Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
33945/15.3T8LSB-A.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: “I–Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência de sociedade comercial, a ação declarativa que havia sido proposta pelo credor contra aquela e outros, destinada a obter o reconhecimento de crédito peticionado, deixa, objetivamente, de oferecer qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada.
II–Nessa circunstância, e não estando posto em causa o prosseguimento da ação contra os outros co-RR., demandados enquanto responsáveis solidários, importa que seja decretada a extinção da instância, quanto àquela sociedade, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.”.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, doTribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I.–JC e mulher MC, intentaram ação declarativa com processo comum, contra o Banco, S.A. I, o Banco, S.A. II, e EC, pedindo a condenação solidária dos RR. a indemnizarem os AA. dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais que computam “simbolicamente” em € 5.000,00.

Alegando, para tanto e em suma:

Que com base na confiança existente, dada a relação bancária que mantinham com o 1º R. há vários anos e a reputação, na altura, desta instituição de crédito, os AA. seguiram os conselhos dos funcionários qualificados do Banco… para aplicarem as suas poupanças, no montante de € 300.000,00.
Porém, ao contrário das instruções expressas dos AA., as quantias não foram colocadas em depósitos a prazo, mas em papel comercial de uma entidade pertencente ao grupo Banco….
A qual tinha contas falsificadas e se encontrava em situação de insolvência, que veio a verificar-se.
O Banco… manteve sempre os AA. no engano, utilizando todos os expedientes e informações enganosas para os convencerem que tinham o seu dinheiro aplicado em depósitos garantidos.
Este comportamento doloso do Banco S.A. I – violador das mais elementares obrigações de informação que competem às instituições de crédito e intermediários financeiros, causou elevados prejuízos patrimoniais e morais aos AA., que perderam as suas aplicações.
Pelo que se constitui em responsabilidade civil e deve ser condenado a indemnizar os AA. dos prejuízos causados.
Cujo valor, em concreto, ainda não é possível determinar.
Sendo esta responsabilidade solidária do Banco, S. A., I e do Banco, S. A., II, por efeito da operação de resolução, como ficou atrás demonstrado.
E o 3º R. – Presidente do Conselho de Administração do Banco, S. A., II,  ora 2º R., desde 16-09-2014 – também é solidariamente responsável, porque violou gravemente os deveres de cuidado e de lealdade para com os AA e demais lesados credores do Banco S. A., II.

Contestou o Banco, S.A. I, requerendo, em remate, que:
i.-seja ordenada a suspensão da ação enquanto estiver pendente o processo de insolvência da RF, que os AA. reconhecem ser o principal responsável pelo pagamento do papel comercial em causa;
ii.-julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu Banco, S. A., I, cuja responsabilidade, segundo os AA., terá sido transferida para o R. Banco, S. A., II, absolvendo-se aquele da instância; 
iii.-subsidiariamente, julgada procedente a exceção perentória de ilegitimidade substantiva do Réu Banco, S. A., I, absolvendo-o do pedido,
ou
IV.–subsidiariamente, julgada procedente a exceção perentória de inexigibilidade do pagamento, dada a medida de resolução do réu Banco, S.A., I, aplicada pelo Banco de Portugal em 03-08-2014, absolvendo-se o mesmo do pedido;
ou
V.–subsidiariamente, julgada a ação improcedente, por não provada, com todas as legais consequências.

Também o réu Banco, S. A., II, tendo contestado, arguindo a exceção de incompetência do tribunal, em função do valor da causa, que sustenta ascender a pelo menos € 305.000,00.

Ao que os AA. responderam, corrigindo o valor por eles atribuído à ação para 50.000,01.

