (art.º 75.º/RGIF).
6ª - Em particular, as instituições de crédito devem informar os Clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (art.º 77.º e 77.º-A/RGIF).
7ª - A informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art.º 7º/CVM)
8ª - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente e ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e, designadamente, não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos relevantes e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (artºs 312 nº 2 e 312º-A nº 1 als b), c) e d) do CVM).
9ª - Existe uma proibição de intermediação excessiva (art.º 310º do CVM): se a operação não é adequada ao cliente - consequência de uma avaliação negativa - o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (art.314- A nº 3 do CVM).
10ª - Por força do art.º 321.º, n.º 3 do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores.”
11ª - Nos termos dos artºs 5.º e 6.º da Lei da CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao Cliente, para que “tendo em conta a importância do contracto e a extensão e complexidade das Cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”.
12ª - Conforme prescreve o art.º 5.º, n.º 3/CCG. “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
13ª - Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve prestar informação escrita ao Cliente quanto à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação, para efeitos de este tomar uma decisão esclarecida e fundamentada (art.º 312, n.º 1, als. c) e n.º 2 do CVM).
14ª - Os AA eram clientes do BES e confiavam plenamente nos seus funcionários, os quais conheciam necessariamente o perfil, as necessidades e a vontade dos AA.
15ª -Os funcionários do BES não podiam ignorar que os AA., como emigrantes, tinham um perfil conservador e queriam, naturalmente, aplicar as suas poupanças, fruto de um trabalho árduo e dos maiores sacrifícios, em produtos sem risco, com capital e juros garantidos.
16ª - Contudo, os funcionários do BES promoveram as aplicações, contra os interesses e vontade dos AA., em instrumentos financeiros com risco, com a agravante de serem em entidades não financeiras e, portanto não sujeitas a supervisão prudencial.
17ª - Acresce ainda, que as aplicações foram todas feitas na mesma sociedade, o que agrava o risco.
18ª - E, o BES não podia ignorar que a sociedade Poupança Plus era uma SPV, cujos activos eram compostos exclusivamente por obrigações do próprio BES, com vencimentos em 2049 e 2051, cupão zero, sem juros, sem valor de mercado, emitidas por causa das dificuldades financeiras do BES e do Grupo GES.
19ª - Por conseguinte, o BES violou o direito de informação, prestando falsas informações e promovendo, em conflito de interesses, as aplicações de fundos dos AA numa SPV dominada pelo BES, situada nas Ilhas Jersey, com graves riscos.
20ª - Existe, portanto, um comportamento ilícito do BES, presumindo-se a culpa, nos termos do art.º 304º- A nº 2 do CVM.
21ª - Ao não cumprir as obrigações resultantes do estatuto com que actuou, o BES incorreu em responsabilidades contratual e pré contratual para com os AA.
22ª - O BES criou nos AA. a falsa convicção de que estavam a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo, ou produtos equivalentes, com capital e juros garantidos.
23ª - Tendo em atenção a formação e o perfil dos AA., que não são investidores qualificados, a proposta negocial do BES não pode deixar de ser interpretada como um compromisso firme de garantia daquele retorno aos AA no prazo convencionado, de acordo com a teoria da impressão do declaratário (artº 236º nº 1/CC).
24ª - Acresce que essa era a vontade efectiva dos AA., que era do conhecimento do BES (art.º 236.º n.º 2/CC) e foram ainda essas garantias de retorno, que foram asseguradas pelo Banco, que levaram os AA a celebrar o contrato com o BES.
25ª - Trata-se, portanto, de um contrato de reporte, nos termos do art.º 477.º do Código Comercial.
26ª - O próprio BES reconhece, expressamente, essa responsabilidade nos artºs 68º 75º da sua douta contestação.
27ª -A falta de reembolso das aplicações dos AA., fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento.
28ª -Como resulta inequivocamente da al. a) do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, a actividade do BES, assim como todos os activos, são transferidos para o Novo Banco, sendo que as excepções pouco significado têm, como é do conhecimento geral e resulta até dos pressupostos da deliberação do BdP, tendo ficado o património do BES praticamente esvaziado de activos e com impossibilidade de reconstituição, já que a actividade bancária passou para o Novo Banco.
29ª - Por outro lado, por força da mesma Deliberação, as responsabilidades do BES são transferidas para o Novo Banco, com excepção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efectiva perante os AA, ao contrário do que a douta sentença recorrida entendeu.
30ª -Não parece correcto o entendimento da douta sentença, uma vez que a responsabilidade do BES perante os AA., é uma responsabilidade efectiva, decorrente de obrigações contratuais e pré-contratuais e não meras “responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida”.
31ª - Tanto mais que o BdP se viu na necessidade de rectificar aquela Deliberação, através de outra tomada em 29 de Dezembro de 2015, em que integra nos “Passivos Excluídos” as responsabilidades perante os AA e outros emigrantes adquirentes das acções preferenciais.
32ª - A deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos artºs 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H do RGIF. Mas estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constitui uma manifesta violação do art.º 62.º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
33ª - O que os AA sustentam na presente acção é que as citadas disposições legais não podem ser interpretadas e aplicadas no sentido de o BdP ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos AA., interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o art.º 62.º da Constituição.
34ª - O que está em causa na presente acção não é a declaração de invalidade das deliberações do BdP, mas o reconhecimento de direitos patrimoniais dos Autores contra o BES e o Novo Banco e da sua violação ao abrigo de normas do RGICSF, que se consideram inconstitucionais, como resulta da p.i.
