Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
168/11.0GBSVV.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANO
Data do Acordão: 04/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA RECORRIDA E PROVIDO O RECURSO DOS RECORRENTES
Área Temática:
DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL - SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS / PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL - RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 497.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC), APROVADO PELA LEI 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 671.°, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 72º, Nº 1, ALÍNEA C), 400.º, N.º3, 414.º, N.º2, 420º, Nº 1, ALÍNEA B).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 148.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, N.º 1/2002, PUBLICADO NO DR, I SÉRIE, DE 21/05/2002.
Sumário :

I - O tribunal de 1.ª instância, com base num contrato de seguro de responsabilidade civil, condenou a seguradora a pagar aos demandantes, solidariamente com os demandados L e N, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 143 500, acrescida de juros de mora. A Relação, sem voto de vencido e com o mesmo fundamento, confirmou a condenação da seguradora no pagamento desse valor (não confirmando a condenação dos demandados L e N no pagamento solidário desse montante indemnizatório). No recurso para o STJ a seguradora põe em causa a decisão da Relação somente na parte em que teve como fundada a sua condenação em indemnização, conformando-se com a parte da decisão que afastou a responsabilidade solidária de L e N.
II - Nos termos do art. 671.°, n.º 3, do novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26-06, que entrou em vigor em 01-09-2013, «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte». Esta norma é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados no processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP.
III -Sendo o facto ilícito gerador dos danos praticados pelos demandados L e N, ambos condenados pelo crime integrado por esse facto ilícito, são efectivamente os dois responsáveis solidariamente pelo pagamento da indemnização, nos termos do art. 497.º, n.º 1, do CC, a menos que tenha havido transferência dessa responsabilidade para terceiro.
IV - No caso, houve essa transferência, para a demandada V, mas apenas por parte de um dos responsáveis – a demandada L. O demandado N não transferiu a sua responsabilidade, nada o desonerando por isso da obrigação de indemnizar que o facto ilícito de que foi agente lhe criou. Continua, pois, responsável pelo pagamento dos danos, agora solidariamente com V, que, em função do contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com L, substitui esta na obrigação de indemnizar.

Decisão Texto Integral:

                        Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

            Por sentença de 12/12/2012, o tribunal de 1ª instância, no que agora importa, decidiu:

            a) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, p. e p. pelos artºs 277º, nºs 1, alínea a), e 2, e 285º, com referência ao art.º 137º, nº 2, todos do CP, na pena de 12 meses de prisão, substituída por 365 dias de multa, à razão diária de € 5,00;

b) condenar a arguida BB Construções, Lda., pela prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, p. e p. pelos artºs 277º, nºs 1, alínea a), e 2, e 285º, com referência aos artºs 11º, nºs 2, alínea a), e 4, e 137º, nº 2, todos do CP, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de € 5,00;

c) absolver o arguido CC da prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, p. e p. pelos artºs 277º, nºs 1, alínea a), e 2, e 285º, com referência ao 137º, nº 2, todos do CP.

            d) julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, NN, OO e PP, condenando os demandados civis BB Construções, Lda., AA e QQ – Seguros, SA a pagar-lhes, solidariamente, a quantia de € 143.500,00, acrescida de juros  de mora desde a notificação para o contestar, até efectivo e integral pagamento;

            e) absolver do pedido o arguido/demandado CC.

            Dessa sentença interpuseram recurso para a Relação de Coimbra a demandada QQ – Seguros, SA e os arguidos/demandados BB, Lda. e AA.

            A Relação, por acórdão de 10/12/2013, julgou:

            a) improcedente o recurso da demandada QQ – Seguros, SA;

            b) parcialmente procedente o recurso dos arguidos/demandados BB, Lda. e AA, absolvendo-os do pedido de indemnização.

            No mais manteve o decidido em 1ª instância.

            Do acórdão da Relação interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a demandada QQ – Seguros, SA e os demandantes, concluindo a sua motivação nos termos que se transcrevem:

                                                                       A demandada QQ – Seguros, SA:

            «1. Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 238º nº 1 do Código Civil e o nº 1 do artigo 10º da LCCG.