Em ulterior requerimento veio o Banco, S. A.. I – Em Liquidação, alegar:

“1.–Conforme constitui facto público e notório, por deliberação do passado dia 13.07.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade do Banco, S.A., I..
2.–Nos termos da referida Deliberação, o Banco Central Europeu determinou que “A presente decisão produz efeitos a partir das 19:00 h CET (hora da Europa Central) do dia em que for notificada à Entidade Supervisionada.         
3.–O Banco, S.A., I foi notificado da supra referida decisão, por e-mail datado de 13.07.2016.
4.–Por outro lado, e conforme consta do Comunicado divulgado no site do Banco de Portugal (…) "O Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco, S.A., I para o exercício da atividade de instituição de crédito. A decisão de revogação da autorização do Banco, S.A., I implicará a dissolução e a entrada em liquidação do banco, em conformidade com o disposto nos números 1 e 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 199/2006. Desta forma, o Banco de Portugal vai requerer, nos termos da lei, junto do tribunal competente o início da liquidação judicial do Banco, S.A., I."
5.–Nos termos do n.º 2 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de outubro ("DL 199/2006"), "A decisão de revogação da autorização […] produz os efeitos da declaração de insolvência.".
6.– Na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade, veio o Banco de Portugal, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 8.° do mencionado DL 199/2006, requerer a liquidação judicial do Banco, S.A., I.
7.–Tal requerimento foi distribuído à 1ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, tendo-lhe sido atribuído o n.º de processo 1 588/2016.2T8LSB.
8.–Em 21.07.2016, foi proferido, no âmbito dos referidos autos de liquidação judicial, despacho de prosseguimento, nos termos do artigo 9.° do DL 199/2006, o qual foi publicado na plataforma "Citius" em 22.07.2016 – (…)
9.–De acordo com o referido despacho de prosseguimento, foi, além do mais, fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos [artigos 36.°, alínea j), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ("CIRE") e 9.º, n.º 2, do DL 199/2006].
(…)”.

Concluindo a requerer que seja:
(i)-Declarada a extinção da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.°, al. e), absolvendo-se, consequentemente, o réu “Banco, S.A., I - Em Liquidação”, da instância; ou, caso assim não se entenda,
(ii)-Ordenada a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272°, n.º 1, do Código de Processo Civil, até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da atividade do Banco, S.A., I, sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.°, aI. e), absolvendo-se o Réu Banco, S.A., I - Em Liquidação, da instância.

Notificados, responderam os AA., propugnando o indeferimento do requerido pelo R. Banco, S.A., I – Em Liquidação.

Por despacho de 26-09-2016, reproduzido a folhas 151-152, foi indeferido “in totum (pedido principal e subsidiário) o requerido pelo Banco, S.A., I – Em Liquidação.”.

Em novo requerimento, datado de 10-10-2016, reproduzido a folhas 153 v.º e 154, deu o R. Banco, S.A., I – Em Liquidação, conta de que:
“1.–Por ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral a 28 de setembro de 2016, confirmou-se que até essa data não foi interposto nenhum recurso perante o Tribunal Geral contra a decisão do Banco Central Europeu de 13 de julho de 2016, que determinou a revogação da autorização do Banco, S.A., I para o exercício da atividade da instituição de crédito.
2.–Nos termos do disposto no artigo 263.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os recursos contra atos das instituições devem ser interpostos no prazo de dois meses, a que acresce uma dilação de 10 dias, em função da distância, nos termos do regulamento de processo do Tribunal Geral.
3.–No caso concreto, o prazo, assim contado, terminou a 23 de setembro.
4.–(…)”

Requerendo “5. (…) por todos os motivos anteriormente referidos se digne ordenar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277.° al. e) do Código de Processo Civil.”.

Em saneador sentença proferido em audiência prévia, de 19-10-2016 – na qual se considerou o facto de a decisão de indeferimento de 26-09-2016, ter tido como pressuposto que a deliberação do BCE que revogou a autorização do Banco, S.A., I para o exercício da atividade de instituição financeira ainda não tinha transitado em julgado, verificando-se agora que daquela deliberação não veio a ser interposto recurso e que, consequentemente, a mesma transitou em julgado – foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao 1º Réu “Banco, S.A., I”.

Inconformados, recorreram os AA… do “despacho saneador (…) na parte em que julga extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao R. Banco, S.A., II”.

Sendo concedido, em despacho do relator, o lapso daquela referência ao “R. Banco, S.A., II”, que apenas poderá ter sido pretendida relativamente ao 1º R. Banco, S.A., I, único quanto ao qual foi julgada extinta a instância.

