Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
204654/09.1YIPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
INSOLVÊNCIA
SOLIDARIEDADE DOS AUTORES
DIREITOS DO CREDOR
Nº do Documento: RP20160229204654/09.1YIPRT-A.P1
Data do Acordão: 02/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 619, FLS.475-490)
Área Temática: .
Sumário: I - Declarada a insolvência de um dos réus na pendência da ação declarativa, na qual se discute o cumprimento de obrigações pecuniárias constituídas em data anterior à declaração de insolvência, tal circunstância determina a extinção da instância, quanto ao réu insolvente, por inutilidade superveniente da lide.
II - Demandados vários réus em solidariedade, a natureza da obrigação não impede à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide em relação ao devedor insolvente.
III - A conjugação do regime previsto nos art. 518º, 519º do CC com os arts. 95º e 179º do CIRE permite as seguintes conclusões:
- a declaração da situação de insolvência de um dos obrigados solidários, não impede que o credor exerça judicialmente os seus direitos contra os demais, pela totalidade da divida;
- o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas apenas exceciona as situações em que vários devedores solidários estão declarados em situação de insolvência.
- quando apenas um dos devedores solidários está declarado em situação de insolvência o credor não fica impedido de exigir o pagamento do seu crédito, pela totalidade, dos demais coobrigados ou garantes, devedores solidários, impondo-se apenas que dê conhecimento no processo de insolvência das quantias recebidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Insolv-Inut204654-09.1YIPRT-A.P1
Comarca do Porto Este
Proc. 204654-09.1YIPRT-A
Proc. 29/16-TRP
Recorrentes: “B…,ACE” e “C…, S.A.”
D…, SA
Recorrido: Massa Insolvente E…, SA

Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Rita Romeira
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação que segue a forma de processo ordinário, a qual iniciou os seus termos como procedimentos de injunção, em que figuram como:
- AUTORA: F…, Sa Rua…, Nº … – …-… PORTO; e
RÉUS: G…, Lda com sede no Lugar de …, ….-… …..;
E…, Sa, com sede na Rua…, Nº .1, ….-… MAIA
B… - …, com sede na Rua…, …-… MAIA
C…, Sa, com sede em …., Barcelona
Pede a requerente a condenação solidária dos requeridos no pagamento da quantia € Capital: € 1.005.665,81 Juros de mora: € 83.183,02 à taxa de: 0,00%, e Taxa de Justiça paga: € 76,50.
Alegou para o efeito que o 1º Requerido, Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), por contrato de subempreitada, celebrado em 23.07.2007, subadjudicou à Requerente a execução de todos os trabalhos de serralharia pesada, mais concretamente o fabrico e montagem de Passagens Superiores (PS), da Empreitada de Construção do Alargamento e Beneficiação Para … Vias do Sublanço …, da A1 (a Empreitada Geral), que a H… anteriormente lhe adjudicara.
A subempreitada foi contratada sob o regime de Preço Global, ou a forfait, sendo o respetivo valor de € 3.300.029,07 (três milhões e trezentos mil, vinte e nove euros e sete Cêntimos), e com datas de início em 14.09.2007 e termo em 30.11.2008.
No âmbito da referida subempreitada, a Requerente deu início aos trabalhos, que foi executando até 02.02.2009, data em que o ACE, de forma unilateral e á revelia da Requerente, pôs termo ao contrato, assim se constituindo em incumprimento contratual. Incumprimento contratual que, para além das faturas em divida provocou à Requerente outros sobrecustos, nomeadamente por défice de encargos e por encargos financeiros, conforme reclamação apresentada pela Requerente ao 1º Requerido em 09.01.2009, e que será objeto da apropriada demanda judicial. De resto, nessa demanda judicial serão também reclamadas outras faturas cuja obrigação de pagamento foi recusada pelos Requeridos.
Mais refere que as faturas reclamadas que ascendem ao capital global de € 1.005.665,81, respeitam justamente à execução de trabalhos objeto daquela subempreitada, concretamente, materiais que a Requerente adquiriu para fabricar as passagens superiores, fabrico das passagens superiores, transporte para a obra das passagens superiores e montagem das passagens superiores, as três primeiras faturas, respeitando a quarta fatura a trabalhos a mais, isto é, não incluídos no objeto inicial do contrato mas que o 1º Requerido deu ordens para a sua execução:
Fatura nº ……… no valor de 489.530,56 € + juros entre 03-08-2008 e 22-06-2009 (22.418,76 € (151 dias a 11,07%) + 22.042,29 € (173 dias a 9,50%));
Fatura nº …….. no valor de 148.202,03 € + juros entre 02-09-2008 e 22-06-2009 (5.438,69 € (121 dias a 11,07%) + 6.673,15 € (173 dias a 9,50%));
Fatura nº ………. no valor de 338.270,66 € + juros entre 03-10-2008 e 22-06-2009 (9.233,40 € (90 dias a 11,07%) + 15.231,45 € (173 dias a 9,50%));
Fatura nº ……… no valor de 29.662,56 € + juros entre 03-10-2008 e 22-06-2009 (809,67 € (90 dias a 11,07%) + 1.335,63 € (173 dias a 9,50%).
As referidas faturas, nos termos do contrato, venciam-se a 90 dias após a sua receção pelo 1º Requerido, sendo certo que, apesar de as rececionar, pelo menos, em, respetivamente, 03.05.2008, 02.06.2008, 03.09.2008 e 03.09.2008, o 1º Requerido as não pagou, apesar de várias vezes interpelado pela Requerente para o efeito.
Consignou-se que a Requerente emitiu, em junho de 2008, uma Nota de Crédito a favor do 1º Requerido, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros), o qual deverá ser deduzido ao valor global em dívida, embora por imputação no crédito de juros de mora, como prevê o Artº 785º do Código Civil.
Nos termos da lei, as 2ª, 3ª e 4ª Requeridas são responsáveis, em regime de solidariedade passiva, pelo pagamento das dívidas do 1º Requerido, concretamente pelo pagamento da dívida aqui reclamada, motivo pelo qual também se deduziu injunção contra elas.

Os requeridos notificados vieram deduzir oposição, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção, suscitam a ineptidão da petição, por falta de pedido e causa de pedir.
Admitem que foi celebrado entre as partes o contrato a que se alude na petição, o qual por circunstâncias anómalas e não imputáveis aos réus cessou os seus efeitos, circunstâncias essas que eram do conhecimento da autora. Refere, ainda, que parte da matéria prima – estrutura metálica – foi faturada, mas não foi incorporada na obra. A Autora recebeu da empresa I…, que sucedeu ao ACE na execução da obra, o valor faturado ao ACE e por isso, ao reclamá-lo das rés está a pretender receber duas vezes o mesmo valor. Este procedimento repete-se em relação a outros materiais e obras.
Entendem os réus que a obra executada pela autora carece de medição para se poderem fechar as contas finais entre as partes.
Por fim, imputam a mora ao credor, para concluir que não são devidos juros.

