Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1490/09.1TAPTM.L1-3
Relator: RUI GONÇALVES
Descritores: LEGES ARTIS
LESÃO
MENISCO
PARALISAÇÃO DOS MEMBROS
HEMATOMA EPIDURAL
JUÍZO DE EXIGIBILIDADE SOCIAL
OMISSÃO DO DEVER DE CUIDADO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I—O ato médico é constituído pela atividade médica de diagnóstico, prognóstico e prescrição, e execução de medidas terapêuticas, relativa à saúde das pessoas, grupos ou comunidades, em conformidade com a Ética e a Deontologia Médicas.
II—O pós-operatório é fundamental para se definir a eventual responsabilidade do médico por eventos danosos. Não se podendo olvidar que o período posterior à cirurgia, onde o paciente está fragilizado, é fundamental para a sua recuperação.
III—Nos tempos que correm o ato médico, deixou de ser indivisível, e passa a ser composto por uma série de intervenções complementares efetuadas por pessoal médico capaz de analisar e avaliar uma série de dados cada vez mais precisos sobre o paciente, e a atividade médica é desenvolvida, na sua maioria, no âmbito de uma equipa de saúde.
IV—O médico enquanto profissional de saúde no exercício da sua atividade labuta com os bens jurídicos mais relevantes do nosso ordenamento jurídico, sendo eles, a vida e a integridade física do paciente.
V—O conceito de leges artis pode ser delineado como sendo um conjunto de regras científicas e técnicas e princípios profissionais que o médico tem a obrigação de conhecer e utilizar tendo em conta o estado da ciência e o estado concreto do doente. Trata-se de um critério valorativo de um ato clínico praticado por um médico.
VI—Estes princípios profissionais e complexo de regras, adotados genericamente pela ciência médica, num determinado momento histórico, para casos semelhantes, ajustáveis à concreta situação individual, resultam de normas de orientação clínica, do Código Deontológico, de pareceres de comissões de ética, de protocolos, guidelines, livros e revistas especializadas.
VII—Estando preenchidos todos estes requisitos aquando da intervenção do médico, ela não pode ser considerada um crime contra a integridade física ou contra a vida do doente, uma vez que o médico atuou de acordo com os conhecimentos técnicos e científicos, fazendo tudo o que estava ao seu alcance para tentar minorar a dor ou salvar o doente, indicando o tratamento considerado idóneo para a situação, ainda que, contudo, não obtenha sucesso.
VIII—O erro é uma das causas mais relevantes de lesão física na atividade médica. O erro resulta na sua imensa maioria, não de um ato isolado, mas de uma sucessão de incidentes, tornando-se essencial saber quem errou, onde errou, como errou e qual o resultado que esse erro produziu na vida do doente.
IX—O erro de conhecimento ocorre quando o médico se apercebe de que surgiu um problema e que os métodos existentes para o solucionar não se afiguram capazes de uma resposta imediata. Urge então, encontrar uma nova solução, um novo método, capaz de dar uma resposta em tempo útil ao problema detetado, o que não sucede de forma satisfatória.
X—O médico atua com o cuidado que é esperado quando se conforma com o critério médio e padronizado de cuidado, mas a sua falta de conhecimentos ou capacidades pode permitir excluir a culpa, uma vez que somente se lhe pode exigir aquilo que de acordo com os seus conhecimentos pode realizar, tendo em conta as circunstâncias.
XI—Se o médico possui capacidades ou conhecimentos especiais superiores à média, terá de atuar com um cuidado acrescido, tendo em conta os conhecimentos que devia usar e não o fez. Quando não faz uso das faculdades que possui, integrará o tipo de ilícito negligente.
XII—Não basta a observância de um cuidado médio abstrato, dependendo a negação ou afirmação do ilícito negligente de um juízo de “exigibilidade social”, tendo em consideração as capacidades do agente para impedir o resultado.
XIII—Apresenta-se como erro relevante aquele que constitui uma conduta violadora das leges artis.
XIV—Para o Direito Penal releva apenas a punição do “erro médico” que seja uma violação de leges artis específicas ou de um dever de cuidado de conteúdo relativamente definido, aferidos, nomeadamente, por protocolos de diagnóstico e ou de terapêutica e ou de execução ou procedimentos médicos. Se todos os deveres e regras forem respeitados, então o resultado – risco – é permitido e por isso a conduta não é penalmente censurável.
XV—É necessário determinar qual o cuidado específico que os agentes médicos não cumpriram, que podiam ter cumprido e eram adequados a evitar o resultado.
XVI—Os deveres do cirurgião não se circunscrevem ao puro ato cirúrgico. Após a intervenção, o cirurgião tem o dever de prevenir e controlar os perigos e os danos que possam advir como consequência da intervenção.
XVII—Pode ainda verificar-se um erro na fase pós-operatória nas situações em que, não cumprindo o seu dever de continuar a controlar o estado do paciente após a intervenção cirúrgica, o cirurgião abandona o paciente nas mãos de profissionais sem competência para fazer face a qualquer complicação que possa eventualmente surgir.
XVIII—O médico, em princípio, assume uma obrigação de atividade, diligência e prudência, conforme o estado atual da ciência médica, sendo, por conseguinte, devedor de uma obrigação de meios, porquanto na sua atividade se encontra sempre presente um elemento aleatório, no sentido de que o resultado procurado não depende exclusivamente do seu proceder, mas também de outros fatores, endógenos e exógenos, alheios à sua atuação e que escapam ao seu controlo.
XIX—Os médicos atuam sobre pessoas, com ou sem alterações na saúde, e a intervenção médica está sujeita, como todas, à componente aleatória própria da mesma.
XX—O médico não garante, portanto, a cura do doente, mas sim o emprego das técnicas adequadas conforme o estado atual da ciência médica e as circunstâncias concorrentes em cada caso (das pessoas, do tempo e do lugar).
XXI—O compromisso sanador do médico continua a traduzir-se, numa obrigação de meios, não gerando direitos absolutos à saúde ou à regeneração corporal por meio de uma cirurgia.
XXII—Por mais perfeita que seja a assistência médica que se tenha prestado a um paciente, há uma multiplicidade de causas que podem determinar que uma intervenção cirúrgica fracasse, entre outras razões porque se está a atuar sobre um corpo vivo, cuja complexidade, e também fragilidade, é patente.
XXIII—O médico assume uma obrigação de meios, e como tal compromete-se não só a usar as técnicas previstas para a patologia em questão, com recurso à ciência médica adequada a uma boa praxis , mas também a aplicar tais técnicas com o cuidado e precisão exigível de acordo com as circunstâncias e os riscos inerentes a cada intervenção.
XXIV—Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar.
XXV—In casu, era exigível aos médicos arguidos/recorrentes que, após tomarem conhecimento das sucessivas queixas do ofendido J… e do agravamento do seu estado, fazerem mais do que fizeram, designadamente colocar a hipótese de hematoma epidural e procedido ao esclarecimento dessa hipótese, através da realização de uma TAC. E o facto de esse exame apenas ter sido solicitado no dia seguinte (17-mar.-2009 — e não pelos arguidos/recorrentes) é considerado uma violação das leges artis.
XXVI—Os médicos arguidos/recorrentes não demonstraram um comportamento verdadeiramente interessado em alcançar o diagnóstico correto, à medida que as queixas e o estado do ofendido J… se agravava, sem que as terapêuticas que lhe foram sendo ministradas ao longo da noite e madrugada surtissem efeito.
XXVII—Descobrir é aprender as causas que perturbam a nossa vida é, sem dúvida, diagnosticar. O diagnóstico supõe identificar a enfermidade de que padece o paciente e reconhecer as peculiaridades derivadas de que cada homem enfermo é um indivíduo e uma pessoa (sendo sabido que em medicina não há enfermidades mas sim pessoas doentes).
XXVIII—Por sua vez, o diagnóstico para ser completo requer estabelecer e valorar o transtorno funcional, a localização e natureza da lesão, a patogenia e a etiologia, o mais específico de cada caso, fruto da condição de indivíduo e pessoa de cada paciente.
XXIX—Para tal fim, a história clínica e a exploração física do paciente têm de ser completas e minuciosas, devendo complementar-se, no caso, com os exames especiais e provas de laboratório adequadas para proporcionar toda a informação necessária sobre a enfermidade que se estuda, para chegar a um diagnóstico de presunção.
XXX—O diagnóstico anatómico precede geralmente o diagnóstico etiológico. O passo intermédio é constituído pelo diagnóstico sindrómico, que se não revela habitualmente a causa precisa de uma doença, reduz ao menos o número de possibilidades.
XXXI—O método clínico constitui uma atividade intelectual ordenada: do sintoma ao indício, do indício à síndrome e da síndrome à enfermidade.
XXXII—Não obstante, por muito que a medicina tenha avançado nos tempos que correm, há que abandonar essa vã, absurda e ilusória presunção de querer converter em exata uma ciência que realmente o não é.
XXXIII—O diagnóstico do médico não é infalível, pelo que deve ser sumamente cauto e prudente ao emitir a sua impressão diagnóstica, sustentando-a numa rigorosa análise das circunstâncias, provas e explorações praticadas, sem resgatar qualquer esforço para tal propósito, mas sem poder garantir a certeza e o êxito do mesmo.
XXXIV—Desta forma, nem todo diagnóstico equivocado resulta censurável e origina responsabilidade, já que não é juridicamente exigível o acerto do médico em todo caso, nem sempre é sancionável o erro científico, incorrendo somente em responsabilidade o médico que diagnostica equivocadamente por manifesta negligência ou ignorância face aos sintomas ou por não empregar oportunamente os meios técnicos e exames que ajudam a evitar os erros de apreciação, já que o médico tem o dever e a responsabilidade de manter atualizados os seus conhecimentos científicos e melhorar a sua capacidade profissional.
XXXV—Para a exigência de responsabilidade por um diagnóstico erróneo ou equivocado, há de partir-se do ponto de saber se o médico realizou ou não todas as comprovações necessárias, atendendo ao estado da ciência médica no momento, para emitir o diagnóstico.
XXXVI—Realizadas todas as comprovações necessárias, só o diagnóstico que apresente um erro de notória gravidade ou conclusões absolutamente erróneas, pode servir de base para declarar a sua responsabilidade, de modo igual acontece no caso em que não se praticaram todas as comprovações ou exames exigidos ou exigíveis.
XXXVII—In casu, as queixas do ofendido J… foram desvalorizadas e insistentemente relacionadas com os incómodos inerentes àquela cirurgia. Desde logo, porquanto as intervenções de cada um dos arguidos/recorrentes no pós-operatório (quanto ao arguido/recorrente A…, às 20:00 horas e depois através de contacto telefónico por volta das 23:00 horas ainda do dia 16-mar.-2009 e pouco depois dessa hora, no que respeita à arguida M…) se revelaram pontuais e limitadas, não tendo qualquer um deles prosseguido um acompanhamento consistente e estruturado do ofendido J…, como os seus conhecimentos científicos e regras deontológicas impunham. Assim, v.g., não deram os arguidos/recorrentes qualquer orientação para voltarem a ser contactados pelas enfermeiras sobre a evolução do estado do paciente J…, no caso por exemplo de os sintomas e queixas persistirem, como na realidade ocorreu.
XXXVIII—Ao invés, por exemplo, bastou-se o arguido/recorrente A…, na sua intervenção por telefone, por volta das 23:00 horas, em solicitar a intervenção do médico que estivesse na urgência. E só no dia seguinte 17-mar.-2009 voltaria a ver o ofendido J…, já após a intervenção de outros médicos (designadamente um urologista e o anestesiologista, a testemunha C…).
XXXIX—A perícia do INML é clara ao afirmar que quanto mais tempo decorre entre o diagnóstico e o tratamento, maior é a probabilidade de lesões neurológicas. E vai mais longe ao indicar que a remoção do hematoma deverá ocorrer num intervalo inferior de 6-8 horas. E tanto assim é que, no caso dos autos, assim que C… determinou a realização da TAC e obteve o resultado desse exame contactou de imediato o neurocirurgião e foi logo determinada a realização de urgência de cirurgia para remoção do hematoma epidural.
XL—A negligência que se imputa aos médicos arguidos/recorrentes não está em não ter sido detetado o hematoma epidural. A questão fundamental está em que nem sequer foi encetado o caminho para obter esse diagnóstico. As queixas de J… foram desvalorizadas e não foram objeto de um tratamento cuidado. O mesmo levaria a um diagnóstico diferenciado com a exclusão das várias possibilidades clínicas.
XLI—Cada um dos médicos arguidos/recorrentes teve uma intervenção pontual e com tanto se bastou, confiando em que seria suficiente.
XLII—Contudo, os seus conhecimentos científicos e regras deontológicas impunham maior cuidado. Na verdade, o paciente J… sofria de diversas patologias, facto que era do conhecimento do médico A… e que também seria da médica M…, designadamente se esta tivesse lido atentamente o processo clínico do mesmo.
XLIII—A realidade é que, efetivamente, nenhum dos dois médicos arguidos prosseguiu o acompanhamento do ofendido J… após as respetivas intervenções, nem nenhum deu indicações às enfermeiras para que lhes transmitissem como é que o doente estava a evoluir ao longo da noite.
XLIV—As queixas de dores nas pernas foram tratadas pelo arguido/recorrente A… como se tratasse de simples incómodos decorrentes de operação, sendo desvalorizados.
XLV—As lombalgias são sintomas frequentes de diversos tipos de doença e podem ter significado clínico muito diverso. Essa multiplicidade de significados impunha, em particular, num quadro como o dos presentes autos, uma maior cautela e não uma desvalorização, confiando em que o pior não iria acontecer. Sobretudo quanto aplicado um primeiro tratamento as queixas não só não desaparecem como antes se agudizam.
XLVI—In casu ocorre a infração das leges artis relativamente ao seguimento do doente no pós-operatório, no que a este arguido médico A…A diz respeito.
XLVII—Pelo quadro clínico mais amplo e grave de que o doente J… padecia e que era do cabal conhecimento do médico arguido A… era exigível uma atenção maior da parte do médico que era o cirurgião responsável pela operação.
XLVIII—A médica arguida/recorrente M… que admitiu em sede de audiência de discussão e julgamento que nem leu o processo clínico do doente J…, que o aludido doente J… estava queixoso mas não referiu que o mesmo andava a deambular pela enfermaria (o que transmitiu ao anestesista que contactou R… a quem pediu uma opinião). E de seguida foi-se embora e nada mais quis saber do doente J….
XLIX—A médica arguida M… não tomou providências para se inteirar sobre a evolução clínica do doente J… e não deixou indicações sobre o que fazer caso o mesmo continuasse a queixar-se. Neste particular mostra-se irrelevante que não fosse sua médica. Estava ao seu cuidado e era por ele responsável não podendo alhear-se da sua sorte.
L—No hospital em causa, existia a possibilidade de se realizarem TAC e ressonâncias magnéticas a qualquer hora do dia ou da noite. Tais opções não se colocaram à arguida/recorrente porque a mesma não averiguou o que se passava com o paciente J… e aqui ofendido e qual a evolução da situação clínica do mesmo durante a noite.
LI—É aqui que se consolida a sua violação do dever de cuidado. Porquanto foi ligeira na apreciação da condição clínica do mesmo J… limitando-se a providenciar pela administração de um tranquilizante.
LII—Igualmente quanto à médica arguida/recorrente M… está verificada a violação das leges artis inerente à violação do dever de cuidado.
LIII—O que resulta dos factos apurados é que nenhum dos médicos arguidos/recorrentes procurou encetar qualquer forma de diagnóstico para apurar qual a origem dos sintomas apresentados pelo ofendido J… (nenhum determinou a realização de qualquer tipo de exame).
LIV—Qualquer dos dois médicos arguidos/recorrentes desvalorizou as queixas do doente J… e confiou em que as mesmas mais não seriam do que incómodos do pós-operatório, sem que tenham demonstrado ao Tribunal que tinham motivos justificados para assim entender.
LV—Os médicos arguidos/recorrentes são profissionais com vasta experiência sendo seu dever equacionar as várias hipóteses de diagnóstico possível (sendo certo que não apresentaram uma única, em alternativa ao hematoma epidural), ainda que com recurso ao apoio de outros colegas.
LVI—Pese embora sendo raro o hematoma epidural o mesmo estava descrito e os arguidos/recorrentes sendo médicos deveriam ter encetado o caminho para o seu diagnóstico.
LVII—Era, pois, previsível como uma hipótese a considerar, tendo presente que os arguidos conheciam a história clínica do ofendido J…, sabiam que o mesmo tinha sido sujeito a uma anestesia epidural.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


1. RELATÓRIO


1.1. No Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular n.º 1490/09.1TAPTM do Tribunal da Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância ... - Secção Criminal - Juiz ..., por sentença de 29-mai-2015 ([1]), nessa mesma data depositada, foi decidido, no que ao caso releva:

- «Condenar A… pela prática de 1 (um) crime de ofensas à integridade física graves por negligência, previsto e punido pelos arts. 144.º, alínea b), 148.º n.ºs 1 e 3 e 150.º nº 1, todos do Código Penal, na pena de 195 (cento e noventa e cinco dias de multa) à taxa diária da multa em €50,00, perfazendo aquela €9750,00 (nove mil setecentos e cinquenta euros).
- Condenar M... pela prática de 1 (um) crime de ofensas à integridade física graves por negligência, previsto e punido pelos arts. 144.º, al. b), 148.º nºs 1 e 3 e 150.º nº 1, todos do Código Penal, na pena de 185 (cento e oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €35,00, perfazendo, assim, a multa o valor de €6475,00 (seis mil quatrocentos e setenta e cinco euros).
- «Condeno a “ …C…Seguros S.A.” e M…no pagamento à assistente L… e aos demandantes F…, S… e V… de indemnização no valor de €214.800,00 (duzentos e catorze mil e oitocentos euros) acrescidos de juros de mora à taxa legal aplicável desde a data do trânsito até efetivo e integral pagamento, absolvendo quando ao demais peticionado, respondendo a demandada companhia de seguros até ao limite do capital seguro.»
- «Absolvo do pedido de indemnização civil a G… Companhia de Seguros …». ([2])
***

1.2. Inconformada com o assim decidido, em 26-jun.-2015, recorreu a arguida:
M…, médica, casada, nascida em 03-dez.-1950, natural de…, filha de … e de …, titular do cartão de cidadão n.º …, residente no Monte … São Brás de Alportel.
Remata a sua motivação recursória com as seguintes conclusões:
«a) Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou a Recorrente pela prática de um crime de ofensas à integridade física graves por negligência, p. e p. pelos artigos 144.º, alínea b), 148.º nºs 1 e 3 e 150.º n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 185 (cento e oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €35,00 (trinta e cinco euros), perfazendo a multa o valor de €6.475,00 (seis mil quatrocentos e setenta e cinco euros) e no pagamento, com a C…Seguros S.A.”, à Assistente e aos Demandantes da indemnização no valor de €215.500,00 (duzentos e quinze mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal aplicável desde a data de trânsito até efetivo e integral pagamento, respondendo a referida Companhia de Seguros até ao limite do capital seguro;
«b) A Recorrente não se conforma com a sua condenação, quer pela, alegada, prática do crime que lhe é imputado, quer no pagamento do montante indemnizatório fixado nos autos, na sequência do pedido de indemnização cível deduzido;
«c) Considerando que a Recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, em cumprimento, nomeadamente dos requisitos previstos no nº 3 e respetivas alíneas e nº 4 do artigo 412º, do Código de Processo Penal, impondo-se ao Tribunal ad quem apurar pela análise, que pressupõe a audição da gravação, das passagens indicadas pela Recorrente e outras que tiver por necessárias à boa decisão da causa de declarações e depoimentos prestados, se ocorreu erro de julgamento relativamente aos pontos de facto da matéria dada como provada que a Recorrente especificará como incorretamente julgados (merecendo respostas ou análises críticas diversas às dadas pelo Tribunal a quo) e que são, pelo menos, os seguintes:
(…)
"15. A referida médica contactou telefonicamente um médico Anestesiologista R… solicitando a sua opinião sobre a situação do doente.
25. Em Consequência do atraso na realização dos exames imagiológicos, do consequente diagnóstico e da cirurgia que se lhe seguiu, o doente ficou paralisado dos membros inferiores, não tendo recuperado o uso dos mesmos até 9 de setembro de 2009, data em que veio a falecer.»
«27. Os arguidos deveriam, logo que tomaram conhecimento dos sintomas do doente e no caso da arguida de que este tinha sido sujeito a anestesia epidural terem colocado a hipótese de um hematoma epidural e procedido ao esclarecimento imediato dessa hipótese, através da determinação e realização de exames de imagem.
«28. Todavia, e apesar de estarem cientes de que o atraso no diagnóstico e na realização do tratamento que se revelasse necessário aumentava a probabilidade de lesões neurológicas permanentes, não determinaram a realização de quaisquer exames imagiológicos.»
«29. Foi da inobservância desses deveres, que constituíam a boa prática clínica, e que os arguidos poderiam e deveriam cumprir, que resultou para o doente uma situação de paraplegia irreversível.»
«30. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida por lei e tinham liberdade para se motivar de acordo com esse conhecimento.»
«56. Não foi informada pelos arguidos quanto à evolução clínica do seu marido, nem recebeu qualquer pedido de desculpa pelo sucedido.»
«65. Não se sentiram acompanhados pelo pessoal médico, evasivo nas respostas dadas.)."»
(…)

«d) Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não sustenta a conclusão que a arguida tenha deliberadamente sujeito o doente a tratamentos incorretos para colocarem em perigo a sua saúde ou tenha sido descuidada ou imprevidente no seu tratamento, e, consequentemente, que a paraplegia sofrida pelo mesmo decorresse desse descuido ou imprevidência;»
«e) Efetivamente, dos depoimentos das testemunhas e dos peritos ouvidos, bem como da prova documental e pericial carreada para os autos, resulta, taxativamente, que não houve pela Recorrente qualquer violação do dever objetivo de cuidado, ao contrário do referido pelo Tribunal a quo nos apontados factos provados;»
«f) Desde logo, em momento algum é afirmado na consulta técnico-científica elaborada pelo INML e que consta de fls. 170 a 173 de forma perentória que a arguida, no caso concreto, inobservou quaisquer deveres que constituem a boa prática médica;»
«g) Por outro lado, para a formação da convicção do Tribunal não foram devidamente considerados os depoimentos testemunhais do Dr. A…, do Dr. R… , do Dr. J…, da Enfermeira L…, da Enfermeira M…, da Dra. G… e dos peritos Dr. F…, especialista em ortopedia e traumatologia e Dr. L…, consultor de ortopedia-cirurgia da coluna, os quais devidamente ajuizados impunham, claramente, uma decisão distinta da recorrida;»
«h) Porque analisado concretamente o depoimento prestado por essas testemunhas e peritos, conclui-se que, perante as circunstâncias concretas do doente em questão (ausência da paraplegia), nenhuma dessas testemunhas e peritos teria colocado, desde logo, o hematoma epidural como primeira hipótese, dada a sua raridade, nem teriam determinado a realização de TAC;»
«i) Neste sentido, temos, antes de mais, os depoimentos supra transcritos, de: (i) - Dr. A…, sessão de 28.04.2015, com início às 14.45.29 horas, aos minutos 00:26:50, 00:38:56 e 00:39:09; (ii) Dr. A…, sessão de 28.04.2015, com início às 15.18.02 horas, aos minutos 01:39:53 e 01:40:12; (iii) - Dr. R…, sessão de 28.04.2015, com início às 17.25.29 horas, aos minutos 00:13:18, 00:13:49, 00:15:17, 00:15:55, 00:16:43 e 00:17:30; (iv) - Dr. J…, sessão de 28.04.2015, com início às 17.46.20 horas, ao minuto 00:17:25; (v) - Dr. F… e Dr. L…, sessão de 12.05.2015, com início às 14.43.53 horas, todo o depoimento; e (vi) - Dra. G…, Sessão de 19.05.2015, com início às 14:37:18 horas, aos minutos 00:03:14 e 00:03:52;»
«j) O facto, conforme o próprio Tribunal a quo dá como provado, que "90. O paciente andava pela enfermaria, tendo mobilidade, força muscular e sensibilidade nos membros inferiores.";
«k) Temos, também, o facto de, nessa mesma noite do dia 16 de março de 2009 (em momento posterior às 23.00 horas), o doente ter sido observado pelo Serviço de Urologia do referido Hospital, não tendo sido, também, por este Serviço efetuado qualquer diagnóstico de paraplegia ou determinada a realização de qualquer exame - cfr. ponto 69. dos factos dados como provados;»
«l) Decorre, ainda, da consulta científica, junta aos autos a fls. 171, emitida pelo INML (cfr. resposta ao quesito M) que: “Uma estimativa grosseira poderia referir que apenas se observa um caso para um número bastante superior a 100.000 anestesias epidurais…”, sendo esta conclusão amplamente corroborada e secundada pela diversa literatura científica e estudos internacionais, bem como pelos pareceres juntos aos autos a fls. _ do Dr. F… e Dr. L…, e ainda da consulta técnico-científica do INMLCF a fls. _ e do relatório de perícia de avaliação do dano corporal de fls. 553 a 565;»
«m) A arguida, com uma atitude manifestamente adequada e prudente, não se bastou apenas com os seus conhecimentos, mas entendeu mais correto pedir a opinião de um especialista de anestesiologia, Dr. R…, tendo, de igual modo, optado por seguir, escrupulosamente, os conselhos deste (cfr. ponto 68. dos factos dados como provados);»
«n) Ademais, a arguida é médica de clínica geral, o que dificulta consideravelmente a dificuldade do diagnóstico numa situação como a dos autos;»
«o) Esse facto resulta expressamente do depoimento supra transcrito do Dr. F… e do Dr. P… na aludida sessão de 12.05.2015, com início às 14:43:53 horas, e especificamente aos minutos 00:17:47, 00:18:18, 00:19:02 e 00:19:27 e do depoimento supra transcrito da Dra. G…na sessão de 19.05.2015, com início às 14:37:18 horas, e especificamente ao minuto 00:03:52;
«p) Importando ainda considerar, quanto a esta questão, o facto do doente apresentar queixas inespecíficas, como resulta expressamente do depoimento da enfermeira L…, na aludida sessão de 28.04.2015, com início às 17:08:13 horas, e especificamente aos minutos 00:05:00 e 00:06:07 e do depoimento da enfermeira M…, na aludida sessão de 28.04.2015, com início às 12:14:00 horas, e especificamente aos minutos 00:05:30, 00:05:52 e 00:09:52;»
«q) Analisado concretamente o depoimento prestado pelas supra identificadas testemunhas e peritos, bem como a indicada prova documental e pericial, conclui-se que a arguida não devia e não podia ter atuado de modo diferente, perante as circunstâncias do caso concreto;»
«r) O doente foi, como se impunha e ao contrário do plasmado na sentença de que se recorre, tratado de acordo com os diagnósticos realizados;»
«s) Tal factualidade, em sede de imputação objetiva, não poderia ter sido, como foi, inteiramente ignorada pelo Tribunal a quo
«t) A verdade é que o foi, pelo que a convicção formada pelo julgador a quo contraria, assim, as regras da experiência comum, da lógica e, primordialmente, dos conhecimentos científicos demonstrado por tais testemunhas e peritos;»
«u) Ficou, pois, cabalmente demonstrado que a Recorrente agiu com o grau de cuidado e competência que é razoável esperar de um profissional do mesmo ofício, agindo em semelhantes circunstâncias, não sendo a sua conduta reprovável. Vide neste sentido, as passagens transcritas nos pontos 54. a 57., inclusive, do presente recurso para as quais se remete para os devidos e legais efeitos;»
«v) E da prova documental e pericial junta aos autos, resulta taxativamente que “Foi a anestesia epidural que provocou o hematoma epidural”, cfr. fls. 171 e 315 dos autos, concluindo que o resultado danoso (paraplegia) foi provocado pela anestesia ministrada pelo Dr. A… e que esse resultado constitui uma lesão iatrogénica, cfr. fls. 309 dos autos;»
«w) Tal facto decorre: (i) da resposta aos quesitos “Q” e “R” da consulta científica, junta aos autos a fls _, emitida pelo INML; (ii) a fls. 178 da resposta ao quesito "N" da consulta técnico-científica elaborada no Instituto Nacional de Medicina Legal sendo relator o Prof. Dr. J…; e (iii) dos depoimentos do próprio anestesista que ministrou tal anestesia, do Dr. A… (sessão de 28.04.2015, com início às 15.18.02 horas, aos minutos 00:54:49, 01:33:00 e 01:40:12), do Dr. R… (sessão de 28.04.2015, com início às 17.25.29 horas, aos minutos 00:15:07) e do Dr. J… (sessão de 28.04.2015, com início às 17.46.20 horas, aos minutos 00:18:21 e 00:19:13);
«x) Tal facto, a que a Arguida é completamente alheia, não pode ter deixado de condicionar, decisivamente, a extensão e duração dos danos sofridos pelo doente, conforme decorre das regras de experiência comum;»
«y) Também esta factualidade foi, inteiramente, ignorada pelo Tribunal e, também aqui, a convicção formada pelo julgador a quo contraria, assim, as regras da experiência comum, da lógica e, primordialmente, dos conhecimentos científicos demonstrado por tais testemunhas e peritos;»
«z) Não podia, pois, o Tribunal a quo ter dado como não provado que “17. A causa da paraplegia foi motivada pela anestesia epidural.”;
«aa) O doente foi sujeito a intervenção cirúrgica para remoção do hematoma epidural, claramente, dentro do prazo estabelecido na literatura da especialidade, cfr. resulta do depoimento supra transcrito do Dr. F… e do Dr. P…, na aludida sessão de 12.05.2015, com início às 14:43:53 horas, e especificamente aos minutos 00:09:30, 00:10:30, 00:11:02, 00:11:17 e 00:11:42, bem como de toda a literatura da especialidade referente a casos idênticos, junta aos autos a fls. _;»
«bb) Em face do que antecede, houve uma incorreta valoração da prova por parte do Tribunal a quo, que não podia ter dado como provados os factos supra assinalados sob os pontos 25., 27., 28., 29. e 30. da matéria dada como provada;»
«cc) O mesmo se pode afirmar relativamente à matéria dada como provada nos pontos 56. e 65., da matéria dada como provada;»
«dd) Para além disso, olhando para a sentença recorrida, é evidente, a oposição entre os apontados factos provados (pontos 23. e 26. da matéria dada como provada) e os não provados (ponto 17. da matéria não dada como provada), bem como uma clara contradição entre a matéria de facto que foi dada como provada e a respetiva fundamentação;»
«ee) Isto porque, se o Tribunal a quo dá como provado que, de acordo com o exame efetuado, a paralesia resultou de um hematoma epidural que comprimia a medula espinal e que foi a anestesia epidural que provocou esse mesmo hematoma epidural (pontos 23. e 26. da matéria dada como provada), não pode, então e simultaneamente, dar como não provado que a causa dessa paraplegia tenha sido essa mesma anestesia ministrada ao doente (ponto 17. da matéria não dada como provada);»
«ff) Estamos, pois, na presença de uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.»
«Neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa, de 02-07-2002 e da Relação de Évora, de 19-02-2008, ambos vistos em http://www.dgsi.pt.;»
«gg) As contradições detetadas na sentença (art.º 410.º, n.º 2 – al. b) do Código de Processo Penal) não obstam, s.m.o., porém, à decisão da causa (art.º 426.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a contrario), pelo que deverá, pois, proceder-se nesta segunda instância à sanação do vício, retirando dos factos provados a conclusão neles descrita como pontos 25. 27., 28. e 29. da matéria dada como provada;»
«hh) Tanto mais que, apenas essa alteração restabelece a coerência lógica do texto da decisão e implica a revogação da sentença e a absolvição da recorrente, uma vez que os factos provados são insuficientes para preenchimento do tipo negligente subjetivo, mas também do objetivo;»
«ii) A Arguida não praticou quer dolosa quer negligentemente, qualquer ação violadora dos deveres a que se encontra obrigada e usou toda a diligência que lhe era exigida para evitar o dano e agiu em conformidade com a “legis artis”, pelo que não poderia ter sido, como foi, condenada pela prática do crime em causa;»
«jj) Não tendo o pedido cível qualquer justificação no que à Arguida respeita, porquanto não lhe pode ser imputado qualquer comportamento juridico-penalmente relevante e, por maioria razão, inexiste qualquer obrigação de indemnizar;»
«kk) Inexiste o nexo de causalidade (ou sequência causal) entre a conduta faltosa e o dano, pelo que ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, sempre, deveria o mesmo ter improcedido por não provado e ser a arguida absolvida do pedido;»
«ll) Por raciocínio lógico e racional e de acordo com as regras de experiência, da lógica, da prova documental e pericial constante dos autos e, primordialmente, dos conhecimentos científicos demonstrado por testemunhas e peritos, impunha-se que a convicção do Tribunal tivesse sido outra, justificando-se uma decisão distinta, em obediência ao princípio do in dubio pro reo, expressão do princípio da presunção de inocência;»
«mm) É patente a insuficiência da matéria de facto provada para a incriminação imputada à arguida – alínea a) do nº 2 do artigo 410º, do Código de Processo Penal»
«nn)    É evidente, a oposição entre os apontados factos provados e os não provados e uma clara contradição entre a matéria de facto que foi dada como provada e a respetiva fundamentação - alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal;»
«oo) Existe um erro notório na apreciação da prova – alínea c), do nº 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, sendo profundamente injusta e infundada a condenação aplicada à Recorrente, violando-se assim aquilo que são as mais elementares regras da administração da justiça;»
«pp) No que respeita à sua fundamentação e no que se refere à prova relevante para a decisão, a sentença condenatória enferma de erro de Direito, por violação do artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, por faltar o “ exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”, uma vez que não há uma única à testemunha G… e/ou ao seu depoimento na sentença recorrida;
«qq) No que se refere aos danos patrimoniais, ao decidir com recurso à equidade, o Tribunal a quo substituiu-se à assistente e aos demandantes, fez o seu papel quando não o podia fazer, sendo que, não tendo assistente e os demandantes logrado provar o exato montante do seu prejuízo (vide factos não provados 14., 15. e 16.), quando apenas eles o podiam fazer, a decisão que se impunha era a absolvição da ora Recorrente;»
«rr) E quanto aos danos não patrimoniais a sentença recorrida violou os artigos 483.º e 496.º, ambos do Código Civil, porquanto perante uma ofensa à integridade física, é a vítima e não os seus familiares, ainda que próximos, que dispõe do direito à indemnização, ainda que aqueles também possam ter sofrido interiormente com a conduta;»
«ss) Importando ainda salientar que a Arguida, no momento dos factos, exercia a sua profissão ao serviço do Hospital C…, a entidade hospitalar onde os cuidados médicos foram prestados.»
«tt) Do exposto, resulta, assim, que a sentença recorrida violou os artigos 127.º, 374.º n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a), 410.º, n.º 2 alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, o artigo 150.º do Código Penal, o artigo 4.º da Convenção da Biomedicina, os artigos 483.º e 496.º, ambos do Código Civil e o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.»
«Caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que,»
«uu) Quanto à medida da pena, que as circunstâncias e contornos que tomou o crime imputado à Recorrente e descritos na sentença recorrida, assim como as descritas condições pessoais da arguida constantes dos autos, devem ser consideradas como tendo um relevo especial, impondo-se uma atenuação especial da pena, prevista nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal;»
«vv) Assim como os valores indemnizatórios fixados pelo Tribunal a quo a título de compensação pelo dano estético e biológico e danos morais à assistente e aos demandantes cíveis, em aplicação fundamental de juízos de equidade, são claramente excessivos e muito superiores aos que, em circunstâncias idênticas, têm vindo a ser arbitradas pela Jurisprudência e Doutrina dominantes.»
«Nestes termos,
E nos mais de Direito, sempre do douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a decisão recorrida, com a consequente absolvição da Arguida M…, fazendo-se assim a tão costumada JUSTIÇA!»
«Caso assim não se entenda, Deverá revogar-se a sentença recorrida, e consequentemente ser reduzida a pena para medida próxima dos limites mínimos, atentos os critérios enunciados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, bem como os montantes indemnizatórios serem, também, reduzidos para valores que, em circunstâncias idênticas, têm vindo a ser arbitradas pela Jurisprudência e Doutrina dominantes ([3]).
***