2. A interpretação que o Tribunal “a quo” faz das cláusulas 3ª e alínea d) do nº 1 da cláusula 5ª da apólice 10367326, não tem um mínimo de correspondência, quer no texto da cláusula, quer no contexto singular do contrato em que esta se inclui.

3. Relativamente à Cláusula 3ª (garantias do contrato) esta prevê que “O Segurador garante, até ao limite do capital fixado nas condições particulares, o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado, pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais acidentalmente causados a terceiros, de harmonia com o estipulado nas Condições Gerais”.

4. A conduta da Demandada “BB Construções, Lda.” não causou aos Demandantes nem lesões corporais, nem lesões materiais, pelo que não podemos falar na existência de danos patrimoniais ou não patrimoniais decorrentes de lesões que, simplesmente, não existiram.

5. O que os Demandantes reclamam são outro tipo de danos que não se confundem com os acima referidos, a saber: a perda do direito à vida do pai e marido, os danos morais causados ao falecido RR, os danos morais causados aos demandantes pela morte do pai e marido e os lucros cessantes decorrentes dessa morte.

6. A interpretação dada pelo Acórdão recorrido, que considera, ao invés do que consta da referida cláusula, que o contrato em questão cobre todos os danos (e não só os patrimoniais e não patrimoniais), decorrentes de todo o tipo de lesões (e não apenas das lesões corporais e/ou materiais) que sejam provocadas pela Segurada a todas e quaisquer pessoas (e não apenas a terceiros), no entender da Recorrente, não tem um mínimo de correspondência, quer no texto da cláusula, quer no contexto singular do contrato em que esta se inclui, violando, deste modo, o disposto no artigo 238º, nº 1 do Código Civil e o nº 1 do artigo 10º da LCCG.

7. Relativamente à alínea d) do nº 1 da cláusula 5ª, a mesma estabelece que se encontram excluídos “os danos causados aos empregados, assalariados ou mandatários do segurado, quando ao serviço deste e desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na legislação sobre acidentes de trabalho”.

8. A razão de ser da existência da presente exclusão prende-se com o facto de se pretender evitar a acumulação de indemnizações pelo mesmo dano, o que se verificaria se a ora Recorrente fosse condenada no âmbito do processo-crime e, simultaneamente, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, caso em que a viúva do malogrado sinistrado iria ser ressarcida duplamente e, injustamente, em consequência do mesmo dano.

9. Não pode colher a interpretação dada pelo Tribunal “a quo” à referida cláusula., visto que as duas responsabilidades não se excluem reciprocamente.

10. Com efeito, o acidente de trabalho ainda irá ser apreciado em sede própria, sendo certo que é aí que a ora Recorrente terá de provar as circunstâncias que permitem a recusa de responsabilidade nos termos do nº 1 do artº 18º da Lei 98/2009, porquanto a decisão penal não evita que a mesma questão – violação das regras de segurança por parte da entidade patronal – seja novamente avaliada em sede de Tribunal do Trabalho.

11. Ao interpretar a presente cláusula da forma como o faz, o Tribunal “a quo” viola o preceituado no artigo 238º, nº 1 do Código Civil e o nº 1 do artigo 10º da LCCG, já que não tem um mínimo de correspondência quer no texto da cláusula, quer no contexto singular do contrato em que esta se inclui.

12. Termos em que deve o Acórdão recorrido ser revogado na parte relativa à condenação da Recorrente, no pagamento do pedido cível, assim a absolvendo.

Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido em conformidade com as presentes alegações e, em consequência, absolver-se a ora Recorrente do pedido, assim fazendo Vossas Excelências, como sempre, a costumada JUSTIÇA».

                                                                       Os demandantes:

            «1. Nos presentes autos foram condenados pela prática de um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado os arguidos AA e a sociedade comercial BB, Construções Lda.

2. Tendo esta arguida, BB, Construções Lda. transferido a sua responsabilidade civil, mediante pertinente contrato de seguro, para a Companhia de Seguros QQ S.A.,

3. Deveria esta companhia de seguros ter sido condenada no pagamento do pedido de indemnização civil arbitrado aos demandantes civis solidariamente com o arguido AA, dado ser solidária a responsabilidade civil por factos ilícitos.

