Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4072/04.0TVLSB.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LESÃO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
COMA PROLONGADO DO LESADO
Data do Acordão: 02/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 198 e seguinte.
- Joaquim José de Sousa Dinis, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, in CJ-STJ, V, 2, 13 e CJ-STJ, IX, 1, 7.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 496.º.
Referências Internacionais:
PROGRAMA DA HARVARD MEDICAL SCHOOL PORTUGAL/”O QUE É UM COMA E ESTADO VEGETATIVO PERSISTENTE?”.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23.102008 – PROCESSO 08B2318;
-DE 25.11.2009 - PROCESSO 397/03.0GEBNV.S1;
-DE 26.11.2009 - PROCESSO 3533/03.3TBOAZ.P1.S1;
-DE 13.4.2010 - PROCESSO 4028/06.9TBVIS.C1.S1;
-DE 27.5.2010 - PROCESSO 8629/05.4TBBRG.G1.S1;
-DE 14.9.2010 – PROCESSO 267/06.0TBVCD.P1.S1;
-DE 30.9.2010 - PROCESSO 935/06.7TBPTL.G1.S1;
-DE 07.10.2010 - PROCESSO 2171/07.6TBCBR.C1.S1;
-DE 21.10.2010 - PROCESSO 1331/2002.P1.S1;
-DE 11.11.2010 - PROCESSO 270/04.5TBOFR.C1.S1;
-DE 02.3.2011 -PROCESSO 1639/03.8 TBBNV.L1;
-DE 07.6.2011 - PROCESSO 524/07.9TCGMR.G1.S1;
-DE 16.02.2012 - PROCESSO 1043/03.8TBMCN.P1.S1;
TODOS PUBLICADOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Ponderados os padrões seguidos actualmente pela jurisprudência, é adequado o valor indemnizatório de €125.000 para compensação  dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado no período temporalmente prolongado que precedeu a morte, num caso cujos traços fundamentais se traduzem no seguinte quadro:

 - acidente que originou lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões cerebrais e neurológicas, que implicaram – para lesado com cerca de 40 anos - um estado clínico persistente e irreversível de coma vegetativo, prolongado por quase 6 anos, abrangendo, quer os 3 anos de internamento hospitalar, quer o período posterior, em que o lesado teve alta e permaneceu em casa dos seus familiares, acamado e totalmente dependente para as mais elementares actividades da vida diária e de subsistência física, até acabar por sucumbir às gravíssimas sequelas das lesões causadas pelo acidente - não ficando demonstrado que o lesado, nesse prolongado estado de coma,  tivesse – face à inconsciência profunda e perda de funções cognitivas - efectiva consciência do estado de total incapacidade em que se encontrava.

2. Na verdade, é pertinente distinguir, para efeitos de cômputo da indemnização, entre o plano objectivo da perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objectiva de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, que ocorre independentemente da percepção cognitiva pelo lesado do estado em que se encontra, envolvendo a drástica carência de autonomia e de eliminação das possibilidades de realização pessoal; e o plano subjectivo, decorrente de – a tal estado objectivo – se ter de adicionar o sofrimento psicológico necessariamente inerente à consciência, ainda que difusa ou mitigada, da total falta de autonomia pessoal e de qualidade de vida e da frustração irremediável de todos os projectos e satisfações alcançáveis no decurso da vida pessoal do lesado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.. AA instaurou acção com processo ordinário contra Companhia BB, S. A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 750 000, acrescida de juros moratórios, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação, no qual interveio o veículo de matrícula 00-00-00, onde seguia o A..

Tendo a Ré contestado e o A. replicado, este, na sequência dos despachos de fls. 78 e 92, apresentou novas petições iniciais  “corrigidas”, dirigidas contra CC Companhia de DD, S. A., Transportes EE, Lda., e Companhia de Seguros FF, S.A., pedindo a condenação dos três primeiros demandados, solidariamente, a indemnizarem o A. no montante de € 770 000 por danos patrimoniais e não patrimoniais [estes, no valor de € 300 000, em virtude do sofrimento causado à sua família, da desestruturação familiar e da degradação pessoal e moral que implica a situação de impotência para gerir o destino inerente à situação de comatose/coma vegetativo] e respectivos juros e, subsidiariamente, a condenação da última demandada a indemnizar o A. em igual quantia.

Alegou, em síntese, que no dia 06.7.2001 ao km 248,4 da Estrada Nacional n.º 1, ocorreu um acidente de viação envolvendo o veículo de matrícula 00-00-00, tripulado por GG, pertencente ao A. e no qual este seguia como passageiro, e o veículo de matrícula 00-00-00, conduzido pelo 1º Réu, propriedade da 3ª Ré e cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros se encontrava transferida para a Ré DD através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 00000000000, imputando ao condutor do veículo 00 a responsabilidade pela produção do sinistro.

Citados os 1º, 2º e 3ºs Réus e notificada a 4ª Ré, as Rés Seguradoras contestaram, tendo a Ré DD referido, nomeadamente, que o pretenso direito do A. se encontraria prescrito e que o acidente de viação em apreço ficara a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo 00.

            O A. replicou, concluindo pela improcedência da defesa por excepção e reiterando os termos da petição inicial..

            Após saneamento e condensação, mostrando-se comprovado o falecimento do A., , foram os seus herdeiros (viúva e filhos) habilitados para ocuparem a sua posição (apenso B).