1.3. Igualmente desavindo com o assim decidido dela veio a recorrer o arguido:
v A…, casado, médico ortopedista, nascido em 17-jun.-1963, natural de…, Lisboa, filho de… e de, titular do cartão do B.I. n.º…, residente na Rua … n.º … Corroios.
Remata a sua motivação recursória com as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de ofensas à integridade física graves por negligência p.p. pelos artigos 144º, al. b), 148º, nº 1 e 3 e 150º, do nº 1 todos do C.P. na pena de 195 dias, à taxa diária da multa em €50,00 perfazendo o total de €9.750,00;»
«II. No que respeita à análise e valoração da prova produzida e analisada em sede de audiência de discussão e julgamento, importa frisar que a apreciação de todos os factos trazidos ao pleito devia ter sido [efetivamente] feita por referência a todos os depoimentos e ao que deles defluiu só deste modo se poderiam comprovar e aferir corretamente todos os elementos circunstanciais de tempo e de modo em que decorreram os factos e, em consequência, construir um elenco fáctico seguro e alcançar uma coerente motivação probatória, o que, salvo todo o devido respeito, não sucedeu.»
III. Nos termos do nº 3, do artº 412º al. a) do C.P.P., considera o Recorrente, que não deveriam ter sido dados como provados os pontos 8º, 9º, 12º, 13º, 21º, 25º, 27º, 28º, 29º e 30º.»
«IV. Relativamente aos factos 8, 9 e 12º o tribunal a quo deu como provado o seguinte: “8. Algumas horas depois, o doente queixou-se de fortes dores na coluna e de formigueiro nos membros inferiores, registando uma diminuição da força muscular destes. 9. M…, Enfermeira que estava então de turno contactou telefonicamente o arguido, pondo-o a par da situação. 12. Posteriormente, foi contactado telefonicamente, sendo informado que os sintomas do doente se mantinham.”»
«V. No que tange à factualidade inserta nos pontos em análise as enfermeiras M… e L… que efetuaram turnos seguidos esclareceram o tribunal que o doente se queixava de desconforto, estava agitado, mas não apresentava queixas em nenhuma zona em particular. Aliás, chegam mesmo a utilizar o termo “queixas muito inespecíficas”, bem como “agitação psicomotora” Depoimento de M… - Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 12:14:00 até 12:26:44] – [CD - desde 04:10 até 06.04]; Depoimento de M…C…Ata de 28/04/2015 [Gravação Audio das 12:14:00 até12:26:44] – [CD - desde 09:20 até 09.55]; Depoimento de L… -Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:08:11 até 17:24:32 – [CD - desde 04:50 até 06.55].»
«VI. Por outro lado, da prova documental junta aos autos - Resumo de Enfermagem” de fls. 620, nomeadamente, das notas registadas pela enfermeira M… resulta, apenas, que o doente tinha algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar, que num primeiro momento não reduziram com a medicação antiálgica e concomitantemente espasmos musculares involuntários ao nível dos membros inferiores, mas que após a visita do arguido e efetuado o levante para o cadeirão por indicação deste, as dores diminuíram mas os espasmos intensificaram-se. Que contactado telefonicamente o arguido, este deu indicação para fazer diazepan 5mg PO e se não surtisse efeito para chamar médico de banco.»
«VII. Acresce que o arguido esclareceu o ponto em análise, sendo as suas declarações [Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD das 15:57 até 16:35]; Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD das 1:00:03 até 1:00:45]; Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:16 até 12:05:15 [CD das 1:50:58 até 1:51:40] corroboradas pelos depoimentos das testemunhas supra e do resumo de Enfermagem (que suporta a fundamentação do tribunal a quo).»
«VIII. Pelo exposto, entende o Recorrente que a Mma juiz a quo no que tange ao ponto 8 apenas poderia ter dado como provado que “algumas horas depois, o doente apresentou queixas inespecíficas, agitação psicomotora e algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar”.»
«IX. Razão pela qual, os factos dados como provados nos pontos 9 e 12 terão de ter, também eles, unicamente este alcance, ou seja, que ao arguido apenas foi dito pelas enfermeiras de serviço, que prestavam cuidados ao doente, que o mesmo apresentava uma agitação psicomotora, desconforto e queixas inespecíficas e algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar.»
«X. O tribunal a quo deu como provado o seguinte:”13. Determinou que o doente fosse visto pela Urgência, não determinando que, de imediato, lhe fosse efetuada uma T.A.C.”»
«XI. Quando da conjugação do depoimento da testemunha L… – Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:08:13 até 17:24:32 [CD - desde 03:31 até 04:17], [Gravação Áudio das 17:08:13 até 17:24:32 [CD desde as 6:56 até às 7:56] das declarações do arguido Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD das 17:44 até 20:56] e do resumo de enfermagem de fls 620, resulta que o arguido pelas 23,00h encontrando-se ausente do hospital, o que inviabilizava a prescrição/ requisição de qualquer exame de diagnóstico, determinou que o doente fosse visto pela urgência.»
«XII. Com efeito, da prova produzida em audiência de julgamento, no que ao facto inserto no ponto 13 interessa, apenas resulta que o arguido determinou que o doente fosse visto pela urgência, não determinou que fosse realizada TAC nem qualquer outro exame de diagnóstico complementar em virtude de não se encontrar no hospital. Além de que, face aos inúmeros problemas de que o doente padecia, o arguido nem sequer sabia se o mesmo poderia fazer uma TAC, conforme se alcança das declarações do arguido - Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD das 43:02 até 43:34] e do depoimento do Dr. S… -Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 14:45:28 até 15:16:27 [CD das 12:17 até 13:35].» 
«XIII. Em face do supra exposto, o Tribunal a quo no que tange ao facto inserto no ponto 13 deveria ter dado como provado no ponto 13: “Determinou que o doente fosse visto pela urgência, não determinou que lhe fosse realizada a TAC nem qualquer outro exame de diagnóstico complementar em virtude de não se encontrar no hospital, reencaminhando o paciente para os colegas de serviço.
«XIV. O tribunal recorrido deu também provado que: 21. O arguido não determinou a realização de nenhuma T.A.C. e informou o A… da situação.»
«XV. A Mma Juiz a quo na fundamentação deste facto entra manifestamente em contradição, ora socorrendo-se das declarações da testemunha A… ora as descredibilizando (referindo que J… desmentiu de forma credível algumas das declarações dos arguidos e de A…, sem contudo dizer quais), ficando qualquer pessoa que leia a sentença na ignorância acerca do modo como a Mma. Juiz formou a sua convicção no sentido de dar como provados estes factos.»
«XVI. Da prova produzida em audiência de julgamento, o que resultou foi que face à constatação da paraplegia, o arguido, imediatamente telefonou à testemunha A…, inteirando-o do estado de saúde do doente, de modo a que ele, mais entendido no assunto, lhe dissesse como haveriam de proceder, ao que este imediatamente se dirigiu para o hospital. Sendo que esta testemunha, após observar o doente, pensou que poderia tratar-se de um hematoma epidural, e equacionou a possibilidade de avançar com a realização de uma TAC, porém, não o fez sem que, previamente, pedisse, por telefone, a colaboração de um colega, Dr. J…, e somente este após se deslocar junto do doente foi pedida a realização da TAC, conforme resulta das declarações e depoimentos Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD – desde 20:59 até 23:53]; Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD – desde 42:30 até 44:07]; Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 14:45:28 até 15:16:27 [CD – desde 17:46 até 22:33] Ata de audiência 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:46:20 até 18:07:41 [CD – desde 15:05 até 15:57].»
«XVII. Nesta conformidade, a Mma. Juiz a quo deveria ter feito constar do ponto 22 que o arguido ao tomar conhecimento do estado de paralisia do doente, de imediato contactou A…, em busca de uma solução, por entender ser da sua especialidade, sendo que nenhum deles determinou a realização de uma TAC ou de qualquer outro exame de diagnóstico complementar, o que só veio a ocorrer a pedido de João C..., após terem solicitado opinião do mesmo.»
«XVIII. O tribunal a quo deu ainda como provado o seguinte: “25. Em consequência do atraso na realização dos exames imagiológicos, do consequente diagnóstico e da cirurgia que se lhe seguiu, o doente ficou paralisado dos membros inferiores, não tendo recuperado o uso dos mesmos até 9 de setembro de 2009, data em que veio a falecer. 27. Os arguidos deveriam, logo que tomaram conhecimento dos sintomas do doente e no caso da arguida de que este tinha sido sujeito a anestesia epidural, terem colocado a hipótese de um hematoma epidural e procedido ao esclarecimento imediato dessa hipótese, através da determinação e realização de exames de imagem. 28. Todavia, e apesar de estarem cientes de que o atraso no diagnóstico e na realização do tratamento que se revelasse necessário aumentava a probabilidade de lesões neurológicas permanentes, não determinaram a realização de quaisquer exames imagiológicos.”»
«XIX. A Mma. Juiz a quo para fundamentar a factualidade inserta nos pontos em análise socorre-se do documento de fls 170 “ consulta técnico-científica” dando-o como “um real estudo do caso” em detrimento dos restantes pareceres médicos e documentos juntos aos autos bem como do parecer médico de fls 408 a 410 e do de fls 414 a 417 e bem assim, das declarações prestadas pelos seus autores em audiência de julgamento, referindo que estes não tinham conhecimento direto dos factos e que não tiveram acesso direto ao historial clínico do paciente.»
«XX. Ora, se é certo que os peritos F… e P… (fundamentando-se no seu saber médico e em literatura médica direcionada a situações análogas à dos autos e Guidelines de cujo grupo de trabalho fez parte, aliás, entre outros, o próprio subscritor, in casu, Prof. J… do sobredito relatório) não tiveram intervenção direta nos factos nem tiveram acesso direto ao historial clínico do paciente, também é certo que o autor e subscritor do parecer “consulta técnico-científica” também não teve intervenção nos acontecimentos, e no que tange a ter acesso ao historial clínico do paciente suscitam-se dúvidas, ancoradas, quiçá, num corporativismo desculpabilizante porquanto, no referido documento no que concerne ao resumo da situação objeto de emissão de parecer consta o seguinte: “Resumo: (…) Algumas horas depois, queixou-se de “ fortes dores na coluna” e registou uma progressiva diminuição da força muscular dos membros inferiores até ficar “ imóvel da cintura para baixo”. Depois de uma noite durante a qual a sintomatologia se manteve (dores e paraplegia) foi submetido no dia seguinte a uma TAC que revelou hematoma epidural em local próximo da punção. (negrito e sublinhado: nosso).»
«XXI. Tal descrição da evolução clínica do paciente encontra-se em manifesta contradição com o que resulta do documento “resumo de enfermagem de fls. 620, pelo que as conclusões contidas no mencionado documento “consulta técnico-científica” não poderão ser tidas como fidedignas em virtude de partirem de um pressuposto errado e, por isso, devem ser criticamente conjugadas com a análise da demais prova produzida em audiência de julgamento e da demais factualidade dada como provada.»
«XXII. O parecer “consulta técnico-científica” é emitido partindo de determinada sintomatologia – dores e paraplegia - que não situa de forma precisa e concreta no espaço temporal, sendo certo que, para se concluir que houve atraso na realização dos exames imagiológicos, impunha-se previamente determinar o momento em que aquela sintomatologia se verificou e, em consequência, o momento em que o arguido tomou conhecimento dela e se lhe impunha prescrever/determinar a realização dos exames imagiológicos.»
«XXIII. Impõe-se analisar a sequência temporal da factualidade dada por provada pela Mma. Juiz a quo, de modo a aferir e determinar o momento em que terá ocorrido a diminuição da força muscular e paralisia e em que a mesma chegou ao conhecimento do arguido, impondo-se-lhe a determinação / realização de exames imagiológicos: “88. Pelas 20 h foi observado pelo arguido António .... 89. Referiu queixas dolorosas lombares que disse serem mais intensas quando estava deitado e que se aliviavam quando andava ou se, sentava no cadeirão. 90. O paciente andava pela enfermaria tendo mobilidade, força muscular e sensibilidade nos membros inferiores. 91. O arguido diagnosticou que se tratava de dores mecânicas por alterações degenerativas vertebrais e/ou desencadeadas pelo desconforto da cama hospitalar, da posição na marquesa operatória, acrescida do trauma e do posicionamento da anestesia epidural. 92. Quando a enfermeira o contactou pelas 23h00 o arguido estava em sua casa na margem Sul após 12 horas de trabalho hospitalar. 93. O arguido ao determinar que se recorre ao médico das urgências estava ciente de que o mesmo podia pedir exames de diagnóstico tidos por convenientes (RX, TAC, RM, ECO, ECG, exames analíticos entre outros) e/ ou pedir opinião/observação por qualquer especialista que se encontra de chamada ao serviço de urgência. 95. Na manhã do dia 17 de março de 2009 António ... reavaliou o paciente tendo verificado que o mesmo estava em situação de paraplegia incompleta, com força muscular ausente do lado esquerdo (força grau 0/5) e diminuída no membro inferior direito (força 1-2/5), com sensibilidade reduzida no membro inferior esquerdo e mantida no membro inferior direito. 96. O arguido contactou A… que se dirigiu de imediato ao hospital.” (negrito nosso).»
«XXIV. Da factualidade provada transcrita resulta que, foi apenas na manhã do dia 17 de março de 2009, quando reavaliou o paciente, que o arguido verificou que o mesmo estava em situação de diminuição da força muscular dos membros inferiores e paraplegia incompleta e, de imediato, contactou o anestesista A…, porque naquele momento ficou com a consciência de que os sintomas apresentados eram provenientes da anestesia a que o paciente tinha sido sujeito, de modo a determinar os procedimentos a adotar.»
«XXV.  Cabe ainda referir que após a identificação do problema – Hematoma epidural – o mesmo foi removido dentro do prazo tido adequado para o efeito – 6 a 8 horas após a deteção -, conforme resulta do relatório de clínica forense junto aos autos de fls 556, que se transcreve: “Quesito 6- Qual o prazo máximo de segurança adequado, que deve decorrer entre a deteção de hematoma epidural e a cirurgia destinada à sua remoção? Encontra-se referido na literatura consultada, que a remoção de hematoma epidural do canal vertebral deverá ocorrer num intervalo inferior a 6-8 horas após a deteção.»
«XXVI. Resulta assim do exposto que o arguido assim que tomou conhecimento da sintomatologia apresentada pelo paciente – diminuição da força muscular dos membros inferiores e paraplegia incompleta - desencadeou os procedimentos tidos por adequados e dentro do período temporal tido por correto, conforme resulta das declarações do próprio arguido e dos depoimentos da testemunha A…, dos peritos F… e L… - Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD – desde 18:04 até 20:57] Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 09:58:15 até 12:05:15 [CD – desde 42:30 até 44:07]; A… - Ata de 28/04/2015 [Gravação Áudio das 14:45:28 até 15:16:27 [CD – desde 17:46 até 22:33]; J… - Ata de audiência 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:46:20 até 18:07:41 [CD – desde 03:23 até 7:54];Depoimento do Perito P… (prestado em conjunto com o perito F…) - Ata de audiência 12/05/2015[ Gravação Áudio das 14:43:53 até 15:21:01 [CD – desde 9:30 até12:30]; Ata de audiência 12/05/2015 [Gravação Áudio das 14:43:53 até 15:21:01 [CD – desde 16:26 até 17:37].»
«XXVII. Desta forma, nunca o tribunal a quo poderia concluir que o doente ficou paralisado dos membros inferiores em consequência do atraso na realização dos exames médicos, do consequente diagnóstico e da cirurgia que se lhe seguiu, pois não é corroborado, mas antes infirmado, pela prova que foi careada para os autos em sede de audiência de julgamento.»
«XXVIII. Acresce que do Relatório do INML, IP, junto aos autos, mais concretamente a fls. 555, em resposta ao quesito 5. consta o seguinte: “É ou não verdade que o hematoma epidural após anestesia epidural tem uma incidência muito baixa (…)??”De acordo com a literatura consultada, a incidência do hematoma epidural após anestesia regional tem uma incidência estimada em cerca de 1:117.000 (um estudo) ou entre 1:150.000 e 1:220.000 (outro estudo).”»
«XXIX. Desta forma, constata-se que, mais uma vez, andou mal o tribunal a quo dando como provada a factualidade inserta no ponto 27 por contrariar os pareceres científicos juntos aos autos e exigir que o arguido desde logo colocasse desde logo a hipótese de um hematoma epidural tendo em conta os sintomas apresentados pelo paciente e ainda as patologias de que o mesmo padecia. E de igual modo contrariou os depoimentos dos peritos e testemunhas que vinham neste sentido -Ata de audiência 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:25:29 até 17:45:29 [CD – desde 13:18 até 17:46] - Ata de audiência 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:46:20 até 18:07:41 [CD – desde 18:00 até 18:22]; - Acta de audiência 12/05/2015; [Gravação Áudio das 14:43:53 até 15:21:01 [CD – desde 17:47 a 25:04].»
«XXX. Dos depoimentos ouvidos em audiência claramente resulta que todos os clínicos sem exceção consideraram que com os sintomas apresentados pelo paciente, nenhum deles teria desde logo colocado a hipótese de se tratar de um hematoma epidural. Chegou mesmo o tribunal a quo, que não possui conhecimentos médico-científicos a pretender substituir-se ao parecer profissional dos peritos médicos e testemunhas, claramente afirmando em sede de audiência que “ Mas a sua resposta, salvo o devido respeito, é a resposta que o tribunal vai ter que dar, portanto vamos carrear factos, depois cá estaremos dentro das nossas mesmas capacidades de quem não estudou medicina para decidir. O Sr. aqui é testemunha, obrigada mas aqui nesta sala eu é que irei dar essa resposta.”»
«XXXI. Desta forma, igualmente, não poderia o tribunal a quo ter dado como provado o ponto 28, uma vez que o arguido não estava ciente que o diagnóstico era um hematoma epidural e, consequentemente, não poderia ter qualquer noção que se aumentava a probabilidade de eventuais lesões neurológicas permanentes.»
«XXXII. Entende o Tribunal a quo dar também como provado que: “29. Foi da inobservância desses deveres, que constituíram a boa prática clínica, e que os arguidos poderiam e deveriam cumprir, que resultou para o doente uma situação de paraplegia irreversível”.»
«XXXIII. Quando resultou da prova produzida que nenhum dos médicos (testemunhas e peritos) adotaria uma prática diferente daquela que foi levada a cabo pelos Arguidos. Com efeito, todos os profissionais foram unânimes em afirmar que face aos sintomas apresentados pelo paciente, nenhum deles teria desde logo colocado a hipótese de hematoma epidural e, igualmente não teriam de imediato requisitado uma TAC.»
«XXXIV. Por outro lado, também os peritos ouvidos em audiência de julgamento, em sintonia com o facto dado como provado pela Mmª Juiz a quo, no ponto 94 “94. O hematoma epidural ocorre raramente e os hematomas epidurais espontâneos são ainda mais raros” afirmaram a raridade do hematoma epidural - Acta de audiência 12/05/2015 [Gravação Áudio das 14:43:53 até 15:21:01 [CD – desde 06:09 a 12:28];- Ata de audiência 12/05/2015 [Gravação Áudio das 14:43:53 até 15:21:01 [CD – desde 17:47 a 21:49.»
«XXXV. Na verdade, foi referido pelos peritos que, ainda que o diagnóstico tivesse sido feito com maior antecedência, com remoção imediata do hematoma, não poderia o Tribunal a quo concluir que para o paciente não resultasse uma situação de paraplegia irreversível -Ata de audiência 12/05/2015 [Gravação Áudio das 14:43:53 até 15:21:01 [CD – desde 16:26 a 17:40]»
«XXXVI. Também a testemunha Dr. J…, e R… referem que os próprios também nunca teriam colocado a hipótese de hematoma epidural, no tempo e circunstancias em que se encontrava o Arguido - Ata de audiência 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:46:20 até 18:07:41 [CD – desde 18:00 até 18:21] - Ata de audiência 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:25:29 até 17:45:29 [CD – desde 11:10 até 13:18]»
«XXXVII. Não podia o Tribunal a quo concluir, implicitamente, como o faz, que a paraplegia resultou da tardia realização da TAC. Porquanto, tal conclusão encontra-se em manifesta oposição com o que foi trazido aos autos através do depoimento da testemunha J…(que prescreveu e analisou a TAC ao paciente) ao mencionar que é impossível determinar a causa do hematoma epidural, apesar de ter uma causa provável, a anestesia - Ata de audiência 28/04/2015 [Gravação Áudio das 17:46:20 até 18:07:41 [CD – desde 18:21 até 19:19].»
«XXXVIII. Assim, repercutindo tudo quanto se referiu supra no que tange aos factos constantes dos pontos 25. 27. e 28, nunca o tribunal a quo poderia dar como provada a factualidade inserta no ponto 29.»
«XXXIX. Por fim, considerou ainda o Tribunal a quo provado que: “30. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida por lei e tinham liberdade para se motivar de acordo com esse conhecimento”»
«XL. O Tribunal a quo na motivação da decisão de condenação do arguido, apoia-se, essencialmente, no depoimento da testemunha J…. No entanto, faz tábua rasa do referido por esta testemunha no que tange a alcançar o diagnóstico do hematoma epidural perante a sintomatologia com que o Arguido se deparou – queixas álgicas ao nível da coluna lombar e espasmos musculares involuntários ao nível dos MI’s. Em vez disso, o Tribunal a quo, considerou credível o depoimento da testemunha, mas retirando dele apenas o que lhe convinha para sustentar um juízo de prognose desfavorável ao Arguido, ora Recorrente.»
«XLI. O mesmo sucedeu com a testemunha R…. Na verdade, o Tribunal a quo considera este depoimento como isento e ..., mas não o acolhe na fundamentação dos factos dados como provados. Esta testemunha referiu, de forma clara, espontânea e isenta, que o hematoma epidural é um acontecimento raríssimo e que o próprio, na qualidade de anestesista, não teria prescrito a TAC, mas antes configurando a situação como de “síndrome de pernas inquietas”.»
«XLII. Ao inexistir correspondência lógica entre os factos dados como provados e a prova produzida, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 127º do CPP.»
«XLIII. Com efeito, da análise da prova produzida não resulta demonstrado que o ora Recorrente tivesse inobservado os deveres que constituem a boa prática clínica. Nem tão pouco, que da atuação do Arguido tenha resultado para o doente uma situação de paraplegia irreversível.»
«XLIV. Impunha-se então dar como não provados os artigos 8º, 9º, 12º, 13º, 21º, 25º, 27º, 28º, 29º, e 30º da matéria de facto provada.»
«XLV. Entrando na matéria de direito sempre se dirá que a negligência pressupõe pois, em suma, a verificação de duas circunstâncias, a previsibilidade objetiva do perigo e a omissão do cuidado objetivamente adequado a evitá-lo.»
«XLVI. No entanto, para o preenchimento do tipo objetivo de crime que agora nos interessa – ofensas à integridade física negligentes - é também necessário, como já referido, um outro elemento, ou seja, a imputação objetiva do resultado típico à ação violadora do dever objetivo de cuidado. Por outras palavras, a omissão do cuidado tem de ser a causa do evento que se pretendia evitar com a imposição do dever de conduta. É, assim, necessário que o resultado típico, o evento ofensa ao corpo ou saúde de outrem, seja objetivamente imputável, não só ao agente, como também à própria ação violadora do dever objetivo de cuidado, isto é, à negligência.»
«XLVII. Tendo em conta a complexidade da matéria de facto provada e do objeto de apreciação no presente recurso, não se antolha qualquer omissão por parte do Arguido, com um grau de certeza, reveladora de violação do dever objetivo de cuidado que as concretas circunstâncias impunham, desde logo porque não resultam assentes os factos que permitiriam também a atribuição de um nexo causal entre a atuação daquele e a causa das ofensas provocadas no ofendido. A negligência consiste na omissão de um dever objetivo de cuidado.»
«XLVIII. O conceito de cuidado é, assim, simultaneamente, objetivo e normativo. Objetivo na medida em que, para o estabelecer, torna-se necessário aferi-lo numa perspetiva de interação social, o que supõe, desde logo, um juízo normativo, que resulta da comparação entre a conduta que um homem médio (razoável e prudente) deveria ter adotado e o, efetivamente, adotado pelo agente. Ora, atenta a prova produzida e o objeto de apreciação por este douto tribunal não se extrai, pelas razões já acima expostas, que o Arguido, à luz das regras da experiência comum, tivesse violado o dever objetivo de cuidado a que estava adstrito naquela situação concreta.»
«XLIX. No exercício da atividade médica, Leges Artis e cuidado objetivo devido não são conceitos coincidentes, sendo a violação das leges artis apenas um indício da violação do dever objetivo de cuidado.»
«L.   O que estará em causa será aferir se o médico, segundo os seus conhecimentos e as suas capacidades pessoais, e, tendo ainda em conta a sua liberdade na escolha dos meios de diagnóstico e tratamento (artº. 142 do C. Deont.) se encontrava em condições de cumprir o dever de cuidado que integra o tipo negligente.»
«LI. Cabe salientar as diversas especificidades dos deveres dos cuidados médicos, isto é, dos diferentes cuidados exigidos no ato médico na fase do diagnóstico, (como é o caso em apreço) havendo que ponderar as dificuldades decorrentes da especialidade do arguido, que era ortopedia e não anestesiologia, das particularidades do próprio caso clínico - elementos que podem impedir a clareza do diagnóstico.»
«LII. Atento os elementos de diagnóstico – sintomatologia e historial clínico - de que o arguido dispunha e que lhe tinham sido facultados, não se impunha um diagnóstico distinto e, em consequência, um procedimento diverso ao adotado pelo arguido. Assim, não poderá sem um verdadeiro salto no desconhecido, dizer-se que a conduta por parte do arguido foi a causa da paraplegia do paciente.»
«LIII. Em face da ausência de nexo de causalidade entre o comportamento do arguido e a paraplegia, não pode deixar de se concluir pela inexistência de indícios da prática, pelo mesmo do crime de ofensas à integridade física graves por negligência.»
«LIV. Assim, de todo o exposto, conclui-se pela não verificação, in casu, dos elementos típicos do crime previsto no art.148 nºs 1 e 3, com referência aos artigos 10º e 15º, ambos do C. Penal, em síntese, pela impossibilidade de determinação de nexo causal entre as ofensas provocadas à saúde do ofendido e uma atuação qualificável como negligente por parte do Arguido, ainda que nos termos definidos nos art. 10 e 15º, al. a e b) do C. Penal.»
«LV. Sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à responsabilidade criminal do agente, deverá decidir no sentido mais favorável àquele, aplicando o princípio in dubio pro reo, que deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação, mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia, seja condição indispensável de uma decisão suscetível de desfavorecer, objetivamente, o Arguido.»
«LVI. Ora, essa dúvida era mais do que óbvia nos presentes autos, quanto aos factos ocorridos no dia 16 de março de 2009 porquanto, 4 (quatro) médicos tiveram intervenção no paciente (Arguida, Arguido, Médico Urologista e Dr. R…) e nenhum deles colocou a hipótese de estarem perante um hematoma epidural, face aos sintomas apresentados pelo paciente. Assim sendo, deveria o Tribunal a quo ter colocado a dúvida de: Sendo o paciente avaliado por 4 profissionais, sem que nenhum tenha detetado a origem dos sintomas, seria razoável, prever e colocar a hipótese de hematoma epidural?»
«LVII. Nunca poderia o Tribunal a quo dar como certo que outra conduta se impunha ao Arguido, nomeadamente, a de prescrever uma TAC e colocar a hipótese de um hematoma epidural. Desta forma, o tribunal teria que admitir que a versão do Arguido seria admissível e, desde logo, aplicar o princípio basilar do processo penal, em análise.»
«LVIII. Nunca o Recorrente poderia ter sido condenado pelo crime de ofensas à integridade física graves por negligência e tendo-o feito violou, entre outros o art. 32.º, n. º2 (princípio in dubio pro reo), da CRP e o artigo 127.º do CPP.»
«LIX. Por outro lado, do texto da sentença recorrida resulta erro notório na apreciação da prova, a que aludem a al. a) e c), do n.º 2, do art. 410.º, do CPP.»
«LX. Não obstante, ainda que se admitisse que o Arguido praticou o crime de ofensas à integridade física graves por negligência, o que não se concebe, o Tribunal a quo devia ter levado em conta toda a atuação do mesmo perante a concreta situação.»
«LXI. Entende o Tribunal a quo que o grau de ilicitude foi acima do mediano, o que claramente não pode o Recorrente aceitar. Na verdade, o médico ora Arguido, sempre se encontrou disponível quando foi contactado pelas enfermeiras, dando indicações sobre o tratamento ou procedimento a adotar.»
«LXII. Assim sendo, impunha-se ao tribunal a quo a valoração da ilicitude como de baixo grau, uma vez que o dever de cuidado terminou pelas 23 horas, quando o arguido remete o doente para o serviço de urgência da unidade hospitalar.»
«LXIII. Deveria ainda o tribunal a quo ter tido em conta que a especialidade do Arguido é de Ortopedia e não de Anestesiologia ou Neurologia, onde se enquadrada a patologia do doente, o que tornava ainda, mais difícil o diagnóstico por parte do arguido, além de se tratar de um problema raríssimo.»
«LXIV. Desta forma, o Tribunal a quo, não atendeu, como se lhe impunha, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuseram a favor do agente e, em consequência, não observou o disposto nos arts. 40.º, 50.º e 71.º, todos do CP.»
«LXV. Em suma, nos presentes autos, não só não resultou provado que o Recorrente praticou o crime em que foi condenado, como ainda foi criada uma claríssima dúvida quanto aos factos pelos quais o mesmo foi condenado e quanto ao grau de culpa, pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado.»
«LXVI. Sem conceder, ainda que se admitisse que o Arguido praticou o crime de que foi condenado, tendo em conta o diminuto grau da ilicitude, a ausência de antecedentes criminais, o facto de estar inserido social e familiarmente e, por fim, não serem conhecidos situações análogas às dos autos na sua carreira profissional, deverá ser-lhe aplicada uma pena de multa pelo limite mínimo.»
«TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.»
FAZENDO-SE, ASSIM, ACOSTUMADA JUSTIÇA ([4]).
***

1.4. Igualmente desavinda com a decisão acima referida dela recorre a chamada “AXA Portugal, Companhia de seguros, S.A.”, com demais sinais dos autos, que finda a sua motivação do modo seguinte:
«I. O presente recurso vem interposto da Sentença que condenou a “AXA Portugal Companhia de Seguros SA” e Maria da A... C... no pagamento à assistente Maria de L...T...R... ... e aos demandantes Filipe ...; Manuel ... e Vera ... de indemnização no valor de (duzentos mil e quinhentos euros], acrescidos de juros de mora a taxa legal aplicável desde a data do trânsito até efetivo e integral pagamento, absolvendo quando ao demais peticionado, respondendo a demandada companhia de seguros até ao limite do capital seguro;»
«II. A forma como o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto não permite esclarecer, nem sequer por aproximação, quais os testemunhos, documentos e relatórios periciais que o Tribunal valorou para dar como assentes uma ou outra versão dos factos ou, em concreto, em que material probatório se fundou para dar como assente determinado facto;»
«III. O princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido com arbitrariedade; e o exame crítico (ainda que sucinto) das provas (CPP, artigo 389ºA) deve permitir, a cada um dos visados pela decisão, impugnar a matéria dada como provada sabendo em que material probatório se baseou o tribunal, sob pena de ser indemonstrável, perante uma versão amalgamada desse material, a tese contrária;»
«IV. A prova produzida deveria ter sido valorada diversamente, porque isso impunha uma apreciação crítica da prova, que lhe é imposta pelos artigos 127º e 374º/2 do CPP;»
«V. Nada na prova produzida, nomeadamente da que resulta do depoimento das testemunhas que assistiram direta e presencialmente o paciente e do registo que efetuaram no resumo de enfermagem permite concluir que o paciente lhes manifestou fortes dores na coluna, formigueiro nos membros inferiores e diminuição da força muscular destes;
«VI. O ponto 8 da matéria de facto deverá ter-se por impugnado, dele resultando apenas que “algumas horas depois, o doente apresentou queixas inespecíficas, agitação psicomotora e algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar”;
«VII. Nos pontos 25 e 27 a 20 da matéria de facto supra elencados, utiliza-se um conceito - o conceito de atraso ou atraso no diagnóstico e na realização do tratamento - que não tem qualquer referencial fáctico que possa ser usado para efeitos de culpabilização judicial;»
«VIII. É que não consta da matéria qualquer elemento de facto que permita considerar o momento - que é pressuposto do atraso - em que o diagnóstico era devido, pois que se partiu do princípio que os sintomas - que são os únicos sintomas dados como provados - eram suficientes para que os arguidos devessem considerar, de acordo com a boa prática médica, estar perante um hematoma epidural;»
«IX. Sucede que, percorrida a matéria de facto dada como provada, não há um único dos respetivos pontos que permita ao julgador considerar, como considerou, que o diagnóstico era devido aquando das visitas de cada um ou de um dos arguidos;»
«X. No artigo 29 da matéria de facto, o tribunal dá como assumido um atraso no diagnóstico e considera esse atraso no diagnóstico como a violação da leges artis, quando a prova produzida não permite considerar que, perante os sintomas de que padecia o paciente, os arguidos tinham o dever jurídico de considerar aquele diagnóstico;»
«XI. Resulta da prova testemunhal - nomeadamente dos depoimentos das insuspeitas testemunhas S... e J... - que, perante um doente com mobilidade e sensibilidade dos membros inferiores, o diagnóstico de hematoma epidural não é um diagnóstico a considerar;
«XII. Mesmo se improceder a impugnação de facto supra efetuada, terá de ter-se em consideração que no ponto 8 da matéria de facto se refere a existência de formigueiros nos membros inferiores e diminuição da força muscular, mas nunca, em momento algum da matéria de facto, se refere a ausência de mobilidade e a insensibilidade dos membros inferiores, quando uma e outra coisas são realidades bem diversas;»
«XIII. O Tribunal não podia deixar de considerar - ao invés de, e apenas para esse efeito, os ignorar olimpicamente, como fez - os depoimentos dos referidos Drs. S... e J..., que são absolutamente taxativos e coincidentes em referir que se o doente tivesse nessa altura mobilidade, sensibilidade, nada apontava para o hematoma epidural e que se o doente mexesse as pernas e tivesse sensibilidade das pernas não seria de colocar tal hipótese para diagnóstico diferencial;»
«XIV. Assim, deve ter-se por provado - porque isso resulta da discussão da causa - que, perante um doente tivesse com mobilidade, sensibilidade, não é de colocar, de acordo com a boa prática médica e o contexto do paciente, o diagnóstico diferencial de hematoma epidural;»
«XV. Por outro lado, relativamente aos artigos 8 e 9 dos factos dados como Não provados, crê a Recorrente que o tribunal não poderia ter deixado de ater-se ao documento junto em audiência pelo arguido, no qual é expressamente referida a boa prática médica anestésica, dando assim como provado que "O doente para fazer anestesia epidural tinha de ter parado a Enoxaparina (dose terapêutica) nas 24 horas antes e nas 24 horas depois da epidural, o que não fez." e que "A Varfine teria de ser parada 4 a 5 dias antes e o INR após a paragem teria de estar normalizado";»
«XVI. Já quanto ao ponto 10 da matéria de facto, o Tribunal não poderia ter deixado de valorar (negativamente) o depoimento do Dr. S..., bem como o diário clínico, na parte em que refere: " Feito contacto para o Dr. A... que veio observar o doente e deu indicação para fazer levante e sentar no cadeirão com elevação do membro, deixando informação que amanhã reinicia Varfine na dosagem que fazia anteriormente, juntamente com a toma diária de enoxaparina e depois de amanhã fica a fazer apenas Varfine.", dando assim como provado que "No dia em que foi anestesiado sob anestesia epidural o doente estava sob efeito de 2 anticoagulantes sendo que qualquer um deles só por si conduzia a um elevado risco de hematoma epidural e ocorrendo a associação dos dois anticoagulantes potenciava o risco;»
«XVII. O Tribunal não se deteve no detalhe de atentar que o pedido de indemnização formulado não peticiona a condenação da Recorrente, que se encontra nos autos na sequência dos respetivos pedidos de intervenção por parte dos segurados;»
«XVIII. No caso em concreto, esse chamamento só pode ser tido nos termos do artigo 321º e ss do NCPC, correspondente ao artigo 330º da versão anteriormente vigente do CPC, pelo que a Recorrente está nos autos nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 321º do CPC, isto é, para assegurar a oponibilidade da Sentença quando os arguidos quiserem exercer o seu direito de regresso, uma vez que os Demandantes nada peticionaram contra a Seguradora;»
«XIX. A Sentença que condena a Seguradora, nos termos em que esta o faz, é, por isso, nula, por violação do disposto no artigo 615º/1e) do CPC.»
«XX. Mas mesmo que assim não se entenda, a verdade é que de uma outra nulidade enferma a sentença, na medida em que o Tribunal não poderia ter deixado de ponderar qual o grau de culpa de cada um dos agentes para a produção dos danos;»
«XXI. Nada disso fez o Tribunal, que se limitou a referir ser o mesmo o grau de negligência (consciente) de ambos os arguidos e a ilicitude dos atos (acima do ponto mediano), apesar de ter considerada adequada a pena de 195 dias de multa para o arguido e de 185 dias de multa para a arguida. (sentença, página 36 e 37);»
«XXII. Num caso como o dos autos e perante o pedido cível que lhe foi formulado, o Tribunal tem obrigação legal de determinar a medida da culpa, quanto mais não seja porque essa vai determinar o direito de regresso entre os responsáveis, mas também porque o hematoma epidural é uma intercorrência anestésica, para a qual contribuiu, e em grande medida, a negligência de um terceiro relativamente ao processo;»
«XXIII. A Sentença é, por isso, nula nos termos e para os efeitos do artigo 615º/1d) do CPC;»
«XXIV. Sem pretender minimizar os danos sofridos pelo paciente e pela sua família - cujo alcance não se colocam, evidentemente, em causa - crê a Recorrente que os montantes arbitrados são excessivos face à Jurisprudência Nacional que, por imperativo de equidade, não pode deixar de considerar-se como referencial;»
«XXV. É isso particularmente manifesto nas quantias arbitradas quanto ao dano biológico do paciente e aos danos não patrimoniais por si sofridos durante o período em que se manteve paraplégico e nas indemnizações arbitradas, por danos não patrimoniais, a cada um dos demandantes;»
«XXVI. Acresce, por outro lado, que tal condenação não tem em conta a posição relativa dos arguidos - médicos e não meros condutores imprudentes nem a contribuição - essa sim causal - do anestesista e da sua negligência;»
«XXVII. Devem, assim, as indemnizações arbitradas ser equitativamente reduzidas para 1/3 do valor arbitrado, sob pena de violação do disposto no artigo 496º/3 do CC.»
«Nestes termos e nos demais de Direito que V.Ex.as doutamente suprirão, deve ser revogada a Sentença em crise, sendo substituída por Acórdão que, absolvendo os arguidos, igualmente absolva a Recorrente dos pedidos cíveis contra si deduzidos. ([5])
***

1.5. No Tribunal a quo, por despacho de 07-jul.-2015, inserido nos autos a fls. 1479 (vol. 6.º), foram admitidos os recursos dos arguidos A…; e M…; e pela interveniente “C…Seguros SA” ([6]), sendo os mesmos considerados tempestivamente interpostos por quem tem legitimidade e interesse em agir, recebidos com efeito, modo e momento de subida adequados.
***

1.6. No Tribunal a quo, em 16-set.-2015, L…, assistente, F…,  S… e V…, todos com demais sinais nos autos, responderam aos recursos dos aludidos arguidos A… e M… e da interveniente “C…Seguros SA”, concluindo no sentido do improvimento de todos os recursos e consequente manutenção da decisão impugnada ([7]).
***

1.7. Na 1.ª instância, o Ministério Público, em 24-set.-2015, respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos A… e M…, concluindo no sentido do improvimento de ambos recursos e consequente manutenção da decisão recorrida ([8]).
***

1.8. Igualmente no tribunal a quo, o Ministério Público, em 24-set.-2015, respondeu ao recurso interposto pela «demandada civil “A.... Seguros, S.A.”», concluindo no que respeita às questões penais no sentido do seu improvimento e consequente manutenção da decisão recorrida ([9]).
***

1.9. Por despacho proferido pela Senhora Juíza do Tribunal a quo, datado de 09-out.-2015 foi determinada ao abrigo do disposto no art. 249.º do Código Civil  a correção da decisão recorrida, por a mesma reconhecidamente padecer de “lapso de cálculo” no segmento onde estava escrito €215.500,00 devia estar €214.800,00 ([10]), o que foi oportunamente corrigido.
*

1.10. Recebidos os autos neste TRL em 09-nov.-2015, nesta instância, após colher o competente CD do registo da gravação da prova, foi oportunamente cumprido o disposto no art. 416.º do Código de Processo Penal tendo o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto (PGA) em 12-nov.-2015, aposto o seu visto e emitindo parecer quanto ao mérito expressando que o mesmo ‘merece procedência parcial, devendo a sentença ser alterada no sentido da condenação pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 150.º, n.º 2 do Código Penal, com observância do artigo 424.º, n.º 3 do CPP ([11]).
***

1.11. Nada impedindo o conhecimento do objeto dos presentes recursos, foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, tendo a recorrente M…, em 26-nov.-2015, respondido ao parecer do Senhor PGA, afirmando que «mantém tudo o que já alegou oportunamente em sede de conclusões formuladas na respetiva motivação de recurso, para as quais remete»
***

1.12. Igualmente o recorrente A…, em 26-nov.-2015, respondeu ao parecer do Senhor PGA, a qual remata do seguinte modo:
«Do exposto resulta inequivocamente demonstrado não se encontrar preenchido o necessário elemento subjetivo do crime a cuja subsunção pretende o MP imputar a conduta do arguido, pois que se exige como elemento subjetivo do tipo, o dolo ainda que em qualquer das suas modalidades (direto, necessário ou eventual).»
«E, deste modo conclui pela procedência do recurso, com a consequente absolvição do arguido tanto da prática do crime de ofensas à integridade física por negligência como do crime p. e p. pelo artigo 150°, n°2 do C.P.»
***

1.13. Colhidos os vistos legais, procedeu-se à Conferência neste Tribunal, a qual veio a decorrer com observância do legal formalismo, cumprindo decidir.
***

2. FUNDAMENTAÇÃO.
2.1. DA QUESTÃO DE FACTO.
Comecemos por nos deter sobre os factos provados e não provados e respetiva motivação que constam da decisão impugnada.
 