35ª - A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62.º, n.º 1 da Constituição, que beneficia de uma protecção constitucional idêntica aos direitos e garantias fundamentais, por ter natureza análoga, por força do art.º 17.º da Constituição.
36ª - Como tal, a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição: Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
37ª - E, conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
38ª - A interpretação do BdP às citadas normas do RGIF, constitui, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art.º 17º da Carta dos Direitos Fundamentais.
39ª - E, a interpretação dada àquelas disposições do RGIF pela deliberação do BdP de 29 de Dezembro de 2015 viola ainda o artº 101º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos AA., e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
40ª - As citadas disposições normativas não podem ser interpretadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjectivos, o que sempre seria inconstitucional.
41ª - Acresce que, nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 al. a)/CSC.
42ª - Nesta conformidade, por força do art.º 122.º, n.º 2/CSC “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.”
43ª - Acresce que o próprio Novo Banco assumiu essa responsabilidade para com os subscritores de acções preferenciais, como resulta necessariamente do Balanço de 2014, declarando que os fundos provenientes das aplicações dos clientes na SPV em causa, in casu, os AA., aparecem no activo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014.
44ª - Nem se diga, como pretende o R. NB, que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art.º 145-D, nº 1 al. c) do RGIF, segundo o qual “Nenhum accionista ou credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
45ª - Este raciocínio do R NB está viciado, porque a avaliação do património de uma sociedade, para efeitos de liquidação, pressupõe o encerramento da empresa e o valor da venda dos activos, que nada tem a ver com o valor da empresa em actividade.
46ª - Aliás, in casu, o BES não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução. Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correcções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
47ª - E a actividade bancária do BES foi transferida para o Novo Banco, que se encontra a operar e cujas acções estão à venda.
48ª - Em suma, a avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação, afecta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente dos ora AA.
49ª - Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145.º-H n.º16 do RGIF14), afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores, nomeadamente aos AA.
50ª - Este tribunal deve deixar de aplicar qualquer deliberação do Banco de Portugal na parte em que viole normas ou princípios constitucionais.
51ª - Conforme dispõe o art.º 204.º da Constituição “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
52ª - Na fiscalização em concreto, o juízo de constitucionalidade está sempre dependente de uma causa submetida a julgamento e pressupõe a interpretação e aplicação a uma situação concreta de uma norma ou e um princípio da Constituição, por uma entidade pública ou por sujeito privado.
53ª - Compete, portanto, ao tribunal a quo um juízo de constitucionalidade sobre as normas invocadas pelo Banco de Portugal para afastar as pretensões dos AA perante o BES e o Novo Banco, conforme alegado pelo AA..
54ª - Incumbindo aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.º 202.º, n.º 2 da Constituição).
55ª - E, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades - (art.º 205.º, nº 2 da Constituição).
56ª - Não se verifica, portanto, qualquer impossibilidade de apreciação por este tribunal dos pedidos do AA., pelo que não deverá haver lugar à extinção da instância em conformidade com o disposto no art.º 277º al. e) do CPC, tendo o tribunal feito uma errada interpretação deste artigo.
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANTO AO BES, S.A., EM LIQUIDAÇÃO
57ª - Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
58ª - Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
59ª - Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
60ª - A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
61ª - Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.
62ª - Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
63ª - Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
64ª - A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
65ª - Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
66ª - Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).
67ª - Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
68ª - Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
69ª - Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.
70ª - Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
71ª - Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “(…) decisão judicial ou de negócio jurídico”.
72ª - No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
73ª - Os autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do réu BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, como é do conhecimento deste réu.
74ª - Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.
75ª - A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos arts 50º e 90º do CIRE e uma errada aplicação do art.º 277º al. e) do CPC.
76ª - As causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade.
77ª - Pelo que, nos termos da parte final do art.º 536º do CPC, deverá ser o BES, ou, melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância.
78ª - A douta sentença recorrida violou o art.º 536º do Código de Processo Civil.
Terminam, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por outra que:
a) julgue improcedente a excepção extinção da instância por impossibilidade da lide quanto ao R. Novo Banco S.A.;
b) julgue improcedente a excepção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao R. Banco Espírito Santo, S.A. - em liquidação;
c) julgue procedente a presente acção e, em consequência, condene os RR. Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação e Novo Banco S.A., solidariamente, a indemnizarem os AA. dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais no valor simbólico de € 5.000,00; ou, quando assim se não entenda,
d) mande prosseguir os seus termos a presente acção declarativa quanto a ambos os RR.
O réu Novo Banco contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida ou, caso assim se não entenda, deverá absolver-se o réu do pedido.
O réu Banco Espírito Santo, SA – em liquidação (“BES”) contra-alegou, pedindo que:
(i) deverá ser negado provimento ao recurso em apreço, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com a consequente extinção da instância no que respeita ao réu BES, ora Recorrido;
(ii) deverá ser reformada a sentença recorrida no que à decisão quanto a custas diz respeito, sendo os autores condenados em custas, nos termos do disposto na primeira parte do artigo 536.º, n.º 3 do CPC.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II -FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
A matéria relevante é a que consta do relatório que antecede.
B) Fundamentação de direito
As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, são as seguintes:
- Extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide quando ao réu Novo Banco, SA;
- Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quando ao réu BES, SA;

EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANDO AO RÉU NOVO BANCO, SA.
No despacho saneador foi declarada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quando ao réu Novo Banco, SA, em conformidade com o disposto no artigo 277º alª e) do CPC.