            Foram ainda apensadas a estes autos a acção de processo ordinário n.º 678/06.1TBALB (apenso C) – movida por Centro Hospitalar de Lisboa contra HH, GG, Fundo de Garantia Automóvel e Companhia de DD, S. A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 83 567,89, acrescida de juros moratórios desde a citação dos Réus, a título de reembolso das despesas hospitalares com os cuidados de saúde prestados ao 1º Réu, pedido que veio a ser contestado pelo 3º Réu e pela 4ª Ré – e a acção de processo ordinário n.º 384/10.2 T2AND (apenso D), intentada por II e outros contra as Seguradoras DD, S. A., e BB, S. A., pedindo a condenação das Rés a pagar-lhes a quantia de € 208 631,69 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e correspondentes juros moratórios, invocando, para o efeito, designadamente, a sua condição de viúva (1ª A.) e filhos (restantes AA.) do falecido A. nos autos principais, a existência de diversos danos derivados do acidente dos autos [nomeadamente, o dano de perda da vida da vítima, danos não patrimoniais da 1ª A. e danos não patrimoniais de cada um dos 2º, 3º, 4º e 5º AA., reclamando, a esse título, as quantias de € 50 000, € 25 000 e € 20 000 x 4, respectivamente] e a transferência da responsabilidade, acção que veio a ser contestada pelas Rés Seguradoras.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença em que se teve por improcedente a invocada excepção de prescrição , julgando-se a acção principal e a acção do apenso D parcialmente procedentes e provadas e a acção do apenso C procedente, por provada, e, em consequência, condenando-se a Ré Companhia de DD, S. A., a pagar aos habilitados na pessoa do falecido A. AA a indemnização de € 150 000 [autos principais], a pagar aos AA. II, JJ, KK, LL e MM a indemnização de € 151 955,60 [apenso D] e a pagar ao Centro Hospitalar de Lisboa a quantia de € 83 567,89 [apenso C], acrescidas dos respectivos juros moratórios.

2. Inconformados quanto ao decidido na acção principal, a Ré Seguradora e os AA./habilitados interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso da R. e improcedente o dos AA., condenando a Ré a pagar aos AA./habilitados na pessoa do falecido A. AA a compensação de € 75 000 (setenta e cinco mil euros) [autos principais], mantendo-se no mais o decidido, com base na seguinte argumentação:

Ficou provado, designadamente, que do embate resultaram para o A./vítima (então, com 40 anos de idade) lesões corporais e cerebrais que apresentaram um quadro clínico de irreversibilidade; em consequência do referido embate, foi imediatamente transportado de ambulância para o Hospital Universitário de Coimbra e, posteriormente, após a estabilização da sua situação clínica, foi transferido para o Hospital de S. José, onde esteve internado 40 dias; na sequência do embate e em consequência deste, esteve internado no Hospital de São José, em Lisboa, em estado de coma/vegetativo, após o que foi transferido para casa de um familiar; em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio encefálico grave em coma profundo (Score 4 G.C.S. – Escala de Glasgow) à entrada, tendo feito TAC que revelou múltiplos focos de contusão, HSA e edema cerebral difuso; durante o internamento no Hospital Universitário de Coimbra fez quadros de insuficiência respiratória aguda com derrame pleural e infecção respiratória e hidrocefalia, tendo sido aí entubado (Oro-traquial), ventilado e feito colocação de drenagem ventricular externa e posterior drenagem ventricular peritonal; em inícios de Setembro de 2001, quando da transferência para o Departamento de Neurocirurgia do Hospital de São José, mantinha coma (Socre 9 G.C.S. - escala de Glasgow), com polipneia, com intubação oro-traquial e nasogástrica e efectuou TAC-CE de controlo que revelou dilatação ventricular sem sinais de actividade ou hemorragia; foi aí operado por ortopedia às fracturas do membro superior direito (osteossíntese); em 22.3.2002, apresentava Score 10 G.C.S. mantido, em ventilação espontânea, traqueostomizado, hemodinamicamente estável; teve alta hospitalar em 20.4.2004, com o estado clínico de coma/vegetativo; desde a respectiva alta hospitalar e até ao seu falecimento, a 10.02.2007 - aos 46 anos de idade e em consequência das ditas lesões -, encontrava-se acamado e totalmente dependente de terceiros para todas as actividades da vida diária, nomeadamente, precisando de ajuda total para higiene, alimentação, mobilização e hidratação; dos vários anos decorridos até ao falecimento verificou-se uma quase definitiva anquilose de todos os grupos articulares dos membros, estando o agora falecido incapaz de comunicar; até morrer, era necessário mudar o saco de urina todas as 5/6 horas ao inditoso Hossain e eram necessárias duas/três pessoas para mudarem os lençóis e procederem à respectiva limpeza corporal; a vítima e a mulher mantinham um casamento feliz, e eram muito unidos; havia procurado em Portugal a forma de sustentar a respectiva família; até à data do acidente, era um homem saudável, trabalhador e com grande alegria de viver, com grande preocupação pelo bem-estar da sua família e muito amigo da família.