4. Termos em que, ao absolver do pedido de indemnização civil o arguido AA – o que, admite-se, terá acontecido por lapso – violou o douto acórdão recorrido o disposto nos arts. 497°, n° 1 e 513° do Código Civil.

Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA».

Respondendo ao recurso da demandada seguradora, os demandantes defendem a sua improcedência, chamando a atenção para o lapso da recorrente na parte em que afirma ter sido condenada a pagar a quantia de € 113 500, pois a condenação foi no pagamento de € 143 500.

Os recursos foram admitidos.

Não foi requerida a realização de audiência.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

            «1. A arguida BB Construções, Lda. é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Sever do Vouga, sob a matrícula nº 502531533, tendo como objecto social a construção civil e obras públicas, sendo seus gerentes e legais representantes os arguidos AA e CC. 

2. No exercício da sua actividade profissional, a empresa BB, Lda. foi contratada pela empresa SS, Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda., dona da obra, para a execução de paredes novas em alvenaria para WC, no rés-do-chão e piso 1, complementando as já existentes, e para conclusão de alvenarias inacabadas no interior do Edifício – Antigas Instalações da Imoc, S.A., sito na Rua da Indústria, Zona Industrial dos Padrões, Sever do Vouga, área deste concelho e comarca.

3. Para esse efeito, a arguida BB, Lda. apresentou à SS Lda. um orçamento do custo da obra a executar, datado de 21 de Maio de 2011, no valor de € 3.750,00, acrescido de IVA.

4. A execução dos trabalhos contratados e descritos no orçamento apresentado não carece de controlo prévio pelos Serviços Camarários e do respectivo licenciamento, pelo que a dona da obra, a empresa SS Lda., não dispunha do Livro de Obra nem de Director Técnico de Obra.

5. Os trabalhadores da arguida BB Construções, Lda. iniciaram a execução dos referidos trabalhos no dia 30 de Maio de 2011, sob a orientação e direcção dos sócios gerentes AA e CC.

6. O trabalhador RR , até ao dia 6/6/2011, exercia funções de oficial de pedreiro por conta da arguida BB Construções Lda., tendo sido admitido aos serviços daquela em Janeiro de 1990.

7. Sucede que, no dia 6/6/2011, pelas 15h45m, estando no interior do Edifício – Antigas Instalações da Imoc, S.A., supra identificado, juntamente com o trabalhador TT, e sob orientação e supervisão do sócio-gerente da arguida BB Lda., AA, RR , encontrava-se em obra a picar com um martelo/picadeira tijolos de uma parede interior da construção, parede construída há já alguns anos, com o intuito de nela abrir orifícios para introduzir argamassa quando, a dado momento, a referida parede tombou e caiu ao solo.

8. O arguido AA, apercebendo-se que a parede ia cair, gritou para os trabalhadores fugirem, mas apenas o trabalhador TT o conseguiu fazer.

9. De facto, o trabalhador RR não conseguiu fugir e foi atingido pela parede em queda e respectivos materiais que a constituíam, ficando por baixo dos mesmos, não resistindo aos ferimentos provocados pela queda daquela, tendo acabado por falecer ainda no local.

10. Em consequência, para a vítima mortal RR resultaram as lesões descritas no relatório da autópsia e que consistiram em lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, faciais e torácico-abdominais-pélvicas.

11. Tais lesões foram a causa directa da morte de RR, que ocorreu pelas 16h35m, desse mesmo dia 6/6/2011.

12. À data do acidente, a vítima RR tinha 65 anos de idade.

13. A parede de tijolos tombou/ruiu e atingiu RR porque tinha falta de massa na última fiada de tijolos, junto à laje do tecto, e uma pequena fissura na massa de ligação à parede junto do tecto, pelo que não tinha travamento da alvenaria, não se encontrava rebocada e não tinha pilares e vigas de travamento em betão armado.

14. Uma parede em tais circunstâncias apresenta muita fragilidade em termos de estabilidade e com probabilidade de ruir, sendo esse risco aumentado se forem executados trabalhos nessa mesma parede, nomeadamente os que provocam vibração, como o picar com martelo/picadeira.