A Autora veio responder.

O processo prosseguiu os seus termos, com incidentes de habilitação de cessionário e elaborou-se o despacho saneador e o despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova.

Entrando o processo na fase de produção de prova e constando dos autos a informação que a ré E…, Sa foi declarada em estado de insolvência, proferiu-se despacho que convidou as partes a pronunciarem-se sobre os efeitos processuais da declaração de insolvência (data de 01 de julho de 2015 – ref. 354066875).

Em 01 de setembro de 2015, D…, SA que sucedeu na posição da autora, por efeito da habilitação promovida nos autos, veio pronunciar-se no sentido de existir interesse por parte da ré-insolvente em prosseguir na ação, com os argumentos que se transcrevem:
“1. Os efeitos processuais da declaração de insolvência encontram-se previstos nos artigos 85.º a 89.º do CIRE e relacionam-se com a possibilidade de apensação (artigos 85.º n.º 1, 86.º n.ºs 1 e 2 e 89.º n.º 2), com a impossibilidade de instauração de ações executivas e ações relativas a dívidas da massa insolvente (artigos 88.º n.º 1 e 89.º n.º 1) e, ainda, com a suspensão das convenções arbitrais e das diligências executivas (artigos 87.º n.º 1 e 88.º n.º 1).
2. Não há norma legal que imponha suspensão ou extinção das ações declarativas pendentes em que o insolvente é demandado, como efeito da declaração de insolvência deste.
3. A Autora tem interesse nos presentes autos e tem interesse que a Ré E…, S.A. (agora, Massa Insolvente E…, S.A.) permaneça como Ré nestes autos, por forma a poder ser-lhe oponível a sentença que aqui vier a ser proferida.
4. Ao que acresce que, conforme consta documentado nos presentes autos (Cfr. requerimento da Autora datado de 21.12.2011), a Autora invocou compensação de créditos sobre a Ré E…, S.A., tendo por base, em parte, os créditos reclamados nestes autos.
5. Para a determinação da extensão daquela compensação de créditos é essencial apurar o montante exato dos créditos de que é titular a Autora sobre a Ré E…, S.A..
6. Donde, a insolvência da Ré E…, S.A. não deve produzir qualquer feito nos presentes autos, salvaguardados aqueles, entretanto, já produzidos (quanto à representação da Ré em juízo)”.


Proferiu-se sentença, em 14 de setembro de 2015, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à Ré E…, SA, com os seguintes fundamentos:
“ Nos presentes autos de ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, que “F…, S.A.”, entretanto incorporada, por fusão, na “D…, S.A.”, intentou contra “G…, L.DA”, “E…, L.DA”, “B…, ACE” “C…, S.A.”, resulta provado, através das informações de fls. 311 e 640, que a Ré “E…, S.A.” foi declarada insolvente, por sentença proferida em 04/06/2010 e transitada em julgado, no âmbito dos Autos de Insolvência nº 113/10.0TYVNG, que correm termos pelo 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
Temos igualmente prova nos autos de que tais autos se encontram em fase de liquidação do património da insolvente.
Notificadas as partes para se pronunciarem, veio a Autora defender não existir norma legal que imponha suspensão ou extinção das ações declarativas pendentes em que o insolvente é demandado, como efeito da declaração de insolvência deste.
Acrescenta que, no decurso dos autos, invocou compensação de créditos sobre esta Ré, tendo por base, em parte, os créditos reclamados nestes autos.
Vejamos:
É entendimento pacífico na jurisprudência que, transitada em julgado sentença de insolvência do Réu, e prosseguindo tais autos para fase de liquidação do ativo, deve a ação declarativa respetiva ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art. 277.º, alínea 3), do C.P.Civil1.
Como se sabe, e tal como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/03/20122, “A lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja, a desnecessidade de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil.”
Por outro lado, decorre do disposto no art. 90.º do C.I.R.E. que “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.”
Assim sendo, e tendo especialmente em conta que o meio processualmente próprio para a aqui Autora assegurar os seus direitos contra a Ré insolvente é agora a reclamação dos seus créditos, entende-se que os factos acima expostos constituem fundamento para determinar a extinção da presente instância, por inutilidade superveniente da lide.
Estamos em face de uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância (art. 577.º, 578.º e 277.º, alínea e), todos do C.P.Civil).
Nestes termos, em face do acima exposto, julga-se a presente instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, quanto à Ré “E…, S.A.” (art. 577.º, 578.º e 277.º, alínea e), todos do C.P.Civil).
Custas nesta parte pela massa insolvente da Ré em causa (art. 536.º, nº 3, última parte, do C.P.Civil)”.

Autora e Réus “B…, A.C.E.” e “C…, S.A.”, vieram interpor recurso da sentença.