                O Tribunal recorrido considerou que a situação em análise enquadrava danos não patrimoniais consubstanciados no estado vegetativo (…) por causa das lesões corporais e cerebrais irreversíveis em consequência do acidente e que era por demais gritante que os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, em vida, em resultado do acidente de viação, em discussão, merecem a tutela do direito, tendo em consideração as repercussões profundamente nocivas que tiveram para a vida diária do A., em todas as dimensões da sua condição humana, concluindo – em face da dimensão e gravidade acentuadíssimas das lesões sofridas e das sequelas gravíssimas daí resultantes que apresentou (em consequência das quais viria a morrer), quer na capacidade de afirmação pessoal aos mais variados níveis, quer na sua aparência física (estado vegetativo) – estarem em causa prejuízos particularmente graves e que era adequado fixar-se uma compensação por todos os danos não patrimoniais sofridos pela A. no montante de € 150 000.

                6. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que os elementos disponíveis apontam para a existência de um quadro fáctico que merece adequada compensação mas, face à relativa insuficiência desses elementos para caracterizar o grau de consciência do lesado acerca do seu estado físico e psíquico (e da realidade em geral), parece-nos que o valor da compensação em causa não deverá ultrapassar metade da importância fixada pelo Tribunal a quo, e que se justifica, sobretudo, pelo relativamente longo tempo de sobrevivência do lesado em condições de profunda limitação enquanto ser humano e cuja dignidade e liberdade reclamam, também aqui, adequada ponderação.

A matéria em apreço não é isenta de dificuldades.

Tem-se considerado, no que respeita à “valorização” dos danos (dores) sofridos pela vítima antes de morrer, que o “quantum indemnizatório/compensatório” se deverá situar “entre o limite zero (caso de morte instantânea, sem qualquer sofrimento ou caso de coma profundo desde o acidente até à morte) e aquele outro situado em plano aquém do que for entendido como adequado pela perda do direito à vida”, em função “do sofrimento e da respectiva duração, da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado e aproximação da morte"[1].

 Porém, também em razão das próprias limitações do conhecimento científico e porque, em derradeira análise, mesmo em casos de acidentados que ficam definitivamente em coma, haverá sempre que compensar as inerentes graves restrições à liberdade e ter em atenção o valor supremo da dignidade do ser humano (art.º 1º, da Constituição da República Portuguesa)[2], não vemos alternativa à fixação de uma compensação e que se antolha efectivamente devida.

7. No caso vertente, sabemos que a vítima sofreu lesões corporais e cerebrais que apresentaram um quadro clínico de irreversibilidade, com a seguinte evolução: a) traumatismo crânio-encefálico grave em coma profundo (Score 4 G.C.S. – Escala de Glasgow) à entrada, tendo feito TAC que revelou múltiplos focos de contusão, HSA e edema cerebral difuso; b) em inícios de Setembro de 2001, quando da transferência para o Departamento de Neurocirurgia do Hospital de São José, mantinha coma (Socre 9 G.C.S. - escala de Glasgow), com polipneia, com intubação oro-traquial e nasogástrica; c) em 22.3.2002, apresentava Score 10 G.C.S. mantido, em ventilação espontânea, traqueostomizado, hemodinamicamente estável; d) a alta hospitalar teve lugar a 20.4.2004, com o estado clínico de coma/vegetativo, situação mantida até ao falecimento.

Face a estes elementos podemos afirmar que, depois do acidente, a vítima veio a melhorar o seu quadro clínico (cf., ainda, por exemplo, o documento de fls. 318) – o que, de resto, explica ou está associado ao período de sobrevivência de 5 anos, 7 meses e 5 dias (05.7.2001/10.02.2007) – mas, quer pelos níveis/valores atingidos nas subsequentes avaliações a que foi submetida, quer pela falta de indicação das concretas pontuações nos itens/elementos que integram a avaliação do coma segundo a “escala de Glasgow”[3], não podemos concluir, com suficiente segurança, se e em que medida foi tendo, ao longo do tempo, consciência do seu estado (ainda que de "consciência mínima" se pudesse tratar).

Ou seja, antolha-se inviável perscrutar em que medida a vítima do acidente teve a consciência (dolorosa) do seu estado ou em que medida o irremediável “adormecimento” dos sentidos o libertou da dor.

Ademais, sabemos que, por definição, o “coma é um estado de inconsciência profunda” e que as pessoas em estado vegetativo persistente “perderam a capacidade de pensamento e consciência das coisas ao seu redor” [perda das funções cerebrais superiores], mantendo, tão-somente, as “funções não-cognitivas e padrões de sono normais” [funções chave como respiração e circulação permanecem relativamente intactas; contudo, nas situações de maior gravidade, as áreas do cérebro que controlam a respiração podem estar afectadas e pode ser necessário um ventilador artificial  - um aparelho de respiração mecânica - para o doente permanecer vivo] e que “durante os períodos de vigília, a pessoa pode reagir à dor física e pode ter movimentos que não são intencionais”.

In casu, o estado vegetativo persistente da vítima veio a evoluir para um estado vegetativo permanente e irreversível, até à sua morte.[4]

Assim, e pese embora a extrema dificuldade em fixar a compensação devida, afigura-se equititativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com os casos com alguma similitude versados nas diversas decisões do nosso mais alto tribunal[5], fixar a compensação por danos não patrimoniais (sofridos pela vítima desde o acidente até ao falecimento) na quantia de € 75 000 (setenta e cinco mil euros).