Entendem os autores, ora apelantes, que não se verifica qualquer impossibilidade de apreciação por este tribunal dos pedidos dos autores., pelo que não deverá haver lugar à extinção da instância em conformidade com o disposto no art.º 277º al. e) do CPC, tendo o tribunal feito uma errada interpretação deste artigo.
Cumpre decidir.
Por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”), o qual determinou:
Ponto Um: constituir o NOVO BANCO, e aprovar os respectivos Estatutos (Anexo 1 da deliberação);
Ponto Dois: transferir para o NOVO BANCO, determinados activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (Anexos 2 e 2A da deliberação);
─ Ponto Três: designar uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos para o NOVO BANCO;
─ Ponto Quatro: designar os membros dos órgãos sociais do Banco Espírito Santo, S.A. – Cfr fls 130 a 140.
A resolução é, a par de outras ― mormente a intervenção correctiva e a administração provisória―, uma das medidas que o Banco de Portugal pode aplicar tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro (artigo 139º/1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”).
O artigo 140º (Aplicação das medidas), preceitua que “na adopção das medidas previstas no presente título, o Banco de Portugal não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados no artigo anterior, a combinar medidas de natureza diferente, sem prejuízo, em qualquer caso, da verificação dos respectivos pressupostos de aplicação”.
De acordo com o artigo 140º -E nº 4 “a aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção correctiva nem prejudica a sua aplicação em qualquer momento”.
A lei atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, bem como dos princípios gerais da adequação e da proporcionalidade (artigo 139º nº 2 do RGICSF), “(…) decidir em função do que melhor convier aos objectivos do reequilíbrio financeiro da instituição, da protecção dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro como um todo e da salvaguarda do erário público”.
A resolução foi introduzida inovatoriamente pelo Decreto-Lei nº 31º-A/2012, de 10 de Fevereiro, que “(…) substituiu o regime de saneamento (…) previsto no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (…) por uma nova disciplina legal caracterizada pela existência de três fases de intervenção distintas ― intervenção correctiva, administração provisória e resolução”.
A inovação residiu no seguinte:
“À luz do regime vigente até à data, quando uma instituição de crédito se encontrava numa situação de desequilíbrio financeiro muito grave, sem perspectivas realistas de recuperação, o ordenamento jurídico oferecia às autoridades, como única alternativa de actuação, a revogação da respectiva autorização para o exercício da actividade e sua subsequente entrada em liquidação, ou, em situações de maior gravidade sistémica, a sua possível nacionalização, com custos inerentes para o erário público”.
Uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (artigo 145º-E nº 1 alª b) do RGICSF).
No âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal determina a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (artigo 145º-O nº 1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (artigo 145º-P nº 1 do RGICSF).
Foi o que o Banco de Portugal fez no caso do BES: aplicou uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. ─ transferência parcial da actividade ─ e constituiu uma instituição de transição (NOVO BANCO, S.A.), por se revelar “(…) como a única medida que garantia a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permitia isolar, em definitivo, o novo banco dos riscos criados pela exposição do Banco Espírito Santo, SA a entidades do Grupo Espírito Santo” (cf. Considerando (11) da deliberação do Banco de Portugal supra citada) – fls 132 vº.
Ao abrigo dos poderes discricionários (artigo 145º-C nº 2 do RGICSF) que lhe são conferidos pela lei (artigo 145º-O nº 1), o Banco de Portugal determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos do BES para o NOVO BANCO.
Assim, no Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal integrou na categoria de «Passivos Excluídos» ― responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o NOVO BANCO ― “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (alínea b), subalínea (v)) – doc fls 140 a 141.
Posteriormente, por deliberação de 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal decidiu clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES transferidos para o NOVO BANCO – doc fls 144 a 148.
Nesta deliberação, o Banco de Portugal entendeu que “deve ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto” (Considerando (21) da deliberação de 11 de Agosto de 2014) – doc. fls 145 vº.
Assim, a subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 passou a ter a seguinte redacção:
“Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (alínea H) da deliberação de 11 de Agosto de 2014) – doc. fls 147.
Continuando a seguir de perto a douta contestação do Novo Banco, já após a interposição da presente acção, mais precisamente em 29 de Dezembro de 2015 as subalíneas(v) e (vii) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014 foram objecto de nova clarificação através de duas deliberações do Banco de Portugal - doc. fls 98 a 100 e 107 a 109.
Nessas deliberações, o Banco de Portugal decidiu:
A) Clarificar que, nos termos da alínea b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos do BES para o NOVO BANCO quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B) Em particular, clarificar não terem sido transferidos do BES para o NOVO BANCO inter alia:
Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos em anexo, entre os quais o Banco de Portugal incluiu, expressamente, os presentes autos.
C) Na medida em que, não obstante as clarificações efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o NOVO BANCO quaisquer passivos do BES que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, são os referidos passivos retransmitidos do NOVO BANCO para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014;
D) Determinar que o Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do NOVO BANCO deverão praticar todos os actos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões operadas pelo Banco de Portugal, em particular, inter alia:
Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas na alínea A), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários àquelas decisões;
Requerer a imediata junção da deliberação do Banco de Portugal aos autos em que sejam parte.
O presente processo judicial está expressamente incluído nos anexos às referidas deliberações – Cfr fls 103 vº.
Acresce que nas referidas deliberações de 29 de Dezembro de 2015, foi igualmente alterada a redacção da subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 que passou a ter a seguinte redacção:
“Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
Por conseguinte, refere a douta contestação do Novo Banco que, também por esta via, e de acordo com a nova redacção da subalínea (vii), se conclui que não houve transferência para o Novo Banco das eventuais responsabilidades do BES assumidas na comercialização, intermediação financeira de acções preferenciais. A resolução do BES e a constituição do NOVO BANCO não é uma simples cisão prevista e regulada no artigo 118º e ss do Código das Sociedades Comerciais. A resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.