FACTOS PROVADOS:
«1. J…... nasceu em 12 de março de 1949.»
«2. J… ..., para além de uma lesão do menisco esquerdo, sofria de variadas patologias, entre as quais uma cardiopatia isquémica, uma miocardiopatia isquérnica dilatada, uma fibrilhação auricular crónica, uma dilatação cardíaca com sinais de estase pulmonar, insuficiência cardíaca, oísuptoérnia, obesidade, nocrose /alcaptonúria e hipertensão arterial.»
«3. No dia 16 de março de 2009, foi sujeito, no Hospital C…, em Lisboa, a uma meniscectomia parcial artroscópica, realizada sob anestesia epidural, tendo-se optado por este tipo de anestesia por a mesma diminuir os fenómenos tromboernbólicos, diminuir o risco de perdas hemáticas, permitir a ventilação espontânea, e, tratando-se de um doente com patologia cardiovascular, diminuir o quadro de síndrome pró-inflamatória, peri-operatória, bem como o número de eventos coronários peri-operatórios.»
«4. A cirurgia em causa foi realizada pelo arguido cerca das 11 h.»
«5. A anestesia epidural foi ministrada pelo médico anestesista A…, também cerca das 11 h desse dia, tendo este clínico, para o efeito, introduzido uma agulha no espaço epidural.»
«6. Terminada a cirurgia, o doente foi transferido para a Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos.»
«7. Depois de o doente recuperar do bloqueio sensitivo e motor provocados pela anestesia, e depois de ter sido novamente ligado o desfibrilhador que o doente tinha e que fora desligado antes da cirurgia, é que o mesmo foi transferido para a enfermaria.»
«8. Algumas horas depois, o doente queixou-se de fortes dores na coluna, e de formigueiro nos membros inferiores, registando uma diminuição da força muscular destes.»
«9. M…, Enfermeira que estava então de turno, contactou telefonicamente o arguido, pondo-o a par da situação.»
«10. O arguido observou o doente pelas 20h desse mesmo dia – e determinou que o doente se deveria levantar para um cadeirão, com o auxílio da Enf. M…, e ali repousar por momentos»
«11. Não determinou a realização de nenhuma T.A.C.»
«12. Posteriormente, foi contactado telefonicamente, sendo informado que os sintomas do doente se mantinham.»
«13. Determinou que o doente fosse visto pela Urgência, não determinando que, de imediato, lhe fosse efetuada uma T.A.C..»
«14. O doente foi visto, nessa noite cerca das 23h, pela arguida, a qual estava, nessa altura, na Urgência.»
«15. A referida médica contactou telefonicamente um médico Anestesiologista R… solicitando a sua opinião sobre a situação do doente.»
«16. Este médico disse-lhe que se poderia tratar ou da síndroma das pernas inquietas, ou de um delírio pós-anestésico, e recomendou a administração de 1 a 2 cm3 de Midazolarn, diluído em 5 cm3 de soro fisiológico.»
«17. A arguida bastou-se com este conselho, seguindo o mesmo.»
«18. Não determinou a realização de qualquer exame, designadamente T.AC., não voltando a ver o doente ou a informar-se do seu estado de saúde.»
«19. 0 arguido voltou a ver o doente na manhã de 17 de março de 2009.»
«20. Nessa altura, o doente não tinha mobilidade nas pernas.»
«21. O arguido não determinou a realização de nenhuma T.AC. e informou o A… da situação.»
«22. O médico J… verificou que o doente estava paraplégico e pediu, com caráter de emergência, a realização de uma T.A.C.»
«23. O exame efetuado revelou a existência de um hematoma epidural, que comprimia a medula espinal e provocava a paralisia dos membros inferiores do doente.»
«24. Nesse mesmo dia, ao fim da tarde, o doente foi operado para remoção do hematoma.»
«25. Em consequência do atraso na realização dos exames imagiológicos, do consequente diagnóstico e da cirurgia que se lhe seguiu, o doente ficou paralisado dos membros inferiores, não tendo recuperado o uso dos mesmos até 9 de setembro de 2009, data em que veio a falecer.»
«26. Foi a anestesia epidural que provocou o hematoma epidural.»
«27. Os arguidos deveriam, logo que tomaram conhecimento dos sintomas do doente e no caso da arguida de que este tinha sido sujeito a anestesia epidural, terem colocado a hipótese de um hematoma epidural e procedido ao esclarecimento imediato dessa hipótese, através da determinação e realização de exames de imagem.»
«28. Todavia, e apesar de estarem cientes de que o atraso no diagnóstico e na realização do tratamento que se revelasse necessário aumentava a probabilidade de lesões neurológicas permanentes, não determinaram a realização de quaisquer exames imagiológicos.»
«29. Foi da inobservância desses deveres, que constituíam a boa prática clínica, e que os arguidos poderiam e deveriam cumprir, que resultou para o doente uma situação de paraplegia irreversível.»
«30. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida por lei e tinham liberdade para se motivar de acordo com esse conhecimento.»
«31. Os arguidos não têm antecedentes criminais.»
«32. António ... é médico desde 1991 exercendo na C…, no Hospital C… e ainda na C… S…, onde opera, sendo reconhecido pelos seus pares como um médico competente e dedicado.»
«33. Aufere cerca de €2008,00 mensais na função pública e cerca de €6000,00 por mês da atividade clínica privada.»
«34. É casado e tem dois filhos de 18 e 23 anos de idade, ambos estudante.»
«35. Não indicou despesas mensais fixas relevantes para além das inerentes aos consumos domésticos.»
«36. M… é médica desde 1978.»
«37. Trabalha na C…S…. e no Hospital de L…, sendo aposentada.»
38. Aufere €3500,00 mensais e não indicou despesas para além dos consumos domésticos.»
«39. É casada e tem dois filhos de 37 e 35 anos de idade.»
*

«Do pedido de indemnização civil»
«39. O ofendido era uma pessoa viva e com gosto por viver.»
«40. Era uma pessoa ligada à sua família (mulher, filhos e netos) e tinha vários amigos.»
«41. Era reformado e auferia pensão mensal no valor de cerca de €300,00 (trezentos euros].»
42. Fazia pequenos biscates de reparações e trabalhos de bricolage em imóveis e vendia parte do pescado que pescava, utilizando tais rendimentos na economia doméstica.»
«43. Dedicava-se à pesca desportiva que para além dos diversos prémios ganhos também trazia pescado da costa algarvia, junto aos rochedos de Sagres, perto da zona da Carrapateira, para casa e para venda a vizinhos e conhecidos.»
«44. Adorava brincar com os seus netos e acompanhar de forma presente e ativa a vida familiar dos seus filhos.»
«45. Nas horas vagas entretinha com o jogo de cartas com um grande grupo de amigos da sua zona de residência.»
«46. O ofendido ficou definitivamente no estado de paraplegia, limitando a sua capacidade funcional e, mesmo fisiológica, com repercussão negativa, diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do seu corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas antes desempenhadas, não apenas na sua atividade»
«47. Na sequência da operação para remoção do hematoma ficou com uma cicatriz que lhe percorrida todo o dorso, sendo bem visível.»
«48. Tal cicatriz causava-lhe desgosto.»
«49. O ofendido era muito querido pela esposa, filhos e netos, bem como amigos, que nutria um carinho, dedicação, verdade e fraternidade.»
«50. Depois do sucedido deixou de festejar o seu próprio aniversário, brincava mais com os seus netos e não fazia os seus trabalhos de reparação.»
«51. Deixou também a prática da pesca a que se dedicava antes pelo menos duas vezes por semana.»
«52. Devido à situação descrita nos autos tornou-se silencioso, chorava e isolava-se da família e dos amigos.»
«53. A Assistente visitava o seu marido internado quase diariamente, arcando com os custos de transportes e alimentação decorrentes dessas deslocações.»
«54. Como esposa, companheira ficou privada do convívio diário, da comunhão do leito, sofrendo angústia diária pelo sucedido.»
«55. A assistente sentiu-se incapaz de resolver a situação em que o seu marido se encontrava e com a ideia sempre presente da paraplegia definitiva dos membros inferiores do seu marido.»
«56. Não foi informada pelos arguidos quanto à evolução clínica do seu marido, nem recebeu qualquer pedido de desculpa pelo sucedido.»
«57. A Assistente chorou, sentiu-se triste, ansiosa e revoltada, tornando-se menos tolerante às injustiças e más educações.»
«58. Assistiu diariamente ao sofrimento do marido.»
«59. Os Demandantes, filhos do paciente ofendido após os factos visitavam o seu pai durante a semana, entre as folgas do trabalho e dias dados pelos patrões que compreendiam a situação grave que tinha sucedido.»
«60. Deslocaram-se de Portimão a Lisboa em automóvel próprio arcando com despesas de deslocação (combustível e portagens) e ainda com os custos de alimentação diária.»
«61. M…visitava o pai pelo menos uma vez por semana.»
«62. F… visitava o pai pelo menos duas vezes por semana.»
«63. V… visitava o pai várias vezes por semana, uma vez que dos três era quem tinha mais disponibilidade laboral.»
«64. Os Demandantes sofreram ao verem o seu pai paraplégico, sentindo tristeza face à situação de paraplegia definitiva dos membros inferiores daquele.»
«65. Não se sentiram acompanhados pelo pessoal médico, evasivo nas respostas dadas.»
«66. Face à situação do pai, os demandantes choraram, sentiram-se tristes, a sua concentração no trabalho diminuiu, sentiram-se ansiosos e menos tolerantes as injustiças e más educações.»
«67. Sentem-se revoltados e muito sentidos com tudo o que sucedeu, sem ter recebido qualquer apoio dos arguidos, nem simples pedido de desculpas ou qualquer lamento ou palavra de conforto, ficando entregue a tristeza, vazio, incapazes e impotentes em minorar o sofrimento do pai.»
*

«Da contestação da arguida M…»
«68. R…é um médico acreditado pela Ordem dos Médicos e exerce funções como Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital C…S….»
«69. Na noite de 16 de março de 2009 o doente já havia sido visto pelo serviço de Urologia do referido hospital não tendo sido diagnosticado por aquele situação de paraplegia ou determinada a realização de qualquer exame.»
«70. A arguida celebrou com a “G… SPA - Sucursal em Portugal, em 2012”» [um contrato de seguro] ([12]).
«71. A arguida é considerada uma profissional experiente e competente pelos seus pares.
*

«Da contestação do arguido A…»
«72. O trabalho do arguido não é singular estando integrado numa equipa multidisciplinar, onde se inclui o anestesista.»
«73. Existem regras para a aplicação de anestesias epidurais em doentes sob medicação anticoagulante no período peri-operatório de modo a evitar que se produzam como complicações os hematomas epidurais.»
«74. Tais regras são divulgadas pelos anestesistas.»
«75. O doente estava medicado com Varfine que foi suspensa três dias antes da cirurgia.»
«76. A Varfine foi substituída por Lovenox em dose terapêutica de 80 mg 2x por dia num total de 160 mg por dia.»
«77. Não foi realizado estudo laboratorial com INR.»
«78. O doente foi anestesiado por S… que optou por anestesia epidural sendo que tal opção técnica é da responsabilidade do anestesista, que ponderou as suas indicações, contraindicações e eventuais complicações.»
«79. Devido às patologias de que sofria J… era um doente com elevado risco anestésico.»
«80. Devido às particularidades do paciente o internamento foi planeado em conjunto pelo arguido, um anestesista e um cardiologista antes da cirurgia de forma a efetuar a devida preparação.»
«81. O paciente foi internado três dias antes da cirurgia a 13 de março de 2009 no Hospital C… S….»
«82. Foi observado pela cardiologia tendo parado a medicação com Varfine e tendo a anticoagulação passado a ser efetuada com Lovenox (Enoxaparina) 80 mg 2xdia.»
«83. No dia 16 de março de 2009 o cardiodesfribilhador foi desligado antes da cirurgia por indicação da cardiologia.»
«84. M… anestesiou o doente optando por anestesia epidural, sendo tal opção sua.»
«85. O doente foi operado ao joelho esquerdo pelo arguido tendo sido efetuada uma artroscopia que mostrou lesões resultantes de ocronose, rotura radial do menisco interno e rotura complexa do menisco externo.»
«86. Foram efetuadas meniscectomias parciais artroscópicas.»
«87. Após a cirurgia o doente foi transferido pela unidade de cuidados pós anestésicos onde foi ligado o cardiodesfibrilhador.»
«88. Pelas 20h foi observado pelo arguido A….»
«89. Referiu queixas dolorosas lombares que disse serem mais intensas quando estava deitado e que se aliviavam quando andava ou se sentava no cadeirão.
«90. O paciente andava pela enfermaria, tendo mobilidade, força muscular e sensibilidade nos membros inferiores.»
«91. O arguido diagnosticou que se tratava de dores mecânicas por alterações degenerativas vertebrais e/ou desencadeadas pelo desconforto da cama hospitalar, da posição na marquesa operatória, acrescida do trauma e do posicionamento da anestesia epidural.»
«92. Quando a enfermeira o contactou pelas 23h00 o arguido estava em sua casa na margem Sul após 12 horas de trabalho hospitalar.»
«93. O arguido ao determinar que se recorre ao médico das urgências estava ciente de que o mesmo podia pedir exames de diagnóstico tidos por convenientes (RX, TAC, RM, ECO, ECG, exames analíticos entre outros) e/ ou pedir opinião/observação por qualquer especialista que se encontra de chamada ao serviço de urgência.»
«94. O hematoma epidural ocorre raramente e os hematomas epidurais espontâneos são ainda mais raros.»
«95. Na manhã do dia 17 de março de 2009 A… reavaliou o paciente tendo verificado que o mesmo estava em situação de paraplegia incompleta, com força muscular ausente do lado esquerdo (força grau 0/5) e diminuída no membro inferior direito força grau 1-2/5), com sensibilidade reduzida no membro inferior esquerdo e mantida no membro inferior direito.»
«96. O arguido contactou A… que se dirigiu de imediato ao hospital.»
«97. Não se verificou qualquer complicação resultante da artroscopia.»
«98. Durante a noite o doente foi ainda observado por um urologista devido a um quadro de retenção urinária.»
*

«Da contestação dos pedidos cíveis»
«99. A “G…S…SPA” e M… celebraram um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional emergente da atividade médica da sua segurada.»
«100. Tal contrato teve por base uma proposta de seguro subscrita e assinada pela demandada no dia 7 de julho de 2012 e com início de vigência no dia 6 de julho de 2012.»
«101. A “C…Seguros SA” contratou com a Ordem dos Médicos um seguro de grupo cobrindo a responsabilidade civil dos membros daquela até ao valor de €15 000,00.»
«102. O arguido António ... e a “C…Seguros SA” celebraram contrato de seguro a título de responsabilidade civil profissional sendo o mesmo por anuidade de €600 000, ficando limitado em cada sinistro a 50% do respetivo valor.»
«Provou-se ainda que:
«103. O ofendido deu entrada no Centro de Medicina de Reabilitação do A… a 2 de julho de 2009 tendo estado até aí internado na C… S…»
***

FACTOS NÃO PROVADOS.
«Não se provou que:
«1. O médico A… pediu ao J… para ver o doente.»
«2. Nos pequenos biscates de reparações e trabalhos de bricolage em imóveis, auferia em média de €200,00 mensais;»
«3. Na venda de peixe ganhava em médica € 200/ mês, que contribuíam para orçamento familiar.»
«4. Tomando em consideração a esperança média de vida do elemento do sexo masculino e uso das faculdades físicas e mentais, desde o dia 16.03.2009 o ofendido ficou privado da sua plena capacidade de movimentos e locomoção, mantendo a paraplegia dos membros inferiores, deixou de auferir a quantia de €48.000 (quarenta e oito mil Euro).»
«5. Não há nenhuma indicação que permita concluir que se a arguida tivesse determinado a realização de uma TAC a mesma tivesse sido realizada na noite de 16 de Março de 2009.»
«6. Isto porque o Hospital C…S… é uma unidade de saúde provada e durante a noite era necessário contactar por telefone um médico e um técnico para aí se deslocarem para assegurarem a realização da TAC.»
«7. Se a arguida tivesse determinado a sua realização com forte grau de probabilidade a mesma seria protelada para o dia seguinte por aqueles a quem a incumbia fazer.»
«8. 0 doente para fazer anestesia epidural tinha de ter parado a Enoxaparina (dose terapêutica (nas 24 horas antes e nas 24 horas depois da epidural, o que não fez»
«9. A Varfine teria de ser parada 4 a 5 dias antes e o INR após a paragem teria de estar normalizado.»
«10. No dia em que foi anestesiado sob anestesia epidural o doente estava sob efeito de 2 anticoagulantes sendo que qualquer um deles só por si conduzia a um elevado risco de hematoma epidural e ocorrendo a associação dos dois anticoagulantes potenciava o risco.»
«11. No caso concreto a paraplegia não pode ser desligada do apuramento no que diz respeito ao anestesista do cumprimento das regras amplamente divulgadas a nível internacional entre os anestesistas.»
«12. O planeamento cirúrgico incluiu a apresentação e discussão do caso clínico com o médico anestesista Dr. S… e com a cardiologia um mês antes da operação.»
«13. O internamento foi programado conjuntamente para ter lugar 3 dias antes da operação tendo em vista a devida preparação.»
«14. As deslocações de Portimão - Lisboa eram feitas de Autocarro Expresso, com um custo de ida e volta de cerca de €35,00, conforme informação do sitio da internet" www.rede-expressos.pt»
«15. Nessas deslocações a Lisboa tinha de tomar pelo menos uma refeição (almoço) que em média cifrava em €10,00 (dez Euro).»
«16. Totalizando o custo das deslocações em €45,00 diários, tomando em consideração o período de internamento hospitalar cifra-se no montante de €4.500 (quatro mil e quinhentos Euro).»
«17. A causa da paraplegia foi motivada pela anestesia epidural.»
«18. O caso clínico do ofendido foi discutido pelo arguido A…a com M…. um mês antes da operação.»
«19. As dores mecânicas por alterações degenerativas vertebrais e/ou desencadeadas pelo desconforto da cama hospitalar, da posição na marquesa operatória, acrescida do trauma e do posicionamento da anestesia epidural são muito frequentes.»
«19. M… e o arguido A… pediram a opinião de J… quanto à submissão do ofendido a TAC e em conjunto optaram por pedir aquele exame e a avaliação Neurocirúrgica.»
*

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
«A Convicção do Tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, analisada à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, de harmonia com o art. 127º do CPP.»
«Os arguidos prestaram declarações tendo negado a prática de qualquer ato desconforme com a boa prática médica.»
«A… a esclareceu ser cirurgião ortopedista tendo sido ele quem operou o ofendido ao joelho esquerdo. Disse ao Tribunal que contactou M… como médico anestesista. Atendendo às patologias de J… o mesmo foi admitido no hospital três dias antes da cirurgia, a fim de ser otimizado para a mesma. De acordo com o arguido não deu conhecimento ao médico anestesista de que o doente tinha sido admitido por saber que este estava a ser acompanhado por uma equipa adequada. Foi essa equipa que - por indicação do cardiologista - substituiu o anticoagulante que J… tomava habitualmente por um outro, mais compatível com a anestesia que aquele teria de sofrer para ser operado. António ... disse ao Tribunal que a cirurgia correu de modo normal e que o doente saiu do recobro também nos termos esperados.»
«Disse ao Tribunal que quando o foi ver ao final do dia da operação (pelas 20h00) J… se queixava de dores nas costas. Autorizou-o a levantar-se e sentar-se no cadeirão para estar mais confortável. De acordo com o arguido nada lhe chamou à atenção na situação do paciente, motivo pelo qual nada mais determinou. António ... disse que foi contactado pelo telefone em sua casa por volta das 23h00. A enfermeira de serviço transmitiu-lhe que J… estava agitado e que se queixava de dores. Perante essa situação, A… determinou que fosse contactado o médico que estava nas urgências a fim de dar assistência ao doente. Só tornou a ter contacto com a situação no dia seguinte. Nessa ocasião contactou A… médico anestesista e estavam a ambos a decidir da realização ou não de um[a] TAC quando apareceu J… que lhes disse que não havia qualquer inconveniente na realização daquele exame.»
«Refira-se que as declarações deste arguido foram marcadas pela auto desresponsabilização quanto ao sucedido a J…. Importa salientar que essa desculpabilização não se confunde com o exercício do direito de defesa. Naturalmente, o arguido pode recusar a sua responsabilidade nos factos que lhe são imputados e mesmo indicar outra pessoa por eles responsável. Aliás, A… foi perentório ao afirmar que o hematoma epidural sofrido pelo ofendido era da responsabilidade do anestesista M…. Coisa diversa é procurar diluir ou escamotear a sua participação nos factos. A este propósito, A… procurou afastar a ideia de que era o responsável pela operação e procurou mesmo reduzir o relevo de ser ele o médico que deu alta ao ofendido.» Afirmou que não dava ordens aos colegas e respondeu de forma muito vaga e defensiva às perguntas que lhe foram feitas sobre quem devia acompanhar o ofendido nas horas subsequentes à operação. Acabou por admitir que era o chefe da equipa e o cirurgião responsável pela operação, mas só após insistência. Não foi capaz de explicar por que motivo não acompanhou o ofendido e não prestou esclarecimentos ao mesmo e à sua família.»
«M… é a médica que estava nas urgências da C…S… nessa noite. Confirmou ter sido chamada para ir ver o ofendido. Questionada sobre se analisou os elementos clínicos que estavam junto do mesmo disse de forma vaga que se recordava de lhes ter passado os olhos. Por outro lado, disse ainda que contactou um colega anestesista que lhe recomendou que desse ao doente um relaxante considerando que a situação do mesmo poderia ser subsumida ao síndrome das pernas agitadas. Esta versão dos factos foi confirmada por R…. Esta testemunha, isenta e clara no seu relato dos factos, disse ao Tribunal que foi contactado pela arguida nas indicadas condições. Esclareceu que se encontrava no bloco operatório de onde saiu por momentos. Foi perentório em afirmar que a arguida apenas lhe disse a idade do doente e que o mesmo estava agitado, andando de um lado para o outro. Nada lhe disse quanto ao historial clínico do mesmo, designadamente patologias de que ele sofresse. Foi neste contexto, e frisando que estava a dar uma mera opinião, que recomendou que fosse ministrado ao doente um relaxante. Refira-se que M… não disse ao Tribunal que o ofendido andava de um lado para o outro, ocultando tal facto que veio a ser revelado por esta testemunha. Do mesmo modo, a arguida procurou fazer crer ao Tribunal que a rapidez da sua atuação profissional junto do ofendido assentou também na necessidade de voltar para o serviço de urgência a que estava adstrita. No entanto, quando questionada pelo Tribunal, nada de concreto soube dizer sobre o muito ou pouco trabalho que ali tinha. Importa sublinhar que está em causa o serviço de urgência de um hospital privado, naturalmente, muito menos solicitado do que os seus congéneres públicos, pelo que a pressa da arguida não encontra sustentação. Do mesmo modo, procurou a arguida fazer crer ao Tribunal não ser possível realizar exames como TAC durante a noite por não haver profissionais disponíveis, tendo estes de ser chamados.» Questionada pelo Tribunal sobre o envio do doente para um hospital público, face à incapacidade de resposta da unidade hospitalar privada, a sua resposta foi vaga e inconclusiva. No entanto, as suas declarações quanto às insuficiências do [hospital] a C… S… foram cabalmente afastadas pelas declarações de J… médico a exercer funções naquele hospital há 30 anos.
«A… depôs longa e detalhadamente. Disse ao Tribunal que foi o médico anestesista na operação ao joelho do ofendido. Confirmou a aplicação de anestesia epidural considerando que era a adequada face à situação clínica geral do doente.»
«Esta testemunha foi categórica ao afirmar que não foi contactado após a cirurgia por ninguém relativamente à situação de J…, apenas tendo tido conhecimento dela na manhã seguinte. Disse ao Tribunal que os seus contactos estavam disponíveis no hospital C…S… e que não recebeu qualquer telefonema ou mensagem. Disse ainda que na manhã seguinte à operação foi contactado por A… e que face ao que ele transmitiu se dirigiu de imediato ao hospital. Disse que era lá que estava a falar com A. sobre a realização ou não de TAC ao ofendido quando surgiu J…. Este esclareceu-os de que nada obstava à realização de tal exame. O mesmo foi então realizado conduzindo a subsequente operação para remoção do hematoma epidural então descoberto. Esta testemunha confirmou que após a operação e durante os meses subsequentes esteve sempre em contacto com o ofendido e a sua família, esclarecendo-os e acompanhando-os.
«Importa salientar que nenhuma testemunha confirmou ao Tribunal que M… tenha sido contactado na tarde ou noite de 16 de março de 2009 e nada consta nesse sentido nas notas de enfermagem juntas aos autos.»
«As testemunhas M… e L… eram enfermeiras na enfermaria onde J… passou a noite subsequente à operação no joelho. Nenhuma das [d]uas mostrou ter recordação clara da noite em apreço. No entanto, L… recordou ao Tribunal que tinha sido chamada a médica que estava nas urgências para ver o doente. Referiu ainda que teve de chamar um urologista por o doente não conseguir urinar, tendo aquele médico comparecido, realizando-se uma punção suprapúbica que assistiu. Relatou ainda que o doente tinha agitação psicomotora e se queixava de dores.»
«Para a apreciação feita pelo Tribunal dos factos assumiu relevo essencial o depoimento de J…, também ele médico na C… S…. Esta testemunha desmentiu de forma credível algumas das declarações dos arguidos e de A….
«Importa referir que a testemunha foi categórica ao afirmar que a C…S… tem e tinha à data dos factos condições para efetuar TACs e ressonâncias magnéticas a qualquer hora do dia ou da noite, ao contrário do que os arguidos (em particular M…) procuraram fazer crer ao Tribunal. A este propósito, quando confrontado em sede de esclarecimentos, foi ... ao dizer que trabalhava naquele hospital há 30 anos e que o conhecia bem. Aliás, na sua defesa escrit[a] o arguido A… salientou precisamente que no hospital em causa a qualquer hora podiam ser pedidos exames, aspeto que invoca em sua defesa, e que aqui se confirmou também pelo depoimento de J….»
«Recordando a sua intervenção nos factos a testemunha disse ao Tribunal que recebeu de um telefonema de pessoa cuja identidade já não recordava quando já estava no hospital C…S… no seu dia de trabalho. Disse ao Tribunal que lhe foi pedido para ir ver o doente J…, o que fez. Encontrou-o paralisado da cintura para baixo. Consultou o processo clínico e de imediato determinou a realização de TAC. De acordo com o seu depoimento esse exame teve lugar rapidamente (não mais de 30 minutos). Tendo verificado a situação clínica do doente e o hematoma epidural contactou o seu colega neurocirurgião, tendo-se avançado para a correspondente cirurgia de imediato. Refira-se que a testemunha disse não ter encontrado nem o arguido, nem A…, negando a conversa que os dois disseram ter tido lugar. Confirmou ter falado com A… já depois de a situação estar encaminhada. Disse que o fez até por imperativos deontológicos mas revelou que a conversa foi telefónica e que desconhecia mesmo se o arguido estava ou não no hospital naquele momento.»
«Foi ouvida a viúva bem como os três filhos do ofendido, respetivamente na qualidade de assistente e de demandantes. Numa apreciação preliminar geral importa desde já referir que o Tribunal percecionou que, não obstante a natural emoção sentida pela viúva e filhos do ofendido, todos depuseram de uma forma clara e objetiva, marcada pela sinceridade. Não se lhes viu animosidade para com os arguidos, desde logo. A mulher do ofendido e os seus filhos recordaram em audiência o modo como o ofendido veio a Lisboa fazer a operação ao joelho e acontecimentos subsequentes. Relataram ao Tribunal as vicissitudes decorrentes subsequentes à operação. Em particular, a mulher do ofendido disse ao Tribunal que na noite após a operação o mesmo lhe enviou diversas mensagens, afirmando estar cheio de dores e ninguém lhe dar importância no hospital. A esposa do ofendido recordou ainda que o marido era uma pessoa trabalhadora, empenhada e sua amiga, bem como dos filhos e dos netos. A propósito destes últimos, disse ao Tribunal que chegou a comprar canas de pesca pequenas para que o acompanhassem na pesca desportiva, o que sucedeu por diversas vezes. Este aspeto - a dedicação do ofendido à sua família e o gosto que tinha em passar tempo com os netos - foi também referido pelos três filhos do ofendido. A sua viúva disse ao Tribunal que o mesmo auferia uma pensão de cerca de €300,00 completada com o valor que recebia dos biscates que ia fazendo, bem como do pescado que vendia. Maria de Lurdes ... disse ao Tribunal que o marido se dedicava de forma empenhada, antes da operação, à pesca desportiva, tendo ganho diversos troféus. Quan[d]o o tempo era propício pescava pelo menos duas vezes por semana. 0 produto da pesca era dividido com a família e os amigos, sendo também vendido. Estes factos foram confirmados pelos demandantes M…, F… e V…, filhos de J… e da assistente. Todos eles recordaram a amizade do pai, a sua alegria e o modo como se dedicava à família e aos netos. Todas as declarações foram espontâneas e emotivas. Elucidativa da dedicação do ofendido à sua família são os factos revelados pela sua filha relativos à compra da sua casa (apoiando-a como fiador e nas reparações) e também no apoio prestado no dia-a-dia. São essas revelações que permitem ao Tribunal concluir que o ofendido tinha reais laços de afeto com a sua família. Esses laços tornam verosímil o alegado (e por isso provado) quanto às vezes que os filhos o vieram ver a Lisboa após a operação e sofrimento de cada um deles ao ver que o seu pai estava limitado a uma cadeira de rodas, não tornando a andar pelo seu próprio pé ou a ter autonomia para se dedicar às tarefas quotidianas. Das suas declarações resultou clara não apenas a tristeza e revolta do ofendido ao perceber que a sua situação de paraplegia não ia mudar, mas também o sofrimento de toda a família. Foi ainda confirmado que as deslocações a Lisboa dos vários membros da família eram custeadas pelos próprios (gasolina, portagens e alimentação).»
«No que ao pedido cível diz respeito foram ainda ouvidos J…,  O…, L…, R…, J…, C… e M…. As testemunhas depuseram de forma clara, objetiva e precisa. Distinguiram os factos de que tinham conhecimento direto daqueles em que tal não sucedia. Todas as testemunhas confirmaram que o ofendido J… era uma pessoa alegre, próxima da família e ativa. A este propósito do acervo testemunhal em apreciação resultou que, apesar de reformado, fazia pequenos trabalhos de reparação ou biscates remunerados. Nenhuma das testemunhas soube precisar a regularidade com que tais trabalhos eram efetuados, nem quanto era auferido mensalmente a esse título. Do mesmo modo, as testemunhas confirmaram ainda o gosto do ofendido pela pesca desportiva. Foram várias as testemunhas (como J… e C…) que atestaram que antes da operação J… pescava pelo menos duas vezes por semana. Tal como havia sido afirmado pela sua família as testemunhas referiram que o produto da pesca era vendido por J…, uma vez que excedia as necessidades do seu agregado familiar. Também aqui não foi possível apurar a regularidade com que se fazia tal venda ou proventos auferidos. Refira-se que à semelhança do que havia sido adiantado pela sua viúva e filhos todas as testemunhas referiram ao Tribunal de forma espontânea que depois da operação a vida e ânimo de J… mudou totalmente. Mostrava-se triste e desconsolado com a situação de paraplegia decorrente da situação. Deixou de fazer biscates e não tornou a dedicar-se à pesca. Por outro lado, mostrava-se choroso e não queria sair de casa, designadamente para conviver com os seus amigos. Das declarações destas testemunhas retirou ainda o Tribunal confirmação adicional quanto ao modo como toda a situação foi vivida pelos filhos e a agora viúva do ofendido. Todas as testemunhas conheciam o núcleo familiar em causa. Depondo de forma detalhada e desapegada as testemunhas confirmaram a tristeza e cansaço da mulher do ofendido por ver o marido em tal situação. Foi referido que em consequência da paraplegia o ofendido passou a usar fraldas e algalia. Era também incapaz de se ocupar da sua higiene diária. Naturalmente, ponderando tal situação à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, não pode deixar de concluir-se que tal situação foi percecionada pelo ofendido como humilhante. Para além disso, consistia também num esforço acrescido de sua esposa para o apoiar, contando com o apoio dos filhos e de um ou outro amigo que frequentava a casa. As testemunhas confirmaram ainda o incómodo sentido por J… com a cicatriz que lhe ficou da operação feita para remover o hematoma epidural.»
«O internamento em A… resultou provado de fls. 2 do Apenso de documentação clínica. Das declarações de A…,  L…, M…, F… e V… resultou que até essa data esteve na C… S…, bem como da documentação clínica apensa.»
«Foi ouvida a testemunha A… diretor do serviço de Ortopedia do Hospital de … J…. Revelou que trabalhou com o arguido tendo total confiança nele como médico (disse mesmo que se precisasse de ser operado a um joelho o escolheria a ele para o operar) e realçando as suas qualidades humanas. Neste quadro salientou a sua boa relação com os doentes.»
«Foram ouvidos F… e P…. O primeiro é o subscritor do parecer médico de fls. 408 a 410. O segundo é o autor do parecer junto a fls. 414 a 417. Refira-se que não obstante a diligência requerida ter sido de inquirição de peritos a verdade é que nem F… nem P… têm tal qualidade nestes autos. Nenhum deles elaborou um real estudo do caso maxime o que consta de fls. 170 a 172 que é o parecer técnico-científico do INML. Importa referir que das declarações dos mesmos (valoradas como prova testemunhal e em complemento dos relatórios subscritos por cada um) decorreu que não tinham conhecimento direto dos factos. Desde logo, porque não viram o doente, nem antes, nem depois da operação em discussão nestes autos. Por outro lado, também não tiveram acesso direto ao historial clínico do mesmo. Conforme por ambos foi admitido elaboraram cada um o seu parecer médico com base naquilo que o arguido A… lhes transmitiu quando lhes pediu a respetiva elaboração.»
«Quer F… quer P… informaram serem ortopedistas, o primeiro também traumatologista e o segundo cirurgião da coluna. O primeiro admitiu ainda ser amigo do arguido. Importa referir que o Tribunal não confere especial relevo aos pareceres elaborados, tendo em atenção a falta de conhecimento direto e a ausência de indicação de formação académica posterior que possa conferir aos pareceres um peso acrescido face à demais documentação clínica junta aos autos. Ao invés, e em particular o parecer subscrito por P…, é parcial e marcado mesmo por um cunho subjetivista. Basta atentar nas seguintes frases que dele constam: "Não existe atualmente no mundo profissão mais regulamentada do que a Medicina e o seu exercício é um dos mais perigosos sob o ponto de vista legal”; "Por analogia ouvimos por vezes relatos de situações de guerra que são mais tarde avaliadas e julgadas num qualquer gabinete administrativo, longe do teatro de combate e do contexto de stress e muitas vezes por alguém que tampouco cumpriu o serviço militar!!!”, "O próprio J… e a sua família tinham a noção de que era um doente de risco para qualquer intervenção cirúrgica pelo que com toda a clareza ponderaram bem antes de aceitarem a referida cirurgia; muito mais não se tratando de uma patologia que colocasse a vida em perigo. É uma questão óbvia do senso comum, tal como tomar os comprimidos com água…”»
«O Tribunal teve ainda em atenção o teor da consulta técnico-científica elaborada INML e que consta de fls. 170 a 173. Da mesma resulta que as medidas tomadas antes da cirurgia para prevenir a ocorrência de problemas foram as adequadas (resposta ao ponto C)) e que a anestesia epidural é uma das opções possíveis para a realização deste tipo de operação (resposta D)). Importa ter em atenção o que ali é escrito quanto ao momento em que foi tomada a decisão de proceder à remoção do hematoma epidural e consequências para o doente. Aí se pode ler:
«"Tais medidas eram adequadas para o efeito? Foram tomadas a tempo?
«"As medidas tomadas foram adequadas para o efeito.
«Contudo, não foram tomadas no devido tempo, pois logo após as primeiras queixas de limitação dos movimentos e alterações da sensibilidade dos membros inferiores dever-se-ia ter colocado a possibilidade daquele diagnóstico realizado com a máxima urgência os exames necessários para o seu esclarecimento e procedido à respetiva intervenção cirúrgica pois o tempo decorrente até esse tratamento é vital para reduzir as lesões neurológicas permanentes."»
«Algum dos clínicos que interveio nas cirurgias em causa designadamente o anestesista M… violou as leges artis? De que maneira?
«Em relação ao médico anestesista este terá saído do hospital antes das queixas do doente se terem manifestado e terá deixado um contacto telefónico para o caso de haver alguma complicação contacto esse que não foi utilizado. Estando o doente internado com as apropriadas condições de vigilância, não se pode considerar que tenha havido da sua qualquer violação dos leges artis.»
«Já no que respeita ao ou aos médicos que foram informados dos sintomas logo após o seu início estes deveriam ter colocado a hipótese de hematoma epidural e procedido ao esclarecimento imediato dessa hipótese, por exemplo, através da realização de uma TAC, pois, quanto mais tempo decorre até ao tratamento maior a probabilidade de lesões neurológicas permanentes. O facto deste exame apenas ter sido solicitado no dia seguinte pode ser considerado uma violação das leges artis."»
«Na convicção do Tribunal assumiu ainda relevo o teor fls. 620 que é o resumo de enfermagem do dia 16 de março de 2009 relativo ao aqui ofendido, assumindo particular relevo as notas de M… e L…, enfermeiras no turno da tarde e da noite desse dia e que foram ouvidas em audiência. M… ... escreveu pelas 16h00 que o doente estava aparentemente calmo no início do turno mas com algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar, hemodinamicamente estável, eupneico. A partir das 17h00 começa a referir intensificação de dores que não reduziram com medicação anti-álgica ao medidas alternativas (massagem, elevar plano da cama, etc) e concomitantemente espasmos musculares involuntários ao nível dos MI’s. Mais escreve que "Feito o contacto com o Dr. A… que veio observar o doente e deu indicação para fazer levante e sentar no cadeirão com elevação do membro deixando informação que amanhã reinicia varefine na dosagem que fazia anteriormente juntamente com a toma diária de enoxaparina e depois de amanhã fica a fazer apenas o seu varfine. Fez o que foi indicado surtindo ligeiro efeito para a dor ao nível dos espasmos a situação intensificou-se. Contactado o Dr. A.O. que deu indicação telefónica para fazer diapazen 5 mg PO e se não surtir efeito chamar médico de banco. Por não haver melhoria chama-se médico. Aguarda-se observação. Termina aqui o registo da Enfermeira Marisa .... Já no turno da noite pelas 23h00 Lilina ... escreveu “Doente tevem vm da Dra Assunção no início do turno, diluído 1 f de midazolam em 5 cc de SF e administrado 2 cc com algum efeito. Cerca das Oh doente a referir sensação de retenção urinária com globo vesical. Feita tentativa de levante mas o doente apresenta diminuição de forma muscular nos MI. Feita a tentativa de algaliação sem sucesso. Por indicação do Dr. A… contactado o urologista (Dr. F…) que veio observar o doente e fez colocação do cistocatéter que ficou permeável, urina hemática. Soro em vpp. Doente acabou por adormecer cerca das 3h, tendo dormido por períodos curtos, no final do turno mantém-se diminuição da força muscular no MI, mantém a sensibilidade”.»
«Foi junta literatura médica pelo arguido A…. A mesma foi lida mas a verdade é que constitui documentação genérica que não pode ser seguida de forma acrítica e desprendida do contexto do caso concreto pelo Tribunal. Isso mesmo foi enfatizado por …M quando esclareceu que para além de linhas orientadoras é sempre importante examinar o doente em si mesmo, optando-se então pela anestesia mais adequada ao caso.
«Os antecedentes criminais dos arguidos decorreram dos seus CRC. As condições pessoais das suas declarações que mereceram credibilidade face ao modo espontâneo e detalhado como foram prestadas.»
«Os factos não provados decorrem da falta de elementos que permitam concluir em sentido diverso nos termos que já acima foram escalpelizados.»
«Importa ainda salientar que ao contrário do alegado por A… na sua contestação não pode concluir-se, sem mais, que a causa da paraplegia foi a anestesia epidural. Tal não se provou da forma singela constante dos arts. 21- e 28- e não sé isso que se retira dos elementos da consulta técnico científica constante dos autos. O que daí resulta, e aqui se demonstrou, é que a anestesia epidural pode provocar um hematoma epidural que se não for diagnosticado em tempo útil e removido pode levar à paraplegia. Não foi a anestesia epidural que causou a paraplegia. Foi o atraso em diagnosticar o hematoma e esse atraso decorreu da desvalorização que cada um dos arguidos fez da situação do ofendido, não dando resposta à sua evolução. Quanto ao alegado sobre o tempo durante o qual a cirurgia para remoção deve ser levada a cabo (entre 36h a 48h) trata-se, mais de uma vez, não de um facto, mas de uma estimativa. Naturalmente, ela tem de ser conjugada com regras que mais que leges artis são de experiência comum: diagnosticado um problema clínico, por regra, quanto mais depressa o mesmo for debelado menores danos serão sofridos pelo paciente. De onde se retira que se o hematoma tivesse sido diagnosticado mais cedo o doente poderia não ter ficado paraplégico ou ter sofrido essa patologia de forma menos gravosa ou eventualmente reversível (ainda que com limitações).»
«O Tribunal não responde a matéria conclusiva, impugnativa ou a considerações de Direito. Em particular e no que diz respeito às [contestações] (à pronúncia e ao pedido de indemnização civil) apresentados pelo arguido A… importa referir que são transcritas várias passagens retiradas de literatura científica e dos pareceres elaborados por F… e P.... Quanto a estes já o Tribunal acima deixou clara a valoração feita da sua intervenção nestes autos. Quanto aos trechos de literatura científica o Tribunal não tem de lhes dar resposta pois não consubstanciam factos (por exemplo, arts. 39º, 40º, 70º a 101º). Do mesmo modo, são diversos os quesitos conclusivos (vide arts. 41º e 42º) e impugnativos (no pedido cível por exemplo arts. 15º, 16º, 47º). Do mesmo modo também o pedido de indemnização civil formulado nos autos se encontra eivado de considerações vagas e imprecisas, bem como de segmentos conclusivos e de Direito, a que o Tribunal não tem de responder.»
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2.2. DA QUESTÃO DE DIREITO.
O objeto dos presentes recursos delimitados pelas respetivas conclusões prende-se com as seguintes questões:

I — RECURSO DA ARGUIDA/DEMANDADA M
- Terá existido erro de julgamento em matéria de facto (impugna os pontos 15., 25., 27., 28., 29., 30., 56., e 65. da matéria de facto provada);
- A decisão impugnada padecerá do vício de falta de fundamentação, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal?
- Padecerá a decisão recorrida do vício de contradição da fundamentação de facto previsto, de acordo com o art. 410.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal (no que respeita ao ponto 26. dos factos provados)?
-  A decisão recorrida padecerá do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal?
- Existirá contradição entre a matéria de facto provada e respetiva fundamentação, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal?
- Padecerá a decisão impugnada do vício de erro notório na apreciação da prova?
- Enfermará a decisão recorrida de erro de Direito, por violação do art. 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal?
- Terá sido violado o princípio in dubio por reo?
- A pena aplicada será excessiva?
- O quantum indemnizatório deve ser reduzido?