            3. Inconformados com este sentido decisório, interpuseram os AA./habilitados a presente revista, que encerram com a seguinte conclusão que, como é sabido, lhe define o objecto:

 Deve ser dado provimento à Revista dos AA. , fixando-se os danos não patrimoniais próprios do falecido no montante de €200.000 ( por violação do disposto no art. 496º, nº1, do CC)

   A recorrida/ seguradora pugna pela manutenção do montante compensatório alcançado pela Relação.

         4. O objecto do presente recurso mostra-se, pois, circunscrito à questão da fixação do montante indemnizatório adequado à compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, entretanto falecido na pendência da causa, decorrentes de – durante quase 6 anos – ter permanecido num estado de coma vegetativo, persistente e irreversível, até à sua morte, como decorrência das gravíssimas lesões neurológicas provocadas pelo acidente. Na verdade, todos os demais danos, patrimoniais e não patrimoniais, incluindo o que decorre da perda do direito à vida, mostram-se já ressarcidos pelas decisões anteriormente proferidas pelas instâncias, não sendo os respectivos valores questionados no presente recurso.

   Assim, a controvérsia entre as partes situa-se no plano do cômputo da indemnização compensatória que – naturalmente com fundamento essencial em juízos de equidade – deve ser, em concreto, arbitrada como compensação dos danos não patrimoniais decorrentes da permanência do lesado num persistente e irreversível estado de coma, até ao seu falecimento – peticionando os AA. a quantia de €200.000, tendo a 1ª instância arbitrado o valor de €150.000, reduzido pela Relação para os €75.000, questionados na presente revista pelos recorrentes.

    No caso dos autos, o objecto do recurso passa, deste modo, pela problemática do cômputo da indemnização compensatória dos danos não patrimoniais sofridos pela lesado no período temporalmente prolongado que precedeu o seu falecimento – assente decisivamente em juízos de equidade e envolvendo a ponderação adequada de toda a matéria de facto atrás elencada e descrita. .

    Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, funcionalmente orientado para a dirimição de questões de direito, se os critérios seguidos e que estão na base de tal valor indemnizatório são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectaram, no caso de forma absolutamente extremada ( já que implicaram que o lesado, em coma, sofresse , com permanência, uma situação de estado vegetativo prolongado e irreversível), a qualidade de vida do lesado, com cerca de 40 anos de idade no momento do acidente. E adere-se, por outro lado, inteiramente ao entendimento subjacente, por exemplo, ao Ac. de 23/10/08, proferido no p.08B2318, segundo o qual, em situações limite de numerosas lesões físicas, de elevadíssima gravidade, , acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas, o valor indemnizatório arbitrado como compensação dos danos não patrimoniais não tem como limite as quantias geralmente arbitradas a título de compensação da lesão do direito à vida , podendo excedê-las substancialmente .

   Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro:

 - acidente que originou lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões cerebrais e neurológicas, que implicaram – para lesado com cerca de 40 anos - um estado clínico persistente e irreversível de coma vegetativo;

- tal situação prolongou-se no tempo, abrangendo, quer os 3 anos de internamento hospitalar, quer o período posterior, em que o lesado teve alta e permaneceu em casa dos seus familiares, acamado e totalmente dependente para as mais elementares actividades da vida diária e de subsistência física, até acabar por sucumbir às gravíssimas sequelas das lesões causadas pelo acidente;

- não ficou demonstrado que o lesado, em prolongado estado de coma,  – face à inconsciência profunda e perda de funções cognitivas - tivesse tido efectiva consciência do estado de total incapacidade em que se encontrava.

   Não estamos, deste modo, confrontados, no caso dos autos, com a normal existência de danos não patrimoniais ocorridos num período limitado – de horas, dias ou semanas – que precedeu a morte do lesado, mas com a colocação deste, por força das lesões neurológicas causadas pelo acidente, num estado persistente e irreversível de coma vegetativo, que acabou por se prolongar durante quase 6 anos, até ao seu falecimento, com degradação extrema do padrão e qualidade de vida do sinistrado – o que naturalmente não pode deixar de acentuar a relevância e a autonomia deste dano não patrimonial, relativamente ao que se consubstanciou na perda do direito à vida.

   O termo de comparação terá, assim, de se estabelecer com decisões que tenham na sua base uma situação equiparável, de colocação do lesado, durante um período temporalmente prolongado, numa situação de degradação total e extrema da sua qualidade de vida, consubstanciada numa perda de consciência pessoal e das actividades cognitivas básicas e numa total dependência de terceiros para as actividades pessoais mais elementares.

5. O STJ, em arestos recentes, teve oportunidade de se pronunciar sobre a problemática do cômputo da indemnização em casos equiparáveis, delineando quais os valores indemnizatórios que podemos considerar como critério ou padrão geral a aplicar a propósito da compensação deste tipo ou categoria de danos não patrimoniais.