Nas alegações que apresentaram os réus “B…, A.C.E.” e “C…, S.A.” formularam as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da decisão do Tribunal quo de 14.09.2015, com a referência 356367224, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à Corré “E…, S.A.”(doravante, abreviadamente designada Corré ou Ré Insolvente), em virtude da declaração de insolvência desta.
2. Ao proferir a decisão ora posta em crise, o Tribunal a quo invocou um entendimento jurisprudencial, que apodou de “pacífico”. Cremos, porém, que tal entendimento não só não poderá ser considerado pacífico como não poderá ser aplicado de forma acrítica e automática, como sucedeu na decisão recorrida, sem atender aos interesses jurídicos subjacentes a esse entendimento e sem o concatenar minimamente com as especificidades do caso concreto.
3. A inutilidade da lide, a verificar-se, terá de ser uma inutilidade jurídica, ocorrendo apenas quando se percebe claramente que a atividade do Tribunal não poderá proporcionar tutela efetiva dos direitos daqueles a quem o ato em discussão atinge e daí ser uma atividade inútil.
4. No caso vertente, o Tribunal a quo não fez o devido escrutínio quanto à subsistência de interesses juridicamente consolidados que impõem o prosseguimento da ação contra a Corré Insolvente.
5. A Autora não apresentou reclamação de créditos no processo de insolvência da corré Insolvente, nem o alegado crédito terá sido relacionado pelo Administrador de Insolvência nos termos dos artigos 128º e 129º do CIRE.
6. Em 27 de abril de 2010, ou seja, em data anterior à data da declaração de insolvência da corré “E…, S.A.”, a Autora declarou compensar os créditos reclamados nesta ação com créditos detidos pela corré Insolvente, pelo que os créditos aqui peticionados estão, para todos os efeitos, e desde essa data, saldados.
7. Motivo pelo qual, a partir desse momento, a Autora não estava compelida a reclamar em sede de processo de insolvência um crédito que, para todos os efeitos, já estava compensado, isto é, satisfeito.
8. De todo o modo, e caso a Autora estivesse de facto compelida a reclamar créditos no processo de insolvência, já não o poderia fazer nesta fase avançada do processo de insolvência, uma vez que a Insolvente já se encontra em liquidação de património, o que é tanto mais chocante quando a situação de insolvência desta já era conhecida no processo desde 21/01/2011.
9. Uma parte da jurisprudência tem vindo a enfatizar que só “a reclamação de um crédito num processo de insolvência ou o seu relacionamento pelo Administrador é causa de extinção da instância, por inutilidade da lide, da ação declarativa em que o pedido formulado contra o insolvente é o mesmo crédito” ”(cfr. voto de vencido do Cons. Sebastião Póvoas, ao acórdão do S.T.J. de 08/05/2013, supra referido).
10. A partir do momento em que há prova nos autos da não reclamação do crédito da Autora no processo de insolvência da corré Insolvente, a decisão recorrida, salvo melhor opinião, não preenche um dos pressupostos principais para a inutilidade superveniente desta lide.
11. Não é em sede de insolvência que o Tribunal deverá verificar o montante do crédito alegadamente em dívida, nem é essa a sede própria para apreciar uma compensação de créditos efetuada antes da declaração de insolvência e que tem implicações diretas noutros interessados, também eles partes no processo declarativo em que tal crédito é reclamado.
12. A admitir-se a discussão desta matéria no processo de insolvência, estar-se-ia a permitir que um crédito vencido e compensado antes da declaração de insolvência pudesse vir a ser impugnado pelos restantes credores, assim se adulterando todas as regras de legitimidade processual, ou até que não viesse a ser reconhecido pelo Administrador de Insolvência, atendendo à margem de discricionariedade deste, com implicações diretas e evidentes não só para a Autora, mas também para os restantes Réus, que não se compaginam com a segurança jurídica que esta compensação de créditos merece.
13. A responsabilidade da Ré “MASSA INSOLVENTE DE E…, S.A.”, assim como da Ré “C… S.A.”, é direta e solidária com o Réu “J…”, tudo nos termos do artigo Sétimo dos Estatutos do ACE e do nº 2 da Base II da Lei nº 4/73, de 4 de junho.
14. Quer isto dizer que, a não existirem bens no “ACE” Réu, a alegada responsabilidade pela dívida invocada pela Autora (não fosse aquela compensação de créditos) sempre recairia nas agrupadas – neste caso, a Ré Insolvente e a Ré “C…”.
15. Ora, extinguindo-se a instância contra a Ré Insolvente, por exclusão de partes, facilmente se percebe que a responsabilidade recairá, de forma completamente absurda e injusta, sobre a Ré “C…” e não se retirará o efeito legal da compensação de créditos que já operou! Ou seja, esta compensação transformar-se-á em algo absolutamente inócuo, única e exclusivamente por uma decisão que extingue a instância de forma cega, automática e imbuída de um espírito farisaico que não se compagina com o intuito da tutela judicial e do direito de acesso aos tribunais.
16. Em alternativa, a decisão recorrida poderá conduzir a outra consequência absurda: ao afastar da ação a Corré Insolvente, condena a Autora a dirimir o litígio com os restantes Réus, o “ACE” e a “C…”, passando este a incidir sobre um crédito da Autora que, segundo a mesma, se encontra já extinto e cuja extinção por compensação não poderá deixar de ser apreciada nos autos, mas, perversamente, sem a principal interessada na questão, ou seja, a própria Corré Insolvente.
17. Em termos de legitimidade processual, a relação jurídica em causa nos autos obriga a configurar um litisconsórcio necessário (cfr. artigo 33º do CPC), porque além de imprescindível para o normal desenrolar da ação, é decisivo para que no seio do próprio J… se possa aferir a proporção das eventuais responsabilidades entre todas as agrupadas.
18. Como sustenta ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA (in, “Os Efeitos Externos da Insolvência – As Ações Pendentes Contra o Insolvente”, Julgar, nº 9, Setembro-Dezembro 2009, pág. 185), só o prosseguimento das ações individualmente intentadas contra o insolvente, pedindo o cumprimento de obrigações pecuniárias ou reivindicando bens, é que pode revelar-se inútil; já quando existem outros motivos para o seu prosseguimento, nomeadamente quando a ação é intentada contra outras pessoas, não há uma inutilidade e muito menos automática.
19. A decisão recorrida viola, desde logo, as regras de legitimidade processual das partes, por preterição do litisconsórcio necessário passivo (artº 33º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.), impedindo claramente a decisão que vier a ser proferida na ação de produzir o seu efeito útil normal relativamente a todas as partes intervenientes (Insolvente incluída).
20. Acresce a isso que, a tomar-se como boa a doutrina vertida na decisão recorrida, sempre se obrigaria a máquina judicial a duplicar esforços, pois enquanto o crédito da Autora sobre os Recorrentes apenas poderia ser decidido na presente ação, o mesmo crédito, mas agora sobre a corré Insolvente, teria de ser novamente decidido no processo de insolvência, com a repetição de tudo o produzido anteriormente no primeiro processo e correndo-se ainda o risco de os Tribunais poderem produzir decisões contraditórias relativamente à mesma relação jurídica!
21. Ainda que assim não se considerasse, os Recorrentes sempre teriam interesse em manter na lide a corré Insolvente, quanto mais não fosse enquanto interveniente meramente acessória, nos termos e para os efeitos do artigo 321º do CPC, pois caso a Ré “C…” venha a ter de suportar qualquer condenação – o que, mais uma vez, não se concebe, tendo em conta, além do mais, que os créditos peticionados já foram compensados – sempre lhe assistirá um direito de regresso a exercer contra as restantes agrupadas e, muito particularmente, para com a Corré Insolvente (vide, artigo 524º do CC).
22. É a própria conduta processual da “MASSA INSOLVENTE DE E…, S.A.” que aponta para a incorreção da extinção da instância por uma alegada inutilidade superveniente da lide, uma vez que o administrador de insolvência, tendo tido a oportunidade de pedir a apensação dos autos, não o fez, antes tendo usado da faculdade de se manter na lide em representação da massa.
23. Já em 2011, ou seja, depois da declaração de insolvência (datada de 2010), o mandatário da Corré Insolvente veio aos autos opor-se à inutilidade superveniente da lide que havia sido invocada por força da compensação de créditos supra referida, o que já demonstra que a declaração de insolvência não obsta nem obstou (curiosamente até esta data) à utilidade desta ação declarativa, apenas impondo que o Administrador da Insolvência substitua o insolvente, como de resto já decorre da procuração outorgada e junta aos autos.
24. A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 33º, nºs 1 e 2 e 277º, al. e), do C.P.C., 524º, 847º e 848º do Código Civil, e 85º e 90º do C.I.R.E., devendo a interpreteção correta destas normas conduzir ao prosseguimento da lide com a Corré “MASSA INSOLVENTE DE E…, S.A.”.
Terminam, por pedir da revogação da decisão recorrida.