II — RECURSO DO ARGUIDO A
- Existirá erro de julgamento em matéria de facto (quanto os pontos 8., 9., 12., 13., 21., 25., 27., 28., 29. e 30. dos factos considerados provados)?
- A decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova?
- Verifica-se ou não o preenchimento do crime de ofensas à integridade física grave por negligência imputado ao arguido?
- A decisão impugnada violou o princípio do in dubio pro reo?
- A pena aplicada será excessiva?
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III — Recurso de “C…SEGUROS SA”
- Existirá erro de julgamento em matéria de facto?
-  A sentença recorrida que condena a Seguradora, nos termos em que esta o faz, será nula?
- Existirá nulidade por omissão de pronúncia?
- Os montantes arbitrados serão excessivos?
***

Como é sabido, os fundamentos dos recursos devem ser ...s e concretos, pois ao Tribunal ad quem não incumbe perscrutar a intenção dos recorrentes, mas sim apreciar as questões submetidas ao seu exame.
As conclusões das motivações não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos. Devem constituir uma resenha clara que proporcione ao tribunal superior uma boa compreensão do objeto dos recursos.
Por outro lado, as conclusões devem estar em consonância com a parte expositiva das motivações recursórias. Com efeito, só merecem ser consideradas na medida em que traduzem a síntese do que se desenvolveu no texto das respetivas alegações.
Na verdade, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações.
Conforme abundante jurisprudência, as conclusões do recurso servem para balizar a decisão. O âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da motivação dos recorrentes, só abrangendo as questões aí contidas.
A atuação das faculdades de controlo do Tribunal da Relação sobre o julgamento da questão de facto realizada em 1.ª instância não obedece a um modelo único ou uniforme de recurso, sendo possível identificar o exercício de poderes no âmbito do modelo de reponderação, de reexame, de cassação– plena e limitada–e de substituição.
Nos tempos que correm há que desmotivar impugnações temerárias e infundadas da matéria de facto.
Nos termos do disposto no art. 428.º do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação conhece de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3 do mesmo Corpo de Leis. Cabe desde já ter presente que essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objeto do processo, como se a decisão da 1.ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelos recorrentes ([13]).
*

Porque tal releva importa desde já deixar ... o seguinte:
É consabido que a chamada revista alargada configura uma impugnação restrita da matéria de facto, mas não é a verdadeira impugnação da matéria de facto conforme o disposto no n.º 3 do art. 412.º, do Código de Processo Penal.
Os recorrentes não podem confundir a invocação dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal com os requisitos da impugnação da matéria de facto a que se reporta o n.º 3 e respetivas alíneas e o n.º 4 do art. 412.º do referido Corpo de Leis: trata-se de institutos distintos com natureza e consequências distintas.
Na verdade, os vícios previstos no referido art. 410.º devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam; a impugnação ampla da decisão da matéria de facto lavra fundo na apreciação da prova.
Ora, se é verdade que a existência de um dos vícios do referido art. 410.º nos espelha algo de errado da decisão da matéria de facto, o facto de se não verificar nenhum daqueles vícios, não garante que a matéria de facto haja sido bem julgada.
Com efeito, pode não existir nenhum dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal e no entanto a prova ter sido mal apreciada, ocorrer um verdadeiro erro de julgamento. Daí que na motivação recursória não possa existir confusão nem amálgama entre invocação dos referidos vícios e a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Podem coexistir a invocação dos vícios do art. 410.º n.º 2 e a impugnação de acordo com o referido 412.º, n.º 3, e pode existir uma sem a outra. 
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Do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal — insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Quando os recorrentes alegam este vício têm que partir necessariamente da análise do texto da decisão, devem especificar os factos que em seu entender eram necessários para a decisão justa que devia ser proferida, que o Tribunal a quo devia ter indagado e conhecido e não indagou e consequentemente não conheceu, podendo e devendo fazê-lo. Assim, os recorrentes devem procurar convencer o tribunal de recurso que faltam factos, os quais devem identificar, necessários (fundamentando esta necessidade invocando normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles (fundamentando).
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Cabe aqui desde já ter presente que a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal, com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Também nada tem a ver com o vício da insuficiência o caso em que os recorrentes enumeram uma série de factos que foram dados como não provados e que na sua ótica deviam ser dados como provados.
O que verdadeiramente os recorrentes não aceitam é a apreciação da prova levada a efeito pelo Tribunal. Claramente, a questão nada tem a ver com o vício do art. 410.º, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Em face do resumidamente exposto, quando os recorrentes alegam este vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada não pode almejar um outro julgamento de um outro processo, não pode subverter-se o princípio da vinculação temática do Tribunal.
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Do vício do art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal — contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
Quando os recorrentes alegam este vício cabe-lhes especificar, no texto da decisão impugnada a matéria da contradição, isto é, aquilo que está em contradição.
É consabido que a contradição insanável nos termos plasmados neste normativo tanto pode existir na motivação da decisão da matéria de facto como na própria decisão da matéria de facto.
Parece ... que há contradição na fundamentação quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios inteiramente incompatíveis entre si. Como também parece haver contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz ao contrário do que se decidiu.
São casos flagrantes de contradição na decisão da matéria de facto:
(i) Dar como provados dois factos totalmente incompatíveis entre si;
(ii) Dar como provado e não provado o mesmo facto.
Ora, para que este vício se verifique a contradição tem de ser insanável, isto é não ser ultrapassável pelo Tribunal de recurso com eventual recurso às regras de experiência ou elementos dos autos. Assim, o facto de se verificar uma qualquer contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja logo em presença do vício do art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal.
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Do vício do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal — erro notório na apreciação da prova
Quando os recorrentes alegam a existência de erro notório na apreciação da prova devem especificar no texto da decisão, sem recurso a prova documentada, os factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.
Neste particular cabe ter presente que a apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei, pela singela razão de que aquela errada apreciação pode não se evidenciar no texto da decisão.
Ora, o erro notório é o erro que salta aos olhos e que, por isso, se vê logo da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras de experiência. O eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Assim, quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrar-se ao vício do erro notório.
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Quando os recorrentes impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto, os recorrentes no corpo motivador e depois nas conclusões deve especificar, isto é indicar devidamente, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [cf. alínea a) do n.º 3 do art. 412.º do Código de Processo Penal]. Isto facilmente se compreende pela singela razão de que o Tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorretamente julgados.
Na verdade, necessário se torna que os recorrentes identifiquem corretamente os pontos de facto que foram dados como provados ou não provados, se é o caso, e não deviam tê-lo sido, na sua ótica.
Em segundo lugar, os recorrentes devem especificar as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida.
Os recorrentes, tratando-se de prova por declarações e testemunhal devem identificar as declarações e testemunhas cujos declarações e depoimentos, a seu ver, quanto aos concretos pontos de facto em questão impõem decisão diversa [apontando as concretas passagens das declarações do(s) arguido(s), quando este(s) se dispõe(m) a falar em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como dos depoimentos das testemunhas em que se funda a impugnação (cf. n.º 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal)].
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Conforme jurisprudência fixada pelo Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 19-out.-1995 (Sá Nogueira) ([14]), é oficioso pelo Tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Nos termos do art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos arts. 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2 exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (cf. art. 125.º do Código de Processo Penal).
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do “realmente acontecido” conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca derivados da(s) finalidade(s) do processo ([15]).
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (cf. art. 127.º Código de Processo Penal).
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica ([16]).
Daqui resulta, como realça Marques Ferreira, um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efetivo controlo da sua motivação ([17]).
Ora, quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem à julgadora do Tribunal a quo.
Na verdade, a convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos, perícias e outras provas constituídas, também, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos ([18]).
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.
Aliás, segundo pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respetivamente, 38% e 55% desse poder ([19]).
Trata-se de um acervo de informação não-verbal, rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Por isso, os juízes devem ter uma atitude crítica de “avaliação da credibilidade do depoimento” não sendo uma mera caixa recetora de tudo o que o declarante ou a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso “saber”.
Na verdade, a apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, há de ancorar-se numa valoração racional e crítica harmónica com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros, mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal.
Como realça Enrico Altavilla, «o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras» ([20]).
Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo como salienta Carrington da Costa, advertindo para que “todo aquele que tem a árdua função de julgar fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade”. Deve, antes, ter-se bem presente as palavras de Bacon: “os testemunhos não se contam, pesam-se” ([21]).
Cumpre ainda aqui relembrar o ensino de Paolo Tonini ([22]): “Il conflitto tra accusa e difesa non può essere risolto in base ad un atto de fede ([23]).
Ora, se bem pensamos, a livre apreciação da prova constitui um poder-dever do(a) julgador(a) que axiologicamente emerge do princípio do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana ([24]), o qual significa a faculdade de formar uma convicção pessoal de verdade dos factos, é racional e assenta em regras de lógica e experiência objetiva e, por regra, só em circunstâncias excecionais que espelhem com meridiana clareza irracionalidade da convicção é que pode ser sindicada em 2.ª instância.
Por sua vez, para ser racional a convicção assenta necessariamente em provas e não na “corazonada” de que fala Enrique Ruiz Vadillo ([25]).
Como refere Paolo Tonini ([26]) provar significa:
“Indurre nel giudice il convinci- mento che il fatto storico sai avvenuto in un determinato modo. Il fatto storico deve essere “reppre- sentatto” al giudice mediante altri fatti. La prova è, apunto, quel procedimento lógico in base al quale da un fatto noto se deduce l’ esitenza del fatto storico da provare e le modalità con le quali se è verificato” ([27]).
A finalidade da prova é convencer o(a) juiz(a) a respeito da verdade de um facto litigioso. Busca-se a verdade processual, ou seja a verdade atingível ou possível [(probable true) do direito anglo-saxónico]. A verdade processual emerge durante o processo, podendo corresponder à realidade ou não, embora seja com base nela que o Tribunal deve proferir a decisão. O objeto da prova primordialmente são factos que se visam apurar em Juízo.
Ora, valendo-nos:
(i)Da noção de Malatesta ([28]) para quem a verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade, enquanto a certeza é a crença nessa conformidade, provocando um estado subjetivo do espírito ligado ao facto, ainda que essa crença não corresponda à verdade objetiva;
(ii)Do ensino de Carrara ([29]) “a certeza está em nós; a verdade está nos factos”.
Podemos afirmar que a descoberta da verdade é sempre relativa, pois o que é verdadeiro para uns pode ser falso para outros. A meta do Sujeito Processual e do colaborador na administração da justiça, no processo é convencer os Juízes, através de raciocínio, de que a sua noção de realidade é coerente, isto é, de que os factos se deram no plano real exatamente como foram narrados na acusação / pronúncia/ contestação ou no depoimento feito de viva voz perante o Tribunal. Convencendo-se disso, o Juiz, ainda que possa estar equivocado, alcançam a certeza necessária para proferir a decisão. Quando forma a sua convicção ela pode ser verdadeira (correspondente à realidade) ou errónea (não corresponde à realidade), mas jamais falsa, que é um “juízo não verdadeiro”. Sustentar que o juiz atingiu uma convicção falsa seria o mesmo que dizer que o julgador atingiu uma “certeza incerta”, o que é claramente um contrassenso. Para haver condenação, exige-se que o Tribunal tenha chegado ao estado de certeza, não valendo a mera probabilidade.
Como é sabido a atual redação do n.º 2 do art. 374.º Código de Processo Penal foi introduzida pela reforma operada pela Lei n.º 59/98, de 25-ago., sendo aditada em relação à redação anterior a exigência de exame crítico das provas nos mesmos termos que eram exigidos no processo civil – art. 653.º, n.º 2 Código de Processo Civil na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 02-fev., – tendo em vista as exigências de fundamentação da sentença e a necessidade de se avaliar a validade da prova.
Face a ela não bastará ao Tribunal fazer a indicação dos concretos meios de prova tidos em conta para formar a sua convicção. É necessário ainda que se expresse o modo como se alcançou essa convicção, descrevendo — sempre de modo conciso — o processo racional seguido e objetivando a análise e ponderação criticamente comparativa das diversas provas produzidas, para que se siga e conheça a motivação que fundamentou a opção por um certo meio de prova em detrimento de outro, ou sobre qual o peso que determinados meios tiveram no processo decisório. Por outras palavras, na esteira de Lopes do Rego ([30]) podemos afirmar que «deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador».
Na verdade, a fundamentação é o cerne, a alma ou parte essencial da sentença. Trata-se da motivação do Juiz para aplicar o direito ao caso concreto da maneira como o fizeram, acolhendo ou rejeitando a pretensão de punir do Estado. É preciso que conste os motivos de facto (advindos da prova colhida) e os motivos de direito (advindos da lei, interpretada pelo Juiz) norteadores do dispositivo (conclusão). É a nosso ver nem mais nem menos que a consagração no processo penal do princípio da persuasão racional ou livre convicção motivada.
Na realidade, se bem vemos, a sentença penal para assegurar o cumprimento de todos os princípios constitucionais, e por atingir no caso de condenação, a dignidade da pessoa humana, necessita de ser clara e os argumentos devem estar contidos nas provas dos autos, não podendo ser interpretados por analogia ou de forma extensiva, como ocorre em muitos outros casos.
Assim, pese embora o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal a liberdade do julgadores aí consagrada mais não é do que a liberdade para a objetividade, para a descoberta da verdade histórica ([31]).
A liberdade de apreciação da prova não significa que o Juiz possa fazer a sua opinião pessoal ou vivência acerca de algo integrar o conjunto probatório, tornando-se, pois, prova. O Juiz extrai a sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, mas não presta depoimento pessoal, nem expõe as suas ideias como se fossem factos incontroversos. Contudo, revela-se natural que os Julgadores possam extrair da sua vivência a experiência e o discernimento necessários para decidir um caso, embora deva estar fundamentado, exclusivamente nas provas constantes dos autos.
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À luz do que dito fica afigura-se-nos que os factos supra descritos e que constam da decisão impugnada junta a fls. 1197-1243 dos autos — vol. 5.º, resultaram provados e não provados pela convicção que o Tribunal a quo formou da análise e valoração de toda a prova produzida em julgamento tendo em conta os parâmetros plasmados na motivação acima transcrita.
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Ora é consabido que a verdade histórica em direito é uma convicção prática firmada em dados objetivos que, diretamente ou indiretamente permitem a formulação de um juízo de facto.
Na verdade, arduamente o Julgador poderá ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como são por si interiorizados, como são dados como provados.
Contudo, tal não impede que o Tribunal se convença da realidade dos mesmos na medida em que consiga alcançar certeza relativa. Esta traduz-se afinal num estado psicológico que se alicerça em razões objetivas e fundamentáveis não impondo verdade apodíctica conclusiva.
Como referia Carnelutti ([32]): “convicção é a palavra que alude a vitória e a luta: a vitória das razões do pró, face às razões do contra”.
Contudo, se bem vemos, necessário se torna que os factos demonstrados pelas provas produzidas na sua globalidade encaminhem para a certeza relativa, isto dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define e materializa.
No caso em apreço não podemos olvidar que a força probatória das declarações dos arguidos A…; e M…; e da assistente/demandante L….; declarações dos demandantes: S…; F…; V… e a globalidade dos depoimentos das testemunhas …S; … M; L; R; J; J…R; J...O…; L…I.; R…F…; J…C…; C… C…; B… C…; A…P…; C… P…; G… V… e esclarecimentos dos médicos subscritores dos pareceres juntos aos autos F… e P… são apreciados livremente pelo Tribunal, devendo este julgar segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas, de modo a chegar a decisão que lhe parecer justa.
Na verdade, estamos num campo em que não parece possível criticar com razoabilidade a convicção da julgadora em 1.ª instância, dada a natural falta de imediação com as provas produzidas em audiência, sendo certo que é o Tribunal a quo que se encontra numa relação de proximidade comunicante com os participantes no processo, de tal modo que é este Tribunal quem obtém uma perceção própria do material probatório que terá como base da sua decisão.
Ora, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum, o que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não ocorre no caso sub judice.
Por isso que este Tribunal ad quem, sem os benefícios que conferem a imediação e a oralidade presentes perante o Tribunal recorrido, não pode desconsiderar depoimentos que foram “pesados” ou considerar declarações que foram, em primeira instância total ou parcialmente desconsideradas, sem razões sustentáveis, que sirvam de suporte, a partir da decisão.
Com efeito, como já acima deixámos expresso existem aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e tem contacto vivo e imediato com os arguidos maxime a recolha da impressão deixada pela personalidade dos arguidos A…; e M….
De veras a perceção das declarações dos referidos arguidos e dos depoimentos das aludidas testemunhas só é completamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas.
Só estes princípios permitem avaliar o mais concretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes e uma plena audiência destes ([33]).
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In casu da análise da decisão recorrida em confronto com as declarações dos arguidos A….; e M…; declarações da assistente/demandante L…; declarações dos demandantes: S…; F…; V….. Globalidade dos depoimentos das testemunhas M… C…; M…; L…; R…; J…; J… R…; J… O…; L… I…; R… F…; J… C…; C…A…; B… C…; A… P…; C… P…; G… V… e esclarecimentos dos Senhores médicos F… e … M… subscritores de pareceres juntos aos autos que por este Tribunal foram devidamente “pesados”; e da prova documental e pericial para os autos carreada não emerge que o Tribunal a quo com a segurança que atrás indicámos, tivesse feito uma errada valoração da prova produzida, examinada e valorada em audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, cremos que quanto a este quid o acerto da decisão transparece da economia dos seus próprios termos, porquanto dela flui uma análise criteriosa da prova feita de forma a permitir a compreensão da razão pela qual os factos plasmados na decisão recorrida foram dados como provados e não provados.
Na verdade, a decisão recorrida examinada na globalidade, contrariamente ao afirmado pelos recorrentes A…; M… e “C…Seguros SA”, assenta em premissas que se harmonizam entre si segundo um raciocínio lógico e coerente e também não se vislumbra que afrontem as regras de experiência comum.
Ora, a prova começa onde se perde, subjetivamente a consciência da probabilidade e in casu no que concerne à receção da prova para além do que dito fica cumpre ter presente que o Tribunal a quo em função da oralidade e imediação, não deixou de atender aos níveis de comunicação ou canais de informação:
1.º - O “audível linguístico” veículo de mensagem que tem a cadeia de significantes: é o escutado;
2.º - O “audível - paralinguístico” que respeita ao conteúdo da informação: o entendido;
3.º - O da “Infraverbabilidade” cujos significantes se recrutam no campo da comunicação extralinguística: contactos visuais, olfativos, tácteis-cutâneos, termotácteis e comportamentais: o sentido; e
4.º - O “contextual”, o da afetividade que rodeia a comunicação intra-humana: o ressentido.
Por isso, bem andou o Tribunal a quo ao fixar os factos provados e não provados acima indicados, e afirmamos isto, desde já, sem prejuízo do que acrescentaremos mais abaixo.
Com efeito, é de todos sabido que o nosso ordenamento adjetivo penal adotou, embora com limitações: “salvo quando a lei dispuser diferentemente” –, o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Ora, trazendo à colação o pensamento de Massimo Nobili ([34]) o “principio del convencimento del giudice”, assenta em dois alicerces: na lógica do juiz e na crítica refletida (“crítica ragionata”).
A propósito de tal lógica e razoabilidade realça-se que o convencimento do juiz é livre somente no sentido em que ele será fruto e meta derradeira de individual razoabilidade. Em particular se o critério do livre convencimento equivale a uma ausência de prova legal, isso “não dispensa o juiz da observância daqueles critérios que obedecem às exigências de ordem lógica”, os quais se colocam como um verdadeiro e próprio limite à liberdade do juiz. Deste modo, com maior rigor, numa qualidade razoável não prefixada legalmente, obtida mediante um processo indutivo / dedutivo que se encontra a verdadeira substância do novo método: “de tal modo se alcançará a prova aquelas circunstâncias que de outro modo não são verificáveis (pelo juiz) e é nesta atividade que se consubstancia a essência lógica da sua função” ([35]).
Por regras de experiência, ou “massima de esperienza”, entende-se uma regra de comportamento que exprime aquilo que acontece na maior parte dos casos (id quod plerumque accidit); mais precisamente, trata-se de uma regra que é extraída de casos similares ([36]).
Como refere Paolo Tonini ([37]), a diferença entre máximas de experiência e mera conjetura “reside no facto que no primeiro caso o dado já aconteceu (è già stato), ou vem de qualquer maneira submetido a verificação empírica e portanto a máxima pode ser formulada sob a escolta do id plerumque accidit, enquanto no segundo caso tal verificação não está estabelecida, nem pode estar, e fica afiançada a um mero cálculo de possibilidades, de modo que a máxima permanece insuscetível de verificação empírica e portanto de demonstração”.
A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem afirmando a necessidade de que a máxima de experiência seja uma regra de comportamento humano e não uma “consideração de ordem sociocultural”, na medida em que os indícios inseridos numa série causal constituem anéis de cadeia de relações naturais constantemente uniformes do comportamento humano que segundo o id plerumque accidit conduzem a um resultado segundo a lei da psicologia pelo qual, em linha com a máxima, dada (acontecida) uma ação pode-se formular um juízo provável sobre outros que o precederam e que se lhe seguirão.
Na mesma linha de pensamento vai Stein Friedrich ([38]) “As máximas de experiência são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos factos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos caos particulares de cuja observação se induziram e que, por cima (para além) desses casos, pretendem ter uma validade para outros novos”.
Calamandrei, por sua vez, define-as como aquelas que são (...) extraídas do seu património intelectual [do juiz] e da consciência pública (...) e destaca a sua utilidade pois “as máximas de experiência possuídas por ele geralmente, lhe servem de premissa maior para os seus silogismos (por ex., que a máxima de a idade avançada produz geralmente um debilitar da memória, fará considerar em concreto o depoimento de uma testemunha idosa menos digna de crédito que a de uma testemunha ainda  jovem) (...)([39]).
Afigura-se-nos que qualquer que seja o conceito que se dê sobre as máximas de experiência, é possível encontrar os seguintes elementos que lhe são comuns:
(i)São juízos, isto é, valorações que não são referentes aos factos que são matéria do processo, mas que possuem um conteúdo geral. Têm um valor próprio e independente, o que permite dar à valoração um caráter lógico;
(ii)Estes juízos têm vida própria, são gerados de factos particulares e reiterados, nutrem-se da vida em sociedade, dando origem ao processo indutivo do juiz que os aplica;
(iii)Não nascem nem acabam com os factos, mas estendem-se para além deles, e vem a ter validade para outros novos;
(iv)São razões indutivas credenciadas para a vida regular e normal, e, portanto, envolvem uma regra, suscetível de ser utilizada pelo juiz para um facto semelhante;
(v)As máximas carecem de universalidade. Estão restringidas ao ambiente físico em que atua o juiz, uma vez que elas nascem a partir de relações da vida e compreendem tudo o que o juiz tenha como experiência própria.
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Ora, é consabido que a valoração da prova tem duas etapas essenciais: a primeira trata de depurar a eficácia probatória de cada meio de prova, até chegar ao convencimento de que um determinado facto é certo, ou não, em vista do que resulta de cada meio probatório; e a segunda centra-se na valoração probatória propriamente dita, comparando cada um dos factos reputados certos com os factos afirmados pelas “partes” ([40]). Na depuração dos instrumentos probatórios (controle de legalidade e silogismos probatórios) trata-se, afinal de comprovar a credibilidade das provas aportadas pelas “partes”, e este juízo de credibilidade ocorre integrado em vários silogismos probatórios, o primeiro dos quais está referido à fiabilidade ou confiança que gera cada um dos meios probatórios, estando referido o segundo à determinação da significação que deve outorgar-se aos factos expostos ao julgador por cada um de esses meios de prova e referindo-se o terceiro à verosimilhança ou crença de que são verdadeiros ou falsos os factos aportados ao processo ([41]).
Contudo, como é sabido, o juiz prima facie está vinculado ao seguimento do material probatório que lhe é trazido pelos sujeitos processuais. Todavia, summo rigore têm o poder-dever de indagar, pela produção de meios de prova não carreados pelos intervenientes processuais, pela verdade histórica material (cf. art. 340.º do Código de Pro­cesso Penal).
Cabe aqui lembrar que o princípio da investigação oficiosa em matéria penal adjetiva tem os seus limites previstos na lei e está desde logo condicionado ao princípio da necessidade, na medida em que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar o julgador a uma decisão condenatória ou absolutória devem ser produzidos por determinação do Tribunal na fase de julgamento ([42]).
Se bem vemos essa vinculação leva a uma necessidade lógico dedutiva e indutiva que, alicerçada nas regras ou máximas da experiência comum, autorize o entendimento das razões empírico racionais que levaram ao resultado probatório adquirido. Nesta linha o Juiz está adstrito a esclarecer e precisar, na decisão, as razões e os meios de prova em que se fundou para atingir à posição de liquidez probatória que firmou a sua convicção.
In casu, salvo o devido respeito por opinião em contrário, cremos que de uma leitura integral da motivação constante da decisão recorrida resulta inteiramente percetível a apreciação lógica da prova levada a efeito pelo Tribunal alicerçada em guias ou diretrizes objetivas que conduz a uma consubstanciação histórica dos factos razoavelmente compatível com o acervo probatório produzido e constante dos autos, com respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana, plasmados nos arts. 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
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Na sua motivação recursória a recorrente M…; e o recorrente A… invocam padecer a decisão impugnada dos vícios de insuficiência da matéria de facto; contradição entre a matéria de facto não provada e a respetiva fundamentação provada erro notório na apreciação da prova.
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Desde já afirmamos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada pelos recorrentes não padece de qualquer dos vícios da previsão do art. 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal.

Vejamos sucintamente o porquê desta afirmação.
Como vimos, no nosso sistema adjetivo penal vigora o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, consagrado no referido art. 127.º do Código de Processo Penal, segundo o qual, à exceção de quando a lei dispõe de forma diferente, a prova produzida em audiência é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção das entidades judiciárias.
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O vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” encontra-se previsto na alínea a) do art. 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo de conhecimento oficioso, verifica-se sempre que a matéria de facto dada como provada não permita a decisão de direito proferida.
Este vício acha-se ligado com a aplicação do princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, na medida em que com a sua invocação (expressa ou implícita) se visa pôr em crise a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo.
De uma leitura da decisão ora posta em crise pelos aludidos recorrentes facilmente se vislumbra que na mesma existe: motivação, a análise crítica da prova e a aplicação do direito, bem como o respetivo dispositivo, não existindo de modo real e efetivo os erros e vícios indicados pelos referidos recorrentes.
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Na verdade, tendo o Tribunal enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando os aspetos essenciais do seu conteúdo, e por consequência, o modo como formou o juízo de veracidade, cumpriu quantum satis, com o dever de fundamentação contido no art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ([43]), inexistindo qualquer falta de análise crítica da prova, o que aqui desde já se declara.
Para tal constatar bastará ler o que se encontra expresso na decisão impugnada de fls. 1198-1222 dos autos (vol. 5.º) – fls. 2-26 da decisão recorrida.
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Mas será que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão?
De uma leitura cuidada da decisão recorrida facilmente se vislumbra que dos factos dados como provados resultam todos os elementos objetivos e subjetivos que permitem a subsunção da apurada conduta dos arguidos/recorrentes A…; e M… ao tipo legal de crime tido por corretamente preenchido.
In casu constam da decisão recorrida, na factualidade provada, os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito pelo qual os aludidos arguidos foram condenados.
E dizemos isto sem prejuízo do que mais abaixo acrescentaremos por ser a sua sede própria.
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O S.T.J. vem uniformemente decidindo sobre esta matéria:
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.
O erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspeto negativo, que nessas circunstâncias tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental ([44]).
Há insuficiência da matéria de facto para a decisão, sempre que dela resulte, através da sua leitura, isolada ou conjugadamente com as regras da experiência, uma lacuna ou hiato factuais que não permitam chegar à solução jurídica adequada à situação em causa – a solução justa do caso -, podendo e devendo o Tribunal investigar todos os elementos julgados relevantes para essa decisão ([45]).
A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena ([46]).
O vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objeto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso ([47]).
A insuficiência a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal decorre da circunstância do Tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal), que é insindicável em reexame da matéria de direito ([48]).
Como acima deixámos exposto a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente, segundo os recorrentes, foram dados como provados. Assim, enquanto numa se censura o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na outra censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Na verdade, summo rigore, esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do mesmo Corpo de Leis que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Ora, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a) do n.º 2 do  art. 410.º, do Código de Processo Penal, só existe quando o Tribunal a quo, podendo fazê-lo deixa de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a matéria de facto apurada não possibilita, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação ([49]).
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À luz destes entendimentos e tendo em mente a letra do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal, parece-nos que os vícios previstos no n.º 2, cujo conhecimento pelo Tribunal de recurso é oficioso, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou emparelhada com as regras de experiência comum.
Tal vício configura-se como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de mérito, isto é, quando se chega à conclusão de que, com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher” ([50]).
O nosso mais Alto Tribunal vem entendendo que “o vício de insuficiência da matéria de facto só existe quando o tribunal recorrido, não tendo esgotado o thema probandum, mesmo assim decide do fundo da causa” ([51]).
Daí que, “a ideia de que a prova que se fez em julgamento é insuficiente para dar como provados determinados factos seja coisa diversa da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. E isto porque, “o Tribunal julga segundo a sua livre convicção assente na prova e aí é inteiramente soberano” ([52]).
Esta constitui a posição uniformemente tomada pelo S.T.J. em múltiplos acórdãos, de entre os quais, por nos parecer de todo paradigmático e in casu aplicável, citamos:
“Se o[s] recorrente[s] pretende[m] contrapor a convicção que alcançou sobre os factos com aqueloutra que o [Tribunal] teve sobre os mesmos livremente e segundo as regras da experiência (art. 127.º do Código de Processo Penal) está a confundir insuficiência da matéria de facto fixada com a insuficiência da prova para decidir” ([53]).
No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião em contrário, de uma leitura integral do texto da decisão recorrida não se vislumbra carência de factos (nem hiato factuais) que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma.
Afigura-se-nos que na decisão recorrida na verdade nada falta para que uma decisão justa do caso, de direito, seja proferida, tendo o Tribunal a quo investigado todos os elementos julgados relevantes e possíveis para essa decisão.
Com efeito, do texto da decisão recorrida e da parcimónia dos seus próprios termos, flui com meridiana clareza que o Tribunal a quo deu como provados e não provados todos os factos relevantes para a decisão justa da causa.
Na verdade, da decisão ora posta em crise pelos aludidos recorrentes constam expressamente todos os factos relevantes à prolação de uma decisão justa.
Deste modo, no caso em apreço, do texto da decisão recorrida não resulta o vício da previsão do art. 410.º, 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.