O artigo 145º-O (Transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição), preceitua no seu nº 10 que “o Código das Sociedades Comerciais é aplicável às instituições de transição, com as necessárias adaptações aos objectivos e à natureza destas instituições”.
A primeira instância fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“Ainda neste âmbito, importa considerar, igualmente, o Aviso do Banco de Portugal nº 13/2012, de 8 de Outubro de 2012, o qual veio estabelecer “as regras necessárias à criação e ao funcionamento de bancos de transição” - cf. art. 1.º., sendo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do mesmo Aviso, sob o título “Regime dos bancos de transição”, estabeleceu-se que: «Os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições». Acrescenta o nº 3 do mesmo artigo 2º que: «Os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF».
No âmbito do descrito quadro jurídico, o Banco de Portugal tomou desde Julo de 2014 várias deliberações, que constam todas publicitadas no sítio da Internet de tal instituição, sendo o seu teor acessível em:
https://www.bportugal.pt/ptPT/OBancoeoEurosistema/Esclarecimentospublicos/Paginas/DeliberacoesBes.aspx- a saber: -Deliberação do Conselho de Administração de 30 de Julho de 2014; - Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Novo Banco, S.A.; - Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a aplicação de uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A.; - Deliberação sobre clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA (BES), transferidos para o Novo Banco, SA. (Novo Banco); - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, sobre dispensa temporária do Banco Espírito Santo, SA, da observância de normas prudenciais e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de agosto de 2014; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 13 de maio de 2015; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada “Contingências”; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de “Perímetro”; e - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de 'Retransmissão'.
A deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 sobre a aplicação de uma medida de resolução ao “Banco Espírito Santo, S.A.” assentou em diversos considerandos, a saber: - A divulgação, em 30-07-2014, dos resultados do Grupo Espírito Santo relativos ao 1.º semestre de 2014, com um registo de prejuízo de 3577,3 milhões de euros, reflectindo “a prática de actos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do Banco Espírito Santo, S.A. e a violação de determinações do Banco de Portugal que proibiam o aumento da exposição a outras entidades do Grupo Espírito Santo” (considerando n.º 1); - “As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individual e consolidado, colocando-os globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam actualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total” (considerando n.º 2); - “Verifica-se assim um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal (...)” (considerando n.º 3);- A impossibilidade de o BES, S.A. promover uma solução de recapitalização do banco, nos termos e prazos solicitados pelo Banco de Portugal, impossibilidade essa, comunicada em 31-07-2014 ao Banco de Portugal (considerando n.º 4); - A situação de grave insuficiência de liquidez, tendo desde o fim de Junho até 31-07-2014, o BES, AS diminuído em cerca de 3.350 milhões de euros a posição de liquidez (considerando n.º 5); - A suspensão do BES, S.A. do estatuto de contraparte do Banco Central Europeu, decidida em 01.08.2014, com efeitos a partir de 04-08-2014, a par da obrigação daquele de reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 mil milhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de Agosto (considerando n.º 6);
Nessa linha, concluiu-se que estando “o Banco Espírito Santo, SA, numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações” e, não sendo tomada, com urgência, a “medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma seria ameaça para a estabilidade financeira” (considerando n.º 7).
Desta forma, ainda segundo a mesma Deliberação de 3 de Agosto, era necessária, “imperativa e inadiável uma medida de defesa dos depositantes, de forma a evitar uma ameaça a segurança dos fundos depositados”. Neste contexto, e como se salienta na mesma Deliberação, na ausência de outras “soluções imediatas viáveis de alienação da actividade do Banco Espírito Santo, SA” (considerando n.º 11) considerou-se que, a criação de um banco para o qual era transferida a totalidade da actividade prosseguida pelo Banco Espírito Santo, SA., “bem como um conjunto dos seus activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão”, constituía “a única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permite isolar, em definitivo, o novo banco dos riscos criados pela exposição do Banco Espírito Santo, SA a entidades do Grupo Espírito Santo” (cf. o mesmo considerando n.º 11).
Tendo em conta estes pressupostos, o mesmo Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou a constituição do “Novo Banco, S.A.”, com transferência para esta nova instituição bancária de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do “Banco Espírito Santo, SA.” Por sua vez, no referido Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 que determinou a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do “Banco Espírito Santo, SA”, para o “Novo Banco, SA.”, são referidos os critérios que presidirão à aludida transferência: «(a) Todos os activos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA com excepção dos seguintes: (...).
(b) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”): (i) (...); (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra ordenacionais; (vi) (...). (d) Os activos sob gestão do BES ficam sob gestão do Novo Banco, S.A. (...). Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, SA, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do artigo 145.º H, nº 5».
Em 11-08-2014, o Banco de Portugal emitiu nova deliberação com vista a clarificar e ajustar o “perímetro” do Novo Banco, S.A. (cf. o ponto “Agenda” de tal deliberação) e, consequentemente, também, do BES, introduzindo diversas alterações e rectificações ao texto da aludida deliberação de 03-08-2014. Entretanto, posteriormente, em 29 de Dezembro de 2015, o Banco de Portugal emitiu, como se disse, três novas deliberações, denominadas “Contingência”, “Perímetro” e “Retransmissão”.