   Assim, no Ac. de 2/3/11, proferido no P. 1639/03.8 TBBNV.L1, considerou-se:


    Quando os diversos componentes do dano moral atinjam patamares de gravidade muito elevados, não deve recear-se a atribuição duma compensação que exceda o limite máximo da valorização habitualmente atribuída pelo STJ ao dano da morte, que tem oscilado entre os 50 e os 70 mil euros, dado que nada obriga a que essa fronteira nunca seja ultrapassada, certo que o art. 496.º, n.º 1, do CC elege como único critério de aferição a gravidade do dano, conceito eminentemente indeterminado que cabe ao tribunal preencher valorativamente caso a caso.
    - Se a vida é o bem jurídico mais valioso, devendo valorar-se a sua perda em termos proporcionados a tal importância, a mesma ordem de razões justifica que se conceda a compensação devida àqueles que, não a perdendo embora, por inteira culpa alheia ficam, de um momento para o outro e até ao final dos seus dias, privados da qualidade mínima a que qualquer pessoa, pelo simples facto de o ser, tem pleno direito.
    É justo atribuir uma indemnização de € 400 000 por danos morais à lesada que, com 19 anos de idade, por força do embate de uma árvore na viatura onde seguia, ficou com diversas e muito graves lesões, de entre as quais se salienta a fractura de vértebras, com instalação irreversível de tetraplegia, sofrendo de diminuição acentuada da função respiratória e de incapacidade funcional permanente de 95%, com incapacidade total e permanente para o trabalho; a partir da data do sinistro e durante cerca de um ano, foi alimentada através de um tubo gástrico introduzido pelas narinas e, na sequência de gastrotomia a que teve de ser submetida em resultado de uma fístula esofágica alta que sobreveio a uma intervenção cirúrgica, alimentada através de uma sonda introduzida no corte cirúrgico, na zona do estômago; foi submetida a várias intervenções cirúrgicas e ficou com múltiplas e extensas cicatrizes deformantes; as lesões sofridas, os seus tratamentos e suas sequelas provocaram dores lancinantes; desloca-se em cadeira de rodas e necessita de assistência permanente de pessoa nos actos da vida diária, sendo que, para certos actos (tais como, tomar banho e defecar) carece da ajuda de mais uma pessoa; perdeu todos os movimentos e sensibilidade do pescoço para baixo (com excepção dos ombros), designadamente nos órgãos sexuais, nos esfíncteres, no ânus, no recto, nos intestinos, no estômago, no aparelho urinário, no respiratório e nos membros inferiores e superiores; corre o risco sério de vir a sofrer graves lesões renais; tem a sua expectativa de vida encurtada; não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar; vive em permanente estado de amargura, desespero e angústia, inconformada com a sua situação e perdeu a vontade de viver e muitas vezes tem pedido que lhe ponham termo à vida.


Parece-nos necessário, por isso, atendendo à excepcionalidade do caso presente (em razão da magnitude dos danos a valorar), referir alguns arestos deste STJ que, entre muitos outros, analisámos e tivemos na devida consideração antes de decidir os montantes indemnizatórios a fixar. Assim:

1)
Ac. de 8/3/05 - Revª 4486/04 - 6ª:
-
Atendendo a que o Autor era, à data do acidente, um homem saudável com 27 anos de idade e ficou, em consequência do mesmo, na situação de tetraparésia, os danos não patrimoniais a valorar são de muitíssimo elevado grau, nomeadamente porque se a vida humana é o bem supremo, a situação do Autor pode considerar-se uma contínua e diária perda daquele bem, prolongando-se tal calvário por toda a sua vida. Mostra-se, pois, equitativamente adequado fixar em 250.000 € o montante da indemnização destinada a compensar tais danos.
2)
Ac. de 29/10/08 - Procº 3380/08 - 5ª:
-
A indemnização, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico.
-
Sendo muito graves esses danos, dores em tratamentos hospitalares, em lesões estéticas e do foro íntimo que acompanharão a ofendida em toda a sua vida, ainda mal vivida, com os então 17 anos, como notaram as instâncias e reconhece a própria recorrente, mas se pode mesmo dizer que os mesmos se não conformam com parametrizações, sendo excepcionalmente pesados: lesões e sequelas anatómicas nos tecidos; encurtamento dos membros inferiores com um processo de cura incompleto e imperfeito verificado ao nível dos membros inferiores; lesões e sequelas funcionais, consequência das lesões anatómicas, limitaram a ofendida à mecânica articular dos membros inferiores afectando-lhe de forma violenta o seu estado psíquico, lesões e sequelas estéticas nomeadamente cicatrizes; assi­metrias, coxeadura no membro inferior direito; afectação da beleza e da auto-estima, com o dano estético de 6 numa escala de 7; tristeza, depressão, desespero, apatia, isolamento, lesões extra-corpóreas, com repercussão na sua auto-estima, a alegria de viver e não consegue ainda hoje reconstruir a sua imagem, abandono da formação académica, a interrupção da sua relação com o namorado, nos tratamentos médicos das lesões sofridas e na necessidade de ajuda de terceiros, com IPP de 45%, com 5% de dano futuro; dezenas de cirurgias e dezenas de anestesias gerais; a consolidação médico-legal das lesões mais de 5 anos passados sobre a data do acidente, com internamentos sucessivos, sabendo que ainda terá necessariamente de ser reoperada; quantum doloris de grau 6; deixou de poder descer e subir escadas sozinha, deixou de poder tomar banho sozinha, perda de relacionamento com o seu grupo de amigos, ansiedade e depressão clínica; não merece censura a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).
3)
Ac. de 3/3/09 - Revª 9/09 - 6ª:
I -
A indemnização por danos futuros deve fixar-se, equitativamente, em 950 mil € se o lesado, médico de 47 anos que à data dos factos ganhava 5 mil € mensais pelo seu trabalho, por causa do acidente sofrido deixou em definitivo de exercer a profis­são e de auferir rendimentos, ficando a padecer de deficiências que lhe conferem uma incapacidade permanente geral de 85%.
II -
Na situação referida em I) justifica-se uma indemnização de 150 mil € por danos morais se estiver provado, além de tudo o mais, que o lesado ficou em consequência do acidente imediata e irreversivelmente paraplégico, perdendo todo e qualquer tipo de sensibilidade da cintura para baixo, precisando da ajuda per­manente de terceira pessoa até ao final dos seus dias para se levantar, deitar e sentar na cadeira de rodas, vestir-se e tratar da higiene pessoal, e que se tornou uma pessoa profundamente deprimida, sem alegria e vontade de viver.
4)
Ac. de 26/5/09 - Revª 3413/03.2TBVCT.S1 - 1ª:
-
É adequado fixar em 170.000€ o valor da indemnização a título de danos futuros e em 200.000€ o da indemnização por danos não patrimoniais, provando-se que, por causa do acidente, ocorrido em Novembro de 2001, o A. (nascido em 06-12-1972), então motorista de pesados (que auferia o vencimento mensal líquido de 415€), ficou, devido às lesões sofridas e às sequelas correspondentes, afectado de uma incapacidade permanente de 100%, necessitando de: usar um par de canadianas como auxiliar de locomoção; submeter-se a consultas periódicas de controle do seu sangue, a intervenções cirúrgicas com anestesia geral, internamentos hospitalares, análises clínicas, exames radiológicos, consultas e tratamentos das especialidades de Urologia e de Cirurgia Vascular, bem como do foro psicológico e psiquiátrico, nomeadamente em relação ao seu estado de impotência sexual; ingerir medicamentos e tomar injecções penianas relacionadas com o seu estado de total impotência sexual; recorrer a tratamentos de fisioterapia dos seus membros inferiores; suportar as despesas com uma terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias, tais como cortar as unhas dos pés, locomover-se, tomar banho.
5)
Ac. de 29/9/09 - Revª 399/09.3YFLSB - 6ª:
-
Tendo o autor, em virtude de acidente de viação ocorrido no ano de 2004, com 17 anos de idade, em que não teve qualquer culpa, ficado acometido de uma paraplegia incompleta - visto depois de estar confinado a uma cadeira de rodas, locomover-se apenas com cana­dianas ou muletas, na esteira de sucessivos e atribulados tratamentos diários de recuperação -, estando impossibilitado de se vestir e tomar banho sem a ajuda de terceiros, ter sofrido e ainda sofrer de dores, deixado de poder exercer a respectiva actividade de talhador de pedras de granito ou mesmo de prover ao seu sustento, tendo ficado privado de exercer a função sexual, com todo o trauma que isso implica no plano psíquico e emotivo, sofrendo acentuadíssimo prejuízo de afirmação social, e na dependência, para alguns actos diários, de terceiros e da administração de fármacos, mergulhado em grande tristeza, amargura e depressão, é de fixar a compensação pelos danos não patrimoniais no montante de € 150.000 (e não em € 125 000 como fixado pela Relação).
6)
Ac. de 25/11/09 - Procº 397/03.0GEBNV.S1 - 3ª.
-
Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afas­tando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente fria, aguçada, requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito.
-
Revertendo ao caso concreto, e considerando que:
O menor ficou paraplégico, sem sensibilidade abaixo da linha intermamilar, fazendo infecções urinárias, respiratórias e dermatológicas e úlcera na região occipital, sendo ven­tilado durante 15 dias; - em consequência do acidente ficou internado mais de 8 meses; - foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, com anestesias gerais e sequente sujeição a programas de reabilitação física; - a incapacidade temporária geral total foi de 765 dias, o que significa que durante os anos completos de 2004 e 2005, esteve impedido de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, sendo do mesmo período a incapacidade temporária para a actividade ocupacional habitual de estudante; - efectuou 197 deslocações ao Centro de Medicina de Reabilitação entre a data da alta deste e a data da propositura da acção cível enxertada, tendo efectuado outras 82 deslocações ao Hospital no mesmo período; - foi submetido a tratamentos de acupunctura; - padece de quantum doloris de grau 6, numa escala de 7, de dano estético de 5, numa escala de 7 graus; - padece de ausência de controle de esfíncteres, obrigando a uso de fraldas e de bebegel, tendo a necessidade de fazer algaliação de 3 em 3 h, constituindo uma situação irreversível; - tem necessidade de ter vigilância do foro urológico, tomando diariamente dois comprimidos para o funcionamento da bexiga; - ficou na depen­dência de ajudas téc­nicas (cadeira de rodas, ortóteses e botas ortopédicas), médi­cas fisiátricas e medica­mentosas, bem como do apoio de terceira pessoa; - tem a perspectiva de viver numa cadeira de rodas até ao fim dos seus dias; - necessita de fisioterapia e hidroterapia para não agravar o seu estado; - acresce a perda do avô, com quem seguia no veículo embatido, estando encarcerado cerca de 40 m. ao lado do mesmo, já morto, só dele conseguindo falar e chorar a sua morte mais de dois meses transcorridos sobre o acidente, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em
€ 250.000.