Estaremos perante contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão?
Como se sabe este vício traduz-se numa incompatibilidade não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os factos não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão ([54]).
Ora, tão-somente surge contradição entre a fundamentação e a decisão, quando aquela esteja em oposição a esta, ou seja quando os fundamentos invocados, devessem, logicamente, levar a uma decisão diversa da que a sentença expressa.
In casu os factos dados por provados e os factos dados como não provados [cf. 1198-1210 dos autos — vol. 5.º (fls. 2–14 da decisão impugnada)] nada têm de contraditório.
Na verdade, “provar” significa, substancialmente, induzir no Juiz no convencimento de que o facto histórico aconteceu de um determinado modo. O facto histórico deve ser “representado” pelo Juiz por meio de outros factos. A prova é nesse sentido, o procedimento lógico por meio do qual a partir de um facto conhecido se deduz a existência do facto histórico a ser provado e as suas circunstâncias.
Por sua vez, é consabido que a “máxima de experiência” é uma regra que expressa aquilo que acontece na maioria dos casos (id quod plerumque accidit), ou seja é uma regra extraída de casos similares. A experiência pode permitir a formulação de um juízo de relação entre factos: existe uma relação quando se conclui que uma determinada categoria de factos vem acompanhada de uma outra categoria de factos.
Com base nesse princípio emerge o seguinte raciocínio: em casos similares há um idêntico comportamento humano.
Este raciocínio permite apurar um facto histórico quando não há certeza absoluta mas uma grande probabilidade. A máxima da experiência é uma “regra” e, portanto, não pertence ao mundo dos factos; gera um juízo de probabilidade e não certeza.
Cabe aqui ter presente que a prova representativa e o indício se diferenciam não pelo objeto a ser provado, mas pela estrutura do procedimento lógico.
In casu face à materialidade fáctica considerada provada e não provada, bem como da respetiva fundamentação, não resulta que, a decisão ora posta em crise pelos recorrentes devesse ser inteiramente oposta àquela para a qual apontava a respetiva fundamentação ou que a decisão padece de colisão entre os diversos fundamentos. A decisão impugnada consubstancia o corolário próprio daqueles mesmos factos.
Com efeito, tendo em mente o que já acima deixámos expresso, fazendo um raciocínio lógico não é de concluir que a fundamentação da decisão recorrida leve a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Por outra banda, a decisão posta em crise não reflete real oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada. Por fim in casu os factos provados e os factos não provados não se contradizem entre si nem se excluem mutuamente, sendo aqui de lembrar que a não prova de um facto não prova o contrário, tudo se passando como se esse facto não existisse, isto é, como nem sequer tivesse sido alegado.
Ora só existe o vício da contradição insanável da fundamentação, da previsão do art. 410.º n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal quando, fazendo um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os elementos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; à contradição entre os factos quando os provados e não provados se contradigam entre si ([55]).
Como frisam Simas ... e Leal Henriques “por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou qualidade. Para os fins do preceito [alínea b) do n.º 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência]” ([56]).
A contradição tem que resultar do texto da decisão, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos (n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal).
Ora, é consabido que são realidades diferentes a contradição na fundamentação e a contradição entre factos provados e fundamentação. Esta última é suscetível de poder vir a integrar um erro-vício de julgamento.
No caso em apreço num raciocínio lógico não é de concluir que a fundamentação da decisão recorrida justifica decisão oposta, mostrando-se a decisão ora posta em crise pelos recorrentes fundamentada, seguindo um raciocínio coerente que não levanta qualquer dúvida sobre as razões que levaram a que fossem dados como provados e não provados os factos.
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Face ao exposto, facilmente se verifica que inexiste no caso em apreço o vício da previsão do art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.
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Existirá erro notório na apreciação de prova?
Este vício tem de resultar do texto da decisão impugnada, por si ou conjugada com as regras de experiência comum. Está, há muito, assente o entendimento de que o vício de erro notório tem de resultar do texto da decisão recorrida sem a utilização de elementos externos à decisão, não sendo por isso admissível recorrer a declarações ou outros elementos que constem do processo ou até da audiência.
Assim, para este efeito, não cabe aos recorrentes invocar o teor dos depoimentos de testemunhas, ou lançar mão de prova documental.
Contudo, voltaremos a esta questão mais abaixo em sede de análise do invocado erro de julgamento, por ser a sua sede própria.
O S.T.J. vem uniformemente decidindo sobre esta matéria que o erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspeto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental ([57]).
Será que no caso em apreço os factos dados como provados são contraditórios com os restantes factos dados como provados ou com os factos não provados? Traduzem falha grosseira e ostensiva na análise da prova? Retirou-se dos factos apurados uma conclusão logicamente inconciliável?
Como já acima deixámos apontado a resposta é de sentido negativo.
Na verdade os recorrentes alegando a existência de erro notório na apreciação da prova deveriam ter especificado no texto da decisão (sem ver nela o que nela não está), sem recurso a prova documentada, os factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.
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Os recorrentes invocam o erro notório na apreciação da prova e almejam, no essencial, ver dados como não provados todos os factos relevantes que apontam que o Tribunal a quo considerou como provados e que se mostram acima descritos. Porém, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a sede própria desta impugnação não se situa no âmbito do invocado vício do n.º 2, alínea c) do art. 410.º do Código de Processo Penal, mas sim no modo como o Tribunal valorou a prova, como fez uso do princípio da livre apreciação da prova.
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Ora, como vimos, apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei, pela singela razão de que aquela errada apreciação pode não se evidenciar no texto da decisão.
Como acima já referimos quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrarem-se ao vício do erro notório.
In casu, não se nos afigura ocorrer qualquer erro notório na apreciação da prova [art. 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal] o qual teria de ser óbvio e patente de modo a não passar despercebido ao comum observador e nada do que os recorrentes indicam pelo que já acima deixamos expresso reveste uma tal categoria.
Na verdade, no caso sub judice para o homem médio do texto da decisão recorrida não se vislumbra, por não existir, qualquer falha grosseira e ostensiva na análise da prova, que denuncie que se deram como provados e não provados factos inconciliáveis entre si. Por outras palavras, o que a decisão recorrida teve como provado e não provado não está in casu em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou. Com efeito, por uma banda na decisão posta em crise não se mostram provados factos incompatíveis entre si. Por outra, as conclusões nesta plasmadas não se revelam por forma alguma ilógicas ou inaceitáveis ou que o Tribunal a quo tenha na decisão recorrida retirado de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Como acentuam Simas ... e Leal-Henriques ([58]):
[…] há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)”.
Contudo, como dizem Simas ... e Leal-Henriques ([59]) não podemos incluir no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, de harmonia com o citado art. 127.º do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, a nosso ver, na avaliação que o Tribunal de 1.ª instância exerceu da prova pericial e documental para os autos carreada, das declarações dos arguidos A…; e M…; das declarações da assistente/ demandante L…; das declarações dos demandantes: S…; F…; V…. E da globalidade dos depoimentos das testemunhas M… C…; A…M…; L…C…; R…C…; J… C…; J… R…; J…O…; L… I…; R… F…; J… C…; C…C…; B… C…; A… P…; C… P…; G… V… e esclarecimentos dos médicos F…M… e L… M…, e do mais que se encontra plasmado na decisão recorrida, não se lobriga a presença de vício algum, nem este efetivamente existe, na medida em que o Tribunal a quo atuou de acordo com o princípio consagrado no art. 127.º do Código de Processo Penal, sem que o mesmo se mostre minimamente beliscado.
Ora, in casu, salvo o devido respeito por opinião em contrário, e sem prejuízo do que acrescentaremos infra, reconhecer de per se ao teor das declarações dos arguidos/recorrentes A…; e M…virtualidade bastante para infirmar a globalidade das declarações da assistente/ demandante L..; dos declarantes …S…; F…; V… e das acima aludidas testemunhas, e demais prova documental e pericial acima referida – na sua verdadeira essência o argumento por eles esgrimido aliado aos esclarecimentos prestados pelos médicos F… M… e L…M… para questionarem a matéria de facto provada e não provada que apontam e que na sua verdadeira essência almejam ver considerada não provada por forma a não verem preenchidos os elementos constitutivos do referido tipo legal de crime, isso sim, revelaria de forma clara a violação das mais elementares regras da experiência comum.
Por sua vez, neste campo cabe não olvidar que o erro na apreciação da prova não se desacomoda com o modo como os recorrentes apreciam a prova dos seus pontos de vista.
No caso vertente por tudo que já apontámos supra este vício não se verifica, o que aqui se declara.
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Não obstante o que já acima apontado ficou vejamos mais concretamente se assiste razão aos recorrentes
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Almeja o arguido/recorrente A…, que seja “dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, tudo com as legais consequências”.
Por sua vez, a arguida/recorrente M…, ambiciona que “seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com consequente absolvição da arguida” ou caso assim não se entenda seja a pena “reduzida para medida próxima dos limites mínimos”.
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Aduz o arguido/recorrente A…:
EM MATÉRIA DE FACTO
— Não deveriam ter sido dados como provados os pontos 8º, 9º, 12º,13º, 21º, 25º, 27º, 28º, 29º e 30º. [Cls. III];
No ponto 8 apenas poderia ter dado como provado que “algumas horas depois, o doente apresentou queixas inespecíficas, agitação psicomotora e algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar” [Cls. VIII];
Os factos dados como provados nos pontos 9 e 12 terão de ter somente este alcance [Cls. XIX];
— Quanto ao facto 13 apenas resulta que o arguido determinou que o doente fosse visto pela urgência [Cls. XII]; o Tribunal a quo deveria ter dado como provado no ponto 13: “Determinou que o doente fosse visto pela urgência, não determinou que lhe fosse realizada a TAC nem qualquer outro exame de diagnóstico complementar em virtude de não se encontrar no hospital, reencaminhando o paciente para os colegas de serviço” [Cls. XIII];
— Na fundamentação do ponto 21 dos factos provados a decisão entra em contradição (ora socorrendo-se das declarações da testemunha A…M… ora as descredibilizando (referindo que J… C… desmentiu de forma credível algumas das declarações dos arguidos e de A…M…, sem contudo dizer quais), ficando qualquer pessoa que leia a sentença na ignorância acerca do modo como a Mma. Juiz formou a sua convicção no sentido de dar como provados estes factos) [Cls. XV];
— Deveria ter-se feito constar do ponto 22 que o arguido ao tomar conhecimento do estado de paralisia do doente, de imediato contactou A…M…, em busca de uma solução, por entender ser da sua especialidade, sendo que nenhum deles determinou a realização de uma TAC ou de qualquer outro exame de diagnóstico complementar, o que só veio a ocorrer a pedido de J… C…, após terem solicitado opinião do mesmo [Cls. XVII];
— As conclusões contidas no mencionado documento “consulta técnico-científica” (documento de fls. 170) não poderão ser tidas como fidedignas [Cls. XIX-XXI];
— Foi apenas na manhã do dia 17-mar.-2009, quando reavaliou o paciente, que o arguido verificou que o mesmo estava em situação de diminuição da força muscular dos membros inferiores e paraplegia incompleta [Cls. XXIV];
— O tribunal a quo não poderia concluir que o doente ficou paralisado dos membros inferiores em consequência do atraso na realização dos exames médicos, do consequente diagnóstico e da cirurgia que se lhe seguiu [Cls. XXVII];
— Andou mal o tribunal a quo dando como provada a factualidade inserta no ponto 27 por contrariar os pareceres científicos juntos aos autos [Cls. XXIX];
— Não poderia o tribunal a quo ter dado como provado o ponto 28 [Cls. XXXI];
— Não podia o Tribunal a quo concluir, implicitamente, como o faz, que a paraplegia resultou da tardia realização da TAC. [Cls. XXXVII];
— Nunca o tribunal a quo poderia dar como provada a factualidade inserta no ponto 29. [Cls. XXXVIII];
— Violou a decisão impugnada o art. 127.º do CPP [Cls. XLII];
— Impunha-se dar como não provados os artigos 8º, 9º, 12º, 13º, 21º, 25º, 27º, 28º, 29º, e 30º da matéria de facto provada [Cls. XLIV];
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EM MATÉRIA DE DIREITO
—Não se antolha qualquer omissão por parte do arguido, com um grau de certeza, reveladora de violação do dever objetivo de cuidado [Cls. XLVII];
—Não se verifica nexo de causalidade entre o comportamento do arguido e a paraplegia [Cls. LIII];
—Não verificação, in casu, dos elementos típicos do crime previsto no art. 148.º n.ºs 1 e 3, com referência aos artigos 10º e 15º, ambos do C. Penal [Cls. LIV];
— Foi violado o princípio in dubio pro reo [Cls. LV- LVIII];
—A decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova [Cls. LIX];
—O grau de ilicitude não foi acima do mediano mas sim diminuto (uma vez que o dever de cuidado terminou pelas 23 horas) [Cls. LXI –LXII e LXVI];
—Deverá ser-lhe aplicada uma pena de multa pelo limite mínimo [Cls. LXVI].
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Em síntese aduz o arguido/recorrente:
(i) O Tribunal a quo julgou incorretamente os pontos 8., 9., 12., 13., 21., 25., 27., 28., 29. e 30. dos factos considerados provados, nos termos do art. 412º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal;
(ii) Não se verifica o preenchimento do crime de ofensas à integridade física grave por negligência imputado ao arguido;
(iii) A decisão impugnada violou o princípio do in dubio pro reo;
(iv) A pena aplicada foi excessiva, tendo a sentença recorrida interpretado erradamente os arts. 40.º, 50.º e 71.º, todos do Código Penal.
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Por sua vez a arguida M… aduz o seguinte:
Erro de julgamento em matéria de facto (impugna os pontos 15., 25., 27., 28., 29., 30., 56., e 65. da matéria de facto provada que almeja ver considerados por este tribunal como não provados);
—A prova produzida em audiência de discussão e julgamento não sustenta a conclusão que a arguida tenha deliberadamente sujeito o doente a tratamentos incorretos nomeadamente que a paraplegia sofrida pelo mesmo decorresse desse descuido ou imprevidência [Cls. da alínea d)];
—Não houve pela Recorrente qualquer violação do dever objetivo de cuidado [cls.  da alínea e)];
—A Consulta técnico-científica elaborada pelo INML e que consta de fls. 170 a 173 (não diz que a arguida, no caso concreto, inobservou quaisquer deveres que constituem a boa prática médica) [Cls.f)]
—Não foram devidamente considerados os depoimentos testemunhais do Dr. A… M…, do Dr. R… C…, do Dr. J… C…, da Enfermeira L…C…, da Enfermeira M…C…, da Dra. G…V…e dos peritos Dr. F…M…, especialista em ortopedia e traumatologia e Dr. L…M…, consultor de ortopedia -cirurgia da coluna [Cls. da alínea g)];
—Analisado concretamente o depoimento prestado por essas testemunhas e peritos, conclui-se que, perante as circunstâncias concretas do doente em questão (ausência da paraplegia), nenhuma dessas testemunhas e peritos teria colocado, desde logo, o hematoma epidural [Cls. da alínea h)];
—Analisado concretamente o depoimento prestado pelas supra identificadas testemunhas e peritos, bem como a indicada prova documental e pericial, conclui-se que a arguida não devia e não podia ter atuado de modo diferente, perante as circunstâncias do caso concreto; [Cls. q)]»
—A convicção formada pelo julgador a quo contraria as regras da experiência comum, da lógica e, primordialmente, dos conhecimentos científicos demonstrado por tais testemunhas e peritos; [cls. da alínea t)];»
—A Recorrente agiu com o grau de cuidado e competência não sendo a sua conduta reprovável. [cls. u)];»
—E da prova documental e pericial junta aos autos, resulta taxativamente que “Foi a anestesia epidural que provocou o hematoma epidural”- cf. fls. 171 e 315 dos autos, concluindo que o resultado danoso (paraplegia) foi provocado pela anestesia ministrada pelo Dr. A…M… [Cls. v)];
—Não podia, pois, o Tribunal a quo ter dado como não provado que “17. A causa da paraplegia foi motivada pela anestesia epidural.” [cls. z)];
—Houve uma incorreta valoração da prova por parte do Tribunal a quo, que não podia ter dado como provados os factos supra assinalados sob os pontos 25., 27., 28., 29. e 30. 56. e 65., da matéria dada como provada;» [cls. bb), cc)];
— A oposição entre os factos provados (pontos 23. e 26. da matéria dada como provada) e o facto não provado (ponto 17) e contradição entre a matéria de facto não provada e a respetiva fundamentação [cls. dd)];
— O Tribunal a quo dá como provado que, de acordo com o exame efetuado, a paralisia resultou de um hematoma epidural que comprimia a medula espinal e que foi a anestesia epidural que provocou esse mesmo hematoma epidural (pontos 23. e 26. da matéria dada como provada), não pode, então e simultaneamente, dar como não provado que a causa dessa paraplegia tenha sido essa mesma anestesia ministrada ao doente (ponto 17. da matéria não dada como provada);» [Cls. ee)];
— Os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão [cls. ff)];
— Padece a decisão impugnada do vício da previsão do art. 410.º, n.º 2 – al. b) retirando dos factos provados a conclusão neles descrita como pontos 25. 27., 28. e 29. da matéria dada como provada [cls. gg)];
— É evidente, a oposição entre os apontados factos provados e os não provados e uma clara contradição entre a matéria de facto que foi dada como provada e a respetiva fundamentação - alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal [Cls. nn)];
— Existe um erro notório na apreciação da prova – alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal [Cls. oo)],
— Os factos provados são insuficientes para preenchimento do tipo negligente subjetivo, mas também do objetivo [Cls. hh)];
— Inexiste o nexo de causalidade (ou sequência causal) entre a conduta faltosa e o dano [Cls. kk]
— Violação do in dubio por reo [Cls. ll]
— Vício da insuficiência da matéria de facto provada para a incriminação [Cls. da alínea mm];
— à sua fundamentação erro de direito faltar o “exame crítico das provas [Cls. da alínea pp];
— Não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar;
— Quanto à medida da pena impõe-se uma redução para o limite mínimo
— Quanto indemnizatório deve ser reduzido.
Em suma, aduz a arguida/recorrente M… Candeias:
(i) Que o Tribunal a quo julgou incorretamente os pontos 14., 15., 25., 27., 28., 29. e 30., dos factos considerados provados, nos termos do art. 412.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal;
(ii) Que a decisão impugnada padece do vício de falta de fundamentação, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ou vício de contradição da fundamentação de facto previsto, de acordo com o art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal  (no que respeita ao ponto 26. dos factos provados);
(iii) A decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal;
(iv) Manifesta uma contradição entre a matéria de facto provada e respetiva fundamentação, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal;
(v) Procedeu a um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal;
(vi) Enferma de erro de Direito, por violação do art. 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, por faltar “o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.
(vii) Aplicou uma pena excessiva.
(viii) Os montantes indemnizatórios arbitrados são excessivos.
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Perante a dinâmica dos factos em apreciação nestes autos, bem como à invocação pelos arguidos/recorrentes de vícios comuns da sentença, a fim de evitar repetições inúteis e maçadoras que nos alcandoraria ao reino do sofrível, consideramos curial, uma abordagem conjunta de ambos recursos dos arguidos/recorrentes no que tange a esta temática.
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No que tange à inoperacionalidade dos vícios da previsão das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal já os mesmos foram acima abordados e com os fundamentos que aí constam declarado foi que inexistiam, razão pela qual não vamos aqui repetir o que já acima foi tratado e decidido.
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Para melhor compreensão da bondade da decisão impugnada e da decisão dos presentes recursos vejamos, sucintamente, como se apresenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, em face do que este Tribunal colheu do registo da prova gravada.
Os arguidos/recorrentes A…; e M… prestaram em sede de audiência de discussão e julgamento declarações.
— A… (prestou declarações em 28-abr.-2015, as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 09:58 horas – termo 12:05 horas); e
— M… (prestou declarações em 28-abr.-2015, as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:27 horas – termo 12:50 horas).
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Ambos arguidos / recorrentes negaram a prática de qualquer ato desconforme com a boa prática médica.
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ARGUIDO A
Com relevo para apreciação do objeto dos presentes recurso emerge das declarações do arguido/recorrente A… o seguinte:
— Que foi a sua pessoa enquanto cirurgião ortopedista que operou o ofendido José ... ao joelho esquerdo.
— Que contactou o médico anestesista A…M….
— Que considerando às patologias de J… o mesmo foi admitido no hospital três dias antes da cirurgia, a fim de ser otimizado para a mesma.
— Que não deu conhecimento ao médico anestesista A…M… de que o doente J… tinha sido admitido por saber que este estava a ser acompanhado por uma equipa adequada.
— Que foi essa equipa que - por indicação do cardiologista - substituiu o anticoagulante que J… tomava habitualmente por um outro, mais compatível com a anestesia que aquele teria de sofrer para ser operado.
— Que a cirurgia correu de modo normal e que o doente saiu do recobro também nos termos esperados.
— Que foi ver J… ao final do dia da operação (pelas 20:00 horas).
— Que J… se queixava de dores nas costas.
— Que o autorizou a levantar-se e sentar-se no cadeirão para estar mais confortável.
— Que nada lhe chamou à atenção na situação do paciente J…, motivo pelo qual nada mais determinou.
— Que foi contactado pelo telefone em sua casa por volta das 23:00 horas.
— Que a enfermeira de serviço lhe transmitiu que J… estava agitado e que se queixava de dores.
— Que perante essa situação determinou que fosse contactado o médico que estava nas urgências a fim de dar assistência ao doente.
— Que só tornou a ter contacto com a situação no dia seguinte (17-mar.-2009).
— Que nessa ocasião contactou A…M… médico anestesista e estavam ambos a decidir da realização ou não de uma TAC quando apareceu J…C…[médico de medicina intensiva] que lhes disse que não havia qualquer inconveniente na realização daquele exame.
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Este Tribunal ad quem procedendo à audição integral e “pesando” a globalidade das declarações do arguido A… prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento em 28-abr.-2015, as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 09:58 horas – termo 12:05 horas), delas emerge o seguinte:
— As declarações do arguido A… na sua verdadeira essência mostram-se vincadas pela auto desresponsabilização quanto ao acontecido à pessoa de J….
Contudo, essa “desculpabilização” não se assarapanta com o exercício do direito de defesa. O aludido arguido/recorrente pode efetivamente rejeitar a sua responsabilidade na produção dos factos que lhe são imputados e mesmo indicar outra pessoa por eles responsável. E na verdade, no caso em apreço o arguido / recorrente A… foi categórico ao asseverar que o hematoma epidural sofrido pelo ofendido J… “era da responsabilidade do anestesista A… M…”.
Porém, coisa diferente é pretender esbater ou tentar fazer desaparecer o quid essencial de modo que não se perceba a sua participação nos factos.
Quanto a este aspeto, da globalidade das declarações do arguido/recorrente A… perpassa que o mesmo pretendeu afastar a ideia de que era o responsável pela operação e procurou mesmo aligeirar o relevo de ser ele o médico que deu alta ao ofendido J….
Asseverou que não dava ordens aos colegas e respondeu de forma muito vaga e defensiva às perguntas que lhe foram feitas sobre quem devia acompanhar o ofendido J… nas horas subsequentes à operação.
Com algum custo, acabou por admitir que era o chefe da equipa e o cirurgião responsável pela operação, mas só após insistência por parte do Tribunal a quo.
O arguido/recorrente A… não se mostrou capaz de explicar por que razão não acompanhou o ofendido J… e não deu esclarecimentos ao mesmo e à sua família.
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ARGUIDA M
Prestou declarações em 28-abr.-2015, as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:27 horas – termo 12:50 horas);
M… é a médica que estava nas urgências da C...S... nessa noite de 16-mar.-2009.
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Este Tribunal procedendo à audição integral da gravação das suas declarações respiga com interesse para a boa decisão dos presentes recursos o seguinte:
— Que a arguida/recorrente M… confirmou ter sido chamada para ir ver o ofendido J….
Tendo-lhe sido perguntado em sede de audiência de discussão em julgamento (28-abr.-2015) sobre se analisou os elementos clínicos que estavam junto do mesmo?
Verbalizou de forma vaga, sem suficiente precisão, “que se recordava de lhes ter passado os olhos”.
— Que a arguida/recorrente M… ainda contactou um colega anestesista [R… C…] que lhe recomendou que desse ao doente um relaxante considerando que a situação do mesmo poderia ser considerada como síndrome das pernas agitadas.
Esta “narrativa” foi confirmada pela testemunha R…Campos [R…C…, 74 anos, médico anestesista (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015), o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 17:25 horas – termo 17:45 horas)], a qual revelando conhecimento da matéria a que depôs, respondeu com isenção e de forma convincente no sentido apurado, e no seu relato dos factos, esclareceu:
— Que foi contactado pela arguida/recorrente M… nas indicadas condições.
— Que se encontrava no bloco operatório de onde saiu por momentos.
— Que a arguida/recorrente M… apenas lhe disse a idade do doente e que o mesmo estava agitado, “andando de um lado para o outro”.
— Que nada lhe disse quanto ao historial clínico do mesmo, designadamente patologias de que ele sofresse.
— Que foi neste contexto, e realçando que estava a dar uma mera opinião, que recomendou que fosse ministrado ao doente [J…] um relaxante.
Neste particular cabe aqui ter presente que a arguida/recorrente M… não de...u em sede de audiência de discussão e julgamento (28-abr.-2015) que o ofendido J… andava de um lado para o outro, ocultando tal facto que veio a ser revelado por esta testemunha.
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A arguida/recorrente M… procurou fazer crer ao Tribunal a quo, sem o lograr conseguir, que a rapidez da sua atuação profissional junto do ofendido J… assentou também na necessidade de voltar para o serviço de urgência a que estava adstrita.
Com efeito, a aludida arguida/recorrente quando questionada pelo Tribunal a quo, nada de concreto soube dizer sobre o muito ou pouco trabalho que ali tinha.
Neste particular cabe aqui ter presente que está em causa o serviço de urgência de um hospital privado, às 23:00 horas de uma segunda-feira (16-mar.-2009), sendo público e notório que o mesmo, nesta altura do ano e na hora, é muito menos solicitado do que os seus congéneres públicos.
Assim sendo, como na realidade é, a pressa da arguida / recorrente M… não encontra agasalho nem alicerce em factos concretos e precisos provados pela positiva.
Noutra linha de orientação pretendeu a arguida/recorrente nas suas declarações fazer crer ao Tribunal a quo não ser possível realizar exames como a TAC durante a noite por não haver profissionais disponíveis, tendo estes de ser chamados.
A arguida/recorrente perguntada pelo Tribunal a quo sobre o envio do doente J… para um hospital público, face à incapacidade de resposta da unidade hospitalar privada, a sua resposta mostra-se vaga não permitindo chegar, por si só, a uma conclusão a este respeito.
Contudo, a verdade é que, a este respeito, as declarações da arguida/recorrente M… quanto às insuficiências da C… S…, foram inteiramente afastadas pelas declarações de J…C… [J… C…, 59 anos, médico de medicina intensiva (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 17:46 horas – termo 18:07 horas)] médico a exercer funções naquele hospital há 30 anos.
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TESTEMUNHA A…M
A… M…, 59 anos, médico anestesista (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 14:45 horas – termo 16:58 horas), tendo no decurso do seu depoimento sido confrontada com a “Guia…” e com o documento junto a fls. 171), revelou conhecimento da matéria de facto a que depôs, respondendo com isenção e de forma convincente no sentido apurado pelo Tribunal a quo.
Emerge da globalidade do seu depoimento com interesse para apreciação do objeto dos presentes recursos o seguinte:
— Que foi A… M… o médico anestesista na operação ao joelho do ofendido J….
— Confirmou a aplicação de anestesia epidural considerando que era a adequada face à situação clínica geral do doente.
— Que não foi contactado após a cirurgia por ninguém relativamente à situação de J…, somente tendo tido conhecimento dela na manhã seguinte (17-mar.-2009).
— Que os seus contactos estavam disponíveis no hospital C…S… e que não recebeu qualquer telefonema ou mensagem.
— Que na manhã seguinte à operação (17-mar.-2009) foi contactado pelo arguido A… e que face ao que ele transmitiu se dirigiu de imediato ao hospital.
— Que era lá que estava a falar com A… sobre a realização ou não da TAC ao ofendido J… quando surgiu J…C…. Este esclareceu-os de que nada obstava à realização de tal exame.
— Que a TAC foi então realizada conduzindo a subsequente operação para remoção do hematoma epidural então descoberto.
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Esta testemunha A… M… esclareceu que, após a operação, e durante os meses subsequentes esteve sempre em contacto com o ofendido J… e a sua família, esclarecendo-os e acompanhando-os.
Neste particular cabe aqui ter presente que nenhuma testemunha confirmou ao Tribunal a quo que A…M… tenha sido contactado na tarde ou noite de 16-mar.-2009 e nada consta nesse sentido nas notas de enfermagem juntas aos autos.
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TESTEMUNHAS M…C…; E L…C
M…C…, 32 anos, enfermeira (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:27 horas – termo 12:50 horas).
L…C…, 33 anos, enfermeira, (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 17:08 horas – termo 17:24 horas).
Ambas eram enfermeiras na enfermaria onde o ofendido J…passou a noite subsequente à operação no joelho (noite de 16-mar.-2009 para 17-mar.-2009).
Nenhuma das duas testemunhas mostrou ter lembrança clara da noite em causa.
Contudo, flui da globalidade do depoimento da testemunha L… C…, com relevo para a apreciação do objeto dos presentes recursos o seguinte: 
— Que tinha sido chamada a médica [M…] que estava nas urgências para ver o doente (J…).
— Que teve que chamar um urologista por o doente não conseguir urinar, tendo aquele médico comparecido, tendo-se realizando-se uma punção suprapúbica que assistiu.
— Que o doente (J…) tinha agitação psicomotora e se queixava de dores.
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TESTEMUNHA J…C…
J… C…, 59 anos, médico de medicina intensiva (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 17:46 horas – termo 18:07 horas).
A testemunha J…C…, igualmente médico na C… S…, em Lisboa, na globalidade do seu depoimento encarrega-se de desmentir as “narrativas” dos arguidos/recorrentes e da testemunha A…M…, em termos que o Tribunal a quo considerou como credíveis, nada apurando este Tribunal ad quem em contrário em ordem a possibilitar retirar-lhe a credibilidade conferida pelo Tribunal de 1.ª instância, sendo certo que a prova indicada pelos arguidos/recorrentes e seguradora/recorrente não impõe entendimento diverso do seguido pelo Tribunal de 1.ª instância.
Flui da globalidade do depoimento da testemunha J…C…, ouvido na íntegra por este Tribunal, que a mesma se mostra precisa ao asseverar que a C…S… de Lisboa tem e tinha à data dos factos (16-mar.-2009) condições para efetuar TACs e ressonâncias magnéticas a qualquer hora do dia ou da noite, ao contrário da “narrativa” trazida a Juízo pelos s arguidos/recorrentes maxime a que a arguida M… procurou fazer crer ao Tribunal a quo.
No que a este aspeto concerne esta testemunha J… C… foi clara, precisa e concisa ao dizer que trabalhava naquele hospital “C… S… de Lisboa há 30 anos e que o conhecia bem.
Neste particular, na sua defesa escrita não podemos olvidar que o próprio arguido/recorrente A… realçou que no aludido Hospital a qualquer hora podiam ser pedidos exames, aspeto que o mesmo aduz em sua defesa, e que quanto a este quid se mostra confirmado igualmente pelo depoimento da testemunha J… C….
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Emerge da globalidade do depoimento da testemunha J…C…, com relevo o seguinte:
— Que recebeu um telefonema de pessoa cuja identidade já não recordava quando já estava no Hospital C… S…, em Lisboa, no seu dia de trabalho.
— Que lhe foi pedido para ir ver o doente J…, o que fez.
— Que encontrou J… paralisado da cintura para baixo.
— Que consultou o processo clínico e de imediato determinou a realização da TAC.
— Que esse exame teve lugar rapidamente (não mais de 30 minutos).
— Que verificou a situação clínica do doente J… e a existência de hematoma epidural;
Que contactou o seu colega neurocirurgião, tendo-se avançado para a correspondente cirurgia de imediato.
— Que não encontrou nem o arguido/recorrente A…, nem A…Melo, negando a existência da conversa que os dois disseram ter tido lugar.
— Confirmou ter falado com o arguido/recorrente A… já depois de a situação estar encaminhada.
— Verbalizou que o fez até por imperativos deontológicos mas patenteou que a conversa foi telefónica e que desconhecia mesmo se o arguido/recorrente A… estava ou não no hospital naquele momento.
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Em sede de audiência de discussão e julgamento foi ouvida a viúva assistente/demandante L…; e prestaram  declarações os demandantes: S…; F…; V….
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— Declarações prestadas pela assistente/demandante L…, 66 anos, viúva, reformada por invalidez [prestou declarações em 05-mai.-2015 as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 10:10 horas – termo 10:42 horas)].
— S…, 43 anos, técnico de satélites, demandante civil prestou declarações na qualidade de demandante em 05-mai.-2015, filho da assistente e do ofendido, as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 10:44 horas – termo 11:09 horas).
— F…, 40 anos, técnico de frio, demandante civil, filho da assistente e do ofendido prestou declarações na qualidade de demandante em 05-mai.-2015, as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 11:10 horas – termo 11:26 horas).
— V…., 38 anos, funcionária pública, demandante filha da assistente e do ofendido (prestou declarações na qualidade de demandante em 05-mai.-2015, as quais se mostram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 11:27 horas – termo 11:45 horas).
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A aludida viúva L… bem como os referidos três filhos do ofendido José ... (S…; F…; V…) mereceram credibilidade para o Tribunal a quo, expressando o tribunal na decisão impugnada «Numa apreciação preliminar geral importa desde já referir que o Tribunal percecionou que, não obstante a natural emoção sentida pela viúva e filhos do ofendido José ..., todos depuseram de uma forma clara e objetiva, marcada pela sinceridade. Não se lhes viu animosidade para com os arguidos …»
 Não encontra este Tribunal ad quem razão válida para retirar a credibilidade conferida pelo Tribunal a quo, nem prova se mostra feita que imponha entendimento contrário.
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Emerge da globalidade das declarações da assistente/ demandante L…, e das declarações dos referidos demandantes S…; F…; e V… objeto de gravação e que este tribunal ouviu na íntegra e pesou devidamente que:
— L… e os seus filhos S…; F…; e V… recordaram em audiência de discussão e julgamento o modo como o J… veio a Lisboa fazer a operação ao joelho e os acontecimentos posteriores.
Narraram ao Tribunal a quo as vicissitudes decorrentes subsequentes à operação.
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Desatacam-se aqui as declarações de L…, viúva/assistente/demandante que esclareceu:
— Que o seu marido J… após a operação à noite [16 para 17-mar.-2009] lhe enviou diversas mensagens, afirmando estar cheio de dores e ninguém lhe dar importância no Hospital.
— Que o ofendido J… era uma pessoa trabalhadora, empenhada e sua amiga, bem como dos filhos e dos netos.
— Que chegou a comprar canas de pesca pequenas para que os netos o acompanhassem na pesca desportiva, o que sucedeu por diversas vezes.
— Que José ... auferia uma pensão de cerca de €300,00 completada com o valor que recebia dos biscates que ia fazendo, bem como do pescado que vendia.
— Que antes da operação ocorrida em 16-mar.-2009, J… se dedicava de forma empenhada, à pesca desportiva, tendo ganho diversos troféus.
— Que quando o tempo era propício J… pescava pelo menos duas vezes por semana.
— Que o produto da pesca era dividido com a família e os amigos, sendo também vendido.
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Flui da globalidade das declarações dos demandantes S…; F…; V…, que todos eles narram a dedicação do ofendido J…, seu pai, à sua família e o gosto que tinha em passar tempo com os netos.
Todos estes demandantes confirmaram que antes da operação J… se dedicava de forma empenhada, à pesca desportiva, tendo ganho diversos troféus. E quanto o tempo era favorável pescava pelo menos duas vezes por semana. Que o produto da pesca era dividido com a família e os amigos, sendo também vendido
Todos os demandantes S…; F…; e V… lembraram em Juízo a amizade do pai, a sua alegria e o modo como se dedicava à família e aos netos. Todas as declarações se apresentam espontâneas e emotivas.
Neste particular, bem demonstrativa da dedicação do ofendido J… à sua família são os factos revelados pela sua filha V… respeitantes à compra da sua casa (apoiando-a como fiador e nas reparações) e também no apoio prestado no dia-a-dia.
Todas essas declarações autorizam este Tribunal ad quem a assentar que o ofendido J… tinha autênticos laços de afeto com a sua família.
Esses laços tornam verosímil o alegado e por isso mesmo bem foi considerado provado pelo Tribunal a quo:
— As vezes que os filhos o vieram ver ( J…) a Lisboa após a operação e sofrimento de cada um deles ao ver que o seu pai estava limitado a uma cadeira de rodas, não tornando a andar pelo seu próprio pé ou a ter autonomia para se dedicar às tarefas quotidianas.
— A tristeza e revolta do ofendido J… ao perceber que a sua situação de paraplegia não ia mudar, mas também o sofrimento de toda a família.
— Que as deslocações a Lisboa dos vários membros da família eram custeadas pelos próprios (gasolina, portagens e alimentação).
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No que tange ao pedido civil, no que a este aspeto releva foram ouvidas as testemunhas:
J…R…; J…O…: L… I…; R…F…; J…C… e C.. C….
— J…R…, 62 anos, aposentado da PSP, amigo do ofendido há mais de 15/20 anos (prestou o seu depoimento em 05-mai.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 11:46 horas – termo 11:54 horas).
— J…O…, 49 anos, pedreiro, amigo do ofendido há mais de 20 anos (prestou o seu depoimento em 05-mai.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 11:55 horas – termo 12:01 horas).
— L… I…, 45 anos, empresário (prestou o seu depoimento em 05-mai.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:01 horas – termo 12:06 horas).
— R…F…, 39 anos, técnico de frio (prestou o seu depoimento em 05-mai.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:29 horas – termo 12:34 horas).
— J…C…, 35 anos, empregado de mesa, (prestou o seu depoimento em 05-mai.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:35 horas – termo 12:42 horas).
— C…C…, 65 anos, desempregado, (prestou o seu depoimento em 05-mai.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:44 horas – termo 12:51 horas).
Todas estas testemunhas revelaram conhecimento da matéria de facto a que depuseram respondendo com isenção e de forma convincente no sentido apurado pelo Tribunal a quo.
Brota da globalidade do depoimento de todas estas testemunhas, no que aqui releva:
 — Que todas elas confirmaram, no essencial, que o ofendido J… era uma pessoa alegre, próxima da família e ativa.
— Que J… apesar de reformado fazia pequenos trabalhos de reparação ou biscates remunerados. Sem que, contudo, as referidas testemunhas soubessem precisar a regularidade com que tais trabalhos eram efetuados, nem quanto era auferido mensalmente a esse título.
— Que J… tinha gosto pela pesca desportiva.
— Que antes da operação de 16-mar.-2009, J… pescava pelo menos duas vezes por semana.
— Que o produto da pesca excedia as necessidades do seu agregado familiar e era em parte vendido por J….
Não se mostrando possível apurar a regularidade com que se fazia tal venda ou proventos auferidos.
Todas as referidas testemunhas aclararam:
— Que depois da operação a vida e ânimo de J… mudou totalmente.
— Mostrava-se triste e desconsolado com a situação de paraplegia decorrente da situação.
— Deixou de fazer biscates e não tornou a dedicar-se à pesca.
— Mostrava-se choroso e não queria sair de casa.
*

Das declarações de todas estas testemunhas confirma-se o modo como toda a situação foi vivida pela viúva L… e pelos filhos S…; F…; e V….
Emerge da globalidade do depoimento de todas estas testemunhas que as mesmas conheciam o núcleo familiar de J…, mulher L… e os já acima aludidos filhos.
Todas as referidas testemunhas depuseram forma detalhada e desinteressada confirmaram a tristeza e cansaço da mulher do ofendido J… por ver o marido em tal situação.
Esclareceram que em consequência da paraplegia o ofendido J…passou a usar fraldas e algalia. Passou o mesmo a ser incapaz de se ocupar da sua higiene diária.
Como salta aos olhos de qualquer mortal, dúvidas não existem de que à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, não podemos deixar de concluir, como efetivamente concluímos no sentido de que realmente tal situação foi percebida pelo ofendido J… como humilhante. Sendo certo que se traduzia igualmente num esforço acrescido de sua mulher L… para o apoiar, contando com o apoio dos filhos e de um ou outro amigo que frequentava a casa.
Todas as aludidas testemunhas confirmaram ainda o incómodo sentido por J… com a cicatriz que lhe ficou da operação feita para remover o hematoma epidural.
***

TESTEMUNHA A…P
A…P…, médico ortopedista, colega do arguido A… e seu antigo Diretor de Serviço de Ortopedia no Hospital de S… em Lisboa (prestou o seu depoimento em 12-mai.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 14:35 horas – termo 14:42 horas).
Flui da globalidade do depoimento da testemunha A…P… com relevo o seguinte:
— Que o mesmo trabalhou com o arguido tendo total confiança nele como médico (verbalizou mesmo que se precisasse de ser operado a um joelho o escolheria a ele para o operar).
— Realçou as suas qualidades humanas. Destacando a sua boa relação com os doentes.
***

F…M… E  L….M...
F…M… e L…M… prestaram esclarecimento adicionais aos seus Pareceres Médicos juntos, respetivamente, a fls. 408-410 e 414-417 dos autos (os seus esclarecimentos prestados em 12-mai.-2015, mostram-se gravados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 14:44 horas – termo 15:21 horas).
F…M… (especialista em ortopedia e traumatologia) é o subscritor do parecer médico junto a fls. 408-410 dos autos – vol. 2.
L…Morgado (Consultor de Ortopedia – cirurgia da coluna - Hospital S… é – “….Seguros - UCS –(…) Air Portugal – Clínica C…– Belém) é o autor do parecer junto a fls. 414-417 dos autos – vol. 2.
No que a este aspeto concerne cabe desde já ter aqui presente que não obstante a diligência requerida ter sido de “inquirição de peritos” a realidade é que, no âmbito dos presentes autos nem F… M…, nem P…M… assumem tal qualidade.
Na verdade, nenhum deles elaborou um efetivo estudo do caso maxime o que consta de fls. 170-172 dos autos (vol. 1.º) que é o parecer técnico-científico do INML aprovado por unanimidade pelo respetivo Conselho em 24-mar.-2011 (cf. fls. 169 dos autos – vol. 1.º).
Cabe aqui frisar que da globalidade das declarações de F…M… e L…M… (valoradas pelo Tribunal como prova testemunhal e em complemento dos relatórios subscritos por cada um) emerge com meridiana clareza que os mesmos não tinham conhecimento direto dos factos.
Na verdade, se bem vemos, por uma banda não viram o doente J…, nem antes, nem depois da operação em discussão nestes autos ocorrida em 16-mar.-2009. Por outra banda, não tiveram os mesmos acesso direto ao historial clínico do paciente J….
Na realidade, como ambos acabam por admitir elaboraram cada um o seu parecer médico com base naquilo que o arguido António ... lhes transmitiu quando lhes pediu a respetiva elaboração. Sendo certo que os memos foram juntos aos autos como documentos aquando do requerimento de abertura de instrução do arguido/recorrente A… (documento 1 (fls. 408-410 dos autos – vol. 2.º) e documento 3 (fls. 414-417 dos autos – vol. 2.º).
Quer F…M…, quer P…M… informaram serem ortopedistas, o primeiro também traumatologista e o segundo cirurgião da coluna.
F…M… admitiu ser amigo do arguido/recorrente.
Neste particular o Tribunal a quo não conferiu especial relevo aos pareceres elaborados, tendo em atenção a falta de conhecimento direto e a ausência de indicação de formação académica posterior que possa conferir aos pareceres um peso acrescido face à demais documentação clínica junta aos autos.
Igualmente este Tribunal ad quem, não vislumbra razão com força legal bastante para tal.
E na verdade, com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que o parecer subscrito por P…M… se revela parcial e marcado mesmo por uma feição subjetivista.
Para tal constatar é suficiente atentar no que aí se expressa: «Não existe atualmente no mundo profissão mais regulamentada do que a Medicina e o seu exercício é um dos mais perigosos sob o ponto de vista legal»; «Por analogia ouvimos por vezes relatos de situações de guerra que são mais tarde avaliadas e julgadas num qualquer gabinete administrativo, longe do teatro de combate e do contexto de stress e muitas vezes por alguém que tampouco cumpriu o serviço militar!!!”«o próprio J… e a sua família tinham a noção de que era um doente de risco para qualquer intervenção cirúrgica pelo que com toda a clareza ponderaram bem antes de aceitarem a referida cirurgia; muito mais não se tratando de uma patologia que colocasse a vida em perigo. É uma questão óbvia do senso comum, tal como tomar os comprimidos com água…»
*

O Tribunal a quo teve ainda em atenção, e a nosso ver bem, o teor da consulta técnico-científica elaborada INML e que consta de fls. 170-173.
Na verdade, da mesma resulta que as medidas tomadas antes da cirurgia para prevenir a ocorrência de problemas foram as adequadas [resposta ao ponto C)] e que a anestesia epidural é uma das opções possíveis para a realização deste tipo de operação [resposta D].
Por sua vez, importa ter aqui bem presente o que ali se mostra escrito quanto ao momento em que foi tomada a decisão de proceder à remoção do hematoma epidural e consequências para o doente J….
Aí se expressou:
«Tais medidas eram adequadas para o efeito? Foram tomadas a tempo?
«As medidas tomadas foram adequadas para o efeito.
«Contudo, não foram tomadas no devido tempo, pois logo após as primeiras queixas de limitação dos movimentos e alterações da sensibilidade dos membros inferiores dever-se-ia ter colocado a possibilidade daquele diagnóstico realizado com a máxima urgência os exames necessários para o seu esclarecimento e procedido à respetiva intervenção cirúrgica pois o tempo decorrente até esse tratamento é vital para reduzir as lesões neurológicas permanentes.»
«Algum dos clínicos que interveio nas cirurgias em causa designadamente o anestesista A…M… violou as leges artis? De que maneira?
«Em relação ao médico anestesista este terá saído do hospital antes das queixas do doente se terem manifestado e terá deixado um contacto telefónico para o caso de haver alguma complicação contacto esse que não foi utilizado. Estando o doente internado com as apropriadas condições de vigilância, não se pode considerar que tenha havido da sua qualquer violação dos leges artis.»
«Já no que respeita ao ou aos médicos que foram informados dos sintomas logo após o seu início estes deveriam ter colocado a hipótese de hematoma epidural e procedido ao esclarecimento imediato dessa hipótese, por exemplo, através da realização de uma TAC, pois, quanto mais tempo decorre até ao tratamento maior a probabilidade de lesões neurológicas permanentes. O facto deste exame apenas ter sido solicitado no dia seguinte pode ser considerado uma violação das leges artis.»
Na convicção do Tribunal a quo assumiu relevo, e a nosso ver bem, o teor de fls. 620 que espelha o resumo de enfermagem do dia 16-mar.-2009 relativo à pessoa de J…, assumindo particular interesse as notas de M…C… e L… C…, enfermeiras no turno da tarde e da noite desse dia e que foram ouvidas em audiência como testemunhas.
M…C…, 32 anos, enfermeira (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 12:27 horas – termo 12:50 horas); e
L…C…, 33 anos, enfermeira, (prestou o seu depoimento em 28-abr.-2015, o qual se mostra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal a quo (início 17:08 horas – termo 17:24 horas).
A enfermeira aqui testemunha M…C… escreveu pelas 16:00 horas que o doente estava aparentemente calmo no início do turno mas com algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar, hemodinamicamente estável, eupneico. A partir das 17:00 começa a referir intensificação de dores que não reduziram com medicação anti-álgica ou medidas alternativas (massagem, elevar plano da cama, etc.) e concomitantemente espasmos musculares involuntários ao nível dos Mi’s. Mais escreve que «Feito o contacto com o Dr. A… que veio observar o doente e deu indicação para fazer levante e sentar no cadeirão com elevação do membro deixando informação que amanhã reinicia varfine na dosagem que fazia anteriormente juntamente com a toma diária de enoxaparina e depois de amanhã fica a fazer apenas o seu varfine. Fez o que foi indicado surtindo ligeiro efeito para a dor ao nível dos espasmos a situação intensificou-se. Contactado o Dr. A.O. que deu indicação telefónica para fazer diapazen 5 mg PO e se não surtir efeito chamar médico de banco. Por não haver melhoria chama-se médico. Aguarda-se observação.» Termina aqui o registo da Enfermeira M…C….
Por sua vez, já no turno da noite pelas 23h00 a enfermeira e aqui testemunha L… C… escreveu «Doente vem vm da Dra. A…[a aqui arguida M…]  no início do turno, diluído 1 f de midazolam em 5 cc de SF e administrado 2 cc com algum efeito. Cerca das Oh doente a referir sensação de retenção urinária com globo vesical. Feita tentativa de levante mas o doente apresenta diminuição de forma muscular nos MI. Feita a tentativa de algaliação sem sucesso. Por indicação do Dr. A…[o aqui arguido A…] contactado o urologista (Dr. F…) que veio observar o doente e fez colocação do cistocatéter que ficou permeável, urina hemática. Soro em vpp. Doente acabou por adormecer cerca das 3h, tendo dormido por períodos curtos, no final do turno mantém-se diminuição da força muscular no MI, mantém a sensibilidade».
*

O arguido/recorrente A… juntou aos autos literatura médica. Procedendo-se à sua leitura facilmente se vislumbra que a mesma traduz documentação genérica que como bem realça a decisão impugnada não pode ser seguida de “forma acrítica e desprendida do contexto do caso concreto pelo Tribunal”
Na verdade, se bem vemos, para além de linhas orientadoras é sempre indispensável examinar o doente em si mesmo, optando-se então pela anestesia mais adequada ao caso, isso mesmo emerge da globalidade do depoimento da testemunha anestesista A… M….
No que tange as antecedentes criminais dos arguidos/recorrentes decorreram dos seus CRC.
As condições pessoais emergem das suas declarações que mereceram credibilidade por parte do Tribunal a quo face ao modo espontâneo e detalhado como foram prestadas, não se mostrando aqui minimamente postas em crise.

Quanto aos factos não provados expressou-se na decisão impugnada: «Os factos não provados decorrem da falta de elementos que permitam concluir em sentido diverso nos termos que já acima foram escalpelizados.»
***

Desde já cabe aqui expressar que, com o devido respeito por opinião em contrário, que antagonicamente ao alegado na contestação pelo ora arguido/recorrente A… não pode concluir-se, sem mais, que a causa da paraplegia foi a anestesia epidural.
Tal não se provou da forma singela constante dos arts. 27. 28. e não é isso que  retiramos dos elementos da consulta técnico científica constante dos autos.
Na verdade, se bem vemos o que daí resulta, e nestes autos se demonstrou, é que a anestesia epidural pode provocar um hematoma epidural que se não for diagnosticado em tempo útil e removido pode levar à paraplegia.
Assim, no caso em apreço, na realidade, não foi efetivamente a anestesia epidural que causou a paraplegia de J…. Foi o atraso em diagnosticar o hematoma e esse atraso decorreu da desvalorização que cada um dos arguidos/recorrentes A… e M… fez da situação do ofendido J…, não dando resposta à sua evolução.
No que respeita ao alegado sobre o tempo durante o qual a cirurgia para remoção deve ser levada a cabo (entre 36h a 48h) trata-se não de um facto, mas de uma estimativa.
Logicamente, ela tem de ser conjugada com regras que mais que leges artis são de experiência comum: diagnosticado um problema clínico, por regra, quanto mais depressa o mesmo for debelado menores danos serão sofridos pelo paciente. “De onde se retira que se o hematoma tivesse sido diagnosticado mais cedo o doente [J…] poderia não ter ficado paraplégico ou ter sofrido essa patologia de forma menos gravosa ou eventualmente reversível (ainda que com limitações)”, como bem se expressa na decisão recorrida [cf. fls. 1221 dos autos (fls. 25 da decisão recorrida)].
***

RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Aduz o arguido/recorrente António ... que os pontos 8., 9., 12., 13., 21., 25., 27., 28., 29. e 30. da matéria de facto provada foram incorretamente julgados e deveriam ter sido considerados não provados.
Mais sustenta que o ponto 8. está em contradição com o ponto 90., igualmente dos factos provados.
Por sua vez, a arguida M… impugnou os seguintes pontos da matéria de facto provada: 14., 15., 25., 27., 28., 29., e 30..
Antes de mais, relembremos o que se mostra expresso nos aludidos factos impugnados que se apresentam plasmados na decisão impugnada:
(…)
“8. Algumas horas depois, o doente queixou-se de fortes dores na coluna, e de formigueiro nos membros inferiores, registando uma diminuição da força muscular destes.»
«9.   M…C…, Enfermeira que estava então de turno, contactou telefonicamente o arguido, pondo-o a par da situação.
(…)
«12. Posteriormente, foi contactado telefonicamente, sendo informado que os sintomas do doente se mantinham.»
«13. Determinou que o doente fosse visto pela Urgência, não determinando que, de imediato, lhe fosse efetuada uma T.A.C..»
«14. O doente foi visto, nessa noite cerca das 23h, pela arguida, a qual estava, nessa altura, na Urgência.»
«15. A referida médica contactou telefonicamente um médico Anestesiologista R… solicitando a sua opinião sobre a situação do doente.
(…)
«21. O arguido não determinou a realização de nenhuma T.A.C. e informou o A…M… da situação.
(…)
«25. Em consequência do atraso na realização dos exames imagiológicos, do consequente diagnóstico e da cirurgia que se lhe seguiu, o doente ficou paralisado dos membros inferiores, não tendo recuperado o uso dos mesmos até 9 de setembro de 2009, data em que veio a falecer.
(…)
«27. Os arguidos deveriam, logo que tomaram conhecimento dos sintomas do doente e no caso da arguida de que este tinha sido sujeito a anestesia epidural, terem colocado a hipótese de um hematoma epidural e procedido ao esclarecimento imediato dessa hipótese, através da determinação e realização de exames de imagem.
«28. Todavia, e apesar de estarem cientes de que o atraso no diagnóstico e na realização do tratamento que se revelasse necessário aumentava a probabilidade de lesões neurológicas permanentes, não determinaram a realização de quaisquer exames imagiológicos.
«29. Foi da inobservância desses deveres, que constituíam a boa prática clínica, e que os arguidos poderiam e deveriam cumprir, que resultou para o doente uma situação de paraplegia irreversível.
«30. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida por lei e tinham liberdade para se motivar de acordo com esse conhecimento».
***