Na deliberação “Contingência” pode ler-se que a mesma é adoptada relativamente “ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como activos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas) na redacção que lhe foi dada ela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)” Por sua vez, na mesma data – 29-12-2015 – foi emitida pelo Banco de Portugal a denominada deliberação “Perímetro” de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(...) A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00h), com as clarificações e ajustamentos introduzidos ela deliberação de 11 de agosto de 2014 ( 17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de agosto” para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do Novo Banco (“Novo Banco”) determinou igualmente a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (“Banco Espírito Santo” ou “BES”) ara o Novo Banco descritos no Anexo 2 à mesma Deliberação de 3 de agosto (…). Anexo I: I. Lista de responsabilidades litigiosas relativas aos processos judiciais pendentes em Tribunais em Portugal: 1. Processos existentes a 3 de agosto de 2014 (...). 2. Processos iniciados após 3 de Agosto de 2014 (relativos a factos anteriores à aplicação da medida de resolução): (...)"
Nos termos da subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo à Deliberação Perímetro estabelece-se que ficaram excluídas da transferência do BES para o Novo Banco, S.A. “ quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades (...)”.
Na alínea B) da deliberação “Contingências” e na alínea b), do Anexo 2C da deliberação Perímetro, é feita uma delimitação de não transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco, S.A.. (...)
Assim, na operação de criação de um novo banco de transição, o Banco de Portugal, entidade competente para o efeito, determinou, no âmbito de exercício dos respectivos poderes, que não fossem objecto de transferência ou transição ou transmissão para o aludido banco de transição, as responsabilidades pretendidas accionar por via da presente acção, as quais não foram transmitidas para o Novo Banco, S.A., radicando, por isso, na esfera primária do Banco Espírito Santo, S.A., de onde não saíram. Note-se que, a intervenção efectuada pelo Banco de Portugal em 29-12-2015, na medida da clarificação que efectua, sobreleva sobre qualquer outro sentido que pudesse decorrer da versão originária da deliberação de 03-08-2014 ou de alguma alteração posterior, designadamente, relativamente ao teor do Anexo A a tais deliberações, afigurando-se perfeitamente legítimo o exercício da competência levada a efeito pelo Banco de Portugal.
Sublinhe-se, adicionalmente, que, de acordo com o que consta das deliberações acima aludidas, se, porventura, alguma responsabilidade relacionada com as pretensões deduzidas nos presentes autos se pudesse ter, por algum meio ou em algum momento, considerada por transmitida para o Novo Banco, S.A., a mesma sempre seria de considerar retransmitida – com efeitos retroactivos à data da medida de resolução – para o BES, radicando, sempre, na esfera jurídica desta entidade e, não, na do banco de transição.
Em face de tudo o exposto, a potencial imputação de qualquer responsabilidade que pudesse decorrer em razão da eventual violação de deveres por parte do BES na comercialização e intermediação financeira, nomeadamente violação do dever de informação, em data anterior a 03-08-2014, mostra-se, em todo e em qualquer caso, por via das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, absolutamente excluída, qualquer o título de responsabilização em que se pretendesse fundar a correspondente pretensão.
Por outro lado, (...), as deliberações ultimamente proferidas, configuram uma verdadeira “interpretação autêntica” do teor da Medida de Resolução, proferida pelo órgão competente da autoridade reguladora com competência legal para o efeito.
De todo o modo, não poderá considerar-se que as deliberações “Contingência” e “Perímetro” são ilegais, designadamente, porque violam o disposto no artigo 145.º-O, n.º 1, 5 e 6, e na medida que atingem, interpretam e alteram as Deliberações de 03.08.2014 e 11.08.2014, também estas estão feridas de ilegalidade”.

A resolução estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 62º da Constituição, conforme sustentam os autores?
É o que importa agora decidir.
A douta sentença, em notável síntese, decidiu que, como resulta inequívoco do próprio teor das deliberações tomadas, com as mesmas, o BdP não pretendeu criar novos direitos a favor de quem não os tivesse, nem coarctar direitos existentes. O regime de garantia dos potenciais credores de uma instituição financeira assenta, como em geral, relativamente a qualquer sociedade anónima (natureza que uma instituição de crédito deve adoptar – cf. artigo 14.º, n.º 1, al. b) do RGICSF), no respectivo capital social (cf. artigo 14.º, n.º 1, al. d) e n.º 3, do RGICSF e 601.º do CC). E, ainda que, a intervenção do Banco de Portugal possa ter decisivas implicações no ulterior património social do BES, nem assim, se afigura que haja alguma violação da lei ou do texto constitucional pela deliberação com o âmbito que nela foi expresso, nomeadamente as invocadas pelos autores no seu articulado de resposta à requerida extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
A medida de resolução tomada pelo BdP e, bem assim, as clarificações e concretizações tomadas por tal instituição, a respeito do BES e do banco de transição – Novo Banco – criado têm, como já se deixou expresso, suporte legal, e as mesmas não se afigura ofenderem as normas constitucionais ou legais em vigor. As deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, na medida em que asseveram a irresponsabilização do Novo Banco, S.A., seja a que titulo for, por responsabilidades que radicam na esfera do BES, tendo por base a actividade deste antes da medida de resolução – onde, claro está, se insere toda a actuação que fundamenta qualquer das pretensões dos autores nos presentes autos, configura uma causa que determina, quanto ao Novo Banco, S.A., a impossibilidade superveniente da lide determinativa de extinção da instância quanto a tal ré."