   Por sua vez, no recente Ac. de 16/12/12, proferido no P. 1043/03.8TBMCN.P1.S1, afirmou-se:

   Tendo – além do mais descrito no elenco factual - ficado definitivamente dependente de terceira pessoa para o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se – com necessidade de cadeira de rodas – comer, vestir-se, calçar-se, tratar da sua higiene e efetuar as necessidades fisiológicas e tendo ainda ficado com dificuldade em articular palavras e incontinente, seria adequado o montante de € 200.000 relativo à compensação pelos danos não patrimoniais.

   O quadro fatual é de extrema gravidade. Além de tudo o mais que o elenco supra transcrito precisa, o autor ficou dependente de terceira pessoa para tudo o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se – com necessidade de cadeira de rodas - comer, vestir-se, calçar-se, tratar da sua higiene e efetuar as necessidades fisiológicas, tem dificuldade em articular palavras e ficou incontinente.

Este quadro situa nitidamente o julgador em valores próprios da dignidade humana, fazendo vir ao de cima o “pouco” que sempre significa a atribuição de compensação monetária qualquer que ela seja.

Os valores em jogo não afastando a lúcida ponderação necessária a todos os casos que têm de se julgar, determina necessariamente que não se seja parco na fixação do valor.

Ainda atentando no mencionado artigo 8.º, n.º3 do Código Civil, impõe-se, outrossim, um olhar para os valores que os tribunais vêm fixando, mormente, pela sua posição hierárquica, este Tribunal.

Assim, sem preocupação de exaustão, temos os seguintes montantes compensatórios aqui fixados, sempre com referência aos danos não patrimoniais (sendo a alusão às sequelas feita de modo muito sumário, com possibilidade fácil de consulta detalhada no referido sítio, esta exceto quanto aos dois arestos indicados no fim):

De € 400.000 – lesada de 19 anos de idade, com tetraplegia, diminuição acentuada da função respiratória, incapacidade total para o trabalho, perda de sensibilidade do pescoço para baixo, com exceção dos ombros, necessidade de assistência permanente de outras pessoas - Ac. de 2.3.2011, processo n.º1639/03.8TBBNV.L1;

De € 120.000 (que, por razões processuais, se não podia majorar, tendo o Tribunal referido expressamente que esta quantia “nada peca por excesso, antes pelo contrário”) – menor de 10 anos, com tetraplegia, incapacidade permanente para o trabalho de 80%, necessidade de apoio permanente de terceiro especializado e dores em grau muito elevado - Ac. de 6.3.2011, processo n.º 1879/030TBACAB.C1.S1;

De € 150.000 – lesado de 28 anos, com hemiparésia direita, incapacidade de se manter em pé sozinho, incapacidade permanente geral de 80%, necessidade de ajuda de terceira pessoa para se lavar, vestir e calçar – Ac. de 07.10.2010, processo n.º 839/07.6TBPFR.P1.S1

De € 250.000 – lesado de 23 anos de idade, com paraplegia, dependente de cadeira de rodas (sem conseguir mesmo manter-se sentado muito tempo) e necessidade de ajuda de terceira pessoa para todas as tarefas - Ac. de 7.06.2011, processo n.º 524/07.9 TCGMR.G1.S1.

De € 180.000 – lesada de 29 anos, com encurtamento do membro inferior esquerdo de 4cm, cicatrizes exteriores dispersas, grande dificuldade em caminhar, impossibilidade de se agachar na posição de cócoras e ajoelhar, grande dificuldade da realização de todas as atividades normais da via diária, claudicação acentuada da marcha e risco de fazer episódios de embolias pulmonares e cerebrais – Ac. de 23.10.2008, processo n.º 08B2318;

De € 150.000 (estando apenas em questão, por razões processuais, a minoração deste montante que já vinha da Relação) – lesado de 32 anos, com paraplegia, perda de sensibilidade abaixo da cintura, deslocação em cadeira de rodas e necessidade de ajuda de terceira pessoa – Ac. de 7.6.2011, processo n.º 3515/05.0TBLRA.E1.S1.

De € 350.000 (com redução em 50% por o sinistrado ter contribuído, nessa proporção, para os danos) – lesado de 28 anos, para sempre totalmente impossibilitado de exercer a sua atividade principal ou qualquer outra, acamado e dependente, com incontinência urinária e fecal, sem possibilidade de resposta mesmo a pequenas frases, sem posse das suas capacidades cognitivas, com necessidade constantemente do apoio de terceira pessoa para satisfação das suas necessidades diárias, com deslocação em cadeira de rodas, quantum doloris de grau máximo (7), dano estético em grau 5 numa escala também até 7 e em grau máximo (5) o prejuízo de afirmação pessoal e sexual – Ac. de 24.3.2011, revista n.º 36/2007, da 2.ª secção.

No nosso caso, o sinistrado tinha 51 anos. A dignidade de que falámos supra inerente à compensação pelos danos não patrimoniais determina que sejam compensáveis mesmo que produzidos no último segundo de vida. Mas, parece-nos inquestionável que o atingimento numa idade já longe da juventude deve ter repercussão compensatória em comparação com quem é atingido enquanto jovem. Se isso é válido para todas as sequelas permanentes, nestes casos de extrema gravidade assume particular relevância.