Com o devido respeito por opinião em contrário, pesando a globalidade da prova para os autos carreada, nos termos que acima apontados ficaram, examinada no tribunal a quo em sede de audiência de discussão e julgamento e sujeita ao contraditório da mesma (prova documental e pericial junta aos autos e à prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento), salvo o devido respeito por opinião em contrário, não têm razão os arguidos/recorrentes nem a seguradora recorrente nas críticas que fazem à decisão impugnada.
Para além do que acima deixámos expresso importa nesta sede acrescentar o seguinte:
A narrativa do arguido A… não se mostrou com força bastante para convencer o Tribunal de 1.ª instância, nem este Tribunal ad quem porquanto, além de ter sido contrariada pela demais prova produzida (testemunhal, documental e pericial) indicada na acusação e constante dos autos e especialmente indicada na decisão impugnada e já acima indicada e esmiuçada, espelha na sua verdadeira essência um ensaio de auto desculpabilização, pretendendo debilitar a importância da sua intervenção nos factos.
Na verdade, como flui do que já acima exprimimos, se bem vemos o arguido / recorrente A… manifesta em sede de audiência de discussão e julgamento a sua dificuldade em assumir que era o chefe da equipa e o cirurgião responsável pela operação e quem, afinal, deu alta ao ofendido J…. E isso mesmo bem vislumbrou o Tribunal a quo e disso dá notícia na decisão impugnada (cf. fls. 15-16 da decisão recorrida – fls. 1211 e 1212 dos autos – vol. 5.º).
Por sua vez, este arguido/recorrente para além de procurar eximir-se à sua responsabilidade pela prática dos factos, não se mostrou capaz de esclarecer pontos fundamentais dos factos com que foi confrontado, nomeadamente sobre quem devia acompanhar o ofendido J… nas horas subsequentes à cirurgia, como também é realçado na decisão impugnada.
Na realidade, a defesa do arguido/recorrente A… assentou, por uma banda, na imputação da responsabilidade dos factos ao Senhor anestesiologista A…M…, considerando que o hematoma epidural (e consequente paraplegia) do ofendido resultou do uso, por aquele médico anestesiologista, da anestesia epidural durante a meniscectomia parcial artroscópia a que o ofendido foi sujeito no Hospital C… S…, em Lisboa, em 16-mar.-2009.
Contudo, o que ficou evidenciado – e é o que forma a parte essencial e constitui o objeto dos presentes autos – os danos sofridos pelo ofendido José ... (designadamente a paraplegia), foram causados pelo atraso em diagnosticar o referido hematoma epidural, resultado da conduta dos arguidos/recorrentes, como bem salienta a decisão impugnada nomeadamente a fls. 25 (fls. 1221 dos autos – vol. 5.º).
Na verdade, é este o ponto capital em que se ancora a responsabilidade criminal assacada a cada um dos arguidos/recorrentes no âmbito destes autos.
Com o devido respeito por opinião em contrário, este Tribunal pesando a globalidade da prova para os autos carreada e produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento nos termos que acima discriminadamente apontámos, na esteira do que bem apontado ficou na decisão impugnada pelo Tribunal a quo, considera que era exigível mais dos arguidos/recorrentes no acompanhamento do paciente J….
Na verdade, se bem vemos, salta aos olhos de qualquer mortal, a diferença considerável existente entre a preparação da cirurgia e o que se passou no pós-operatório.
Na realidade, como emerge dos elementos clínicos juntos aos autos, o ofendido J… padecia de inúmeras patologias que exigiram um especial cuidado e até obrigaram um internamento três dias antes da cirurgia. Por outra banda, como brota das declarações do próprio arguido/recorrente A… e da testemunha A…M…, bem como da documentação clínica junta aos autos em apenso e ainda da consulta técnico-científica realizada pelo INML (cf. fls. 170 a 173), a cirurgia decorreu com normalidade – logo, sem quaisquer problemas na ministração da anestesia epidural –, o que determinou a passagem do paciente do recobro para a enfermaria – por o mesmo estar a recuperar os movimentos e, por isso, a recuperar da anestesia –, tendo sido no período pós-operatório que os problemas surgiram. Assim, com o devido respeito por opinião em contrário, nada nos autos possibilita deduzir ou conjeturar que a anestesia foi mal ministrada ou que foi uma má opção médica.
Por sua vez, o aludido anestesiologista A…M… saiu do hospital após a cirurgia e, embora tenha deixado os seus contactos (e de os mesmos estarem disponíveis no hospital), não mais foi contactado. Todavia, no dia seguinte, assim que tomou conhecimento da situação do ofendido J…, inteirou-se do caso e prestou apoio e esclarecimentos à família.
O que não sucedeu com o arguido/recorrente A…, que, apesar da insistência do Tribunal, não logrou explicar porque não acompanhou o ofendido J… e não prestou os esclarecimentos à respetiva família, conforme salientado na sentença impugnada (cf. fls. 16 — fls. 1212 dos autos vol. 5.º).
No que concerne ao “Guia prático (…)”, junto aos autos pelo arguido/recorrente A… na sessão de julgamento de 28-abr.-2015, mostra-se o mesmo corretamente interpretado e enquadrado, quer pelo Parecer do INML de fls. 1041/1042 e 1064/1065, quer pelo depoimento da testemunha A…M….
Afigura-se-nos que de ambos os elementos de prova se retira que se trata de orientações genéricas e, que apesar de deverem ser atendidas, não podem deixar de ser intimamente ligadas com o caso concreto, devendo o doente J… e o seu processo clínico ser visto como um todo.
Neste particular, cabe aqui ter presente que A…M…, quando confrontado com a existência deste elemento, mostrou-se seguro e categórico ao asseverar que, analisado o historial clínico do ofendido J…, a opção por este tipo de anestesia foi a mais correta (decorrente da avaliação que fez, tendo em conta o doente, as patologias associadas e todos os demais elementos clínicos de que dispunha).
É certo que o hematoma epidural pode ser uma decorrência (pese embora rara) deste tipo de anestesia, mas o que verdadeiramente nestes autos está em causa é o que foi ou não feito (e podia e deveria ter sido feito) para, face às queixas do ofendido J… e ao agravamento do seu estado no pós-operatório, excluir hipóteses e alcançar o diagnóstico do seu problema naquela altura.
E quanto a este quid no que a este aspeto concerne as notas de enfermagem – nomeadamente a fls. 620 – são elucidativas. Bem mais do que o depoimento das Senhoras enfermeiras – M…C… e L…C…, que assistiram o ofendido J… nos respetivos turnos – porquanto de pouco se recordavam quanto às circunstâncias concretas do caso, nomeadamente as queixas concretas do ofendido J…, bem como a evolução do respetivo estado.
Ora, da dissecação deste documento torna-se ... que os sintomas e as queixas do ofendido J… se foram agravando e intensificando. E, apesar da intervenção dos arguidos/recorrentes, o estado do ofendido J… não melhorou ao longo das horas. Apesar disso, a persistência e agravamento dos sintomas e das queixas – que não foram sendo debelados – não fez com que os arguidos/recorrentes aprofundassem ou alterassem as suas intervenções terapêuticas, sendo certo que, se inicialmente, era aceitável pressupor que as dores e queixas sentidas pelo ofendido estivessem relacionados com os incómodos inerente à cirurgia, essa hipótese perdeu validade à medida que as horas passaram e a situação se agravou.
Na verdade, como asseverou A…M…, não é normal um doente recuperar dos efeitos da anestesia epidural, recuperando movimentos e sensibilidade e perdê-los novamente.
Ora, é inegável que o acontecimento hematoma epidural, pela sua rara ocorrência, exige um diagnóstico diferencial. Contudo, sendo uma situação rara, está estudada e é tratada em literatura científica. Mas, se bem vemos, para se chegar ao aludido diagnóstico diferencial há que ir rejeitando outros diagnósticos e não de modo simples aguardar que a situação se resolva, deixando o paciente J… à sua sorte.
Na verdade, se bem vemos, com o devido respeito por opinião em contrário, se uma terapêutica não resulta e as queixas se mantém ou se agravam ou se se alteram para outros efeitos, exige-se ao médico – principalmente sendo o responsável pela cirurgia – que faça tudo que estiver ao seu alcance e for tecnicamente possível para perceber a verdadeira origem do problema, formulando e sucessivamente excluindo hipóteses de diagnóstico.
Ora, com o devido respeito por opinião em contrário, parece-nos que isto não ocorreu no presente caso, dado que o ofendido J… acabou por ser sedado, o que não resolveu o problema, tão-somente protelou a situação, impedindo-o de se queixar com mais veemência (“O doente acabou por adormecer cerca das 3 H, tendo dormido por períodos curtos. No final do turno mantém diminuição da força muscular no MI, mantém sensibilidade” – cf. fls. 620).
Assim, este Tribunal ad quem pesando a globalidade da prova produzida e analisada conjuntamente, e aprova concretamente indicada pelo arguido/recorrente A… conclui que a prova por este indicada pese embora possibilite entendimento diverso do seguido pelo Tribunal a quo, não impõe entendimento diverso, razão pela qual este Tribunal conclui no sentido de que não poderia ser outra a decisão quanto à matéria de facto provada, nomeadamente no que respeita aos pontos impugnados pelo arguido/recorrente A…, aqui os mantendo integralmente como provados, nos precisos termos que se mostram plasmados na decisão recorrida e que acima se mostram descritos.
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E o mesmo expressamos, mutatis mutandis, quanto à atuação da pessoa da arguida/recorrente M….
Cabe aqui recordar que a mesma, se encontrava na urgência naquela noite de 16-mar.-2009, foi chamada para observar o ofendido J… a pedido do arguido A…. E nessa sua intervenção limitou-se a “ter passado os olhos” pelos elementos clínicos que estavam junto ao ofendido J…, revelando total desconhecimento da situação global daquele paciente, designadamente as patologias associadas, que motivaram o seu internamento cerca de três dias antes da cirurgia. Socorreu-se, apressadamente, da ajuda da testemunha R…S…, anestesiologista que se encontrava no mesmo hospital mas numa cirurgia demorada e deu a sua opinião, pelo telefone, baseado unicamente nos escassos elementos fornecidos pela arguida M…. Bastou-se assim a arguida M… com a sua intervenção superficial, com o fundamento de ter de regressar às urgências – sem fundamentar objetivamente essa pressa – e não solicitou que fosse informada da evolução do estado do ofendido J….
Ora, analisado o Diário de Enfermagem de fls. 620, é possível constatar que a arguida/recorrente M… se limitou a ministrar ao ofendido J… um relaxante muscular.
Asseverou a arguida/recorrente M… que, mesmo que determinasse a realização da TAC, tal não seria possível àquela hora da noite, por ter de ser necessário chamar os técnicos responsáveis de casa.
Esta narrativa mostra-se integralmente contrariada pela testemunha J…C…, que de forma perentória asseverou que, mesmo em 2009, já era possível realizar a TAC àquela hora no hospital C…S….
Quanto a este aspeto cabe aqui ter presente que, pese embora com algum custo, a arguida/recorrente M… quando perguntada pela Senhora Juíza Presidente do Tribunal singular acabou por admitir que, não sendo caso habitual, sempre seria possível transferir o ofendido J… para outro hospital – eventualmente público – no caso de incapacidade ou insuficiência de resposta por parte daquela unidade hospitalar privada.
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Apesar do que já acima dito ficou, vejamos mais minuciosamente, os pontos da matéria de facto impugnados pelos arguidos/recorrentes:
É certo e consabido que a não prova de um facto não prova o contrário, tudo se passando como facto não provado nem sequer tivesse sido alegado, passando assim para fora da cidadela jurídica, sendo em suma, um facto inexistente.
In casu, com o devido respeito por opinião em contrário, não vemos qualquer contradição entre os pontos 8. e 90., dos factos provados, na medida em que ambos dão conta da evolução da situação do paciente, sendo que a perda de sensibilidade e de força muscular foi progressiva. A perda efetiva dos movimentos não se apurou quando ocorreu ao certo, uma vez que, mercê da sucessão de medicação – incluindo sedação – dada ao ofendido J…, só foi detetada no dia seguinte (17-mar.-2009) pela testemunha J…C….
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Os pontos 8., 9. e 12. mostram-se confirmados pelas declarações do próprio arguido/recorrente A…, e pelo Resumo de Enfermagem de fls. 620.
O mesmo se diga quanto aos pontos 13. e 21..
Na verdade, se bem vemos, é um dado objetivo que o arguido A… – como o próprio asseverou – não mandou realizar qualquer TAC.
Ora, as considerações tecidas sobre esta omissão são apreciações jurídicas, de valoração da conduta do arguido A… e que se prendem naturalmente com o preenchimento do tipo legal de crime que lhe é imputado. Contudo, em sede de materialidade fáctica, a não realização da TAC por parte do arguido/recorrente não merece qualquer objeção em termos probatórios.
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No que tange aos pontos 14. e 15. dos factos provados – impugnados pela arguida / recorrente M… –, os mesmos mostram-se  inteiramente demonstrados quer pelas declarações da própria arguida/recorrente, quer ainda pelo teor do aludido documento de enfermagem de fls. 620 e ainda pela globalidade do depoimento da testemunha R… C…, que revelando conhecimento da matéria de facto a que depôs respondeu com isenção e de forma convincente no sentido apurado [que depôs de forma segura e detalhada na sessão de julgamento de 28-abr.-2015 (00:00 min. até 20:01 min.)].
A testemunha R…C… narrou ainda em sede de audiência de discussão e julgamento que a arguida/recorrente M… lhe deu conta que o ofendido J… estava irrequieto, a andar de um lado para o outro – facto que a arguida/recorrente não relatou ao Tribunal –, após ter sido submetido a cirurgia durante a manhã (do dia 16-mar.-2009). Mais asseverou que se tratou de um telefonema rápido, não lhe tendo a arguida/recorrente M… transmitido qualquer especificidade quanto às patologias associadas ao ofendido J…, pelo que, do que lhe foi relatado pela arguida/recorrente, nada fez suscitar qualquer preocupação por parte da testemunha R… C… que a levasse a aconselhar a observação do paciente por parte dos médicos que fizeram a cirurgia.
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Para impugnar os pontos 25., 27. e 28. os arguidos/recorrentes lançam mão, essencialmente dos pareceres de fls. 408-410 e 414-417, subscritos respetivamente por F… M… e L…M…, a quem os arguidos / recorrentes insistem em chamar de “peritos”.
Na verdade, tais médicos ortopedistas assumiram nestes autos a qualidade de testemunhas e os respetivos pareceres foram naturalmente apreciados, como qualquer outro elemento de prova, de harmonia com o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal.
No que concerne a estes documentos e depoimentos prestados por estas testemunhas, com a devida vénia, por se mostrar acertada, subscrevemos inteiramente a apreciação feita pelo Tribunal a quo e plasmada na decisão recorrida (cf. fls. 21-22 da decisão recorrida – fls. 1217-1218 dos autos – vol. 5.º). 
Na verdade, se bem vemos, estes dois médicos F…M… e L…M… não tinham conhecimento direto dos factos, tendo elaborado os respetivos pareceres com base no que o arguido A…O… lhes transmitiu. Sempre se dizendo que, com o devido respeito por opinião em contrário, os pareceres elaborados estão eivados de considerações subjetivas e conclusivas, sem ter em conta o caso concreto, maxime as queixas e a evolução do estado do ofendido J… no pós-operatório.
Na verdade, a credibilidade das testemunhas “peritos” F…M… e L…M… depende não tanto das suas pessoas ou do que eles dizem, como dos maiores ou menores critérios de verdade que apresenta a ciência ou a arte por eles professada, sendo certo que um juízo pericial deve ser o resultado dotado de observações feitas objetivamente. Contudo, com o devido respeito por opinião em contrário, não podem partir de um pressuposto de facto, dando, desse modo, por demonstrado aquilo que devia demonstrar-se.
In casu, verdadeiramente a única prova pericial junta aos autos foi a elaborada pelo INML (fls. 170-172, 574-575, 1064-1065), na medida em que é aquele organismo que dá garantias de isenção e objetividade em matérias de especificidade técnica, cuja apreciação exige conhecimentos científicos específicos.
No que a este aspeto concerne prescreve o art. 159.º do Código de Processo Penal:
«1 — As perícias médico-legais e forenses que se insiram nas atribuições do Instituto Nacional de Medicina Legal são realizadas pelas delegações deste e pelos gabinetes médico-legais.
2 — Excecionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias referidas no número anterior podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto. (…)»
Sendo certo e sabido que a intervenção dos peritos se faz de forma precisa, segundo questões concretas que lhe são postas pelo requerente da perícia, isto é, segundo a regra dos quesitos a que os peritos respondem.
E igualmente cabe aqui ter presente o art. 163.º do mesmo Corpo de leis, que dispõe:
«1 — O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume -se subtraído à livre apreciação do julgador.
2 — Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”.
Ora, no caso em apreço, tal meio de prova não se mostra impugnado por qualquer um dos sujeitos processuais, sendo certo que nem sequer requereram ao Tribunal que o perito fosse convocado para prestar esclarecimentos nos termos do disposto no art. 158.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Na verdade, quando o relatório pericial não for suficientemente esclarecedor, podem os peritos ser convocados para esclarecer, ordenar-se nova perícia ou perícia complementar, a cargo dos mesmos ou outros peritos.
Deste modo, só após os eventuais esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito, poderiam os arguidos / recorrentes impugnar a perícia e, dessa forma, concluir pela necessidade de realização de nova perícia ou a renovação de perícia anterior, nos termos do disposto no art. 158.º n.º 1 do Código de Processo Penal. Todavia, tal diligência teria de revelar-se com interesse para a descoberta da verdade, o que implica necessariamente que sejam invocadas fundadamente as razões de discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, convencendo o Tribunal da indispensabilidade da realização da nova diligência para descoberta e apuramento da verdade material, suprindo ou corrigindo uma eventual inexatidão dos resultados da primeira perícia. O que in casu, não foi feito nos autos.
Assim sendo, como na realidade é, não podem os arguidos/recorrentes almejar obter tais efeitos processuais com a invocação dos referidos pareceres de fls. 408-410 e 414-417 e os depoimentos dos respetivos subscritores.
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Quanto ao ponto 29. dos factos provados, ao contrário do alegado pelos arguidos/recorrentes, o Tribunal a quo não concluiu que a paraplegia resultou da falta de realização da TAC, mas antes que não foram prestados todos os cuidados necessários ao estado do ofendido J… e exigíveis ao arguido A… e à arguida M…  no sentido de ser alcançado um diagnóstico correto. Na medida em que, no caso em apreço, a obrigação do médico se apresenta como uma obrigação de meios e não de resultado, como bem se aponta na decisão impugnada (cf. fls. 33 da decisão recorrida — fls. 1229 dos autos – vol. 5.º).
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Quanto ao ponto 30., o mesmo espelha a conclusão lógica a retirar dos factos provados, pois trata-se do elemento subjetivo das condutas dos arguidos / recorrentes, que, no caso em concreto, não adotaram um comportamento ajustado à boa prática médica.
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Cabe aqui realçar que, para além das declarações dos arguidos/recorrentes A…, e das testemunhas supra referidas (cujas transcrições se refletem em grande medida de ambas as alegações de recurso), o depoimento da testemunha J… C…, analisado na sua globalidade (sessão de julgamento de 28-abr.-2014, 00:00 min. até 21:22 min.), mereceu inteira credibilidade ao Tribunal a quo, por ter sido seguro, isento e objetivo, não vislumbrando este Tribunal qualquer razão para lhe retirar a credibilidade conferida pelo Tribunal a quo.
Na verdade, foi esta testemunha J…C… que, por volta das 13:40h/14:00h do dia 17-mar.-2009 foi ver o doente J… S… e constatou que estava paraplégico. De resto, o mesmo asseverou “percebi logo o que tinha acontecido”, por isso, pediu uma TAC (era o mais indicado para o caso, mais do que uma Ressonância Magnética) e, após ter o resultado deste exame (cerca de 30 minutos depois), chamou o neurocirurgião. De facto, J…C… assegurou “não larguei o doente até ele ser visto pelo neurocirurgião”, devido à situação gravíssima em que o ofendido José ... se encontrava. E quando tomou estas medidas, a testemunha J…C… não estava na presença do arguido A…, nem da testemunha A…M…. Só após ter tido acesso ao resultado da TAC é que contactou o arguido A….
A testemunha J…C… esclareceu ainda que se o doente J… ainda mexesse as pernas talvez não considerasse logo o diagnóstico de hematoma epidural. Contudo, também verbalizou que continuaria a procurar outras causas, por exemplo metabólicas. O que nenhum dos arguidos / recorrentes fez.
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Da motivação da matéria de facto acima transcrita e do que acima já dito ficou facilmente se enxerga que o Tribunal a quo apreciou criticamente as provas produzidas, revelando a decisão impugnada que a fundamentação da matéria de facto segue um processo racional e lógico e que, contrariamente ao apontado pelos recorrentes não se mostra passível de censura.
Com efeito, o Tribunal a quo expressou de forma sintética que formou a sua convicção com base nos elementos acima transcritos e apontados discriminadamente na decisão impugnada.
Desta exposição pormenorizada feita pelo Tribunal a quo que se mostra plasmada na decisão impugnada, facilmente se vislumbra por uma banda, que apontados ficaram no que tange à matéria de facto os fundamentos da convicção e por outra, que pela natureza das provas produzidas e dos meios intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum, permite compreender a racionalidade e a não arbitrariedade da convicção sobre os factos apreciados e os meios de prova que suportam a decisão em causa.
In casu cumpre ter presente que a prova produzida que deve ser apreciada e valorada na sua totalidade e não sobre cada uma delas em particular. Isto é cabe apreciar as provas não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas.
Por sua vez, é o(a) juiz(a) de 1.ª instância quem de forma direta e “imediata” pode observar, as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e as testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações.
É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa fé, incorrem em observações distintas.
A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
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Assim, pelo que dito fica, da globalidade da prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e Julgamento, das declarações dos aludidos arguidos e testemunhas, das provas documentais e periciais acima discriminadamente referidas, concluímos no sentido de que a decisão impugnada não padece de qualquer erro de julgamento.
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Cabe aqui deixar expresso que não houve, por parte do Tribunal a quo, qualquer valoração proibida de provas que não tivesse sido possível examinar em audiência. (cf. art. 355.º do Código de Processo Penal).
Ora, como já acima deixámos explícito o ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção, e a liberdade de convicção aproxima-se da intimidade assente em verdade prático jurídica, nem tudo sendo suscetível de ser passado para o papel, daí que cumpra aceitar o afirmado pelo tribunal a quo.
Porém, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra.
In casu, de uma leitura da decisão impugnada facilmente se vislumbra que nela se mostra apontada, de forma clara, não só o processo de formação da convicção da julgadora, como também a razão por que foi atribuída especial credibilidade a determinados meios de prova, em detrimento de outros, assim se mostrando observados os requisitos da sentença a que se reporta o art. 374.º do Código de Processo Penal.
Por sua vez, conjugando o texto da decisão impugnada com as regras da experiência comum, não se deteta qualquer omissão na afinação da matéria de facto essencial para uma decisão de direito, vício esse que, como é sabido, nada tem que ver com a possível insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.
De igual forma, da leitura da decisão impugnada não se deteta nem contradição nem qualquer erro manifesto, de tal modo ... que não passe inobservado ao comum dos ao homem de formação média.
Cabe aqui relembrar que não espelha qualquer erro notório o facto de o tribunal ter dado credibilidade a determinados depoimentos e/ou meios de prova produzidos, em detrimento de outros, tanto mais que aqueles se encontravam harmonicamente suportadas por outros elementos de prova que, como vimos, foram apontados na fundamentação e brotam dos documentos há muito para os autos carreados e sujeitos ao contraditório (da audiência de discussão e julgamento).
Por sua vez, noutra ótica cabe ter presente que com base no princípio do in dubio pro reo, em sede probatória tem de ser sempre valorado o non liquet a favor dos arguidos.
Contudo, isso impõe-se apenas quando esse non liquet existe!
In casu o Tribunal recorrido quanto aos arguidos/ recorrentes não chegou a qualquer estado de dúvida que justificasse a intervenção do apontado princípio.
Deste modo, concluímos que as provas não impunham, em juízo de certeza e sem margem para quaisquer dúvidas, outra apreciação e decisão, pelo que a matéria de facto apurada e acima fixada não merece qualquer reparo.
Por outro lado, se bem vemos, a censura feita pelos arguidos/recorrentes da decisão da matéria de facto ancora-se na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra.
Ora, uma vez que tal análise da prova teve por base a imediação, sendo elaborado um juízo objetivável e racional, inexiste fundamento válido para proceder à sua alteração uma vez que verificado não está que o Tribunal a quo tenha incorrido em erro de julgamento.
Cabe aqui recordar que as provas são apreciadas não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor e sentido que assumem no complexo articulado de todas elas.
Não existindo in casu prova legal ou tarifada, o tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (cf. o aludido art. 127.º do Código de Processo Penal).
Na verdade, não se deve confundir uma discordância incidente sobre o conteúdo do julgamento de facto com qualquer dos vícios da previsão das alíneas a), b) e c) o n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal. A impugnação não poderá incidir sobre a formulação da convicção do Tribunal quando como acontece no caso em apreço é realizada à luz de critérios de razoabilidade, bom senso, experiência comum e factos notórios, sendo a mesma suficientemente clara e precisa nos seus fundamentos.
Pelo que face a tudo que apontado fica entendemos que o Tribunal de 1.ª instância não levou a efeito uma errada apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
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Face ao que dito fica a decisão impugnada quanto à matéria de facto não merece qualquer reparo.
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O princípio in dubio pro reo, à luz do princípio da investigação apenas deve ser entendido no sentido de que não devem ser julgados provados os factos relevantes para a decisão que, apesar da prova recolhida, não possam ser subtraídos a dúvida razoável.
Tal princípio só é desrespeitado quando o Tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidiu em tal situação contra os arguidos.
Verificamos assim que, a violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que num estado de dúvida insanável, o tribunal opte por decidir de forma desfavorável aos arguidos.
Como é sabido, este princípio tem aplicação no domínio da apreciação da prova, refletindo-se nos contornos da decisão de facto. Assim, não se descortinando quais das versões apresentadas é verdadeira, chegando uma situação de não prova dos factos, por contradição insanável da prova produzida, cumpre valorar a versão fáctica que mais beneficia a arguida.
In casu da leitura integral da decisão recorrida resulta que, na sua fundamentação, o Tribunal quanto aos arguidos/recorrentes não manifesta dúvidas sobre a ocorrência dos factos e de quem foram os seus autores.
A prova produzida corroborou a materialidade fáctica imputada aos arguidos / recorrentes.
Verificamos, assim, que, quanto aos arguidos/recorrentes a dúvida não resultou da prova produzida, nem, razão com força legal bastante existe para ter permanecido no espírito da julgadora em relação a qualquer facto fundamental, ficando amplamente provada toda a materialidade fáctica relevante.
Ora, mesmo quando tal posição é expressamente tomada, não basta a mera contradição ou negação da factualidade que consubstancia o ilícito para que se recorra ao princípio do in dubio pro reo. Pelo contrário, necessário se torna que exista dúvida insanável e irremovível, o que in casu, face à prova produzida, não se verificou.
Na verdade, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável aos arguidos/recorrentes, mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given).
Por sua vez, cabe expressar com Cruz Bucho, na esteira do que já há muito tempo decidido foi pelo Tribunal Supremo de Espanha, que tal princípio "não estabelece os pressupostos ou condições em que os juízes podem ou devem duvidar mas tão-somente como devem proceder em caso de dúvida insanável" ([60]).
Daí que, não resultando do texto da decisão recorrida que a 1.ª instância tenha ficado em estado de dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto relevante (nomeadamente que integrasse qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa) e que nesse estado de dúvida tenha decidido contra os arguidos/recorrentes, nem que face à globalidade da prova produzida devesse ter ficado na dúvida positiva, racional sobre factos relevantes, que ilida a certeza contrária, ou por outras palavras impeça a convicção do Tribunal, naufraga este segmento do recurso dos arguidos / recorrentes.
Ao decidir como decidiu, não se alcança que o Tribunal a quo tenha valorado contra os arguidos/recorrentes, qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o Tribunal recorrido, que no que tange à pessoa do arguidos / recorrentes quanto a ao que aqui releva não teve dúvidas, devesse efetivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo, daí que não se mostre violado este princípio.
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A “C…Seguros SA” na sua motivação recursória em sede de matéria de facto, aduz em suma, o seguinte:
— A forma como o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto não permite esclarecer quais os testemunhos, documentos e relatórios periciais que o Tribunal valorou para dar como assentes uma ou outra versão dos factos [Cls. II];
— A prova produzida deveria ter sido valorada diversamente [Cls. IV];
— O ponto 8 da matéria de facto deverá ter-se por impugnado, dele resultando apenas que “algumas horas depois, o doente apresentou queixas inespecíficas, agitação psicomotora e algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar” [Cls. VI];
— Nos pontos 25 e 27 a 20 da matéria de facto supra elencados, utiliza-se um conceito - o conceito de atraso ou atraso no diagnóstico e na realização do tratamento - que não tem qualquer referencial fáctico [Cls. VII];
— Quanto ao ponto 29, (“um atraso no diagnóstico”) a prova produzida não permite considerar que, perante os sintomas de que padecia o paciente, os arguidos tinham o dever jurídico de considerar aquele diagnóstico [Cls. X];
— No ponto 8 da matéria de facto refere-se a existência de formigueiros nos membros inferiores e diminuição da força muscular (a ausência de mobilidade e a insensibilidade dos membros inferiores, quando uma e outra coisas são realidades bem diversas [Cls. XII];
— Deve ter-se por provado que, perante um doente tivesse com mobilidade, sensibilidade, não é de colocar, de acordo com a boa prática médica e o contexto do paciente, o diagnóstico diferencial de hematoma epidural [Cls. XIV];
— Quanto aos artigos 8 e 9 dos factos dados como Não provados, o tribunal não poderia ter deixado de ater-se ao documento junto em audiência [Cls. XV];
— Quanto ao ponto 10 da matéria de facto, o Tribunal não poderia ter deixado de valorar (negativamente) o depoimento do Dr. S…M… bem como o diário clínico, dando assim como provado que "No dia em que foi anestesiado sob anestesia epidural o doente estava sob efeito de 2 anticoagulantes sendo que qualquer um deles só por si conduzia a um elevado risco de hematoma epidural e ocorrendo a associação dos dois anticoagulantes potenciava o risco;» [Cls. XVI].

Com o devido respeito por opinião em contrário, basta uma leitura integral da decisão impugnada para facilmente se vislumbrar a sem razão das teses argumentativas expendidas pela recorrente/seguradora quanto a este segmento atinente à impugnação da matéria de facto.
Na verdade, tendo o Tribunal enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando os aspetos essenciais do seu conteúdo, e por consequência, o modo como formou o juízo de veracidade, cumpriu quantum satis, com o dever de fundamentação contido no art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ([61]), inexistindo qualquer falta de análise crítica.
Por sua vez, a não prova de um facto não prova o contrário tudo se passando como se esse facto não provado nem sequer tivesse sido alegado.
A tudo isto acresce que a prova indicada pela recorrente/seguradora pese embora possibilite entendimento diverso do seguido pelo Tribunal a quo e que se mostra plasmado na decisão recorrida, o certo é que não impõe entendimento diverso, razão pela qual este Tribunal não pode considerar como provados:
— Quanto ao ponto 8. «algumas horas depois, o doente apresentou queixas inespecíficas, agitação psicomotora e algumas queixas álgicas ao nível da coluna lombar”;
— O referencial fáctico para o atraso (cf. pontos 25 e 27 29);
Que a prova produzida não permite considerar que, perante os sintomas de que padecia o paciente, os arguidos tinham o dever jurídico de considerar [Quanto ao ponto 29, (“um atraso no diagnóstico”];
— Que se de deva ter por provado que, perante um doente tivesse com mobilidade, sensibilidade, não é de colocar, de acordo com a boa prática médica e o contexto do paciente, o diagnóstico diferencial de hematoma epidural;
 — Que quanto aos pontos 8. e 9. dos factos dados como não provados, o Tribunal tivesse que atender ao documento junto em audiência de discussão e julgamento.
— Que quanto ao ponto 10 da matéria de facto, o Tribunal tivesse que valorar negativamente o depoimento do Dr. S…M… bem como o diário clínico, dando assim como provado que "No dia em que foi anestesiado sob anestesia epidural o doente estava sob efeito de 2 anticoagulantes sendo que qualquer um deles só por si conduzia a um elevado risco de hematoma epidural e ocorrendo a associação dos dois anticoagulantes potenciava o risco.”
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Por tudo que acima exposto fica, aqui mantemos os factos provados e não provados que o Tribunal a quo fixou na decisão impugnada e acima transcritos.
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DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 379.º, N.º 1, AL. A) E 374.º, N.º 2 DO CPP OU VÍCIO DE CONTRADIÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO PREVISTO, DE ACORDO COM O ART. 410.º, N.º 2, AL. B) DO CPP (NO QUE RESPEITA AO PONTO 26. DOS FACTOS PROVADOS).
Para além do que já acima foi apontado e decidido quanto à inexistência de qualquer dos vícios da previsão das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal, diremos em síntese o seguinte:
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada não sofre do vício de falta de fundamentação ou qualquer contradição no que respeita ao ponto 26. dos factos provados.
 Na verdade, basta uma leitura integral da sentença recorrida para facilmente se enxergar que, a existir qualquer contradição, o que aqui não se aceita e só por mera hipótese de raciocínio aqui se trata, a mesma surge como “contradição” aparente, de que a arguida/recorrente lança mão levando a efeito, com o devido respeito por opinião em contrário, uma leitura simplista da fundamentação plasmada na decisão impugnada.
Com efeito, é um facto, que o hematoma epidural foi uma consequência da anestesia epidural ministrada ao ofendido J… na cirurgia.
Contudo, não pode com isso querer exprimir-se que a anestesia foi mal ministrada ou que ocorreu qualquer falha ou erro por parte do anestesiologista – a testemunha A…M…. Quanto este aspeto, já o Ministério Público, em despacho final, e a Senhora Juíza de Instrução Criminal, em sede de instrução, se pronunciaram, bem como a sentença recorrida, no sentido de concluírem que inexistem quaisquer indícios que permitam assacar qualquer responsabilidade ao referido médico anestesiologista. De resto, no mesmo sentido se pronunciou o INML.
Na verdade, se bem vemos, trata-se de uma falsa questão que não corresponde verdadeiramente ao objeto dos presentes autos, uma vez que, o que verdadeiramente aqui está em causa são os danos decorrentes – nomeadamente a paraplegia do ofendido J… — da falta de diagnóstico atempado por parte dos arguidos A… e M….
É certo que o hematoma epidural tem como pressuposto prévio e necessário uma anestesia epidural, uma vez que outro tipo de anestesia não poderá ter este tipo de efeito, desde logo por que não implica a inserção de qualquer cateter ou agulha nos espaços entre as vértebras da coluna vertebral, como acontece com este procedimento cirúrgico.
Contudo, no caso em apreço, a falta de diagnóstico diferencial é que é imputada aos arguidos A… e M…, pelo que, com o devido respeito por opinião em contrário, a arguida M… não poderá fazer este salto lógico nas premissas que estão na base da responsabilidade penal que lhe foi imputada, bem como ao arguido A….
Consideramos, pois, que a decisão recorrida se mostra suficientemente fundamentada não padecendo de qualquer contradição, o que aqui se declara.
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DOS VÍCIOS PREVISTOS NO ART. 410.º, N.º 2, ALS. A), B) E C) DO CPP
A arguida/recorrente M… invoca de forma vaga e genérica, que a sentença recorrida incorreu nos vícios previstos no art. 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Contudo, com o devido respeito por opinião em contrário, a arguida parece confundir os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal com a mera divergência com a convicção do tribunal sobre a prova produzida em sede de julgamento e a respetiva posição tomada quanto aos factos, questões que se enquadram no âmbito do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art. 127.º do Código de Processo Penal.
In casu, como já acima referimos, examinando minuciosamente o teor da decisão impugnada, verifica-se que não ocorre qualquer erro de apreciação de prova ou qualquer outro vício elencado no n.º 2 do art. 410.º, Código de Processo Penal.
Na verdade, se bem vemos, os fundamentos expendidos na decisão impugnada quanto à fundamentação de facto [cf. de fls. 1210-1222 (fls. 14-26 da decisão recorrida) dos autos – vol. 5.º], já acima transcritos, com os quais este Tribunal ad quem, pesando devidamente a globalidade da prova produzida, pelas razões acima aduzidas, concorda na íntegra e para os quais remetemos, tiveram por base, não só toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, como os demais elementos — nomeadamente documentais e periciais – juntos aos autos.
Por sua vez, cabe aqui ter presente que a decisão recorrida se orientou pelos princípios da descoberta da verdade material e da investigação (art. 340.º do Código de Processo Penal), não se vislumbrando por isso qualquer um dos apontados vícios, o que aqui se declara.
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DA FALTA DE EXAME CRÍTICO DAS PROVAS QUE SERVIRAM PARA FORMAR A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL, EM VIOLAÇÃO DO ART. 374.º, N.º 2 DO CPP.
Alega ainda a arguida/recorrente M… que a sentença violou o art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Com o devido respeito por posição contrária, não vislumbramos qualquer violação por parte da sentença impugnada deste normativo, como já acima dito ficou.
Na verdade, na decisão recorrida procedeu-se a um exame crítico da prova, não só aí se indicando os concretos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, mas também apontando-se os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência de discussão e julgamento.
Na realidade, da simples leitura da fundamentação da decisão impugnada facilmente se vislumbra que a mesma seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto e não se apresenta de forma alguma arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência comum, apresentando coerência intrínseca.
In casu, com o devido respeito por opinião em contrário, a sentença impugnada deu cumprimento integral aos requisitos de fundamentação previstos no citado art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, bem como respeitou a estrutura lógica que este normativo impõe.
Assim sendo, como na realidade é, a decisão recorrida cumpriu todos os requisitos – de estrutura e de conteúdo –, previstos no art. 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, no que respeita à respetiva fundamentação, o que aqui se declara.
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DA QUESTÃO DE DIREITO
É sabido que o ato médico é constituído pela atividade médica de diagnóstico, prognóstico e prescrição, e execução de medidas terapêuticas, relativa à saúde das pessoas, grupos ou comunidades, em conformidade com a Ética e a Deontologia Médicas.
É também consabido que o pós-operatório é fundamental para se definir a eventual responsabilidade do médico por eventos danosos. O acompanhamento da evolução do paciente submetido a ato cirúrgico, a supervisão de seu quadro clínico, muitas vezes relegada a segundo plano, tem ocasionado mortes ofensa à integridade física ou sequelas importantes. Não se podendo olvidar que o período posterior à cirurgia, onde o paciente está fragilizado, é fundamental para a sua recuperação.
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A responsabilidade penal dos médicos deriva da prática de um crime, determinando a aplicação de uma pena ao agente infrator, existindo neste caso regras específicas que disciplinam os atos médicos, maxime, o art. 150.º do Código Penal.
Com expressa Sónia Fidalgo “Entre os diversos profissionais estabelece-se uma teia complexa de relações e o âmbito de atuação do princípio da confiança dependerá da posição que cada profissional assume na equipa médica. Só delimitando o âmbito de atuação deste princípio será possível determinar até que ponto cada profissional deverá ter em conta uma falta de cuidado do outro membro da equipa e, correlativamente delimitar os deveres de cuidado de cada um.” ([62]).
Nos tempos que correm o ato médico, deixou de ser indivisível, e passa a ser composto por uma série de intervenções complementares efetuadas por pessoal médico capaz de analisar e avaliar uma série de dados cada vez mais precisos sobre o paciente, e a atividade médica é desenvolvida, na sua maioria, no âmbito de uma equipa de saúde.

LEGES ARTIS
O médico enquanto profissional de saúde no exercício da sua atividade labuta com os bens jurídicos mais relevantes do nosso ordenamento jurídico, sendo eles, a vida e a integridade física do paciente.
Assim, se o médico atuar negligentemente – violando o dever objetivo de cuidado – e dessa atuação resultar a lesão da vida ou saúde do paciente, o mesmo será punido por ofensa à integridade física negligente (cf. art. 148.º Código Penal), ou por homicídio negligente (art. 137.º Código Penal).
Contudo, o Código Penal confere um tratamento privilegiado às intervenções clínicas através do seu art. 150.º, que estabelece que as intervenções e tratamentos clínicos não constituem, em princípio, ofensas à integridade física.
O art. 150.º do Código Penal, no que ora releva, exclui a responsabilidade penal do médico por lesões da integridade física ou pela morte do doente, desde que se cumpram os seus pressupostos. O fundamento deste preceito é a valoração social diferenciada da atividade dos profissionais de saúde, maxime dos médicos.
No que respeita aos seus pressupostos, temos de considerar dois de ordem objetiva e dois de natureza subjetiva.
No campo dos pressupostos subjetivos, exige-se a qualificação profissional do agente que tem de ser médico, ou outra pessoa legalmente autorizada. Além disso, ele tem de atuar com intenção curativa, em sentido amplo (“com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença…” [cf. art. 150.º do Código Penal], em que a pessoa que sofre a ingerência na sua esfera jurídica tem de ser o beneficiário. A intenção curativa, do ponto de vista subjetivo, traduz o oposto do dolo de homicídio ou de ofensas corporais. Esta é uma das razões da previsão legal do art. 150.º do Código Penal.
Mas igualmente se têm de reunir dois pressupostos objetivos: terá que existir uma indicação médica para o tratamento, ou seja, este tem de se revelar indicado, o que significa que, de acordo com um raciocínio abstrato, deve apresentar maior hipótese de benefícios do que de desvantagens. Contudo, não estamos aqui perante uma ponderação matemática, mas sim perante um cálculo de razoabilidade e é necessário que a atuação do profissional de saúde tenha tido lugar segundo as leges artis, isto é, de acordo com as regras generalizadamente reconhecidas da ciência médica.
Questão relevante para a compreensão da responsabilidade médica é saber em que se traduz o conceito de leges artis.
O médico as mais das vezes não poderá assumir uma obrigação de resultado ([63]), ou seja de curar o doente, mas deve sim, assumir um compromisso em que se compromete empenhar o seu melhor esforço para atingir o objetivo, não se comprometendo a atingi-lo, tendo em conta as suas capacidades e técnicas para tratar o doente. As leges artis configuram-se como um conjunto de “normas e obrigações profissionais, bem como das regras de conduta aplicáveis ao caso concreto” ([64]), a que um médico se encontra vinculado.
Pese embora não exista um conceito unitário de leges artis, este pode ser delineado como sendo um conjunto de regras científicas e técnicas que o médico tem a obrigação de conhecer e utilizar tendo em conta o estado da ciência e o estado concreto do doente. Trata-se de um critério valorativo de um ato clínico praticado por um médico ([65]). Nas palavras de Gomes Rodrigues as leges artis são “um complexo de regras e princípios profissionais, acatados genericamente pela ciência médica, num determinado momento histórico, para casos semelhantes, ajustáveis, todavia, às concretas situações individuais” ([66]).
Estes princípios e regras resultam de normas de orientação clínica, do Código Deontológico, de pareceres de comissões de ética, de protocolos, guidelines, livros e revistas especializadas.
Estando preenchidos todos estes requisitos aquando da intervenção do médico, ela não pode ser considerada um crime contra a integridade física ou contra a vida do doente, uma vez que o médico atuou de acordo com os conhecimentos técnicos e científicos, fazendo tudo o que estava ao seu alcance para tentar minorar a dor ou salvar o doente, indicando o tratamento considerado idóneo para a situação, ainda que, contudo, não obtenha sucesso ([67]).
O art. 150.º do Código Penal não se refere ao consentimento do doente para a realização da intervenção médica, levando a concluir que a falta do mesmo não constitui crime de ofensa à integridade física, mas um crime de intervenção arbitrária, de acordo com o art. 156.º do Código Penal ([68]).
Não é tarefa fácil a do julgador quando se deparar com situações como a dos presentes autos em que tem de formular um juízo decisório sobre se aquela intervenção ou tratamento está, ou não, abrangida pelas leges artis, ou se foi cometida com dolo ou negligência, ofendendo o corpo ou a saúde do paciente.