A Autora D…, SA nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:
A. A Apelada E…, S.A., foi declarada insolvente por sentença datada de 4 de junho de 2010, no âmbito do Processo n.º 113/10.0TYVNG.
B. O Tribunal a quo considerou ser entendimento pacífico da jurisprudência que transitada em julgado a sentença de declaração de insolvência e prosseguindo os autos para liquidação do ativo, a ação deve ser extinta por inutilidade superveniente da lide.
C. E, em consequência, julgou extinta a instância no que se refere à Ré E…, S.A..
D. A sentença em crise violou o disposto nos artigos 20.º da Constituição da República Portugal, 277.º e) do CPC, 85.º a 89.º e 184.º do CIRE.
E. Inexiste norma legal que imponha suspensão ou extinção das ações declarativas pendentes em que o insolvente é demandado como efeito da declaração de insolvência deste (cfr. artigos 85.º a 89.º do CIRE).
F. Ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC, só poderá ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide caso os autos que se extingam já não apresentem qualquer utilidade para as partes.
G. No que se refere à insolvência do Réu como causa de extinção da instância, a inutilidade superveniente da lide só ocorreria quanto a pretensão do Autora pudesse, na sua plenitude, ser alcançada nos autos de insolvência.
H. A Apelante não reclamou os seus créditos no âmbito do processo de insolvência da Apelada E… (cfr. informação que consta de ofício com a Ref.ª Citius 350979049, de 23.04.2015).
I. Apenas nos presentes autos pode a ora Apelante obter a apreciação do exato montante do seu crédito sobre aquela Ré e sobre os demais Réus.
J. A interpretação propugnada pelo Tribunal a quo, que admite a extinção da (presente) instância por inutilidade superveniente da lide quando os autos que extinguem sejam o único foro em que a Apelante pode obter o reconhecimento do seu crédito, redunda numa violação do núcleo essencial de um direito fundamental, a saber, o direito de acesso ao direito e aos tribunais e o direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
K. No Processo n.º 38991/13.9YIPRT (que corre termos pelo J3, da 1.ª Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto), intentados pela Massa Insolvente E… contra a aqui Apelante, fixou-se que aguardassem aqueles autos a prolação de sentença condenatória nos presentes, por forma a poder aquilatar-se quanto à extensão do crédito invocado pela aí Ré (ora Apelante), a título de compensação (defesa por exceção) – cfr. ofícios remetidos por aqueles autos aos presentes (designadamente ofício datado de 08.06.2015, Ref.ª 353276110 Citius) e despacho proferido naquele processo, datado de 16.12.2014, com a Ref.ª Citius 343252299
L. O crédito peticionado pela Apelante constitui um crédito pelo qual são solidariamente responsáveis vários Réus, pelo que a introdução de uma nova instância judicial na apreciação do montante do crédito poderia conduzir a decisões contraditórias.
M. Mais, os presentes autos, no que à Apelada E… diz respeito, ainda podem manifestar utilidade porquanto o processo de insolvência que determinou a decisão de extinção dos presentes autos quanto àquela Apelada pode vir a ser encerrado antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
N. Atente-se, ainda, na circunstância de o processo de insolvência poder encerrar por outros fundamentos, como sejam o encerramento por insuficiência da massa insolvente ou a pedido do devedor, nos casos em que este deixe de estar em situação de insolvência. Nessas situações específicas, não ficaria acautelado o reconhecimento do crédito do credor reclamante.
O. O administrador de insolvência da Apelada E…, não tendo requerido a apensação dos presentes autos ao processo de insolvência, optou por constituir mandatários para representação da massa insolvente - cfr. Requerimento, apresentado nestes autos a 30.10.2011, com a Ref.ª Citius 8427194, assim manifestando o interesse na subsistência dos presentes autos quanto à Insolvente.
P. Ainda que o processo de insolvência da Apelada E… se encontra em fase de liquidação, a utilidade dos presentes autos reside, ainda, no facto de, finda a liquidação, poder haver um saldo positivo, sobre o qual a ora Apelante pode dirigir o seu pedido, munindo-se da sentença que vier a ser proferida no âmbito dos presentes autos (cfr. artigo 184.º do CIRE).
Termina por pedir o provimento do recurso, com a substituição da decisão recorrida.