15. Os arguidos AA e CC, gerentes e legais representantes da arguida BB Construções, Lda., entidade empregadora do sinistrado RR, em momento prévio ao início da execução dos trabalhos, deslocaram-se ao local onde os trabalhos orçamentados iriam ser executados e, não obstante terem tomado conhecimento do aludido estado da parede que tombou/ruiu, não elaboraram fichas de procedimentos de segurança para a execução dos trabalhos contratados, nomeadamente prévio escoramento e travamento das paredes já existentes, e deram início à execução dos trabalhos, sem que pelo dono da obra fosse apresentado, ou por aqueles solicitado, relatório de avaliação de riscos relativos aos trabalhos a executar.

16. Por força da respectiva actividade, estava ao alcance do arguido AA, legal representante da arguida BB, Lda., ponderar, e era obrigação dele fazê-lo, que a obra a ser executada nos termos em que o foi – picar a parede de tijolos sem que a mesma estivesse escorada ou com qualquer travamento – proporcionava a possibilidade da parede supra identificada tombar/ruir, e, desse modo, afectar a integridade física e a vida de quem aí se encontrasse, nomeadamente a executar tal tarefa.

17. Porém, o arguido AA não representou essa possibilidade nem a da morte de quem aí se encontrasse a executar tal tarefa, no caso a morte de RR .

18. Os arguidos AA e CC como responsáveis da execução da obra, na qualidade de representantes da entidade empregadora do falecido, a arguida BB Construções Lda., deveriam ter garantido a observância das obrigações previstas no artigo 14º nº 1 do DL 273/2003, de 29/10 e nos artºs 19º, nº 1, 20º, nºs 1 e 2 e 73º do DL nº 102/2009, de 10/9, deveriam igualmente ter garantido a observância de regras de segurança na execução dos trabalhos, assegurando aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho e procedendo, na concepção dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção.

19. O arguido AA, na qualidade de legal representante da arguida BB Construções, Lda., não manifestou o cuidado que o dever geral de providência aconselha e que podia e devia ter, pondo em perigo a segurança dos trabalhadores, devendo ter evitado um resultado que podia e devia prever, caso tivesse agido com diligência e cumprido as obrigações que a lei impunha na execução da construção e para prevenção dos acidentes nessa actividade.

20. Sabia o arguido AA que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. 

21. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

22. Os arguidos são tidos como pessoas honestas, trabalhadoras, geralmente cumpridoras com as normas de segurança.

23. O arguido AA aufere € 555,00 mensais na firma BB Construções, Lda., exercendo a sua actividade na área de alvenaria; é casado, sendo a sua esposa funcionária desta, onde aufere € 240 mensais; tem 4 filhos, sendo 3 já maiores de idade e um com 16 anos; vive em casa própria, despendendo € 120,00 mensais, alusivos ao empréstimo que contraiu para a sua aquisição; tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.

24. O arguido CC aufere € 555,00 mensais na firma BB Construções, Lda., exercendo a sua actividade na área de acabamentos; é casado, sendo a sua esposa auxiliar num Jardim-de-Infância, onde aufere € 480,00 mensais; tem 3 filhos maiores de idade; vive em casa própria, despendendo € 110,00 mensais, alusivos ao empréstimo que contraiu para a sua aquisição; tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.

25. A sociedade arguida possui 10 funcionários, apenas apresentou lucros até ao ano de 2011, sendo que no exercício de 2011 apresentou um resultado negativo de € 28.510,23, e ao longo de 20 anos nunca registou qualquer acidente de trabalho com gravidade.

26. O RR era trabalhador por conta da sociedade arguida desde Janeiro de 1990, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de pedreiro, auferindo um salário mensal no valor de € 545,00, a que acrescia uma subsídio de refeição no valor de € 112,86 mensais.

27. À data da sua morte RR Silva era casado com DD, sob o regime de comunhão geral de bens, desde 25/3/1967, o que representou para esta um enorme sofrimento e desgosto.