Ainda a propósito da inconstitucionalidade dos artigos 145-B n.º 1 al.c) e 145-B n.º 3 e 145-H do RGICSF com a interpretação dada pela deliberação do BdP de 3 de Agosto, com a rectificação de 29 de Dezembro de 2015, por violação do direito de propriedade garantido pelo art.º 62º n.º 1 da Constituição, há que ter presente, como é referido no Ac. do TC n.º 620/2004 de 20-10-2004: “ (…) Na verdade, mesmo admitindo, como se afirmou, por último, no Acórdão n.º 273/2004, já citado, que "da garantia constitucional da propriedade privada se extrai a garantia (constitucional também) do direito do credor à satisfação do seu crédito", isto não implica, como bem se afirma no parecer junto aos autos, que "essa garantia, em todo o seu alcance, se transforme num direito subjectivo fundamental do credor, como se fosse uma faculdade nuclear do direito de propriedade". De facto, como também se afirma naquele aresto, apenas os meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial do direito do credor integram a dimensão essencial do direito de crédito que pode ser objecto de tutela no artigo 62.º da Constituição. Não é, assim, possível afirmar que a garantia geral das obrigações pelo património do devedor, na integral dimensão em que é consagrada no artigo 601.º do Código Civil, seja materialmente constitucional ou que tal garantia deva ser considerada como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
Do mesmo modo que não é possível concluir, ao contrário do que parece resultar da decisão recorrida e do alegado pelo recorrido, que qualquer restrição legislativa a essa mesma garantia esteja submetida ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição.(…)”.
Em consequência, não se verifica a apontada inconstitucionalidade, pois no caso concreto, a transferência dos activos do BES para o Novo Banco, desacompanhada dos passivos não altera, transforma ou limita os meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial do direito do credor.
Por outras palavras, aos AA não está vedada a possibilidade de reclamarem o seu crédito; a questão de saber se com a medida tomada pelo BdP, os AA. vão reaver o seu investimento é diversa da violação da tutela da garantia patrimonial do crédito. Em consequência, não se verifica a apontada inconstitucionalidade”.
A Constituição consagra no seu artigo 101º que “ o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”.
Louvando-nos novamente na, aliás, douta contestação do Novo Banco, “deve, pois, concluir-se que a resolução bancária tem cobertura constitucional, porquanto, através, designadamente, da constituição de uma instituição de transição, permite, em especial, preservar a estabilidade do sistema financeiro no seu todo, salvaguardar as funções bancárias desempenhadas pela instituição de crédito em crise e proteger os depositantes, como, outrossim, com a resolução da instituição de crédito, tutela os contribuintes e ressalva o erário público.
Segundo o Banco de Portugal, sem a resolução, o BES teria entrado em liquidação.
Com efeito, como se lê no Considerando (7) da deliberação de 3 de Agosto de 2014 do Banco de Portugal: “(…) não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira“.
A verdade é que a resolução não agravou a posição jurídica que os autores teriam se o BES tivesse entrado em liquidação. Com efeito, a lei estabelece como princípio orientador da aplicação das medidas de resolução que nenhum credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação (artigo 145.º-D/1/alínea c)21do RGICSF), competindo ao Fundo de Resolução suportar a diferença se se concluir que o Autor teve um prejuízo com a resolução superior ao que teria tido se o Banco Espírito Santo, S.A. tivesse entrado em liquidação (artigo 145.º-H/1622 do RGICSF).
Em suma: o regime jurídico da resolução bancária concilia, em termos de concordância prática, os interesses e os valores constitucionais prima facie conflituantes, porquanto:
a) Promove a preservação das funções bancárias da instituição de crédito objecto de resolução, assegurando a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia (artigo 145.º-C/1/alínea a) do RGICSF; artigo 101.º da Constituição ― garantir a “aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”);
b) Previne a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades do sistema financeiro e mantendo a disciplina no mercado (artigo 145.º- C/1/alínea b) do RGICSF; artigo 101.º da Constituição ― “garantir a formação, captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”);
c) Salvaguarda os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio público extraordinário (artigo 145.º- C/1/alínea c) do RGICSF);
d) Protege os depositantes (artigos 145.º-C/1/alínea d) e 145.º-D/1/alínea d) do RGICSF; artigo 101.º da Constituição ― “garantir (…) a segurança das poupanças,)
c) Não agrava a posição jurídica dos accionistas e credores da instituição de crédito objecto de resolução ― a quem cabe suportar prioritariamente os prejuízos da instituição em causa (artigo 145.º-D/1/alíneas a) e b) do RGICSF), na medida em que não podem suportar um prejuízo superior ao que suportariam caso essa instituição entrasse em liquidação (artigo 145.º-D/1/alínea c) do RGICSF), não havendo, assim, nem violação da garantia jusfundamental do direito de propriedade consagrada no artigo 62.º/2 da Constituição), nem tão-pouco inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade entre credores (artigo 13.º/1 da Constituição).
O direito de propriedade não é um direito absoluto, devendo compatibilizar-se com outras exigências constitucionais, assumindo o direito de propriedade uma função social.
O acórdão da Relação de Lisboa de 07.03.2017 decidiu nos seguintes termos:
“Podem ocorrer actos ablativos do direito de propriedade desde que encontrem cobertura ou justificação constitucional. O Artigo 62º da Constituição deixa ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação do direito de propriedade desde que as soluções encontradas respeitem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade. A medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos (Artigo 101º da Constituição), observando-se o princípio da adequação. As medidas alternativas de intervenção correctiva e de administração provisória (cf. Artigos 139º, 141º e 144º, alínea a), do RGICSF) não constituíam alternativas tempestivas e eficazes para atingir os mesmos desideratos referidos em a), atento a situação financeira em que estava o BES (princípio da exigibilidade). A transferência de activos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, foi condição sine qua non do êxito da medida porquanto, sem tal transferência selectiva, o risco sistémico ficaria incólume (princípio da proporcionalidade em sentido estrito) ”.