A massa insolvente de E…, SA, representada pelo Administrador da Insolvência veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
Primeiro. As co-RR. B…, A.C.E. e C…, S.A. não foram parte vencida nestes autos, já que não mantêm qualquer litígio ou pedido formulado contra a R. E…, S.A..
Segundo. Como tal, deverá ser indeferido/não admitido o recurso interposto pelas co-RR. B…, A.C.E. e C…, S.A., por falta de legitimidade, nos termos conjugados dos art.ºs 631.º n.º 1 e 641.º n.º 2, alínea a) in fine do CPCivil.
TAL DITO;
Terceiro. O recurso de apelação interposto pelos AA./recorrentes e, por cautela de patrocínio, das co-RR., deve improceder por absoluta falta de fundamento. É que;
Quarto. Os presentes autos visam UNICAMENTE a condenação das RR. no reconhecimento e pagamento de um crédito, que a A. entende lhe ser devido.
Como tal;
Quinto. Tendo a R. E…, S.A. sido declarada insolvente no âmbito do Processo de Insolvência n.º 113/10.0TYVNG - J3, a correr termos no Tribunal da Comarca do Porto / Secção do Comércio de Vila Nova de Gaia, o meio processual adequado ao pedido de reconhecimento, verificação e graduação do mesmo – a existir - será a reclamação de créditos. Assim;
Sexto. Bem andou o Tribunal a quo ao determinar a ilegitimidade ad causam superveniente, da R. atento o disposto no art. 26º n.º 3 do Código Processo Civil.
Sétimo. Se a aqui A. não reclamou os seus créditos no processo de insolvência, devia tê-lo feito, sendo que tal omissão apenas a si própria lhe é imputável.
Oitavo. É nos autos de insolvência e, mais concretamente, na Reclamação de Créditos, que a A./recorrente podia e devia ter peticionado a verificação e reconhecimento dos seus créditos;
Nono. De outra forma, tal representaria um privilégio da A., enquanto credora, em detrimento dos demais credores, o que é manifestamente inaceitável.
Aliás;
Décimo. Não existe qualquer violação do “direito de acesso ao direito e aos tribunais e o direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”.
Décimo primeiro. Tais direito existem, a A. é que optou por não os exercer/usar, precludindo o seu direito de crédito sobre a aqui R./ E…, S.A., que, como tal, não existe, por ser uma faculdade de natureza preclusiva imperativa.
Décimo segundo. No mais, a argumentação do eventual encerramento do Processo de Insolvência sem a prolação de sentença de verificação e graduação de créditos ou da existência de um putativo saldo positivo é, no mínimo, ABSURDA;
Décimo terceiro. sendo manifestamente superior o seu passivo sobre qualquer ativo, o que está reconhecido judicialmente na sentença de declaração de insolvência.
Décimo quarto. Cumpre referir que DOIS MIL E SETENTA E OITO (2078) credores reclamaram os seus créditos no Processo de Insolvência, no valor global de 204.731.830,61 € (duzentos e quatro milhões setecentos e trinta e um mil oitocentos a trinta euros e sessenta e um cêntimos), sem contar com as posteriores verificações ulteriores de créditos,
Décimo quinto. Porque é que a aqui A./recorrente haveria de ter um tratamento diferente, preferencial e privilegiado !?!? NÃO TEM !!!
Décimo sexto. Por outro lado, quanto à invocada existência de compensação de créditos, tal questão, conforme já decidido, não é objeto dos presentes autos e;
Décimo sétimo. No presentes autos não se discute qualquer compensação de créditos, pelo que carece de fundamento procedência do recurso assente na jaez de tal argumento;
Décimo oitavo. E assim, salvo melhor opinião, bem andou o Tribunal a quo ao determinar a inutilidade superveniente da lide, pugnando-se pelo negar de provimento ao(s) recurso(s) interposto(s), razão pela qual a decisão expendida pelo M.mo Juíz nos autos e colocada em crise deve ser mantida, por inatacável.

O recurso foi admitido como recurso de apelação.

Dispensaram-se os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- legitimidade dos réus para interpor recurso do despacho;
- se declarada a insolvência de um dos réus na pendência da ação declarativa, na qual se discute o cumprimento de obrigações contratuais, tal circunstância determina a extinção da instância, quanto ao réu insolvente, por inutilidade superveniente da lide.

2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso, para além dos elementos que constam do relatório, cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- “E…, S.A.” foi declarada insolvente, por sentença proferida em 04/06/2010 e transitada em julgado, no âmbito dos Autos de Insolvência nº 113/10.0TYVNG, que correm termos pelo 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
- Tais autos encontram-se em fase de liquidação do património da insolvente.

Decorre, ainda, dos autos atento o teor da certidão da sentença de insolvência:
- Na sentença que declarou a insolvência foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, com caráter pleno.

3. O direito
- Da legitimidade dos réus para interpor recurso
A massa insolvente de E…, Lda na resposta à apelação começa por suscitar a falta de legitimidade dos réus “B…, A.C.E.” e “C…, S.A.” para interpor recurso.
Nos termos do art. 641º/2 a) conjugado com o art. 631º CPC o requerimento de interposição de recurso é indeferido, entre outros casos, quando o recorrente não tenha as condições para recorrer, maxime, quando não tenha legitimidade, quer por não ser parte vencida, quer por não ser parte ou sequer terceiro a quem a lei confira a possibilidade de impugnar a decisão.
Nos pressupostos específicos do recurso, integra a doutrina, a legitimidade do recorrente[2].
O art. 631º CPC determina quem pode recorrer, mostrando-se relevante para o caso, o critério estabelecido nos nº1 e 2 do citado preceito, onde se dispõe:
“1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2. As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias “.
RIBEIRO MENDES considera que têm legitimidade para interpor recursos:
- “ as partes principais que tenham ficado vencidas;
- as partes acessórias direta e efetivamente prejudicadas pela decisão;
- terceiros que tenham ficado direta e efetivamente prejudicados pela decisão;
- terceiros previstos no nº3 do art. 680º, no caso da alínea g) do art. 771º ( recurso extraordinário de revisão )”[3].
Para aferir da legitimidade das partes principais para interpor recurso, na doutrina desenvolveram-se dois critérios: o critério formal e o critério material.
Seguindo o critério formal “ têm legitimidade para recorrer a parte que não obteve o que pediu ou requereu; portanto, não pode recorrer a parte que conseguiu na ação aquilo que solicitou ou que está de acordo com a sua conduta na ação[…]. Diferentemente, segundo o critério material, tem legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão foi desfavorável (ou não foi a mais favorável que podia ser) qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal “a quo“”[4].
No que respeita á legitimidade de terceiros para interpor recurso, cumpre ter presente os ensinamentos de ALBERTO DOS REIS, para quem a intervenção acidental no processo não constitui um requisito da legitimidade de terceiro para recorrer, pois o que importa é que a decisão afete ou prejudique diretamente o recorrente. Este prejuízo deve ser atual e positivo, sendo necessário que o prejuízo resulte imediatamente da decisão proferida e por isso não basta que seja eventual ou dependa de circunstância futura que possa vir a surgir como consequência do julgado[5].
ABRANTES GERALDES distingue, ainda, da legitimidade de interpor recurso o “ interesse em agir “, que autonomiza como pressuposto do recurso.
Refere a este respeito que “o interesse em agir, na perspetiva do direito à interposição de recursos, não poderá deixar de se verificar, a fim de evitar desperdícios da atividade jurisdicional com questões que não apresentam para o recorrente qualquer utilidade objetiva”[6].
No caso concreto, as rés-apelantes têm legitimidade e interesse em agir, quando interpõem recurso, porque na qualidade de corrés demandadas em solidariedade passiva com o corréu insolvente vêm-se afetadas no seu direito de defesa, com a decisão que exclui um dos réus da ação, por não poderem excecionar os fundamentos próprios da defesa do corréu e não conseguirem por esta via obter a definição do direito contra o mesmo réu.
Conclui-se, assim, que têm legitimidade para interpor recurso, nada obstando à sua apreciação.