Assim, ponderando tudo o que se carreou para fundamentar a nossa decisão neste domínio, consideraríamos adequada a quantia compensatória de € 200.000.

6. A especificidade do caso dos autos radica na circunstância de não ter ficado demonstrada a consciência por parte do lesado do seu estado de total incapacidade, pelo que não teria tido este uma efectiva percepção subjectiva, ainda que mínima, da extrema e irreversível degradação do seu padrão e qualidade de vida, ao longo dos quase 6 anos que precederam a morte : ou seja, não está demonstrado que tenha ocorrido o sofrimento psicológico inerente a ter de suportar, durante esse período prolongado, as sequelas absolutamente frustrantes e incapacitantes das lesões sofridas.

   Considera-se que é pertinente, a este propósito, distinguir, para efeitos de cômputo da indemnização, entre o plano objectivo da perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objectiva de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, que ocorre independentemente da percepção cognitiva pelo lesado do estado em que se encontra, envolvendo  a drástica carência de autonomia e de eliminação das possibilidades de realização pessoal; e o plano subjectivo, decorrente de – a tal estado objectivo – se ter de adicionar o sofrimento psicológico necessariamente inerente à consciência, ainda que difusa ou mitigada, da total falta de autonomia pessoal e de qualidade de vida e da frustração irremediável de todos os projectos e satisfações alcançáveis no decurso da vida pessoal do lesado.

   Ora, ponderada a especificidade do caso dos autos, tem-se como insuficiente a indemnização arbitrada na decisão recorrida para compensar adequadamente a referida lesão objectiva dos bens da personalidade, que é inerente a ter sofrido o lesado, de forma temporalmente prolongada, uma quebra total da sua autonomia pessoal e uma drástica postergação de todos os projectos e expectativas da realização pessoal – cumprindo encontrar um valor intermédio entre o peticionado ( de €200.000 - que , a nosso ver, traduziria indemnização adequada se estivesse demonstrada a concorrência dos planos objectivo e subjectivo, atrás referidos) e o de €75.000, arbitrado na Relação, e que se entende não compensar suficientemente a lesão dramática e intensíssima dos bens de personalidade do lesado, causada pelo acidente.

   Impõe-se, deste modo, através do recurso a juízos de equidade, alcançar um valor intermédio que, embora sempre insuficiente pela natureza das coisas, represente compensação mais adequada da gravíssima lesão objectiva dos bens essenciais da personalidade – afectadas drasticamente  com a permanência durante quase 6 anos num estado de coma profundo e irreversível ; e, para tanto, cumpre  apelar a critérios de justiça material e a uma ponderação dos padrões jurisprudenciais recentes, atrás referenciados, cuja aplicação garanta, na medida do possível, o princípio da igualdade, tendo-se como montante mais adequado à compensação de tal lesão extrema de bens essenciais da personalidade do lesado o de €125.000.

         7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se, em parte, provimento à revista, fixando em €125.000 o montante da indemnização compensatória dos danos sofridos objectivamente no bem da personalidade do lesado, no período que precedeu a morte, condenando-se a R. a pagar tal quantia aos AA. habilitados, acrescida dos respectivos juros moratórios legais, nos termos determinados pelas instâncias .

   Custas por recorrentes e recorrida, de acordo com a proporção do respectivo decaimento, sem que esta condenação naturalmente envolva qualquer preclusão do benefício de apoio judiciário de que gozem os litigantes.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2013

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

___________________________


[1] Vide, neste sentido, Joaquim José de Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJ-STJ, V, 2, 13 e CJ-STJ, IX, 1, 7.

[2] Veja-se a “nota 1” do acórdão do STJ de 16.02.2012-processo 1043/03.8TBMCN.P1.S1, publicado no “site” da dgsi, que, a propósito da questão dos danos não patrimoniais relativos a um acidentado que ficou definitivamente em coma, nos dá conta de que no acórdão do Supremo Tribunal Alemão de 13.10.1992, do VI Senado, se considerou que a atribuição duma quantia monetária não constitui um instrumento para compensar sentimentos positivos perdidos, mas “o simbólico acentuar da dignidade e da liberdade do ser humano”.

   Quanto ao valor próprio e à dimensão normativa específicos da “dignidade da pessoa humana”, vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, 2007, págs. 198 e seguinte.
[3] Cf., por exemplo, pt.wikipedia.org/wiki/.
[4] Sobre a matéria, vide, designadamente, o “site” do Programa Harvard Medical School Portugal/”O que é um Coma e Estado Vegetativo Persistente?
[5] Cf., de entre vários, os mencionados acórdãos do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1 e 06.02.2012-processo 1043/03.8TBMCN.P1.S1 e os acórdãos do mesmo Tribunal de 25.11.2009-processo 397/03.0GEBNV.S1, 26-11-2009-processo 3533/03.3TBOAZ.P1.S1, 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14-9-2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 07.10.2010-processo 2171/07.6TBCBR.C1.S1, 21.10.2010-processo 1331/2002.P1.S1, 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1, 02.3.2011-processo 1639/03.8 TBBNV.L1 e 07.6.2011-processo 524/07.9TCGMR.G1.S1, publicados no “site” da dgsi, destacando-se as diversas situações elencadas, sobretudo, no terceiro e no penúltimo dos referidos arestos.