27. RR Silva deixou 6 filhos: EE, nascido a 11/2/1968, casado com FF, sob o regime de comunhão geral de bens; GG, nascido a 11/4/1971, casado com HH, sob o regime de comunhão geral de bens; II, nascido a 21/8/1972, casado sob o regime de comunhão de adquiridos; JJ, nascido a 17/7/1974; NN, nascido a 19/9/1975, casado sob o regime de comunhão de adquiridos; e OO, nascido a 13/8/1977, casado com PP, sob o regime de comunhão geral de bens.

28. Todos os filhos amavam o seu pai e mantinham boas relações com ele, pelo que sentiram um profundo desgosto com a sua morte, particularmente JJ que com ele e com a sua mãe vivia desde sempre.

29. À data da sua morte, o RR era um homem saudável e bem-disposto.

30. A sociedade arguida BB Construções, Lda. havia transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho para Companhia de Seguros QQ, S.A., mediante contrato de seguro, titulado pela apólice nº 10339305 e a responsabilidade civil geral, mediante contra-to seguro, titulado pela apólice nº 10367326».

Apreciando:

1. Recurso da demandada QQ – Seguros, SA:

O tribunal de 1ª instância, com base no contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice nº 10367326, referido no facto nº 30, condenou a seguradora a pagar aos demandantes, solidariamente com os demandados BB Construções, Lda. e AA, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 143 500, acrescida de juros de mora.

A Relação, sem voto de vencido, confirmou a condenação da seguradora no pagamento desse valor, com o mesmo fundamento. O que a Relação não confirmou foi a condenação dos também demandados BB Construções, Lda. e AA no pagamento solidário do montante indemnizatório.

No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a seguradora põe em causa a decisão da Relação somente na parte em que teve como fundada a sua condenação em indemnização com base naquele contrato de seguro de responsabilidade civil, conformando-se com a parte da decisão que afastou a responsabilidade solidária dos demandados BB Construções, Lda. e AA.

Quer isso dizer que na parte recorrida, que pode ser separada da não recorrida, o acórdão da Relação é confirmatório da sentença de 1ª instância.

Nos termos do artº 671º, nº 3, do novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor em 01/09/2013, «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte».

Esta norma é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados no processo penal, por força do disposto no artº 4º do CPP, como passa a demonstrar-se

No domínio da versão do CPP anterior à resultante da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão nº 1/2002, publicado no DR, I série, de 21/05/2002, fixou a seguinte jurisprudência: «No regime do Código de Processo Penal vigente – nº 2 do artigo 400º, na versão da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente acção penal». Negava, pois, esta jurisprudência que o critério de admissibilidade de recurso dos acórdãos proferidos em recurso pelas relações relativamente à acção civil de indemnização instaurada no processo penal fosse o mesmo que vigorava no processo civil: valor do pedido superior à alçada da Relação e valor da sucumbência superior a metade dessa alçada.

A Lei nº 48/2007 acrescentou um nº 3 ao artº 400º do CPP, com o seguinte texto: «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil». Com esta norma quis-se claramente afirmar solução oposta àquela a que chegou o referido acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, estabelecendo-se sem margem para dúvidas, ao que se julga, que as possibilidades de recurso relativamente ao pedido de indemnização são as mesmas, seja o pedido deduzido no processo penal ou em processo civil. É nesse sentido inequívoca a afirmação com que na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X se justificou a disposição: «Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal».

Se o legislador do CPP quis consagrar a solução de serem as mesmas as possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e em processo civil, há que daí tirar as devidas consequências, concluindo-se que uma norma processual civil, como a do nº 3 do artº 671º do CPC, que condiciona, nesta matéria, o recurso dos acórdãos da Relação, nada se dizendo sobre o assunto no CPP, é aplicável ao processo penal, havendo neste, em relação a ela, caso omisso. Até porque o legislador do CPP, na versão da Lei nº 48/2007, afirmou a igualdade de oportunidades de recurso em processo civil e em processo penal, no que se refere ao pedido de indemnização, numa altura em que já fora publicado o DL nº 303/2007, que introduzia no processo civil norma correspondente – o nº 3 do artº 721º do anterior CPC – à do nº 3 do artº 671º do actual CPC.  