- Da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao réu insolvente
Os apelantes – autora e réus – insurgem-se contra a sentença que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, em relação à ré insolvente E…, Lda.
A decisão recorrida considerou que estando em causa o cumprimento de obrigações que se constituíram em data anterior à declaração de insolvência e declarada a insolvência da ré na pendência da ação, se mostra inútil prosseguir na lide, por inutilidade superveniente da lide, na medida que só em sede de processo de insolvência pode o credor obter o pagamento do seu crédito, mediante reclamação no processo de insolvência.
A questão que se coloca foi objeto de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº1 de 2014, de 05 de maio de 2013, Proc. 170/08.0TTALM.L1.S1, publicado na I série do Diário da República, nº34, de 24 de fevereiro de 2014.
O douto acórdão uniformizou jurisprudência fixando o seguinte entendimento:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C..”
A interpretação ali seguida mantém-se atual apesar das alterações introduzidas no código de processo civil, com a reforma da Lei 41/2013 de 26 de junho. A autoridade do aludido aresto impõe-se no caso concreto, porque a situação de facto se enquadra na situação típica ali prevista, sendo certo que os apelantes não indicam novos e diferentes argumentos que afastem a interpretação preconizada no acórdão uniformizador e por esse motivo a decisão recorrida não merece censura.
Argumentam os apelantes-réus, sob os pontos 3 a 12, que a inutilidade da lide, a verificar-se, terá de ser uma inutilidade jurídica, ocorrendo apenas quando se percebe claramente que a atividade do Tribunal não poderá proporcionar tutela efetiva dos direitos daqueles a quem o ato em discussão atinge e daí ser uma atividade inútil.
Defendem, por isso, que resultando dos autos que a autora-credor não reclamou o crédito no âmbito do processo de insolvência não se poderia julgar extinta a instância e mostrando-se extinto o crédito por compensação, não se justificava a sua reclamação em sede de processo de insolvência.
A apelante-autora acompanha esta argumentação sob as alíneas A) a I) das suas conclusões de recurso.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, “ por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar — além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”[7].
Desta forma, a impossibilidade superveniente da lide só ocorre quando, na pendência do processo, desaparece algum dos sujeitos ou o objeto da causa. Por sua vez, a inutilidade superveniente da lide ocorre quando a pretensão visada pelo demandante seja alcançada por outro meio fora do processo.
Usando as palavras do AUJ nº1/2014:[…] a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a ação foi atingido por outro meio”.
Desta forma, não se poderá considerar, como o afirmam os apelantes sob o ponto 3 das conclusões que a inutilidade da lide, a verificar-se, terá de ser uma inutilidade jurídica, ocorrendo apenas quando se percebe claramente que a atividade do Tribunal não poderá proporcionar tutela efetiva dos direitos daqueles a quem o ato em discussão atinge e daí ser uma atividade inútil.
Por outro lado, como se salienta no AUJ nº1/2014: “a finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art. 1.º /1 do CIRE 6 — postula a observância do princípio ‘par conditiocreditorum‘, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes suscetíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes”.
O Código da Insolvência no Capítulo II prevê os efeitos processuais da declaração de insolvência, nomeadamente, em relação às ações pendentes.
Nos termos do art. 88º, nº 1, do CIRE:
“ A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência”.
No que respeita às ações declarativas não existe norma correspondente, constando, apenas, do art. 85º, nº 1, que:
“ Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Não sendo pedida a apensação, devem os créditos ser reclamados no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, como previsto no art. 128º do CIRE.
Ora, se a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva contra a massa insolvente, mesmo no caso de a ação declarativa prosseguir e ser proferida sentença de condenação do R. (insolvente) essa sentença não pode ser dada à execução.
Saliente-se que, conforme decorre do nº 3 do art. 128, o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. Haverá, nestas circunstâncias, que proceder à reclamação do crédito exista, ou não, uma sentença transitada a reconhecer o mesmo, a fim de que, apreciada a sua existência e montante (art. 128º e seguintes do CIRE), este venha a ser considerado na sentença de verificação e graduação dos créditos (art. 140º do CIRE).
Como se observa no AUJ nº1/2014: “[d]eclarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, destinando -se a massa insolvente — que abrange, por regra, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que adquira na pendência do processo — à satisfação dos seus créditos, ‘ut’ arts. 46.º/1 e 47.º/1).
E, dentro do prazo fixado, devem os credores da insolvência (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, com as indicações discriminadas, sendo que a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e, mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento – art. 128.º, n.ºs 1 e 3.
O efeito da declaração de insolvência sobre os créditos que se pretendam fazer pagar pelas forças da massa insolvente vem categoricamente proclamado no art. 90.º. Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.
Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação a esta norma injuntiva do CIRE, consignam, com reconhecida proficiência, o seguinte:“Este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período da pendência do processo de insolvência. A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior.
Na verdade, o art. 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos ‘em conformidade com os preceitos deste Código’.
Daqui resulta que têm de o exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE. É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como a caracteriza o art. 1.º do CIRE. Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo […].[…]a estatuição deste art. 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores”.
Em conclusão, anota-se no AUJ nº1/2014:
“- Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;
- A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da ação declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE – cujos momentos mais marcantes da respetiva disciplina deixámos dilucidados –, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (…e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela ação 13), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil”.
Esta interpretação tem sido sucessivamente acolhida na jurisprudência, citando-se a título exemplificativo Ac. STJ 04 de dezembro de 2014, Proc. 5240/07.9TVLSB.L1.S1; Ac. STJ 11 de dezembro de 2013, Proc. 785/09.9TTFAR.E1.S1; Ac. Rel. Porto 06 de novembro de 2014, Proc. 664/11.0TVPRT-A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Retomando o caso dos autos, neste contexto, a omissão de reclamação do crédito no competente processo de insolvência apenas é imputável ao credor e por isso, não se pode fazer prevalecer de tal omissão para justificar a pendência da ação declarativa.
Acresce que a lei não prevê que só se extinguem as ações declarativas depois de reclamado o crédito no competente apenso de verificação ou ação de reclamação, nem tal interpretação é consentida pela lei, quando no art. 90º CIRE se prevê que durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos “‘em conformidade com os preceitos deste Código”, o que significa que apenas podem obter o pagamento do seu crédito mediante reclamação no processo de insolvência.
Argumenta a apelante que a extinção do crédito da autora, por compensação em data anterior à declaração de insolvência, impedia a sua reclamação no processo de insolvência. Entendemos ser uma falsa questão, porque a lei apenas exige que o crédito reclamado pelo credor seja anterior à declaração de insolvência. Se o facto extintivo ocorreu antes ou depois da declaração de insolvência e constituindo matéria controvertida, apenas no incidente de verificação, em sede de impugnação do crédito poderá ser apreciado e por isso, tal circunstância não impedia o credor de reclamar o seu crédito. Contudo, se o crédito está extinto, nada justifica que o reclame e por isso, a extinção por inutilidade superveniente da lide não afeta o direito do credor.
Acresce que no caso concreto, após consulta do histórico do processo, constata-se que nos articulados as partes não suscitaram a compensação dos respetivos créditos, invocando os réus a exceção do pagamento ou a imputação no cumprimento, com fundamentos que concretizaram no articulado superveniente.
Surge como matéria controvertida uma eventual compensação de créditos, face a uma declaração da Autora habilitada “J…” (despacho de 18 de junho de 2014), a qual foi incorporada por fusão na Autora D…, SA (despacho de 13 de abril de 2015 – ref. 350175154).
Não foi proferida qualquer decisão com trânsito em julgado, reportada a data anterior à sentença de insolvência que reconhecesse a alegada compensação como causa de extinção do crédito da autora.
Conclui-se, assim, que declarada a insolvência de um dos codevedores na pendência da ação, o credor da presente ação para obter o reconhecimento e pagamento do seu crédito, porque anterior à declaração de insolvência, devia reclamar o mesmo junto de tal processo. A declaração de insolvência de um dos codevedores na pendência desta ação torna inútil a apreciação da pretensão do credor, porque a pretensão visada pelo demandante só pode ser alcançada por outro meio fora do processo, como determina o art.90º do CIRE.
A apelante-Autora, defende sob a alínea J) das conclusões de recurso que a interpretação seguida redunda numa violação do núcleo essencial de um direito fundamental, a saber, o direito de acesso ao direito e aos tribunais e o direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Também este argumento foi ponderado no AUJ nº1/2014, quando se refere:”[a] todos é assegurado o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias processuais 2, a Lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra a ameaça ou violação desses direitos – art. 20.º, n.ºs 1 e 5, da C.R.P., sob a epígrafe ‘Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva’.Observando estes princípios programáticos, o direito de ação concretiza -se no art. 2.º, n.º 2, do C.P.C., em cujos termos a todo o direito corresponde, por via de regra, a ação adequada a fazê -lo reconhecer em Juízo, a prevenir ou reparar a sua violação, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação. Esse direito (de acesso e tutela jurisdicional efetiva) mais não é, no essencial, do que o direito a uma solução jurisdicional dos conflitos, em prazo razoável, e com garantias de imparcialidade e independência, como está pacificamente firmado há muito na Jurisprudência do Tribunal Constitucional. [O exercício desse direito requer naturalmente a existência (…e constância), dentre outros pressupostos, do chamado interesse processual (interesse em agir, na linguagem dos autores italianos), que consiste — na definição usada por Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora 4 - na necessidade de usar do processo, de instaurar e fazer prosseguir a ação”.
Por tudo o que se acabou de expor, atento o particular regime do processo de insolvência, que garante de forma suficiente e adequada, a tutela do direito do credor em confronto com os demais credores do insolvente e sendo a única forma que a lei reconhece para aquele garantir a tutela do seu direito, é bom de ver que está garantida a efetividade do direito e a falta de utilidade em fazer prosseguir a ação declarativa.
A apelante-Autora defende ainda a utilidade da instância, sob a alínea K) das conclusões de recurso, pelo facto do Proc. 38991/13.9YIPRT se encontrar suspenso a aguardar a decisão neste processo.
A decisão proferida naqueles autos, porque recai sobre a relação processual apenas tem força obrigatória dentro do processo, como decorre do art. 620º/1 CPC. A decisão não condiciona os termos e marcha processual destes autos e só por si não justifica o prosseguimento da instância.