Formulando os AA. nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“1.–Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
2.–Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
3.–Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
4.–A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
5.–Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.
6.–Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
7.–Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º aI. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
8.–A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
9.–Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
10.–Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85 º, n.º 1 in fine e n.º 2).
11.–Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas a correr contra o devedor insolvente.
12.–Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
13.–Nesta conformidade, o art.º 181 º n. 1 do CIRE dispõe que "Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição".
14.–Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
15.–Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “( ... ) decisão judicial ou de negócio jurídico".
16.–No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º aI. e) do CPC.
17.–Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. Banco, S.A., I - em Liquidação, como é do conhecimento deste R ..
18.–A acção declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores.
19.–Tendo sido reclamado o crédito no processo de insolvência, a presente acção não depende da verificação e graduação de créditos no processo de insolvência.
20.–A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º, 90º, 128º nºs 1 e 3, 180º e 181º do CIRE e uma errada aplicação do art.º 277, aI. e) do CPC.”.

Finalizam com a revogação da decisão recorrida a substituir por outra que “não decrete a extinção da instância e mande prosseguir a presente acção declarativa.”.

Contra-alegou o Banco, S.A., I – Em Liquidação, pugnando pela manutenção do julgado.

II–Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se ocorreu inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Réu Banco, S.A., I, na sequência da deliberação do BCE proferida em 13/07/2016, que revogou a autorização do Banco, S.A., I para o exercício da sua atividade de instituição financeira.
***

Com interesse, emerge da dinâmica processual o que se deixou referido em sede de relatório.
***

Vejamos então.

1.–Não sofre crise que, não tendo sido objeto de recurso, no prazo legal, tornou-se definitiva a deliberação do BCE, de 13-07-2016, que revogou a autorização do Banco, S.A., I para o exercício da sua atividade como instituição financeira.

Como também não que “A decisão de revogação da autorização (…) produz os efeitos da declaração de insolvência”, cfr. artigo 8º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro – que procedeu à transposição para a ordem jurídica portuguesa da Diretiva n.º 2001/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Abril – na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro.

E ter o Banco de Portugal requerido a liquidação judicial do Banco, S.A., I, como lhe impõe o n.º 3 do mesmo artigo 8º, de resto consonante com o disposto no artigo 22.º, n.º 3, do Decreto-lei 298/92, de 31 de Dezembro, que estabelece o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

Fazendo-se essa liquidação, de acordo com o disposto no n.º 1 daquele artigo 8º, “nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as especialidades constantes dos artigos seguintes.”.

Tendo sido no processo respetivo proferido despacho de prosseguimento, fixando em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos, em conformidade com a articulação do disposto nos artigos 36º, n.º 2, alínea j), do C.I.R.E., 9º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/2006.

2.–Consabidamente, sobre a matéria da inutilidade superveniente da lide, em ação declarativa, na circunstância da declaração de insolvência do Réu nessa ação, foi proferido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº1/2014 –[1] de resto amplamente citado na decisão recorrida – com o seguinte dispositivo:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”.

Ex adverso, porém, começam os Recorrentes por considerar, nas suas circunvolantes alegações, que a insusceptibilidade de extensão do regime de apensação das ações, estabelecido no artigo 85º do C.I.R.E., “às demais acções declarativas”, ali não expressamente previstas, e a incompatibilidade da “natureza célere e urgente do processo de insolvência (…) com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados”.

Ora, não está aqui em causa a apensação da presente ação ao processo de liquidação respetivo, que sim, e diversamente, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Depois, e em qualquer caso – o que assim apenas marginalmente se refere – revertendo argumento aduzido pelos Recorrentes, sempre seria de contrapor que, quando fosse intenção do legislador subtrair à regra da apensação, as tais ações em que estivessem em causa “direitos litigiosos complexos ou especializados”, não teria deixado de o expressar ressalvando aquelas.

Isto posto.