ERRO EM MEDICINA
O erro é uma das causas mais relevantes de lesão física na atividade médica.
É sabido que os erros resultam na sua imensa maioria, não de um ato isolado, mas de uma sucessão de incidentes, tornando-se extremamente importante saber quem errou, onde errou, como errou e qual o resultado que esse erro produziu na vida do doente.
Por sua vez, devemos distinguir entre erro involuntário e erro culposo. No primeiro, não existe a intenção de causar mal ao doente, faltando a “intenção”, o que existe é uma falta de cuidado como expressa Figueiredo Dias “ (…) a atualização na consciência psicológica ou intencional no momento da ação” ([69]), que aquela intervenção ou tratamento, resultaram prejudiciais para saúde ou vida do paciente. No segundo, o erro surge porque não se atua de forma a evitar um resultado prejudicial, neste sentido, ainda refere o decano dos penalistas portugueses “ (…) que tenha ocorrido a violação, por parte do agente, de um dever de cuidado que sobre ele impende e que conduziu à produção do resultado típico; e, consequentemente, o resultado fosse previsível e evitável para o homem prudente…” ([70]), de não atuar de acordo com as leges artis, uma voluntariedade que agravará o resultado.
Cabem nos erros culposos, a imperícia, em que o médico não está preparado, fazendo mal o que devia fazer de acordo com as normas de conduta ou guidelines; a imprudência, em que o profissional de saúde resolve fazer muito mais do que as normas impõe; e a negligência, que reflete uma clara violação das leges artis.
Quanto ao erro involuntário, temos o erro do qual advém um resultado incontrolável um resultado adverso e resultados imprevisíveis ou imponderados. Se o médico tiver cumprido as regras a que a sua atuação está sujeita, terá cometido um “erro honesto” (“…devendo a sua ocorrência ser desculpabilizada, o que não impede contudo o necessário culto da responsabilização e de prevenção que desencoraje a sua ocorrência…”) ([71]), se o médico não cumprir as regras terá cometido uma violação do dever objetivo de cuidado.
No que tange aos erros de conhecimento, estes ocorrem quando o médico se apercebe de que surgiu um problema e que os métodos existentes para o solucionar não se afiguram capazes de uma resposta imediata. Urge então, encontrar uma nova solução, um novo método, capaz de dar uma resposta em tempo útil ao problema detetado, o que não sucede de forma satisfatória.
 Neste campo são fundamentais a experiência e a os conhecimentos do médico, bem como o tempo disponível para ponderar e deliberar sobre qual o processo a eleger para solucionar o problema.
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DEVER DE CUIDADO – A SUA VIOLAÇÃO NO ÂMBITO DA MEDICINA
Não se ignorando que existe a possibilidade de uma intervenção dolosa por parte de um profissional de saúde, o certo é que, no que aqui releva a lesão da integridade física do paciente ocorrerá, por princípio, de forma negligente.
Nos casos em que ocorre uma violação destes bens jurídicos, esta não é de alguma forma voluntária, mas produz-se porque o seu autor médico(s) não atua(m) diligentemente.
Como expressa Figueiredo Dias, “Dolo e negligência têm pois, deste ponto de vista, de ser considerados como entidades que em si e por si mesmas exprimem ou revelam diferentes conteúdos materiais da culpa, cada um com o seu significado e os seus critérios próprios” ([72])
O crime negligente ocorre quando o agente assume uma conduta violadora do dever objetivo de cuidado, que estava obrigado a observar, conduzindo esta a um resultado desfavorável perfeitamente previsível e evitável. Por sua vez, será o desvalor do resultado que concluirá objetivamente a finalidade da norma e decidirá a medida de cuidado devido ([73]).
Para Roxin, a questão essencial na verificação da negligência está em saber se o agente potenciou ou não um risco permitido, ou violou um dever de cuidado e, se desta violação, ocorreu um resultado típico. Afirmando “…comprove-se então se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorreta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação como risco permitido. Se assim for, existe uma violação do dever que se integra na tipicidade e dever-se-á punir a título negligente. Se não houver aumento do risco, o agente não poderá ser responsabilizado pelo resultado…” ([74]), depreendendo-se, então, que a violação do dever de cuidado é um conceito pouco eficaz, podendo ser prescindido.
Faria Costa admite que “O Direito penal encontra a sua razão de ser e o seu fundamento, (…), na dimensão onto-antropológica de uma relação de cuidado-de-perigo. O que faz com que a ilicitude penal material se manifeste na perversão ou rutura daquela precisa relação de cuidado-de-perigo. Ora este quadro dá-nos a indicação de que a comunidade politicamente organizada só se sente na necessidade de intervir penalmente quando a repercussão socialmente relevante – que varia, é óbvio, conforme aos momentos históricos – do rompimento da relação de cuidado-de-perigo é tida como insustentável. Para além de que aquele desvalor só é apreendido socialmente, em linha máxima, se refletir ou consubstanciar em um desvalor de resultado” ([75]).
No que concerne à culpa negligente, esta materializa-se numa censura dirigida ao comportamento do agente, pela sua atitude de desleixo ou descuido perante a norma penal. O agente atuará com culpa negligente quando viola o dever objetivo de cuidado que devia observar, não afastando o resultado desfavorável, apesar de o ter previsto (ou não, nos casos de negligência inconsciente). Nesta linha de pensamento vai Figueiredo Dias, quando refere “…ela surge quando no facto se exprime uma atitude interna de descuido ou leviandade perante o Direito e suas normas” ([76]).
Questão discutida no campo de ação do crime negligente, e para a qual ainda não se avistou harmonia consensual, é a de saber se o critério a utilizar no tipo de ilícito negligente será o “critério-padrão” do homem-médio, ou se, porventura, se deve ter em atenção as capacidades pessoais do agente, de acordo com a situação em concreto. Este quid assume especial relevância no exercício da medicina em equipa, maxime com intervenção sucessiva de vários médicos.
Importa saber se para evitar uma eventual responsabilidade penal por factos negligentes, o médico deve atuar tendo em conta as exigências mínimas de caráter geral, ou se, possuindo capacidades acima da média, deve utilizá-las sempre de acordo com o contexto em que se insere.
Neste campo a generalidade da doutrina considera o critério objetivo, tendo como critério-padrão o conceito de “homem médio”, ou na expressão de Taipa de Carvalho o critério do “homem consciente e cuidadoso” do setor da atividade a que pertence o agente, ou seja, do setor da atividade onde ocorreu o facto, considerado mais adequado que o tradicional ([77]).
No caso em apreço, será adotado o critério do “médico-médio” ou, do “médico medianamente zeloso e diligente”. Todavia, consideramos que ainda há que ter em conta os conhecimentos do agente, que podem ser abaixo, ou acima, da média.
No que tange às capacidades abaixo da média, estas não podem relevar para aferir o tipo de ilícito negligente, mas são relevantes para aferir a culpa negligente ([78]).
Nesta linha de pensamento afigura-se-nos que o médico atua com o cuidado que é esperado quando se conforma com o critério médio e padronizado de cuidado, mas a sua falta de conhecimentos ou capacidades pode permitir excluir a culpa, uma vez que somente se lhe pode exigir aquilo que de acordo com os seus conhecimentos pode realizar, tendo em conta as circunstâncias.
No que respeita às capacidades acima da média, devem assumir relevância no âmbito do ilícito negligente, tal como bem expressa Taipa de Carvalho, quando diz “…a não utilização das capacidades superiores à média relevam no sentido da afirmação do ilícito negligente (…),desde que, (…) se trate de conhecimentos ou técnicas cuja eficácia já foi comprovada, embora desconhecida da maioria dos agentes do respetivo setor de atividade” ([79]). Se o médico possui capacidades ou conhecimentos especiais superiores à média, terá de atuar com um cuidado acrescido, tendo em contas os conhecimentos que devia usar e não o fez. Quando não faz uso das faculdades que possui, integrará o tipo de ilícito negligente.
Paula Faria, por sua vez, considera que as capacidades do agente devem ser ponderadas no tipo de ilícito, não como capacidades excecionais, mas como condição necessária do conceito de exigibilidade social do comportamento do agente. Expressa esta penalista que “quando afirmam que, se, por princípio, basta o cumprimento da regra abstrata de cuidado que define o risco permitido para determinadas atividades, a definição última do que constitui uma violação do cuidado tipicamente relevante pertence ao direito penal, e será sempre tomada em função da valoração social das circunstâncias do caso concreto, onde se incluem os poderes e as aptidões do agente. Por exemplo, em relação à atividade médica, apenas se exige o cumprimento das leges artis, a obediência às competências próprias e estandardizadas da arte médica. Se, no entanto, no decurso de uma operação, surgem complicações cardíacas de certa gravidade, e o médico que se encontra de serviço é um reputado profissional na área, é evidente que se espera mais dele do que o pontual cumprimento das regras que o vinculam, devendo envidar todos os seus esforços no sentido do afastamento do perigo” ([80]).
Ou seja, não basta a observância de um cuidado médio abstrato, dependendo a negação ou afirmação do ilícito negligente de um juízo de “exigibilidade social” ([81]) tendo em consideração as capacidades do agente para impedir o resultado.
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VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDADO E O “ERRO MÉDICO”
Vejamos sucintamente a problemática que envolve a violação do dever de cuidado e o erro em medicina.
Lobrigando o erro na perspetiva do indivíduo que se pode traduzir em erros ou enganos cabe saber quando será este relevante para o direito penal.
Helena Moniz expressa que “erro relevante é apenas aquele que constitui uma conduta violadora das leges artis; constituindo a violação das leges artis um simples indício de uma possível conduta negligente” ([82]).
Existe um risco “tolerado” no exercício da medicina, devendo existir uma distinção entre o erro e a violação do dever de cuidado, tal como afirma Helena Moniz, que considera que “É esta a margem de risco que o direito penal aceita na atividade médica – o risco próprio inerente à atividade quando realizada de acordo com as leis da arte» ([83])
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A esta luz vejamos o caso dos autos.

DO PREENCHIMENTO DO TIPO LEGAL DO CRIME IMPUTADO AOS ARGUIDOS / RECORRENTES
Aduzem os arguidos/ recorrentes que não se verifica o preenchimento do crime de ofensas à integridade física graves por negligência que lhes é imputado.
Em apertada síntese, podemos afirmar que são os seguintes os elementos do tipo legal em causa nos autos:
(i)A violação do dever objetivo de cuidado e que era adequado a impedir o resultado típico (desvalor da ação);
(ii)A ocorrência do resultado típico em consequência da ação violadora do dever objetivo de cuidado (desvalor de resultado);
(iii)O elemento subjetivo (negligencia consciente ou inconsciente); e
(iv) A culpa.
No que tange ao primeiro elemento refere-se à previsibilidade objetiva do perigo para determinado bem jurídico. Esta previsibilidade não é absoluta, mas tem de ter em conta as características específicas do agente e as suas especiais habilitações e conhecimentos profissionais e científicos.
No que concerne ao segundo elemento refere-se ao nexo causal entre a conduta faltosa e o dano, uma vez que tem de existir entre a ação e o resultado uma relação de adequação, isto é, necessário se torna que o resultado possa ser objetivamente imputado à ação descuidadamente praticada ([84]).
Quanto ao elemento subjetivo, prende-se com a representação ou não da possibilidade de resultado.
Por sua vez, a culpa está relacionada com a previsibilidade subjetiva do perigo, isto é, o agente podia ter cumprido o dever objetivo de cuidado por ter representado ou pelo menos ter tido a possibilidade de representar os riscos da conduta que pratica. Assim, para que exista culpa negligente, com preenchimento do tipo-de-culpa, é necessário que o agente possa, de acordo com as suas capacidades pessoais, cumprir o dever de cuidado a que se encontra obrigado.
Para o Direito Penal releva apenas a punição do “erro médico” que seja uma violação de leges artis específicas ou de um dever de cuidado de conteúdo relativamente definido, aferidos, nomeadamente, por protocolos de diagnóstico e ou de terapêutica e ou de execução ou procedimentos médicos. Se todos os deveres e regras forem respeitados, então o resultado – risco – é permitido e por isso a conduta não é penalmente censurável.
Como expressava Eduardo Correia ([85]), “para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma ação (…) é necessário que, em abstrato, a ação seja idónea para causar o resultado; que o resultado seja uma consequência normal, típica, da ação. O processo lógico deve ser de prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade referido ao momento em que a ação se realiza, como se a produção do resultado não se tivesse ainda verificado, isto é, um juízo «ex ante». Este juízo deve ser feito segundo as regras de experiência normais e as circunstâncias concretas em geral conhecidas, nãos e devendo porém abstrair, para a sua determinação, das circunstâncias que o agente efetivamente conhecia”.
Por sua vez, o penalista alemão Roxin ([86]) quanto ao problema da imputação objetiva do resultado, expressa que é necessário proceder à seguinte análise: “(…) examine-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever, de acordo com os princípios do risco permitido; faça-se uma comparação entre ela e a forma de atuar do arguido e comprove-se então se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorreta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado, em comparação com o risco permitido. Se assim for, existe uma violação do dever que se integra na tipicidade e dever-se-á punir a título de crime negligente. Se não houver aumento do risco, a agente não poderá ser responsabilizado pelo resultado e consequentemente deve ser absolvido”.
Assim, é necessário determinar qual o cuidado específico que o arguido não cumpriu, que podia ter cumprido e era adequado a evitar o resultado.
Ora, é consabido que os deveres do cirurgião não se circunscrevem ao puro ato cirúrgico. Na verdade, se bem vemos, afigura-se-nos que após a intervenção, o cirurgião tem o dever de prevenir e controlar os perigos e os danos que possam advir como consequência da intervenção. Com efeito, pode ainda verificar-se um erro na fase pós-operatória nas situações em que, não cumprindo o seu dever de continuar a controlar o estado do paciente após a intervenção cirúrgica, o cirurgião abandona o paciente nas mãos de profissionais sem competência para fazer face a qualquer complicação que possa eventualmente surgir.
Parece-nos ser isso mesmo que aconteceu nos presentes autos com a conduta do arguido/recorrente A….
Como bem se expressa na decisão impugnada e é posição uniforme na jurisprudência dos nossos tribunais superiores o corrente na prática é o ato médico envolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunção de obrigação de meios.
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OBRIGAÇÃO DE MEIOS
Como é consabido, o médico, em princípio, assume uma obrigação de atividade, diligência e prudência, conforme o estado atual da ciência médica, sendo, por conseguinte, devedor de uma obrigação de meios, porquanto na sua atividade se encontra sempre presente um elemento aleatório, no sentido de que o resultado procurado não depende exclusivamente do seu proceder, mas também de outros fatores, endógenos e exógenos, alheios à sua atuação e que escapam ao seu controlo.
Na verdade, os médicos atuam sobre pessoas, com ou sem alterações na saúde, e a intervenção médica está sujeita, como todas, à componente aleatória própria da mesma.
O médico não garante, portanto, a cura do doente, mas sim o emprego das técnicas adequadas conforme o estado atual da ciência médica e as circunstâncias concorrentes em cada caso (das pessoas, do tempo e do lugar).
O compromisso sanador do médico continua a traduzir-se, numa obrigação de meios, não gerando direitos absolutos à saúde ou à regeneração corporal por meio de uma cirurgia.
Por mais perfeita que seja a assistência médica que se tenha prestado a um paciente, há uma multiplicidade de causas que podem determinar que uma intervenção cirúrgica fracasse, entre outras razões porque se está a atuar sobre um corpo vivo, cuja complexidade, e também fragilidade, é patente.
O médico assume uma obrigação de meios, e como tal compromete-se não só a usar as técnicas previstas para a patologia em questão, com recurso à ciência médica adequada a una boa praxis , mas também a aplicar tais técnicas com o cuidado e precisão exigível de acordo com as circunstancias e os riscos inerentes a cada intervenção.
Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar ([87]).
Por sua vez, como bem expressa Faria Costa ([88]), “As «leges artis» que a comunidade médica, ao longo dos séculos, sedimentou, não podem nem devem ser vistas e valoradas ao nível de uma mera regra de cuidado, por exemplo do direito rodoviário. As regras do cuidado cristalizadas nas «leges artis medicinae» sem dúvida que são, primariamente regras de cuidado, na medida em que visam acautelar e defender os bens jurídicos que a ordem penal considera relevantes – sendo à luz deste segmento de apreciação equivalentes às regras de cuidado mais simples do direito rodoviário ou ferroviário –, mas, para além disso, perfilam-se com uma densidade normativa que de modo algum pode ser ignorada, sob pena de, se assim se proceder, amputarmos uma parte substancial da realidade. Com efeito, as «leges artis» médicas visam, não só a manutenção ou a não diminuição dos bens jurídicos, como também prosseguem a finalidade de aumentarem esses mesmos bens jurídicos”.
Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues ([89]) afirma “Assim sendo, desde a anamnese, passando pelo diagnóstico, prognóstico e tratamento, aqui se incluindo a eventual fase da intervenção cirúrgica e do acompanhamento pós-operatório (controlo e follow-up subsequente ao ato cirúrgico), o médico deverá, de acordo com os conhecimentos atualizados da ciência médica, ponderar criteriosamente os riscos da sua atuação e omissão, para se decidir em conformidade com tal avaliação”.
In casu, como bem se expressa na perícia técnico-científica do INML (de fls. 170-173), era exigível aos arguidos/recorrentes A… e M…, após tomarem conhecimento das sucessivas queixas do ofendido J… e do agravamento do seu estado, fazerem mais do que fizeram, designadamente colocar a hipótese de hematoma epidural e procedido ao esclarecimento dessa hipótese, através da realização de uma TAC. E o facto de esse exame apenas ter sido solicitado no dia seguinte (17-mar.-2009 — e não pelos arguidos/recorrentes) pode ser considerado uma violação das leges artis.
Na verdade, se bem vemos, no caso em apreço do que se trata, afinal, e como já se procurou realçar, é da constatação de que os arguidos/recorrentes não demonstraram um comportamento verdadeiramente interessado em alcançar o diagnóstico correto, à medida que as queixas e o estado do ofendido J… se agravava, sem que as terapêuticas que lhe foram sendo ministradas ao longo da noite e madrugada surtissem efeito.
Ora, descobrir é aprender as causas que perturbam a nossa vida é, sem dúvida, diagnosticar.
O diagnóstico supõe identificar a enfermidade de que padece o paciente e reconhecer as peculiaridades derivadas de que cada homem enfermo é um indivíduo e uma pessoa ([90]).
Por sua vez, o diagnóstico para ser completo requer estabelecer e valorar o transtorno funcional, a localização e natureza da lesão, a patogenia e a etiologia, o mais específico de cada caso, fruto da condição de indivíduo e pessoa de cada paciente.
Para tal fim, a história clínica e a exploração física do paciente tem de ser completas e minuciosas, devendo complementar-se, no caso, com os exames especiais e provas de laboratório adequadas para proporcionar toda a informação necessária sobre a enfermidade que se estuda, para chegar a um diagnóstico de presunção.
O diagnóstico anatómico precede geralmente o diagnóstico etiológico. O passo intermédio é constituído pelo diagnóstico sindrómico, que se não revela habitualmente a causa precisa de uma doença, reduz ao menos o número de possibilidades.
O método clínico constitui uma atividade intelectual ordenada: do sintoma ao indício, do indício à síndrome e da síndrome à enfermidade.
Não obstante, por muito que a medicina tenha avançado nos tempos que correm, há que abandonar essa vã, absurda e ilusória presunção de querer converter em exata uma ciência que realmente o não é. O diagnóstico do médico não é infalível, pelo que deve ser sumamente cauto e prudente ao emitir a sua impressão diagnóstica, sustentando-a numa rigorosa análise das circunstâncias, provas e explorações praticadas, sem resgatar qualquer esforço para tal propósito, mas sem poder garantir a certeza e o êxito do mesmo.
Desta forma, nem todo diagnóstico equivocado resulta censurável e origina responsabilidade, já que não é juridicamente exigível o acerto do médico em todo caso, nem sempre é sancionável o erro científico, incorrendo somente em responsabilidade o médico que diagnostica equivocadamente por manifesta negligência ou ignorância face aos sintomas ou por não empregar oportunamente os meios técnicos e exames que ajudam a evitar os erros de apreciação, já que o médico tem o dever e a responsabilidade de manter atualizados os seus conhecimentos científicos e melhorar a sua capacidade profissional.
Para a exigência de responsabilidade por um diagnóstico erróneo ou equivocado, há de partir-se do ponto de saber se o médico realizou ou não todas as comprovações necessárias, atendendo ao estado da ciência médica no momento, para emitir o diagnóstico.
Realizadas todas as comprovações necessárias, só o diagnóstico que apresente um erro de notória gravidade ou conclusões absolutamente erróneas, pode servir de base para declarar a sua responsabilidade, de modo igual acontece no caso em que não se praticaram todas as comprovações ou exames exigidos ou exigíveis.
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In casu, resulta dos autos com a necessária clareza que as queixas do ofendido José ... foram desvalorizadas e insistentemente relacionadas com os incómodos inerentes àquela cirurgia. Desde logo, porquanto as intervenções de cada um dos arguidos / recorrentes no pós-operatório (quanto ao arguido/recorrente A…, às 20:00 horas e depois através de contacto telefónico por volta das 23:00 horas ainda do dia 16-mar.-2009 e pouco depois dessa hora, no que respeita à arguida M…) se revelaram pontuais e limitadas, não tendo qualquer um deles prosseguido um acompanhamento consistente e estruturado do ofendido J…, como os seus conhecimentos científicos e regras deontológicas impunham. Assim, v.g., não deram os arguidos/recorrentes qualquer orientação para voltarem a ser contactados pelas enfermeiras sobre a evolução do estado do paciente J…, no caso por exemplo de os sintomas e queixas persistirem, como na realidade ocorreu.
Na verdade, ao invés, por exemplo, bastou-se o arguido/recorrente A…, na sua intervenção por telefone, por volta das 23:00 horas, em solicitar a intervenção do médico que estivesse na urgência. E só no dia seguinte 17-mar.-2009 voltaria a ver o ofendido José ..., já após a intervenção de outros médicos (designadamente um urologista e o anestesiologista, a testemunha J…C…).
Neste aspeto, com o devido respeito por opinião em contrário, não tem valia a tese argumentativa expendida pelo arguido/recorrente, no sentido de que ainda que fosse feito atempadamente o diagnostico através de TAC as lesões neurológicas que vieram a afetar o ofendido J… não seriam seguramente evitadas.
Na verdade, igualmente quanto a este aspeto a perícia do INML é clara ao afirmar que quanto mais tempo decorre entre o diagnóstico e o tratamento, maior é a probabilidade de lesões neurológicas. E vai mais longe ao indicar que a remoção do hematoma deverá ocorrer num intervalo inferior de 6-8 horas (cf. fls. 1065 dos autos). E tanto assim é que, no caso dos autos, assim que J…C…determinou a realização da TAC e obteve o resultado desse exame contactou de imediato o neurocirurgião e foi logo determinada a realização de urgência de cirurgia para remoção do hematoma epidural. Por isso mesmo, as teorias avançadas pelo arguido/recorrente segundo as quais, por vezes pode ser melhor não operar ou não operar logo nas primeiras horas após o diagnóstico, não tem aqui cabimento, razão pela qual não podem ser nem são aceites.
Na verdade, tais considerações genéricas foram logo afastadas pelas circunstâncias do caso concreto, na medida em que nenhum destes médicos – J…C… ou o neurocirurgião que depois removeu o hematoma epidural do ofendido J… – ponderou essa hipótese de não realização da cirurgia ou de realização mais tardia.
A negligência que se imputa aos arguidos/recorrentes não está em não ter sido detetado o hematoma epidural, sem mais.
Logicamente, como flui do que acima dito ficou os médicos não têm poderes mágicos ou de adivinhos.
A questão fundamental está em que nem sequer foi encetado o caminho para obter esse diagnóstico. As queixas de J…... foram desvalorizadas e não foram objeto de um tratamento cuidado. O mesmo levaria a um diagnóstico diferenciado com a exclusão das várias possibilidades clínicas.
Ao invés, cada um dos médicos arguidos/recorrentes teve uma intervenção pontual e com tanto se bastou, confiando em que seria suficiente. Contudo, os seus conhecimentos científicos e regras deontológicas impunham maior cuidado. Na verdade, o paciente José ... sofria de diversas patologias, facto que era do conhecimento de António ... e que também seria do de M…, designadamente se tivesse lido atentamente o processo clínico do mesmo. A realidade é que efetivamente nenhum dos dois médicos prosseguiu o acompanhamento do ofendido J… após as respetivas intervenções, nem nenhum deu indicações às enfermeiras para que lhes transmitissem como é que o doente estava a evoluir ao longo da noite.
As queixas de dores nas pernas foram tratadas pelo arguido /recorrente A… como se tratasse de simples incómodos decorrentes de operação, sendo desvalorizados. Sendo referido em sede de audiência de discussão e julgamento e isso resulta da prova produzida que as lombalgias são sintomas frequentes de diversos tipos de doença e que podem ter significado clínico muito diverso. Ora, é exatamente essa multiplicidade de significados que quanto a nós impõe, em particular, num quadro como o dos presentes autos, uma maior cautela e não uma desvalorização, confiando em que o pior não irá acontecer. Sobretudo quanto aplicado um primeiro tratamento as queixas não só não desaparecem como antes se agudizam.
Neste particular cabe relembrar que o arguido/recorrente A… disse ao Tribunal que viu o doente pelas 20:00 horas. Perante as queixas do mesmo disse-lhe que poderia sentar-se no cadeirão para estar mais confortável. Foi contactado em casa pelas 23:00 horas pela enfermeira de serviço na enfermaria onde estava J… que lhe deu conta de que aquele estava queixoso e agitado. Ora, daqui resultava de forma clara que não só a sintomatologia de que o ofendido se lhe tinha queixado não estava debelada, como bem realça a decisão impugnada, como se agravara. O arguido/recorrente A… determinou que se lhe ministrasse diazepan e que se contactasse o médico da urgência. E nada mais disse. Não tornou a ligar e não pediu que lhe telefonassem a dar conta do resultado da intervenção da sua colega ou, pelo menos, do modo como o paciente reagira daí em diante. É aqui que, a nosso ver, na esteira do bem argumentado na decisão impugnada, que se entronca a violação do dever de cuidado a que estava obrigado traduzido numa infração das leges artis relativamente ao seguimento do doente no pós-operatório, no que a este arguido / recorrente diz respeito.
Sendo certo que, pelo quadro clínico mais amplo e grave de que o doente J… padecia e que era do cabal conhecimento do médico arguido A… era exigível uma atenção maior da parte do médico que era o cirurgião responsável pela operação.
É certo que o mesmo se encontrava no final do seu dia “normal” de trabalho. Mas isso a nosso ver não legitima o não acompanhamento do doente J… sobretudo tendo em mente as patologias variadas de que o mesmo sofria e que até tinham justificado o seu internamento três dias antes da operação.
Por sua vez, a circunstância de o problema de que o paciente J… padecia advir da anestesia que lhe foi ministrada não sendo o arguido/recorrente anestesista não afasta o argumento expendido. Como bem se refere na decisão recorrida, desde logo, porque o arguido/recorrente é médico pelo que tem conhecimento gerais que o habilitam a atuar ao menos num primeiro momento. Depois porque não se demonstra que o arguido / recorrente tenha determinado que o médico anestesista fosse contactado, ainda que tal contacto pudesse não ter dado resultados. E por fim, porque como se disse sendo o chefe da equipa e o médico responsável pelo doente, encaminhou-o para a colega das urgências, dando por finda a sua intervenção, apenas retomada no dia seguinte.
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Quanto à arguida/recorrente M… para além do que já acima dito ficou, diremos nesta sede em síntese:
A arguida/recorrente é médica e estava no serviço de urgência.
Por sua vez, provado não ficou (nem tal questão foi chamada à colação nos autos) que a urgência estivesse nesse dia particularmente solicitada. Aliás, importa recordar, como já acima ficou dito, que os factos tiveram lugar num hospital privado onde o número de pessoas que afluem à urgência não tem qualquer comparação com os dos hospitais públicos. Isto para realçar que não há nada nos autos que possibilite concluir que a arguida não poderia ter dedicado mais atenção à evolução de José ....
A isto acresce que a arguida/recorrente M… a médica em questão admitiu que nem leu o processo clínico do doente. Outrossim, disse ao Tribunal que o doente José ... estava queixoso, mas não referiu que o mesmo andava a deambular pela enfermaria (o que transmitiu ao anestesista que contactou R…C…, a quem pediu uma opinião). E de seguida foi-se embora e nada mais quis saber do doente J….
Da globalidade da prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento resulta que a arguida/recorrente M… não tomou providências para se inteirar sobre a evolução clínica do doente J… e não deixou indicações sobre o que fazer caso o mesmo continuasse a queixar-se. Neste particular mostra-se irrelevante que não fosse sua médica. Estava ao seu cuidado e era por ele responsável não podendo alhear-se da sua sorte.
A isto acresce como flui do que já acima dito ficou que não é certo que não houvesse qualquer forma de utilizar meios de diagnóstico, designadamente da realização da TAC. Pelo contrário, o depoimento de J…C… a este respeito foi ...: existia a possibilidade de se realizarem TAC e ressonâncias magnéticas a qualquer hora do dia ou da noite. Aliás, ainda que tivesse sido produzida prova diversa sempre restaria a opção de enviar o doente para o hospital público.
Na verdade, como bem se realça na decisão impugnada que, com a devida vénia neste segmento se acompanha, tais opções não se colocaram à arguida/recorrente porque a mesma não averiguou o que se passava com o paciente J… e aqui ofendido e qual a evolução da situação clínica do mesmo durante a noite. E é aqui que se consolida a sua violação do dever de cuidado. Porquanto foi ligeira na apreciação da condição clínica do mesmo limitando-se a providenciar pela administração de um tranquilizante.
Assim, igualmente quanto à arguida/recorrente M… está verificada a violação das leges artis inerente à violação do dever de cuidado.
Como flui do que acima deixámos expresso a responsabilidade por negligência assenta não só na violação daquele dever, mas também na previsibilidade do evento.
In casu, resulta da instrução da causa que o hematoma epidural é um evento raro, sendo indicado no parecer de fls. 171 a estimativa de um para um número bastante superior a 100 000 anestesias epidurais. No entanto, importa referir que admitindo-se que possa ser um acontecimento raro está descrito (e estava à data dos factos) na literatura científica. Aliás, na consulta feita ao INML lê-se que logo após as primeiras queixas de limitação dos movimentos e alterações da sensibilidade dos membros inferiores dever-se-ia ter colocado a hipótese de tal diagnóstico, a fim de, a confirmar-se, proceder à respetiva intervenção cirúrgica pois o tempo que corra até esse tratamento é vital para reduzir as lesões neurológicas permanentes. É verdade que o parecer é subscrito por um anestesista. E também é uma realidade que a medicina é composta de diversas especialidades, não sendo possível a um mesmo médico abarcar todos os conhecimentos. Contudo há um tronco comum e é nele que todos os profissionais se baseiam para exercer a sua atividade diária. Essa formação comum no caso dos arguidos cimentada por anos (décadas) de prática hospitalar deveria tê-los alertado para que num doente com as características de J… o pós-operatório teria de ser acompanhado de forma especialmente atenta, como bem realça a decisão impugnada que nesta parte se acompanha.
Como emerge do que já acima deixámos dito, a análise crítica das notas de enfermagem autoriza concluir que a situação do ofendido J… foi-se agravando ao longo da tarde e noite subsequentes à operação. Na verdade, J… começou por sentir dores lombares, as quais se foram agravando apesar das prescrições médicas executadas pelas enfermeiras. Às dores seguiram-se os espasmos e a agitação psicomotora, retenção urinária e perda da força muscular. Isto, apesar de as enfermeiras M…C… e L… C… terem ministrado diazepan e mizadolan nos termos indicados sucessivamente por ambos os arguidos/recorrentes.
O que resulta da globalidade da prova produzida é que nenhum dos arguidos / recorrentes procurou encetar qualquer forma de diagnóstico para apurar qual a origem dos sintomas apresentados pelo ofendido. Na verdade, nenhum determinou a realização de qualquer tipo de exame (sendo que não colhe a explicação da arguida / recorrente M…de que tal não teria sido possível por limitações do hospital), desvalorizando as queixas do ofendido J…. Bem indicativo disso mesmo é o facto de nenhum do arguidos/recorrentes ter encetado qualquer explicação alternativa ao hematoma epidural de que o ofendido J… padecia, ainda que a hipótese ou hipóteses levantadas viessem a revelar-se erradas. Na verdade, qualquer dos dois arguidos/recorrentes desvalorizou as queixas do doente J… e confiou em que as mesmas mais não seriam do que incómodos do pós-operatório, sem que tenham demonstrado ao Tribunal que tinham motivos justificados para assim entender. O arguido/recorrente António ... é médico desde 1991 e exerce na C… no Hospital C… e ainda na C…S, onde opera. Por sua vez, a arguida Maria Cadeiras é médica desde 1978, trabalhando na C…Santo e no Hospital de L…, sendo aposentada. Assim, facilmente se enxerga que ambos são profissionais com vasta experiência sendo seu dever equacionar as várias hipóteses de diagnóstico possível (sendo certo que não apresentaram uma única, em alternativa ao hematoma epidural), ainda que com recurso ao apoio de outros colegas. Neste particular não pode aqui afirmar-se que a arguida/recorrente Maria Cadeiras ao consultar o médico anestesista R…C… o fez. Na realidade como esta testemunha salientou nas suas declarações foi-lhe pedida uma opinião pelo telefone numa conversa que durou cinco ou dez minutos.
Ora, como acima deixámos expresso sendo raro o hematoma epidural o mesmo estava descrito e os arguidos/recorrentes sendo médicos deveriam ter encetado o caminho para o seu diagnóstico. Era, pois, previsível como uma hipótese a considerar, tendo presente que os arguidos conheciam a história clínica do ofendido J…, sabiam que o mesmo tinha sido sujeito a uma anestesia epidural. 
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In casu, não se mostra operante qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa dos arguidos / recorrentes.
Assim, a materialidade fática provada e acima fixada integra a totalidade dos elementos típicos – objetivo e subjetivo – do crime ofensas à integridade física graves por negligência imputado a cada um dos arguidos/recorrentes.
A materialidade fática provada e fixada supra — verificados em concreto os elementos constitutivos do “tipo” — integra a prática:
— Pelo arguido/recorrente A… de 1 (um) crime de ofensas à integridade física graves por negligência, previsto e punível pelos arts. 144.º, alínea b), 148.º n.ºs 1 e 3 e 150.º n.º 1, todos do Código Penal;
— Pela arguida/recorrente M… de 1 (um) crime de ofensas à integridade física graves por negligência, previsto e punível pelos arts. 144.º alínea b), 148.º n.ºs 1 e 3 e 150.º n.º 1, todos do Código Penal.
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A determinação da medida concreta da pena é feita, de acordo com o critério constante do art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, em função da culpa e da prevenção:
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Como refere Gonçalves da Costa ([91]), “a redação dada ao n.º 1 harmonizou esta norma com a do novo art. 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.”
Assim, atualmente o processo de determinação da medida da pena em sentido estrito difere substancialmente do fixado pelo Código Penal de 1886: neste o juiz encontrava o quantitativo da pena de acordo com o critério plasmado no art. 84.º, aumentando-o ou diminuindo-o em função do peso das circunstâncias atenuantes e agravantes de caráter geral enunciadas nos arts. 29.º e 34.º. Estas, atualmente, não são mais que fatores relevantes para aferir da culpa e das exigências de prevenção e, por isso, devem ser considerado uno actu para efeitos do art. 71.º, n.º 1, do Código Penal ([92]).
Reza o art. 70.º do Código Penal na redação de  1995 que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Todavia, enquanto na versão originária se impunha a preferência pela escolha da pena não detentiva desde que esta se mostrasse suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfazer as exigências de reprovação e de prevenção do crime, na versão emergente da reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15.-mar., mantida após a reforma levada a efeito pela Lei n.º 59/2007, de 04-set., deve dar-se preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
De acordo com Maia Gonçalves ([93]) “o texto atual exprime mais vincadamente o pensamento legislativo, no sentido de que (...) a opção pela pena alternativa da prisão terá de ser feita sempre que através dela as finalidades da punição. (...) a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial”.
No art. 70.º do Código Penal, o legislador cristalizou um dos pensamentos fundamentais do sistema punitivo erigido pelo Código Penal de 1982 — o da reação contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reações criminais ([94]) — e obedeceu ao imperativo do art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual:
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Ora, a pena de prisão é fortemente restritiva de um direito constitucionalmente tutelado — a liberdade individual (cf. art. 27.º da Constituição da República Portuguesa), motivo por que deve funcionar de acordo com uma lógica de ultima ratio. E, por outro lado, conforme salienta Figueiredo Dias em relação à pena de multa ([95]), as penas não detentivas apresentam uma superioridade político-criminal no tratamento da pequena e da média criminalidade.
Nos termos do disposto no art. 40.º do Código estabelece as finalidades das penas e das medidas de segurança “A aplicação de penas (...) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
São finalidades de prevenção geral positiva de integração (proteção de bens jurídicos) e a prevenção especial (reintegração do agente) as que se têm em conta na escolha da pena.
Anabela Rodrigues ([96]) entende estar na base da escolha da pena a prevenção especial, “sendo um orientamento de prevenção, agora de prevenção geral no seu grau mínimo — o único que deve fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial”.
A aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1 do Código Penal).
Conforme refere Robalo Cordeiro, determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e prevenção do crime não é operação abstrata ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta ([97]).
O momento da aplicação das penas refere-se ao "estádio" da realização do direito penal em que, segundo Roxin, se deve ter em vista a proteção subsidiária preventiva, quer geral quer individual, de bens jurídicos e de prestações estatais; ou seja, o fim de prevenção geral, já não no sentido de mera intimidação, mas com o significado, mais amplo e positivo, de "salvaguarda da ordem jurídica na consciência da comunidade" ([98]).
A parte especial do Código Penal mostra o que é considerado nocivo numa sociedade sendo a partir dessa sistemática que se deve procurar a determinação do "conteúdo de desvalor de um facto punível" o conceito material de crime ([99]).
In casu os arguidos/recorrentes A…; e M… estão pronunciados da prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave por negligência com assento legal nos arts. 148.º, nºs 1 e 3 , 144.º, al. b) e 150.º, n.º 1 a contrario, todos do Código Penal.
A moldura penal contempla em alternativa pena de prisão e pena de multa.
Não põem em crise os aludidos arguidos/recorrentes a opção que o tribunal a quo fez pela pena de multa, apenas contestam o seu quantum que entendem exagerado.
Esta pena de multa tem como limite mínimo 10 dias e como limite máximo 240 dias.
Os arguidos/recorrentes não têm antecedentes criminais e são pessoas regularmente inseridas em sociedade. Para além disso nada foi junto aos autos que desabone os respetivos percursos profissionais que têm já várias décadas.
 Assim in casu a tutela eficaz do bem jurídico protegido pela norma (integridade física e psíquica) e a salvaguarda das expectativas comunitárias na validade da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração) basta-se com a aplicação a cada um dos arguidos/recorrentes de pena de multa.
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Temos assim que atender ao já referido critério apontado pelo art. 71.º do Código Penal para fixar, dentro da moldura abstrata, o quantum da pena a aplicar.
Quais são, então, as funções desempenhadas pela culpa e pelas necessidades de prevenção em sede de determinação da medida concreta da pena?
Quanto à culpa, sempre se dirá que um dos princípios vitais enformadores do Código Penal é o de que “toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta” ([100]). Consagra-se, assim, o princípio da culpa, que proíbe que se imponham penas sem culpa e penas que superem a medida da culpa (a este propósito, cumpre atentar no imperativo do n.º 2 do art. 40.º do Código Penal: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”).
Mas qual o papel que cabe à culpa na determinação da medida concreta da pena?
Como se conjuga ela com as finalidades de prevenção?
Para os defensores da teoria do valor de posição ou de emprego (stellenwerttheorie), atende-se unicamente a considerações de culpa para efeito de fixar a medida da pena em sentido estrito, intervindo as razões de prevenção para efeito de escolha da pena aplicável – ([101]). Todavia, como é bom de ver, esta teoria não se mostra compatível com o teor do art. 71.º, n.º 1, que, como ressalta Figueiredo Dias ([102]), “quer indiscutivelmente dar relevância a pontos de vista preventivos também para a medida e não apenas para a escolha da pena.”
Daí que a jurisprudência alemã tenha gizado a teoria do espaço de liberdade ou da moldura da culpa (spielraumtheorie). De acordo com esta teoria, defendida por Eduardo Correia ([103]), a pena concreta é fixada entre um limite mínimo — já adequado à culpa — e um limite máximo — ainda adequado à culpa —, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial) dentro destes limites.
Figueiredo Dias ([104]) propõe um critério diferente. Entende que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na necessidade de tutela do bem jurídico, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida (prevenção geral positiva ou de integração), e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Este entendimento, aliás, encontra expresso acolhimento nos n.ºs 1 e 2 do art. 40.º da versão do Código Penal emergente da reforma de 1995.
É a estes vetores que se deve atender para a determinação da medida concreta da pena, tal como vem fazendo o S.T.J. ([105]).
Assim, seguindo Figueiredo Dias, importa encontrar uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. Abaixo dessa medida é possível encontrar outros pontos em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente. Isto até se atingir um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Entre aquela medida ótima de tutela dos bens jurídicos e este limiar mínimo atuam pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena ([106]).
A culpa, por seu turno, constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, sendo certo que, atualmente, a doutrina e a jurisprudência entendem que no juízo de culpa deve predominar a culpa pelo facto. Escreve-se, a este propósito, no Ac. da Relação de Coimbra de 17-jan.-1996 (... Mendes) ([107]), citando Anabela Miranda Rodrigues: “parte-se, assim, de uma conceção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta»; e «o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico.”
Para aferir do grau das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir e da medida da culpa do(s) arguido(s), importa, como já se deixou aflorado, atender aos fatores de determinação da medida da pena. Estes fatores são enumerados, de modo não exaustivo, no n.º 2 do art. 71.º do Código Penal.
Os critérios pelos quais o julgador se deve orientar na determinação da medida concreta da pena estão, como acima se disse, fixados no art. 71.º do Código Penal. Tal medida acha-se em função da culpa do agente, que impõe uma retribuição justa, e como a culpa não é suscetível de uma medição exata, ao julgador é dada certa elasticidade na sua apreciação, sopesando as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente, as exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade e levando ainda em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o(s) agente(s).
Dispondo de uma larga margem de poder discricionário, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, o juiz, como afirma Figueiredo Dias “não pode furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita e, assim, o critério essencial da medida da pena” ([108]).
É sabido que a moldura abstrata da pena pode ser alterada por circunstâncias modificativas atenuantes comuns expressamente previstas na lei. Mas também pode ser modificada por circunstâncias comuns de especial valor atenuativo não expressamente previstas na lei, e de que se dão exemplos no art. 72.º do Código Penal.
Nos termos do n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal o Tribunal a quo no que concerne ao arguido/recorrente A…, ponderou «O grau de negligência (consciente), a ilicitude (acima do mediano tendo em atenção o grau de violação do dever de cuidado, considerando que este arguido foi o médico responsável pela cirurgia, sendo evidente o seu dever de acompanhar o pós-operatório, tendo em conta até as debilidades de saúde do ofendido) e as consequências do ato para o ofendido (ficou paraplégico, não mais recuperando a mobilidade até à sua morte). Tem-se ainda em conta o percurso profissional do arguido sem conhecimento de situação análoga à dos autos, a ausência de antecedentes criminais e ainda a sua regular inserção social. Tudo ponderado crê-se justo e adequado aplicar ao arguido uma pena acima do ponto mediano que se fixa em 195 (cento e noventa e cinco dias de multa)» [cf. fls. 1232 dos autos – vol. 5.º (fls. 36 da decisão recorrida)].
Quanto a nós o Tribunal a quo considerou corretamente o grau de ilicitude do facto em termos de desvalor da ação e do resultado, mostrando-se a pena concreta justa e adequada a culpa, por isso aqui se mantém.
Quanto ao montante diário da pena de multa diremos em síntese o seguinte:
O montante diário da multa deve a nosso ver ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar.
Nos termos do disposto no art. 47.º do Código Penal e tendo em atenção o apurado quanto à situação económica do arguido/recorrente consideramos justo e adequado, constituindo um sacrifício real para o condenado a fixação da taxa diária da multa em €50,00, perfazendo a multa global de €9.750,00 (nove mil setecentos e cinquenta euros).
Naufraga, assim, este segmento recursório do arguido/recorrente.
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No que concerne à arguida M… nos termos do n.º 2  do art. 71.º do Código Penal o Tribunal a quo ponderou:
«O grau de negligência (consciente), a ilicitude acima do ponto mediano (a arguida admitiu não ter lido o processo clínico do ofendido, tendo obtido uma opinião de um colega anestesista que foi consultado por telefone e desinteressando-se da evolução daquele) e as consequências do ato para José Gregório dos ... (paraplégico até ao fim dos seus dias). Reflete-se ainda na ausência de antecedentes criminais da arguida e sua regular inserção social. A arguida é médica desde 1978 não tendo sido trazidos aos autos quaisquer factos que a desabonem no exercício da profissão. Tudo sopesado fixa-se à arguida uma pena de 185 (cento e oitenta e cinco) dias de multa.» [cf. fls. 1233 dos autos – vol. 5.º (fls. 37 da decisão recorrida)].
Quanto a nós afigura-se-nos que o Tribunal a quo considerou corretamente o grau de ilicitude do facto em termos de desvalor da ação e do resultado, cumprindo o disposto nos arts 40.º n.º 1 e 2, 47.º, n.º 1 e 2 e 71.º, todos do Código Penal, mostrando-se a pena concreta justa e adequada a culpa, por isso aqui se mantém.
No que tange ao montante diário da multa, como acima já expressamos, deve a nosso ver ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para a pessoa condenada sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar.
Nos termos do disposto no art. 47.º do Código Penal e tendo em atenção o apurado quanto à situação económica da arguida/recorrente consideramos justo e adequado fixar a taxa diária de €35,00, perfazendo, assim, a multa o valor de €6.475,00 (seis mil quatrocentos e setenta e cinco euros).
Assim, no caso em apreço, afigura-se-nos que o Tribunal a quo considerou corretamente o grau de ilicitude do facto em termos de desvalor da ação e do resultado, cumprindo o disposto nos arts 40.º n.º 1 e 2, 47.º, n.º 1 e 2 e 71.º, todos do Código Penal, mostrando-se a pena concreta justa e adequada à culpa da aludida arguida/recorrente Maria Cadeiras, por isso aqui se mantém.
Naufraga, pois, este segmento recursório da arguida/recorrente.
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DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
In casu, a assistente L… e os três filhos do ofendido J…, a saber: S…; F…; e V… apresentaram pedido de indemnização civil.
Em tal pedido almejam ser ressarcidos dos danos sofridos pelo próprio ofendido J… e pelos seus próprios danos. Dentro destes diferenciam danos patrimoniais e não patrimoniais.
No que concerne aos danos sofridos pelo ofendido J… referiram que devido à atuação dos arguidos A…; e M… o ofendido J… deixou de realizar os pequenos biscates com que completava o orçamento doméstico e que lhe permitiam uma receita mensal no montante de €200,00.
Alegam, que o mesmo ficou privado de se dedicar à pesca desportiva que era o seu principal passatempo. Para além de ser uma atividade lúdica igualmente dela obtinha rendimentos mensais de cerca de €200,00, uma vez que vendia o que lhe sobejava aos vizinhos e amigos.
Por outra banda, alegam que o ofendido J… se sentiu triste e deprimido devido à situação de paraplegia que sofreu, isolando-se do convívio com os familiares, incluindo os netos, bem como dos seus amigos. A isto acresce que a cicatriz que lhe percorria o torso o deixava incomodado.
Para ressarcimento destes danos é pedida indemnização não inferior a €420.000,00 (quatrocentos e vinte mil euros).
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A assistente/demandante L… indica igualmente em nome próprio ter sofrido danos.
Uns de natureza patrimonial, uma vez que para visitar o ofendido J… durante o seu internamento teve despesas com transportes e alimentação, dado que se deslocava de Portimão a Lisboa. Para além disso, sofreu também por ver o seu marido na situação de paraplégico, até porque era ela quem dele tratava todos os dias. Sentiu-se triste e chorosa, tanto mais que não recebeu qualquer pedido de desculpas ou esclarecimento da parte do pessoal médico, incluindo os arguidos/ demandados.
Para reparação de tais danos pede indemnização de valor não inferior a €75.000,00.
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Os três filhos de J…, S…; F…; e V…, aqui demandantes, alegam, em resumo, que para visitarem o pai J… durante o internamento incorreram em despesas com transportes e alimentação, uma vez que todos se deslocavam de Portimão para Lisboa com a periodicidade que conseguiam.
Para além disso, indicaram ainda a tristeza, sofrimento e sentimento de revolta vividos por cada um face à situação do pai.
S… peticionou indemnização no valor de €3.186,30, F… no montante de €6372,60 e V… a quantia de €9558,00, todos a título de danos patrimoniais.
***