Numa segunda ordem de argumentos, os apelantes-réus, sob os pontos 13 a 20 das conclusões de recurso, defendem que a natureza solidária da obrigação assumida pelos réus justificaria o prosseguimento da ação contra a ré insolvente.
Referem que extinguindo-se a instância contra a Ré Insolvente, por exclusão de partes a responsabilidade recairá sobre a Ré “C…” e não se retirará o efeito legal da compensação de créditos.
Por outro lado, em termos de legitimidade processual, a relação jurídica em causa nos autos obriga a configurar um litisconsórcio necessário (cfr. artigo 33º do CPC), porque além de imprescindível para o normal desenrolar da ação, é decisivo para que no seio do próprio ACE se possa aferir a proporção das eventuais responsabilidades entre todas as agrupadas.
Decorre do regime geral da solidariedade, nos termos do art. 518º CC, que ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efetuar a prestação por inteiro”.
Por outro lado, nos termos do art. 519º CC, assiste ao credor: o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação“.
Resulta da conjugação dos preceitos que a declaração da situação de insolvência de um dos obrigados solidários, não impede que o credor exerça judicialmente os seus direitos contra os demais, pela totalidade da divida. Assim, tal circunstância não obsta à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide em relação ao devedor insolvente.
Acresce que o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas apenas exceciona as situações em que vários devedores solidários estão declarados em situação de insolvência.
Com efeito, determina o art. 95º/1 do citado diploma: O credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito a cada uma das diferentes massas insolventes de devedores solidários e garantes, sem embargo de o somatório das quantias que receber de todas elas não poder exceder o montante do crédito“.
Em anotação ao preceito escreveram JOÃO LABAREDA e CARVALHO FERNANDES: “[n]este caso, tendo em conta que o regime de solidariedade passiva atribui ao credor o poder de receber de qualquer dos obrigados a totalidade do seu crédito, a lei processual confere-lhe a faculdade de, em cada um dos respetivos processos de insolvência, reclamar tudo quanto lhe é devido. Mas, por outro lado, não lhe cabendo receber mais do que isso, o credor não pode, pela soma dos vários pagamentos que lhe sejam feitos em cada processo, alcançar montante superior ao do seu direito“[8].
Os mesmos AUTORES consideram, que o art. 95º/1 contém uma regra desnecessária “ na parte em que impede o credor de receber mais do que lhe é devido. Na verdade, independentemente da saúde económica dos obrigados solidários ou garantes, nunca o credor poderia receber deles mais do que a prestação a que, pela globalidade, tem direito.
O preceito consolida, porém, a exceção aberta na parte final do nº1 do art. 519º do CC, quanto à possibilidade de o credor reclamar autonomamente, em cada um dos processos de insolvência, a totalidade do seu crédito“[9].
Por sua vez o art. 179º do mesmo diploma, prevê quanto ao pagamento no caso de devedores solidários: “Quando, além do insolvente, outro devedor solidário com ele se encontre na mesma situação, o credor não recebe qualquer quantia sem que apresente certidão comprovativa dos montantes recebidos no processo de insolvência dos restantes devedores; o administrador da insolvência dá conhecimento do pagamento nos demais processos”.
Daqui decorre, como princípio geral, que quando apenas um dos devedores solidários está declarado em situação de insolvência o credor não fica impedido de exigir o pagamento do seu crédito, pela totalidade, dos demais coobrigados ou garantes, devedores solidários, impondo-se apenas que dê conhecimento no processo de insolvência das quantias recebidas[10].
Não se verifica a apontada preterição do litisconsórcio necessário passivo, porque a demanda dos devedores solidários, com exclusão do devedor insolvente, decorre da sua situação de insolvência, expressamente excecionada na lei.
A extinção da instância em relação ao devedor insolvente não condiciona ou limita os direitos de defesa das rés, na medida em que não foi o devedor insolvente, ou qualquer outro devedor solidário, que excecionou a compensação (art. 514º/1 CC). Acresce que, perante os elementos facultados pelos apelantes na instrução do recurso, constata-se que a própria sociedade J… em requerimento com data de 21.12.2011 e que consta do histórico do processo com data de 22.12.2011, afirma que o montante do contracrédito da ré-insolvente, ascende a valor inferior áquele que vem peticionado na ação, pelo que nunca se poderia afirmar que o crédito da Autora se extinguiu por compensação, o que tornava inútil a reclamação no processo de insolvência.
Ainda, nesta segunda ordem de argumentos, a apelante-autora, sob a alínea L), defende a utilidade da instância com o objetivo de evitar decisões contraditórias sobre a mesma questão em litígio.
Contudo, este argumento não colhe porque a lei processual dispõe de mecanismos que permitem acautelar esse efeito, cumprindo à parte agir em conformidade com vista a tutelar a eficácia das decisões.