Improcedem, deste modo, as conclusões das alegações dos apelantes, nesta parte.
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANDO AO RÉU BES, SA
Os apelantes entendem que se deve julgar improcedente “a excepção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao réu Banco Espírito Santo, SA, em liquidação”.
A douta sentença julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC, no que respeita ao réu Banco Espírito Santo, SA, em liquidação.
E fê-lo da seguinte forma:
“No que respeita ao Banco Espírito Santo, SA, em liquidação, veio este R. apresentar requerimento alegando que tendo sido revogada a autorização para o exercício da actividade bancária do BES, pelo BCE, tal revogação equivale à declaração de insolvência do Banco, razão pela qual, por força do disposto no art.º 90º do CIRE, apenas no processo de insolvência e de acordo com os meios processuais previstos no CIRE podem os credores da insolvência exercer os seus direitos na pendência deste processo. Assim, a declaração de insolvência do BES, associada ao prosseguimento do processo de liquidação judicial, implica a inutilidade superveniente da lide no que ao Réu BES respeita. No entanto, porque a decisão do BCE ainda não estava, à data, transitada entendendo-se não haver fundamento para a imediata extinção da instância por inutilidade da lide, deve ser declarada a suspensão da instância até que se torne definitiva a decisão do BCE que revogou a autorização para o exercício da actividade do BES, após o que deverá ser declarada a extinção da instância quanto a este réu. Responderam os autores, que o regime do CIRE relativo à reclamação de créditos não significa que os créditos não possam ou não tenham que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando se trate de créditos comuns com origem na responsabilidade civil. A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados. O legislador no CIRE não determina a suspensão das acções declarativas e mesmo o regime excepcional previsto no art.º 85º do CIRE não determina a apensação automática destas acções, não sendo este regime extensivo a todas as acções declarativas. Se o credor com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente. Pelo contrário, se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente, devendo, nesse caso o crédito ser contemplado e devidamente graduado e acautelado no processo de insolvência como crédito sujeito a condição suspensiva. Face à alteração da redacção do art.º 50º do CIRE, a Jurisprudência Uniformizada pelo STJ no Ac. 1/2014 perdeu actualidade e validade. Os AA. reclamaram o seu crédito no processo de insolvência do BES. Peticionam o indeferimento do requerido pelo BES. Cumpre decidir: A decisão a que a lei (DL 199/2006 de 25 de Outubro, alterado pelo DL n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro – art.º 8º n.º 2) confere os efeitos da declaração de insolvência é a decisão do Banco Central Europeu de revogação da licença para o exercício da actividade bancária pelo BES. Caso os presentes autos tivessem entrado em juízo após a decisão do BCE (datada de 14 de Julho de 2016), é manifesto que se verificaria uma situação de impossibilidade originária da lide, pois que após a propositura da acção e durante a pendência do processo de insolvência, rege o art.º 90º do CIRE, nos termos do qual, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE. Os credores da insolvência são os indicados no art.º 47º do CIRE. Os preceitos referidos no art.º 90º são os art.ºs 128º e ss. do CIRE que regem a verificação de créditos, e bem assim, sendo caso, os art.ºs 146º e ss. que se reportam à verificação ulterior de créditos. No entanto, não é este o caso dos autos, já que à data da declaração de insolvência do BES, já os AA. tinham intentado a presente acção. Sendo esta, conforme já foi referido, uma acção declarativa de condenação para pagamento de quantia atinente a indemnização resultante da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil contratual e, porventura extracontratual, duas hipóteses podem ser equacionadas no caso concreto: Ou a decisão do BCE que equivale à declaração de insolvência do BES está transitada ou não. Na primeira hipótese tem plena aplicação ao caso a jurisprudência uniformizada constante do Ac. do STJ 1/2014, discordando-se, nesta matéria da posição assumida pelos AA. Basta ler a anotação ao art.º 50º do CIRE, constante do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 2ª Ed., Quid Iuris, Lisboa 2013, pág. 318, para concluirmos que a definição de condição suspensiva prevista no CIRE, diferente, por mais abrangente, da prevista no C. Civ., teve em vista sujeitar ao regime dos créditos sob condição suspensiva em sentido próprio, situações das quais podem vir a nascer créditos por exercício de um direito potestativo. Tal significa que se encontram abrangidos pelo art.º 50º créditos validamente constituídos e créditos cuja constituição e validade decorram de facto futuro e incerto. No primeiro caso, o facto futuro e incerto projecta-se apenas na eficácia típica do evento gerador do crédito e não na validade ou constituição desse evento. Assim, o acontecimento futuro e incerto, por força de decisão judicial, opera ao nível da eficácia do evento. No segundo caso, o conteúdo dos créditos está integralmente fixado, mas a própria génese está dependente da verificação de facto futuro e incerto. Ora, atenta a alegação dos AA., não estão demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que está em causa a própria constituição e validade do evento que gera o crédito. No entanto esse evento não nasce com a decisão judicial, não sendo futuro e incerto. O evento gerador do crédito traduz-se na conduta de incumprimento contratual e, porventura ilícita, imputada pelos AA. ao BES, constituindo, nessa medida um facto passado. No entanto, e tal como decorre da alegação dos AA. está também em causa o conteúdo do crédito, já que são os próprios AA. que admitem não poder quantificar tal crédito, por ainda não se ter procedido à liquidação da SPV, razão pela qual relegaram o mesmo para execução de sentença. Ora, a liquidação do veículo de investimento é um facto futuro, mas não será incerto. O facto de os AA. não poderem calcular se vão receber alguma quantia no processo de liquidação do BES não interfere com a qualificação, como condicional, de tal crédito, pois não é juridicamente aceitável que cumulem créditos peticionados na presente acção com créditos reconhecidos nos autos de liquidação universal do BES, sob pena de enriquecimento sem causa. Assim, não assume o direito de crédito invocado pelos AA. natureza condicional, pelo menos com a configuração que os AA. lhe deram nos presentes autos. Mesmo que assim não se considerasse, o certo é que por força do preceituado no art.