3.–Pretendem os Recorrentes que o sobredito Acórdão de Uniformização de Jurisprudência perdeu a validade, porque respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente.
Reportando-se à diversa redação do artigo 50º, n.º 1, do C.I.R.E., à data da declaração de insolvência, no processo que deu origem àquele AUJ e no presente, na sequência da alteração introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.
É certo que na sua redação anterior, dispunha aquele normativo:
“Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei como de negócio jurídico.".

Sendo que, na atual redação:
"1–Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.” (o grifado é nosso).

Ora, desde logo, e como se nos afigura meridiano, a referência a decisão judicial é enquanto fonte de crédito sob condição, não se pretendendo, de todo, reconduzir a própria decisão judicial (pendente?) à categoria de “condição suspensiva”, como apontam os Recorrentes quando sustentam que “Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara sobre o assunto, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o citado Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.” (idem quanto ao grifado).

Como anotam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda,[2] “Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito.
Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do n.º 1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade da ratio decidendi.” (idem…).
4.–Argumentam ainda os Recorrentes com a manutenção do seu interesse na presente ação.
Pretendendo, numa lógica que temos alguma dificuldade em acompanhar, que tendo reclamado o seu crédito, “subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência da Ré Banco, S.A., I – em Liquidação”, se aquele “não for reconhecido definitivamente no processo de insolvência, deverá ser acautelado, nesse processo, como crédito sob condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da presente acção.
Assim, a douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º e 90º do CIRE e uma errada aplicação do art. 277º al. e) do CPC.”.

Quanto ao alcance do artigo 50º, n.º 1, remete-se para o já antecedentemente referido.

No mais, dir-se-á que o raciocínio dos Recorrentes parte aparentemente do princípio de que havendo sido reclamado o seu arrogado crédito no processo de insolvência, podem os mesmos ser ainda reconhecidos em processo autónomo relativamente àquele.
O que não resulta por qualquer forma do também convocado artigo 90º do C.I.R.E., disposição nos termos da qual “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.
E em anotação à qual referem os mesmos Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda,[3] que “Este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período de pendência do processo de insolvência.
A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior.
Na verdade, o art.º 90.° limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos «em conformidade com os preceitos do presente Código». Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE.
É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o art.º 1.° do Código.
Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (cfr. art.º 98.°, n.º 3; vd., também, o n.º 2 do art.° 87.°) (…) a estatuição deste art. 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores”.

5.–Diga-se que por igual no concernente à alegada salvaguarda da igualdade dos credores, na circunstância do prosseguimento da ação – por isso que “in casu, não obstante os AA. sustentarem que existe responsabilidades efectiva do Banco, S.A., I e do Banco, S.A., II, quer estes RR. quer o Banco de Portugal (BdP), entendem que o crédito dos AA. é uma mera contingência, que, a existir, não se transmitiu para o Banco, S.A., II. E, a "contingência” para aquelas entidades não é apenas do valor dos créditos mas de sua própria existência.”, posto o que “Assim, só através da presente acção declarativa é possível obter o reconhecimento da própria existência do crédito dos AA.” – nos deparamos, salvo o devido respeito, com uma linha de raciocínio que ignorando o sobredito ónus de reclamação e a natureza de execução universal do processo de insolvência, também colide com o que se extrai da normatividade insolvencial em matéria de efeitos da insolvência relativamente às ações pendentes.

Como se assinala no já citado AUJ nº1/2014: “a finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art. 1.º /1 do CIRE – postula a observância do princípio ‘par conditio creditorum‘, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes suscetíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes”.

No capítulo II do Título IV, daquele mesmo Código, prevêem-se os efeitos processuais da declaração de insolvência, nomeadamente, em relação às ações pendentes.
Assim, nos termos do seu artigo 88º, n.º 1: “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência”.
No tocante às ações declarativas, e como refere Dionísio de Oliveira,[4] “a verdade é que o C.I.R.E. não contém (…) uma norma semelhante à do artigo 88º”. não se lobriga norma correspondente.
Sendo apenas que de acordo com o disposto no artigo 85º, nº 1[5]: “Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Não sendo pedida a apensação, “devem os credores da insolvência, incluindo o M.º P.º na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos”, dentro “do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência”, vd. artigo 128º.