Por fim, referem os apelantes-réus, sob o ponto 21 das conclusões de recurso, que tinham interesse em manter a corré na ação na qualidade de interveniente meramente acessória.
Não cumpre ao tribunal de recurso apreciar intenções, porque tem por função reapreciar as decisões judiciais e não foi proferida qualquer decisão em sede de incidente de intervenção de terceiros.
A atitude assumida pelo administrador da insolvência no processo, a que se alude sob os pontos 22 e 23 das conclusões, a respeito da alegada compensação, não vincula o tribunal. De todo o modo, cumpre referir que a contestação foi apresentada em sede de incidente de habilitação de cessionário – requerimento de 20.12.2011, refª: 8915059[11] - e a posição que assume reporta-se à ação e não aos concretos efeitos processuais da declaração de insolvência da corré.

A apelante-autora, sob as alíneas M) a P) das conclusões de recurso, adianta várias hipóteses sobre a ulterior tramitação do processo de insolvência que podem justificar o prosseguimento da ação.
Contudo, nenhuma dessas hipóteses se verifica no caso concreto, nem contraria o que decorre da previsão do art. 90º do CIRE, onde se estabelece que o credor da insolvência apenas poderá exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do Código da Insolvência, durante a pendência do processo de insolvência.
Encontrando-se pendente, como está, o processo de insolvência, sem que resulte dos autos que foi encerrado antes de ser proferida sentença de verificação de créditos ou por insuficiência da massa insolvente, ou ainda, porque o devedor deixou de se encontrar na situação de insolvência, ou que o remanescente da liquidação lhe foi restituído, o credor que pretenda garantir o seu direito tem necessariamente que o reclamar naquele processo, por ser a solução que se harmoniza com a sua natureza de execução universal.
Desta forma, face ás concretas circunstâncias em que foi declarada a insolvência do codevedor, na pendência da ação declarativa, respeitando a relação material controvertida ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato constituídas em data anterior à declaração de insolvência, a ação declarativa deixou de constituir o meio próprio para garantir a satisfação do direito do credor, porque o mesmo apenas pode ser tutelado desde que integrado, por reclamação, no processo de insolvência.
Resta referir, face à alínea O) das conclusões de recurso da Autora, que a intervenção no processo do administrador da insolvência em representação da massa insolvente insere-se no âmbito dos poderes-deveres que recaiem sobre o administrador da insolvência (art. 81º/4 CIRE), mas daí não decorre que mantém interesse no prosseguimento da ação, porque a ser assim deveria a seu tempo ter requerido a apensação ao processo de insolvência, como decorre do art. 85º/1 CIRE, o que não fez.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso dos apelantes réus e autora.

Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes e apelada, na proporção de 4/5 e 1/5, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à apelada.

III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes as apelações dos réus “B…, A.C.E.” e “C…, S.A.” e da autora D…, SA e confirmar a sentença.

Custas suportadas pelos apelantes e apelada, na proporção de 4/5 e 1/5, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à apelada.
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Porto, 29 de Fevereiro de 2016
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Rita Romeira
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[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince
[2] ARMINDO RIBEIRO MENDES Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pag. 69
[3] ARMINDO RIBEIRO MENDES Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, ob. cit., pag. 69
[4] ARMINDO RIBEIRO MENDES Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, ob. cit., pag. 70
[5] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil. Vol V. pag. 272-275
[6] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRABTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, pag. 135.
[7] LEBRE DE FREITAS Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555
[8] LUÍS A.CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, 2ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, pag. 467
[9] LUÍS A.CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, ob. cit., pag.467
[10] Cfr. LUÍS A.CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, ob. cit., pag.698
[11] 1. “ R. massa insolvente reitera tudo quanto alegou no seu requerimento anterior, na certeza de que não houve lugar a qualquer confissão, como pretendem perniciosamente fazer crer aquelas RR..
2. Na verdade, as mesmas com esta atividade processual apenas pretendem “sacudir a água do capote”, alvitrando que a ora R. arque com o prejuízo, em detrimento dos credores.
3. Reitere-se que as pretendidas cessão e compensação não são, nem foram aceites, pelo que nunca poderia extinguir-se a presente lide por inutilidade.
4. Destarte, o que a cessionária/J… pretendeu fazer seria adquirir um crédito (no valor de € 1.088.848,83) detido por uma empresa do seu próprio Grupo, a aqui A./F…, com a intenção de o compensar com a dívida que ela própria tinha para com a R./E….
5. Ora, acontece que aquele crédito da A. não é sequer diretamente sobre a R./E…, mas antes sobre o aqui co- R./ACE de que a E… fazia parte (ampliação da A1), pelo que a R./E… seria devedora apenas pela via solidária.
6. Mas mais, ainda que houvesse cessão e compensação, a presente lide deveria sempre prosseguir para se aquilatar e liquidar das responsabilidades eventualmente existentes junto da A., como aliás a própria refere no seu requerimento.
7. Por conseguinte, além de a R./E… não ser devedora principal (seria responsável por via solidária), a exigibilidade e o montante do crédito ainda estão a ser discutidos em sede judicial.
8. É que, aquelas RR. são as únicas que, num vislumbre de um brecha de fuga, clamam pela inutilidade da lide;
9. SEM RAZÃO, NEM FUNDAMENTO!!!
10. Como tal, por falta de fundamento e por impossibilidade legal de proceder a pretensão das co-RR., deverá prosseguir a lide os seus trâmites legais”.