O facto ilícito criminal é também gerador de responsabilidade civil.
Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, sejam eles de natureza patrimonial ou não patrimonial.
É o que se lê nos arts. 483.º, n.º 1, 496.º e 564.º, todos do Código Civil.
Em sede de responsabilidade civil são indemnizáveis os danos de natureza não patrimonial que pela sua gravidade se mostrem merecedores de tutela jurídica (art. 496.º do Código Civil) e os danos de natureza patrimonial, sejam eles prejuízos emergentes ou lucros cessantes (art. 564.º, n.º 1 do Código Civil), ainda que futuros, desde que previsíveis (art. 564.º, n.º 2 do Código Civil).
Os danos não patrimoniais são indemnizáveis em montante que se afigure ao Tribunal equitativo (cf. art. 496.º, n.º 3 do Código Civil). A sua reparação não visa — por impossibilidade — colocar o lesado na situação anterior ao facto ilícito, mas compensá-lo indiretamente dos sofrimentos, desgostos e dores sofridos, através da atribuição de um quantia em dinheiro que permita alcançar um prazer capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do prejuízo. Este juízo de equidade deve ser encontrado na ponderação da gravidade dos danos, da culpa, da situação económica dos lesantes e dos lesados e da repercussão que possa ter o pagamento da indemnização no seu património e demais circunstâncias que se encontrem aptas a integrar os critérios de razoabilidade, prudência e justiça.
No que respeita aos pedidos de indemnização cível que foram formulados pelos demandantes, haverá que ter, desde logo, em atenção o disposto no art. 129.º do Código Penal, segundo o qual:
A indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”.
Assim e segundo o referido art. 483.º do Código Civil “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Tratando-se sempre de uma atuação ilícita (cf. 483.º, do Código Civil), como já se mencionou e decorre a prática do apontado crime, que é imputável aos arguidos A…; e M…, sendo esta a causa de pedir que fundamenta, em cada caso, os pedidos de indemnização cível.
Assim, desde logo é titular do direito de ser indemnizado aquele que foi diretamente visado com a apurada conduta das arguidas, como é o diretamente ofendido com a conduta criminosas dos aludidos arguidos.
São pressupostos da responsabilidade civil extraobrigacional: o facto, a ilicitude, a culpa do agente, a existência de danos e de um nexo de causalidade adequada entre esses danos e a conduta ilícita do agente. Tais pressupostos são de verificação cumulativa.
A obrigação de indemnizar compreende uma variedade de danos existindo diversas categorias jurídicas a ter em linha de conta.
In casu, releva a dicotomia entre danos patrimoniais (quer os emergentes das despesas em que os peticionantes incorreram por força do evento, quer os que dizem respeitos aos valores que deixaram de auferir por força dele, isto é, danos emergentes e lucros cessantes) e não patrimoniais.
No que respeita ao ressarcimento de danos não patrimoniais, teremos que ter presente, que estes traduzem-se naqueles prejuízos, tais como dores físicas, desgostos, aborrecimentos, vexames, perdas de prestígio e de reputação, os complexos de ordem estética, que sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens, como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a perfeição física, a honra, o bom nome, que não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
No que tange aos danos não patrimoniais dispõe o art. 496.°, n.º 1, do Código Civil, enquanto princípio geral para a responsabilidade civil, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. A gravidade dos danos sofridos tem de apurar-se por padrões objetivos, e não com base em fatores subjetivos, devendo o dano ser de tal modo grave que justifique a tutela da ordem jurídica.
O quantum indemnizatório deve ainda aproximar-se quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda, devendo ser atual, atendendo-se à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal (art. 566.° do Código Civil).
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DANOS SOFRIDOS POR J
O pedido cível abarca três parcelas.
(i) Relativa à capacidade de ganho do ofendido J….
(ii) O dano biológico e o dano estético;
(iii)Os danos não patrimoniais.
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No que diz respeito à capacidade de ganho do ofendido J… é dito que tendo em consideração a sua esperança média de vida e as faculdades físicas e mentais desde o dia 16-mar.-2009 o ofendido J… ficou privado da sua plena capacidade de movimentos e locomoção mantendo a paraplegia dos membros inferiores e deixando de auferir a quantia de €48.000,00.
No caso em apreço provado ficou que, para além da sua reforma por incapacidade o ofendido fazia pequenos biscates e dedicava-se à pesca, retirando de ambas as atividades algum rendimentos que empregava na económica doméstica. Foi alegado que das duas atividades retirava €400,00 mensais.
Tal facto não logrou provar-se, não se tendo demonstrado sequer que os proventos em apreço tinham caráter de habitualidade ou regularidade.
Assim sendo, como na realidade é, nessa medida, este segmento do pedido de indemnização naufragou, não sendo atendido, e bem na decisão impugnada.
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O pedido cível autonomiza os danos biológico e estético, peticionando para o primeiro €300,000,00 e para o segundo €20.000,00.
Como é consabido, a existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado tem vindo a integrar o dano biológico.
Este conceito aparece consagrado no sentido de ofensa à integridade física ou psíquica independentemente de dela resultar perda de capacidade de ganho no art. 39.º, alínea b) da Portaria n.º 377/2008, de 26-mai., sendo a mesma realidade também designada por dano corporal por contraposição a material como sucede no art. 51.º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21-ago.. Este dano tem na sua origem o direito à saúde o qual tem consagração nas arts. 24.º, nº 1 e 25.º, n.º 1 da Constituição da República. Este direito tem ramificações também no direito penal e no direito civil, sendo um dos direitos de personalidade, previstos nos arts. 70.º e seguintes do Código Civil.
Na verdade, se bem vemos, o direito à saúde quando afetado enquanto direito fundamental de cada um de nós dá lugar à obrigação de indemnizar não sendo esta limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado. A natureza patrimonial ou não patrimonial deste direito tem sido objeto de discussão na jurisprudência, sendo maioritário o entendimento de que tal dano biológico determina a indemnização por danos patrimoniais futuros, ainda que não seja afetada a capacidade de ganho do lesado. Contudo, o dano corporal direto pela sua natureza imaterial é insuscetível de avaliação pecuniária uma vez que não atinge o património do lesado.
In casu, o pedido civil integra uma parcela relativa à capacidade de ganho do ofendido J… aí não se referindo ao dano corporal. Este vai a ser conjugado com o dano estético, sendo peticionada a fixação da sua indemnização com base em critérios de equidade.
No concerne aos danos estéticos é peticionado o montante de €20.000,00, sendo o mesmo um dano de natureza não patrimonial.
Por fim e quanto aos demais danos não patrimoniais sofrimento, tristeza, afastamento da família e amigos) é pedida a quantia de €100.000,00.
Na determinação da indemnização a atribuir ao ofendido José ... e a integrar a esfera jurídica dos herdeiros, atento o seu decesso, cumpre ter em atenção um duplo plano bem salientado no Ac. do STJ de 28-fev.-2013 (Lopes do Rego) ([109]) diferenciando, «para efeitos de cômputo da indemnização, entre o plano objetivo da perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objetiva de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, que ocorre independentemente da perceção cognitiva pelo lesado do estado em que se encontra, envolvendo a drástica carência de autonomia e de eliminação das possibilidades de realização pessoal; e o plano subjetivo, decorrente de – a tal estado objetivo – se ter de adicionar o sofrimento psicológico necessariamente inerente à consciência, ainda que difusa ou mitigada, da total falta de autonomia pessoal e de qualidade de vida e da frustração irremediável de todos os projetos e satisfações alcançáveis no decurso da vida pessoal do lesado.»
Assim, na esteira deste douto aresto do nosso mais Alto Tribunal no plano objetivo cumpre encarar a perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado enquanto lesão objetiva de um bem jurídico essencial à dignidade da pessoa humana, que ocorre independentemente da perceção cognitiva pelo lesado do estado em que se encontra, envolvendo a drástica carência de autonomia de eliminação das possibilidades de realização pessoal.
Por sua vez, no plano subjetivo, decorrente de - a tal estado objetivo - se ter de adicionar o sofrimento psicológico necessariamente inerente à consciência, ainda que difusa ou mitigada, da total falta de autonomia pessoal e de qualidade de vida e frustração irremediável de todos os projetos e satisfações alcançáveis no decurso da vida pessoal do lesado.
In casu, provado ficou que o ofendido J… tinha completado 60 anos (nasceu em 12-mar.-1949) poucos dias antes da operação que lhe foi realizada pelo arguido A…. Sofria já de diversas patologias, designadamente cardíacas, tendo, porém, autonomia de vida. Estava reformado e tinha uma boa relação com a família (mulher, filhos e netos) e tinha um grupo de amigos. Fazia pequenas reparações, dedicava-se à pesca desportiva de forma regular e era uma pessoa alegre e de convívio fácil. A operação que lhe foi feita por A… era uma operação ao menisco esquerdo sendo considerada simples.
Em consequência dos factos que se discutem nestes autos, o ofendido J… ficou paraplégico, não tendo recuperado a mobilidade até à data da sua morte (ocorrida a 09-set.-2009).
Perdeu o ofendido J… a autonomia pessoal, passando a estar confinado à cama e a uma cadeira de rodas, sendo todas as tarefas do seu quotidiano, incluindo a sua higiene pessoal, realizadas com auxílio de terceiros.
Deixou de se dedicar às suas atividades de biscates, pesca desportiva e convívios com família e amigos, deixou de acompanhar os netos em atividades em que antes se envolvia com gosto e passou os últimos meses da sua vida entre hospitais e centros de recuperação (Alcoitão e São Brás de Alportel).
Provado ficou ainda que o ofendido J… se sentia triste e revoltado com a sua situação, tendo mesmo tomado medicação antidepressiva.
Como é consabido, a indemnização de danos não patrimoniais não traduz um ressarcimento efetivo dos mesmos, pois que pela sua natureza, tal não é possível.
Trata-se sim de uma compensação ou satisfação do dano sofrido. Na fixação do mesmo haverá de lançar mão da equidade (arts. 496.º, n.º 3 e 494.º, ambos do Código Civil) e sopesar também fatores como a ocasião em que os factos ocorreram, a desvalorização da moeda e a situação patrimonial do lesante e do lesado. Por outro lado, o montante indemnizatório deve ainda aproximar-se dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em atenção as flutuações da moeda, devendo ser atual, atendendo-se à data mais recente em que o facto é apreciado pelo Tribunal (art. 566.º do Código Civil).
Tudo visto e ponderado, afigura-se-nos justo e adequado fixar ao ofendido J… a seguinte indemnização:
— Pelo dano biológico do ofendido no valor de €100.000,00 (cem mil euros);
— Pelo dano estético no montante de €10.000,00 (dez mil euros);
— Pelos demais danos não patrimoniais sofridos a quantia de €50.000,00.
Perfazendo assim o valor total de €160.000,00 (cento e sessenta mil euros). Sobre tal montante são devidos juros à taxa legal aplicável desde a data do trânsito em julgado até efetivo e integral pagamento.
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OS DANOS SOFRIDOS PELA ASSISTENTE L… OS DOS FILHOS DO OFENDIDO, S…; F…; e V…
Quer a assistente quer os aludidos demandantes peticionaram danos patrimoniais e não patrimoniais.
Quanto aos danos patrimoniais foi alegado por todos os peticionantes que estando a residir em Portimão e estando o ofendido internado em Lisboa tiveram que deslocar-se a esta última cidade para o ver, com gastos em transportes, portagens e alimentação.
A este título Maria ... peticionou a quantia de €4.500,00, S… pediu €3186,30, F… €6.372,60 e V… €9.558,00.
Provado ficou que a assistente e os demandantes acompanharam de perto o ofendido J… tendo-o visitado em Lisboa por diversas vezes.
Que L… e V… se deslocaram com mais frequência enquanto S…e F…, por motivos profissionais, compareceram menos vezes. Para além das declarações dos próprios que se mostraram coerentes e credíveis esse acompanhamento, no caso dos filhos com a compreensão e apoio das respetivas entidades empregadoras, foi também atestado por testemunhas que merecerem credibilidade ao Tribunal. Por sua vez, foram a assistente e os demandantes quem suportaram os custos inerentes às deslocações e alimentação a Lisboa.
Contudo, nenhum deles fez prova do valor realmente despendido. Tal não traduz que tais prejuízos materiais não possam ser ressarcíveis.
Com efeito, o Tribunal a quo não teve qualquer dúvida de que os mesmos existiram apenas não encontrou meio de os contabilizar. Porém, a ausência de tais elementos afasta que se relegue para execução de sentença tal tarefa (por não se vislumbrar que os mesmo possam ser aí obtidos), optando o Tribunal a quo, e a nosso ver bem, por indemnizar os peticionantes lançando mão de critérios de equidade, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 566.º do Código Civil.
In casu, resulta dos autos que J… deu entrada no Centro de Medicina de Reabilitação de A… a 02-jul.-2009 sendo que até essa data esteve na C…S…. Trata-se de um período de 3 meses e 3 semanas de internamento a que correspondem 231 dias.
Tudo visto e ponderado, consideramos justo e adequado, a este título, fixar a seguintes indemnizações:
— À Assistente L… a indemnização de €2.000,00;
— A  S… a indemnização no valor de €1.800,00;
— A F… €2.500,00; e a
— V… €3.500,00.
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QUANTO AOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
A atribuição de tal indemnização aos familiares das vítimas sobreviventes foi objeto de intensa controvérsia na doutrina e na jurisprudência nacionais.
Atualmente cabe aqui ter presente o Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência de 16-jan.-2014 ([110]) no qual se conclui: "Os arts. 483.º, n.º1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais particularmente graves sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente atingida de modo particularmente grave.»
In casu, o ofendido J… ficou paraplégico assim permanecendo desde 16/17–mar.-2009 a 09-set.-2009, data em que faleceu.
Era casado e da prova produzida resultou que a sua esposa, ora viúva, L…, o apoiou neste transe da sua existência. Na verdade, para além de o ter visitado constantemente, tratou dele em caso, ocupando-se da sua higiene e cuidados diários ainda que ela própria seja doente (sofreu de cancro da mama). Acompanhou, assim, o sofrimento do marido e reflexamente sofreu também.
Este Tribunal, para ressarcimento de tais danos, lançando mão de critérios de equidade, considera justo e adequado fixar indemnização no valor de €15.000,00 (quinze mil euros).
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A QUESTÃO DOS FILHOS DO OFENDIDO J…
A questão é aventada no aludido Ac. de Fixação de Jurisprudência.
Nele se escreve que não pode questionar-se que para além do cônjuge outros podem e devem beneficiar da tutela deste tipo de danos.
Isso mesmo é exigido pela interpretação atualista que é feita dos preceitos acima indicados. É ainda sublinhada a exigência de particular gravidade em duas vertentes.
Por um banda, quanto aos ferimentos da vítima sobrevivente e por outra ao sofrimento do cônjuge (ou, segundo cremos, outro familiar).
No que respeita à gravidade das lesões de J… já acima fizemos referência.
Vejamos agora a gravidade do sofrimento de cada dos referidos três filhos de J….
Os laços de sangue que uniam cada um deles ao pai eram também laços de afeto.
Em cada uma das suas declarações, os demandantes filhos de J… de forma espontânea recordou de modo emocionado o pai, lembrando pequenos episódios da vida do mesmo, elucidativos do gosto que tinha nos filhos e da sua ligação a cada um deles. Pese embora todos sejam adultos à data dos factos mostra-se patente a forte ligação que tinham sendo o ofendido J… conselheiro e próximo de cada um dos três.
Assim, da consideração desses elementos de prova retira o Tribunal a quo, e a nosso ver bem, que o sofrimento de F…, S… e V… face à paraplegia que afetou o seu pai, foi real e sentido, não podendo ser confundido com um simples incómodo.
Na verdade, a operação ao menisco esquerdo foi vista por todos como sendo uma situação de rotina clínica, o que acabou por se traduzir numa impreparação natural para os acontecimentos subsequentes.
Cada um dos três filhos era visita regular da casa do pai e assistiu ao seu sofrimento entre a cadeira de rodas e a cama quando estava em casa, no hospital e nos centros de recuperação de Alcoitão e São Brás de Alportel. Tal situação manteve-se por vários meses e apenas teve fim com o falecimento de J….
Assim, para ressarcimento de cada um dos filhos considera-se justo e adequado a atribuição a cada um de indemnização no valor de €10.000,00.
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O arguido A… ... transferiu a sua responsabilidade para a “C…Seguros S.A.” até ao limite de €300.000,00 (trezentos mil euros) pelo sinistro.
Para além disso, a “C…Seguros S.A.” responde ainda nos termos do contrato de seguro de grupo até ao limite de €15.000,00 para cada segurado inscrito na Ordem dos Médicos.
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Assim, e no que diz respeito ao arguido/demandado A…, uma vez que a indemnização atribuída se contém dentro dos limites do seguro contratado, a sua responsabilidade civil nestes autos é transferida na íntegra para a interveniente ao lado do demandado A…“ C…Seguros S.A.”
Quanto à demandada M…, para lá do limite do valor contratado pelo seguro de grupo de que é beneficiária, vai condenada no pagamento da indemnização atribuída à assistente e aos demandantes.
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Como flui do exposto o caso dos autos é de responsabilidade por facto ilícito, traduzido na prática de um crime. Essa responsabilidade é solidária, nos termos do art. 497.º, n.º 1, do Código Civil. Assim, por “a responsabilidade civil em causa” no que tange aos arguido/demandado A… e parcialmente face à operacionalidade do referido seguro de grupo (até ao limite do valor contratado pelo seguro de grupo), em relação à demandada M… haver sido transferida para a “C…Seguros SA”  aqui interveniente ao lado do demandado António ..., é sobre esta que impende a obrigação de indemnizar, visto inexistir causa que exclua essa obrigação.
Sendo o facto ilícito gerador dos danos praticado pelos arguidos/demandados A…; e M…, ambos condenados pelo crime integrado por esse facto ilícito, são efetivamente os dois responsáveis solidariamente pelo pagamento da indemnização, nos termos do aludido art. 497.º, nº 1, do Código Civil a menos que tenha havido transferência dessa responsabilidade para terceiro.
No caso, houve essa transferência, para interveniente/ demandada “C…Seguros S.A.” por parte do demandado A….
A demandada M… não transferiu a sua responsabilidade, apenas gozando do referido seguro de grupo. Assim, para lá do limite do valor contratado pelo seguro de grupo de que é beneficiária, terá a mesma que ser condenada no pagamento da indemnização atribuída à assistente e aos demandantes.
Continua, pois, responsável pelo pagamento dos danos, agora solidariamente com Seguradora “C…Seguros S.A.”, em função do contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com A… e substitui este na obrigação de indemnizar; e até ao limite do valor contratado pelo aludido seguro de grupo ([111]).
*

Aduz a recorrente “C…Seguros S.A.” que o pedido de indemnização formulado pelos demandantes não peticiona a condenação da Recorrente [Cls. XVII].
Neste ponto, com o devido respeito por opinião em contrário, a recorrente seguradora parece olvidar sem razão que, no caso em apreço a Senhora Juíza, usando a faculdade concedida pelo art. 6.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, determinou a realização dos necessários atos à regularização da instância civil suprindo a falta do respetivo pressuposto processual (legitimidade passiva) suscetível de sanação, admitiu o competente incidente de intervenção principal provocada da “C…Seguros SA”, ao lado dos demandados originários, passando a assumir nestes autos a posição de demandada. Não pode pois nestes autos deixar de ser interveniente/demandada.
*

Invoca a seguradora/recorrente que sentença impugnada que condena a Seguradora, nos termos em que esta o faz, é, por isso, nula [Cls. XIX].
Com o devido respeito por opinião em contrário, face ao que já acima dito ficou não lhe assiste razão, maxime no que tange à pessoa do arguido/demandado António ... e da sua intervenção quanto ao aludido seguro de grupo.
Por isso a sentença impugnada condenou quem tinha que condenar.
*

Invoca a seguradora/recorrente outra nulidade da sentença: o Tribunal não poderia ter deixado de ponderar qual o grau de culpa de cada um dos agentes para a produção dos danos.
Com o devido respeito por opinião em contrário, como flui do que já acima dito ficou, sendo o facto ilícito gerador dos danos praticado pelos arguidos/demandados, ambos condenados pelo crime integrado por esse facto ilícito, são efetivamente os dois responsáveis solidariamente pelo pagamento da indemnização, nos termos do art. 497.º, nº 1 do Código Civil, a menos que tenha havido transferência dessa responsabilidade para terceiro, como aconteceu com o arguido/demandado A… e parcialmente face ao referido contrato de seguro de grupo. Sendo certo que ex vi do n.º 2 do referido art. 497.º do Código civil «o direito de regresso entre responsáveis existe na medida das respetivas culpas e das consequências que delas advierem, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis»
Uma vez que se trata de responsabilidade solidária, face ao disposto no referido art. 497.º do Código Civil e em matéria cível opera a presunção legal de “iguais culpas das pessoas responsáveis” razão pela qual não padece a decisão impugnada de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, o que aqui se declara.
*

Quanto aos montantes arbitrados que a seguradora/recorrente considera que são excessivos [Cls. XXIV]; e que devem as indemnizações arbitradas ser equitativamente reduzidas para 1/3 [Cls. XXVII], pelas razões acima apontadas, que não vamos aqui repetir pois tal nos alcandoraria ao reino do sofrível não tem a recorrente razão, mantendo-se os montantes acima fixados por os considerarmos justos e adequados.
***

Não se mostrando violados os preceitos legais referidos pelos recorrentes nem quaisquer outros ao caso aplicável, os presentes recursos naufragam in totum.
***

Em consequência do decaimento, os arguidos / recorrentes serão responsabilizados pelas custas do recurso (arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal). De acordo com o disposto no art. 8.º n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC.
*

A recorrente seguradora pagará as custas cíveis na proporção do respetivo decaimento.

3. DISPOSITIVO
Perante tudo o que exposto fica, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 202.º, da Constituição da República Portuguesa acordam ‘em nome do povo’ os Juízes que compõem a ....ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
& Em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos A…; e M…; e pela recorrente “C…Seguros S.A,”, e, consequentemente confirma-se a sentença recorrida, datada 29-mai.-2015, constante de fls. 1197-1243, dos autos (vol. 5.º), sendo que os demandantes aí referidos a fls. 1243 (fls. 47 da sentença recorrida) tem o nome completo de F…; M…; e V….
& Em condenar individualmente cada um dos acima aludidos arguidos/ recorrentes, pelo seu decaimento no pagamento da taxa de justiça individual de 4 UC e nos encargos a que deram causa (arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal; art. 8.º n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
& Custas Cíveis pela recorrente Seguradora “C…Seguros SA”, na proporção do seu decaimento.
*


Lisboa,16-dez.-2015


(processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).
Texto escrito nos termos do novo Acordo Ortográfico.


Rui Gonçalves
Conceição Gonçalves


([1]) Tribunal presidido pela Senhora Juíza de Direito Dr.ª C... (cf. fls. fls. 1197- 1243; 1244; 1245-1246 dos autos — vol. 5.º).
([2]) Cf. fls. 1242-1243 dos autos – vol. 5.º.
([3]) Motivação recursória e respetivas “conclusões” subscrita pelo Senhor Advogado Dr. ... (cf. fls. 1254-1359 dos autos – vol. 6.º).
([4]) Motivação recursória subscrita pela Senhora Advogada Dr.ª N… (cf. fls. 1360- 1453 dos autos – vol. 6.º).
([5]) Motivação recursória subscrita pelo Senhor Advogado Dr. J… (cf. fls. 1454-1471 dos autos – vol. 6.º).
([6]) Intervenção principal provocada requerida pelo demandado A… a fls. 825 dos autos (vol. 4.º) e admitida por despachos de fls. 829 e 948 dos autos – vol. 4.º
([7]) Cf. fls. 1490-1505 – fax- originais juntos a fls. 1506-1522 dos autos – vol. 6.º.
([8]) Resposta subscrita pela Senhora Procuradora-Adjunta Dr.ª P... (cf. fls. 1524-1547 dos autos vol. 6.º.
([9]) Cf. fls. 1548-1549 dos autos (vol. 6.º), peça processual igualmente subscrita pela referida Senhora Procuradora-Adjunta Dr.ª P….
([10]) Cf. fls. 1558 dos autos (vol. 6.º).
([11]) Subscrito pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto Dr. J… (cf. 1578-1580 dos autos – vol. 6.º).
([12]) Não tem nexo. Fica-se sem saber o que é que foi celebrado, foi um contrato de seguro...
([13]) Neste sentido, que é jurisprudência uniforme, entre outros, decidiram os Acs. do STJ de 17-mai.-2007 (Santos Carvalho), proc. n.º 071397, de 23-mai.-2007 (Henriques Gaspar), proc. n.º 07P1498, de 14-mar.-2007 (Santos Cabral), proc. 21/07, e de 15-mar.-2007 (Pereira Madeira), proc. n.º 610/07.
([14]) Proc. n.º 46580/3.ª, DR, I Série, de 28-dez., disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/892dcf77a366868a8025742f005086d2?OpenDocument.
([15]) Vide MONTEIRO, Cristina Líbano, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, Coimbra, 1997, p. 13.
([16]) Cf. GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, in Código de Processo Penal Anotado, 17.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 354, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira.
([17]) FERREIRA, M. Marques, julgamento e sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal, R.M.P., Cadernos 2, 1986, p. 228.
([18]) Para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal ver por todos: Ricci Bitti/Bruna Zani, A comunicação como processo social, editorial Estampa, Lisboa, 1997.
([19]) Cf. RIBEIRO, Lair, Comunicação Global, Lisboa, 1998, p. 14.
([20]) Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, Arménio Amado Editor, Sucessor – Coimbra, 3.ª ed., 1982, p. 12.
([21]) “Psicologia do testemunho", in Scientia Iuridica, p. 337.
([22]) In La prova penal, 3.ª ed., Cedam, Pádua, p. 9.
([23]) La prova penale, 4.ª edizione, Appendice di aggiornamento al settem- bre 2001, edição da Cedam, em 2001. p. 48.  “O conflito entre acusação e defesa não pode ser solucionado com base num ato de fé”. (tradução do italiano operada pelo relator). Como aconteceria v.g., se se dissesse: o facto é verídico porque, de outro modo, o Ministério Público não teria formulado acusação e o Juiz de Instrução Criminal não teria pronunciado.
([24]) Cf. arts. 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
([25]) In La actividad probatoria en el proceso penal español, Ectros de Estudios Judiciales – Col. Curos, vol. 12, Ministerio de Justicia, Madrid, 1993, p. 101.
([26]) In ob. cit. p. 10.
([27]) Ob. cit. p. 49. «induzir o juiz ao convencimento de que o facto histórico aconteceu de um determinado modo. O facto histórico deve ser “representado” ao juiz por meio de outros factos. A prova é, nesse sentido, o procedimento lógico por meio do qual a partir de um facto conhecido deduz-se a existência do facto histórico a ser provado e suas circunstâncias». (tradução do italiano pelo relator).
([28]) MALATESTA, Nicola Framarino dei, A lógica das provas em matéria criminal, Trad. Alexandre Augusto Correia, São Paulo, Saraiva, 1960. vol. I, p. 22. 
([29]) CARRARA, Francesco, Programa del curso de derecho criminal, dictado en la Real Universidad de Pisa. Trad. Sebastian Soler. Buenos Aires, Depalma, 1944, V.II, p. 291. 
([30]) REGO, Carlos Francisco de Oliveira Lopes, In Comentário ao Código de Processo Civil, 2004, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, p. 545.
([31]) Cf. SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, vol. II, 3.ª ed. Lisboa, Verbo, 2002 pp. 126-127.
([32]) Tratattado de Processo Civile, p. 260.
([33]) Cf. Neste sentido DIAS, J. Figueiredo, in Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-1989, p. 160.
([34]) NOBILI, Massimo, in Il principio del Convincimento del Giudice, Giuffrè Editore, Milano, 1974, p. 284.
([35]) Tradução do italiano levada a efeito pelo relator.
([36]) Vide TONINI, Paolo, in La Prova penale, CEDAM, Padova, 2000, p. 35.
([37]) In ob. cit. loc. cit.. 
([38]) STEIN, Friedrich (1988): El conocimiento privado del juez (tradução para castelhano de Andrés DE LA OLIVA SANTOS, Bogotá, Editorial Temis). p. 188  e ss..
([39]) CALAMANDREI, Piero (1961): Estudios sobre el proceso civil (Buenos Aires, Editorial Bibliográfica Argentina) p. 646.
([40]) Vide neste sentido CLIMENT DURÁN, Carlos, in La Prueba Penal, Tomo I, 2ª edición, Tirant lo Blanch, maio-2005 p. 85.
([41]) Vide CLIMENT DURÁN, Carlos, ob. cit. p. 86.
([42]) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 01-jul.-1993, proc. n.º43022/3.ª.
([43]) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 12-out.-2000 (Dinis Alves), proc. n.º2003/00- 5ª Sessão.
([44]) Cf. Ac. do S.T.J. de 22-mar.-2006 (Silva Flor), proc. n.º 475/06 - 3.ª Secção.
([45]) Cf. Ac. do S.T.J. de 06-abr.-2006 (Rodrigues da Costa), proc. n.º 362/06 - 5.ª Secção.
([46]) Vide Ac. do S.T.J. de 20-abr.-2006 (Rodrigues da Costa), proc. n.º 363/06 - 5.ª Secção.
([47]) Cf. Ac. do S.T.J. de 01-jun.-2006 (Pereira Madeira), proc. n.º 1614/06 - 5.ª Secção.
([48]) Ac. do S.T.J. 08-jun.-2006 (Simas Santos), proc. n.º 1923/06 - 5.ª Secção.
([49]) Cf. neste sentido o Ac. STJ de 29-fev.-1996 (Sousa Guedes), Proc. n.º 048391, in www.dgsi.pt.
([50]) Vide neste sentido Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., 2002, Rei dos Livros, p. 62.
([51]) Vide Ac. STJ de 15-jan.-2004 in www.dgsi.pt.
([52]) Cf. Ac. do STJ de 08-fev.-1996, Proc. n.º 48015.
([53]) Cf. Ac. STJ de 08-mai.-1996, proc. n.º 41824. A.J. n.º 19.
([54]) Cf. SANTOS, Simas / HENRIQUES, Leal, in Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., 2002, Lisboa, Ed. Rei dos Livros, p. 63.
([55]) Cf. SANTOS, Simas / HENRIQUES, Leal, Recursos em processo penal, 6.ª ed. 2007, Lisboa, Editora Rei dos Livros, pp. 71- 72.
([56]) Cf. SANTOS, Simas / HENRIQUES, Leal, Código de Processo Penal Anotado, 2.º vol., 2000, Lisboa, Ed. Rei dos Livros, p. 739.
([57]) Cf. em matéria Cível, REIS, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5.º, p. 141 e VARELA, João de Matos Antunes / BEZERRA, Miguel / SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil 2.ª, Coimbra, Coimbra Editora, 1985,  p. 671. Cf. Ac. do S.T.J. de 22-mar.-2006 (Silva Flor), proc. n.º 475/06 - 3.ª Secção.
([58]) In op. cit., pp. 65, 66 e 67.
([59]) In op. cit. p. 67.
([60]) Cf. BUCHO, José Manuel da Cruz, Notas Sobre o Princípio "In Dubio Pro Reo ", Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, p.49.
([61]) Cf. neste sentido a já acima citado Ac. do S.T.J. de 12-out.-2000 (Dinis Alves), proc. n.º2003/00-5ª.
([62]) FIDALGO, Sónia, Responsabilidade Penal por Negligência no exercício da medicina em equipa, Coimbra Editora, Coimbra 2009, p. 12.
([63]) Salvo casos p. ex., de análises clínicas, próteses dentárias.
([64]) Cf. o art. 4º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina – Assinada em 04-abr.-1997; entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa em 01-dez.-2001.
([65]) O art.º 9.º do Código Deontológico dos Médicos dispõe que: “o médico deve cuidar da permanente atualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica, sendo dever ético fundamental o exercício profissional diligente e tecnicamente adequado às regras de arte médicas”. 
([66]) RODRIGUES, Álvaro da Cunha Gomes, Responsabilidade Médica em Direito Penal, Almedina, Coimbra, 2007, p. 54.
([67]) Igualmente neste sentido vai a posição de Teresa Quintela de Brito que expressa: “ainda que aquela venha a fracassar, não debelando ou minorando a doença ou, até, provocando a morte do doente” (cf. BRITO, Teresa Quintela de, Responsabilidade penal dos médicos, in RPCC, ano 12, n.º 3, p. 372). Quanto a esta temática, Ac. do TRL  de Lisboa, de 18-dez.- 2007 (Emídio Santos), proc. n.º 5965/2007-5, decidiu que: “As intervenções médico-cirúrgicas realizadas por médico, segundo as leges artis e com animus curandi não preenchem a factualidade típica das ofensas corporais e isto tanto nos casos em que a intervenção ou o tratamento são bem sucedidos, como nos casos em que o não são”. Aresto disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3bf852772c07ebcd80257471003694f4?OpenDocument.
([68]) Neste sentido, assinala Costa Andrade a punição dos tratamentos arbitrários como um autónomo e específico crime contra a liberdade (ANDRADE, Manuel da Costa, Anotação ao art. 156.º do CP, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2.ª Edição, p. 599. 
([69]) DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 355.
([70]) DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, ob. cit., p. 864. 
([71]) FRAGATA, José / MARTINS, Luís, O erro em medicina, 4.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2014. P. 43. 
([72]) DIAS, Jorge de Figueiredo, Sobre o Estado atual da Doutrina do Crime, 1ª Parte, in RPCC, ano 1, n.º 1, p. 51. 
([73]) Neste sentido, Taipa de Carvalho refere que “O tipo de ilícito negligente é formado pela ação violadora do dever objetivo de cuidado (“desvalor da ação”) e pela ocorrência de um resultado típico (“desvalor de resultado”), isto é, do resultado cuja evitação constitui a ratio do dever objetivo de cuidado (…). Para a afirmação do tipo de ilícito negligente, tem de existir entre a ação e o resultado uma relação de adequação, ou seja, é necessário que o resultado possa ser objetivamente imputado à ação descuidadamente cuidada.” (cf. CARVALHO, Américo Taipa de, Direito Penal – Parte Geral, vol. II, Teoria Geral do Crime, Universidade Católica, 2004, p. 379). 
([74]) ROXIN, Claus, Problemas Fundamentais de Direito Penal, 3º Edição, 2004, pp. 257-258. 
([75]) COSTA José de Faria, Ilícito – Típico, Resultado e Hermenêutica (ou o retorno à limpidez do essencial), in RPCC, 12, 2002, p.13. 
([76]) DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, ob. cit., p. 896. 
([77]) CARVALHO, Américo Taipa de, Direito Penal – Parte Geral, ob. cit., p. 381. 
([78]) Quanto a este ponto ver com interesse, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, ob. cit., p. 873. 
([79]) Idem, p. 383. 
([80]) FARIA, Paula Ribeiro de, A adequação social da conduta no direito penal ou o valor dos sentidos sociais na interpretação da lei penal, Porto, Universidade Católica, 2005, p. 933. 
([81]) Quanto a este ponto, ver com interesse FARIA, Paula Ribeiro de, A adequação social da conduta, ob. cit., p. 934. 
([82]) MONIZ, Helena, Risco e Negligência na prática clínica, in Revista do Ministério Público 130, abril, junho 2012, p. 98. 
([83]) MONIZ, Helena, Risco e Negligência na prática clínica, artigo cit. p. 98. 
([84]) Neste sentido sentenciou o Ac. do TRP de 04-mar.-2015 (Castela Rio), proc. n.º 44/14.5TOPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
([85]) CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, I vol., p. 257
([86]) ROXIN, Claus, Problemas Fundamentais de Direito Penal, p. 257.
([87]) Neste sentido, a título meramente exemplificativo, refere-se o Ac. do STJ de 15-dez.-2011 (Gregório Silva Jesus), proc. n.º 209/06.3TVPRT.P1.S1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/63396cb57f4db6948025797d00373f36?OpenDocument.
([88]) COSTA, José de Faria, O perigo em direito penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 532.
([89]) RODRIGUES, Álvaro da Cunha Gomes, Responsabilidade médica em direito penal, estudo dos pressupostos sistemáticos, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 283-284.
([90]) Sendo sabido que em medicina não há enfermidades mas sim pessoas doentes.
([91]) In Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, p. 29.
([92]) DIAS Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, Aequitas/editorial Notícias, 1993, p. 210.
([93]) In Código Penal Português, 18.ª ed., 2007 p. 267. Neste sentido, pronuncia-se também a Rel. de Coimbra no Ac. de 17JAN1996, CJ, XXI, t. 1, p. 39.
([94]) Cf. CORDEIRO Adelino Robalo, Escolha e Medida da Pena, nas Jornadas de direito Criminal, CEJ, Lisboa, 1983, p. 238
([95]) In ob. cit., p. 117.
([96]) In Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991.
([97]) Cf. Escolha e medida da pena em Jornadas de Direito Criminal, CEJ.
([98]) Como refere Gonçalves da Costa, citando Roxin, em estudo publicado na RPCC, ano 3.º, n.ºs 2/4, a pp. 328.
([99]) Wolfgang Nauke, Introdução à Parte Especial do Direito Penal, AAFDL, Lisboa, 1989, pp. 15 ss.
([100]) Cf. ponto 2 do preâmbulo do Código Penal de 1982.
([101])JESCHECK, Hans-Heinrich / Thomas WEIGEND · Lehrbuch des Strafrechts: Allgemeiner Teil, 5. Aufl., Berlin: Duncker & Humblot, 1996 p. 795 ss.. (trad. cast. da 5.ª ed.: Tratado de Derecho Penal. Parte General, Granada: Editorial Comares, 2003), p. 825 ss.
([102]) In ob. cit., p. 222.
([103]) Atas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal - Parte Geral, II, Lisboa, 1966, p. 123) e por Sousa e Brito (A Medida da Pena no Novo Código Penal, nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, III, Coimbra, 1990, ps. 558 e ss..
([104]) In ob. cit., p. 227.
([105]) A título exemplificativo refere-se o Ac. do STJ de 24-mai.-1995 (Silva Reis), CJ-STJ, III, t. 2, p. 210.
([106]) DIAS, Jorge de Figueiredo, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, Coimbra, abril de 2001, pp. 110-111, aponta a sua teoria penal da forma seguinte: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela de bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, especialmente negativa ou de intimação ou segurança individuais”.
([107]) In CJ, XXI, t. 1, p. 40.
([108]) In Liberdade, Culpa, Direito Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, p. 184.
([109]) Proc. 4072/04.0TVLSB.C1.S1, 7.ª, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f0fe3fbcf1aeff8e80257b21003affa6?OpenDocument
([110]) DR, I Série, n.º 98, 22-mai.-2014, pp. 2926-2943.
([111]) No sentido de que ambos condenados pelo crime integrado por esse facto ilícito, são efetivamente os dois responsáveis solidariamente pelo pagamento da indemnização, nos termos do art. 497.º, n.º 1, a menos que tenha havido transferência dessa responsabilidade para terceiro sentenciou o Ac. do STJ de 30-abr.-2014 (Manuel Braz), proc. 168/11.0GBSVV.C1.S1, 5.ª disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2cfeb375ee7c349180257ce70053bf4a?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidade,solid%C3%A1ria