Por outro lado, a aplicação do nº 3 desse artº 671º ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal não cria qualquer desarmonia com as normas do processo penal.

Não existe, efectivamente, razão para que em relação a duas acções civis idênticas haja diferentes graus de recurso apenas em função da natureza civil ou penal do processo usado, quando é certo que neste último caso a acção civil conserva a sua autonomia. Pode mesmo dizer-se que outro entendimento que não o aqui defendido conduziria ao inquinamento da decisão a tomar pelo lesado nos casos em que a lei lhe permite deduzir em separado, perante os tribunais civis, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime. Pense-se, por exemplo, no caso de danos ocasionados pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência da previsão do artº 148º, nº 3, do CP, em que o pedido de indemnização tanto pode ser formulado em processo civil como no processo penal, nos termos do artº 72º, nº 1, alínea c), do CPP. A opção pelo processo civil estaria clara e injustificadamente condicionada, se a norma limitativa do nº 3 do artº 671º do CPC não se aplicasse ao pedido deduzido no processo penal.

Deste modo, o recurso da demandada QQ – Seguros, SA, tendo por objecto questão relativamente à qual existe dupla conforme, não é admissível.

Não devia por isso, face ao disposto no artº 414º, nº 2, do CPP, ter sido admitido.

Tendo-o sido, deve agora ser rejeitado, nos termos do artº 420º, nº 1, alínea b), deste último código.

2. Recurso dos demandantes:

Os demandados BB Construções, Lda. e AA, tendo sido condenados em 1ª instância a pagarem, solidariamente com QQ – Seguros, SA, o referido montante indemnizatório aos demandantes, defenderam no recurso para a Relação que, por força do contrato de seguro de responsabilidade civil referido no facto nº 30, a seguradora teria que ser a única condenada a ressarcir os danos.

A Relação considerou que o caso dos autos é de responsabilidade por facto ilícito, traduzido na prática de um crime. Afirmou que essa responsabilidade é solidária, nos termos do artº 497º, nº 1, do Código Civil. E concluiu que, por “a responsabilidade civil em causa” haver sido transferida para a demanda QQ – Seguros, SA, é sobre esta que impende a obrigação de indemnizar, visto inexistir causa que exclua essa obrigação.

Sendo o facto ilícito gerador dos danos praticado pelos demandados BB Construções, Lda. e AA, ambos condenados pelo crime integrado por esse facto ilícito, são efectivamente os dois responsáveis solidariamente pelo pagamento da indemnização, nos termos do artº 497º, nº 1, a menos que tenha havido transferência dessa responsabilidade para terceiro. No caso, houve essa transferência, para a demandada QQ – Seguros, SA, mas apenas por parte de um dos responsáveis – a demandada BB Construções, Lda. O demandado AA não transferiu a sua responsabilidade, nada o desonerando por isso da obrigação de indemnizar que o facto ilícito de que foi agente lhe criou. Continua, pois, responsável pelo pagamento dos danos, agora solidariamente com QQ – Seguros, SA, que, em função do contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com BB Construções, Lda., substitui esta na obrigação de indemnizar.

Não pode, pois, manter-se a decisão da Relação que absolveu do pedido o demandado AA, que será condenado nos termos em que o fora pelo tribunal de 1ª instância.

Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça decidem:

a) Rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso da demandada QQ – Seguros, SA;

b) Dar provimento ao recurso dos demandantes e, em consequência, revogar a decisão da Relação que absolveu do pedido o demandado AA, que vai condenado no pagamento da indemnização aos demandantes, solidariamente com QQ – Seguros, SA;

c) Manter no mais a decisão da Relação.

A demandada QQ – Seguros, SA, relativamente ao recurso por si interposto, vai condenada a pagar as custas, bem como, ao abrigo do nº 3 do artº 420º do CPP, a quantia de 3 UC.

No respeitante ao recurso dos demandantes, as custas são da responsabilidade do demandado AA.

Lisboa,  30 de Abril de 2014

 
Manuel Braz (relator)
Isabel São Marcos