Tendo-se destarte que obstando a declaração de insolvência à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva contra a massa insolvente, mesmo no caso de a ação declarativa prosseguir e ser proferida sentença de condenação do R./insolvente, essa sentença não pode ser dada à execução.

E o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão, ainda que transitada em julgado – que não haja sido objeto de apensação – não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, a fim de que, nele apreciada a sua existência e montante, venha o mesmo a ser considerado na sentença de verificação e graduação dos créditos, vd. cit. artigo 128º e ainda os artigos 130º, n.º 1 e 140º.

Como se observa no citado AUJ nº1/2014:
Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência (ex vi do artigo 47º, n.º 1).
A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE (…) seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (...e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil.”.

6.–A propósito desta temática, Dionísio de Oliveira[6] dá conta das “controvérsias jurisprudenciais mais ou menos vincadas” que “culminaram na prolação do acórdão para fixação de jurisprudência n.º 1/2014, de 25 de Fevereiro”.
E, bem assim, de que “A jurisprudência claramente maioritária defende a possibilidade de ocorrer inutilidade superveniente da lide”.
Referindo, “Em síntese conclusiva”, subscrever “inteiramente a jurisprudência fixada no acórdão uniformizador em todas as situações análogas à questão discutida no processo que suscitou a uniformização - a inutilidade superveniente da acção para cobrança de créditos já reclamados no processo de insolvência em que o devedor é uma sociedade comercial.”, mas discordar “de uma aplicação indiscriminada dessa jurisprudência a todas as situações em que, na pendência de uma acção declarativa destinada a obter o reconhecimento de um crédito, transita em julgado a sentença que declara a insolvência do devedor, como parece decorrer da formulação genérica conferida ao segmento final do acórdão.”.
Sendo, no tocante à situação em que se trata o devedor de uma sociedade comercial, na consideração de que, “Neste caso, só aí se poderá decidir sobre a restituição ou separação de um bem já apreendido para a massa, pelo que de nada servirá o prosseguimento de outras acções com o mesmo fim. Do mesmo modo, só poderão obter pagamento os créditos verificados no processo de insolvência, visto que a liquidação do património desembocará na extinção da sociedade comercial, pelo que de nada servirá o prosseguimento de acções para pagamento de outros créditos não reclamados ou não reconhecidos no processo de insolvência. Assim, como se disse, aquelas acções deverão extinguir-se por inutilidade superveniente da lide.
A não ser que haja outros motivos para o seu prosseguimento, desde logo por ter sido intentada contra outras pessoas”, caso em que apenas contra elas prosseguirá.

Como quer que seja, é a primeira das consideradas situações que aqui se verifica.

E, assim, em qualquer das principais abordagens, sempre ocorreria inutilidade superveniente da lide na ação declarativa, e relativamente ao réu Banco, S.A., I, a qual, como anotam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor (…) encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida”.[7]
Ou, nos termos do AUJ n.º 1/2014, “A inutilidade do prosseguimento da lide verificar -se -á, pois, quando seja patente, objectivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada.”.

Sendo aquela causa de (sectorial) extinção da instância, cfr. artigo 277º, alínea e), 2ª parte, do Código de Processo Civil.

Certo aqui não estar posto em causa o prosseguimento da ação contra os outros co-RR., demandados enquanto responsáveis solidários. Mas cfr. artigo 512º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
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Improcedem assim, in totum, as conclusões dos Recorrentes.

III–Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes, que decaíram totalmente.
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Lisboa, 2017-03-30


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)


[1]Proc. n.º 170/08.0TTALM.L1.S1, in Diário da República, 1.ª série — N.º 39 — 25 de fevereiro de 2014.
[2]In “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª Ed., Quid Juris, 2013, págs. 319-320.
[3]In op. cit., pág.459.
[4]“Os Efeitos da Declaração de Insolvência sobre as Acções Declarativas”, in Revista de Direito da Insolvência, n.º 0, 2016, Almedina, pág. 85.
[5]Do C.I.R.E., como os demais, daqui em diante referidos sem indicação de origem.
[6]In op. cit., págs. 80, 82, 83 e 89.
[7]In “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 546.