º 128º n.º 3 do CIRE, ainda que os AA. nesta acção obtivessem sentença condenatória do BES, transitada em julgado, sempre teriam que ir reclamar os seus créditos à liquidação do BES, para obterem o respectivo pagamento, não possuindo a sentença proferida nestes autos força executiva no processo de liquidação judicial do BES. Ora, tal como resulta da análise do documento junto aos autos a fls.300, pelo R. Banco Espírito Santo, SA, em liquidação, da decisão do BCE de revogação da licença para o exercício da actividade bancária não foi interposto recurso, nos termos previstos no art.º 263º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, mostrando-se decorrido o prazo previsto no mesmo normativo legal. Em consequência, mostra-se transitada a decisão do Banco Central Europeu. Tal como decidiu o STJ, no Acórdão Uniformizador 1/2014 de 25 de Fevereiro: “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”. Aplicando a jurisprudência uniformizada, com as devidas adaptações, atendendo a que no caso dos autos a declaração de insolvência não está contida numa sentença, mas existe uma decisão de uma entidade administrativa, à qual a lei atribui os efeitos de tal declaração, não impugnada, cumpre declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao R. Banco Espírito Santo, SA, em liquidação. Pelos fundamentos expostos, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC, no que respeita ao R. Banco Espírito Santo, SA, em liquidação”.
Concordamos totalmente com a solução da primeira instância. No mesmo sentido foi decidido pelo citado Acórdão da Relação de Lisboa de 07.03.2017, assim sumariado:
“Atenta a deliberação do Banco Central Europeu, de 15.7.2016, que revogou ao Banco Espírito Santo, SA, a autorização para o exercício da actividade bancária, não tendo sido interposto recurso desta deliberação para o Tribunal Geral da União Europeia, impõe-se a extinção da instância em acção movida contra o BES por inutilidade superveniente da lide, devendo os autores reclamar o seu crédito no âmbito da liquidação do BES”.
No tocante à responsabilidade pelas custas, mantém-se o decidido pela 1ª instância, nos termos do artigo 536º nº 3 do Código de Processo Civil.
Improcedem, também as restantes conclusões das alegações dos apelantes.
CONCLUINDO
- A resolução é, a par de outras ― mormente a intervenção correctiva e a administração provisória―, uma das medidas que o Banco de Portugal pode aplicar tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro (artigo 139º nº 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
- Uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (artigo 145º-E nº 1 alª b) do RGICSF).
- No âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal determina a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (artigo 145º-O nº 1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (artigo 145º-P nº 1 do RGICSF).
- Foi o que o Banco de Portugal fez no caso do BES: aplicou uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, SA ─ transferência parcial da actividade ─ e constituiu uma instituição de transição (NOVO BANCO, SA), por se revelar “(…) como a única medida que garantia a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permitia isolar, em definitivo, o novo banco dos riscos criados pela exposição do Banco Espírito Santo, SA a entidades do Grupo Espírito Santo” (cf. Considerando (11) da deliberação do Banco de Portugal supra citada).
- A resolução do BES e a constituição do NOVO BANCO não é uma simples cisão prevista e regulada no artigo 118º e ss do Código das Sociedades Comerciais. - A resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.
- A potencial imputação de qualquer responsabilidade que pudesse decorrer em razão da eventual violação de deveres por parte do BES na comercialização e intermediação financeira, nomeadamente violação do dever de informação, em data anterior a 03-08-2014, mostra-se, em todo e em qualquer caso, por via das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, absolutamente excluída, qualquer o título de responsabilização em que se pretendesse fundar a correspondente pretensão.
- “Podem ocorrer actos ablativos do direito de propriedade desde que encontrem cobertura ou justificação constitucional. O Artigo 62º da Constituição deixa ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação do direito de propriedade desde que as soluções encontradas respeitem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade. A medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos (Artigo 101º da Constituição), observando-se o princípio da adequação. As medidas alternativas de intervenção correctiva e de administração provisória (cf. Artigos 139º, 141º e 144º, alínea a), do RGICSF) não constituíam alternativas tempestivas e eficazes para atingir os mesmos desideratos referidos em a), atento a situação financeira em que estava o BES (princípio da exigibilidade). A transferência de activos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, foi condição sine qua non do êxito da medida porquanto, sem tal transferência selectiva, o risco sistémico ficaria incólume (princípio da proporcionalidade em sentido estrito) ”.
- “Atenta a deliberação do Banco Central Europeu, de 15.7.2016, que revogou ao Banco Espírito Santo, SA, a autorização para o exercício da actividade bancária, não tendo sido interposto recurso desta deliberação para o Tribunal Geral da União Europeia, impõe-se a extinção da instância em acção movida contra o BES por inutilidade superveniente da lide, devendo os autores reclamar o seu crédito no âmbito da liquidação do BES.

III - DECISÃO
Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 11 de Maio de 2017

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais

Isoleta de Almeida Costa