Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | ARRESTO COMPETÊNCIA INTERNACIONAL | ||
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Data do Acordão: | 09/16/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 4º JUÍZO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 63º E 391º CPC. | ||
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Sumário: | I – Configura-se o arresto (artigos 391º e segs. do CPC), no plano processual, como antecipação da penhora em vista da ulterior necessidade de adjectivação executiva, assegurando cautelarmente a conservação da garantia patrimonial do credor. II – Existe, neste sentido, uma sobreposição funcional entre a garantia cautelar mediante arresto e a execução. III – Assim, a colocação de uma questão de competência internacional para o decretamento de um arresto por um tribunal português deve ser resolvida em termos idênticos à da competência internacional para a acção executiva. IV – A circunstância de a realização coactiva da prestação, por via da acção executiva, dever incidir sobre bens existentes no estrangeiro coloca uma questão de competência internacional dos tribunais portugueses, quando o alcance executivo pretendido incida sobre bens situados no estrangeiro, o mesmo valendo quando se pretende que esse alcance opere, cautelarmente, mediante arresto. V – A adjectivação executiva está submetida ao princípio da territorialidade, no sentido de referenciação ao monopólio que cada Estado possui quanto ao desencadear de medidas coactivas (executivas) no seu território. VI – Embora um direito, como objecto de uma penhora, no quadro de uma acção executiva (e isto vale para o arresto de um direito), seja de difícil localização espacial, deve entender-se referida essa localização ao “lugar de cumprimento da obrigação” quando se trata de determinar o local relevante para a adopção de medidas coactivas sobre o devedor respeitantes a esse direito, designadamente quanto à realização da prestação envolvida a um terceiro não credor (quanto à realização da prestação devida a um credor do credor). VII – Assim, num quadro exterior à União Europeia e ao chamado “espaço Lugano”, onde são convocadas fontes específicas de Direito convencional relevantes em matéria de competência internacional, deve considerar-se internacionalmente incompetente um Tribunal português para decretar o arresto de um direito cujo lugar de cumprimento da obrigação se situe no estrangeiro. VIII – Vale esta conclusão num quadro de bilateralização da competência internacional, no sentido em que, se os Tribunais portugueses se consideram exclusivamente competentes, por via da projecção interpretativa do artigo 63º, alínea e) do CPC, para execuções (arrestos) incidentes sobre bens situados em Portugal, devem referenciar essa competência como exclusiva de um Tribunal estrangeiro quando a execução (arresto) pretende alcançar um bem situado no estrangeiro. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – A Causa 1. A…, Lda. (Requerente e Apelante no contexto deste recurso) requereu, preambularmente a uma acção declarativa de condenação, o presente procedimento cautelar de arresto [artigos 391º e segs. do Código de Processo Civil (CPC)] contra a sociedade F…, Unipessoal, Lda. (a aqui Requerida, que não foi ouvida nem tem intervenção no contexto processual que conduziu a este recurso[3]). 1.1. Resumidamente, invocou a Requerente ter sido subempreiteira da Requerida numa obra a esta adjudicada no Estado de Israel por uma empresa israelita (consistiu essa obra na construção de um edifício na cidade israelita de Sderot)[4]. O valor dos trabalhos executados pela Requerente ascendeu a €1.095.554,61, dos quais a Requerida pagou €471.964,90, permanecendo em dívida €623.589,71 (€634.861,31 com juros), valor cujo pagamento a Requerida persistentemente vem omitindo desde Novembro de 2012. Ora, invocando a Requerente um justo receio de perda de qualquer possibilidade, alcançável através do património da Requerida, de realizar o seu crédito, vem solicitar o arresto – entre outros e focando-nos aqui nos elementos com interesse para este recuso – de dois créditos dos quais a Requerida é titular sobre duas sociedades israelitas, respeitantes ao pagamento por estas de parte do preço ajustado no âmbito de contratos de empreitada (construção de obras) celebrados entre a Requerida e essas empresas, identificadas como “D…R… (2000) 1989 LTD, como nº de registo …, com sede em …, em Israel” e “C… LTD, com número de registo …, com sede em …, em Israel”[5]. É esta incidência – pretender-se o arresto, determinado por um Tribunal português, de dois créditos da Requerida sobre duas sociedades estrangeiras (israelitas) cujo pagamento àquela ocorrerá em Israel – que apresenta relevância para o presente recurso. 1.2. Com efeito, sem audiência da Requerida, foi o arresto decretado relativamente aos saldos bancários domiciliados em Portugal, também incluídos no pedido, e recusado quanto aos créditos da Requerida sobre as empresas israelitas, através da Sentença de fls. 258/280 – esta, quanto a esta última asserção decisória (está ela contida, fundamentalmente, a fls. 259/265), constitui a decisão objecto do presente recurso – que considerou, quanto a esses dois créditos sobre empresas estrangeiras, incompetentes internacionalmente os tribunais portugueses: 1.3. Inconformada com este elemento da decisão, apelou a Requerente, adrede formulando as conclusões seguintes: II – Fundamentação 2. Caracterizado o desenvolvimento do procedimento cautelar que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação da Requerente, sendo que o âmbito objectivo desta foi delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [artigos 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil (CPC)[6]]. Assim, fora dessas conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações. Prescindimos aqui de indicar os factos que a decisão recorrida, no trecho de fls. 265/271, considerou provados. É patente que os considerou em vista do decretamento do arresto incidente sobre os bens da Requerida sedeados em Portugal, e tais factos valem – valeriam, estendêssemos aqui o arresto ao crédito da Requerida a ser satisfeito em Israel –, valem tais factos, dizíamos, para outros objectos da pretensão de arresto de bens do devedor. Damos aqui por verificados, pois, os pressupostos de facto que conduziram a primeira instância ao decretamento do arresto. Referimo-nos à base fáctica do justo receio e da probabilidade séria da existência do crédito pretendido acautelar. Constitui tema exclusivo do recurso, assim, determinar a competência internacional dos tribunais portugueses para o decretamento de um procedimento cautelar de arresto cujo objecto – os bens do devedor na terminologia do artigo 391º, nº 1 do CPC – corresponda a créditos desse devedor “existentes”[7] no Estado de Israel (rectius, dos quais são devedoras sociedades israelitas, créditos cujo pagamento à Requerida ocorrerá nesse outro país). Esta associação do arresto à penhora é significativa e fornece-nos elementos decisivos na aproximação ao problema de competência internacional que o caso concreto nos coloca. Apresenta-se este, por via dessa sobreposição à penhora, pese embora ter na sua base um problema de tutela cautelar, em termos fundamentalmente idênticos àqueles que caracterizariam uma questão de competência internacional dos Tribunais portugueses[11] para uma acção executiva que pretendesse alcançar, no quadro da realização coactiva da prestação, bens existentes no estrangeiro, em concreto “bens” que, na configuração estabelecida no Direito português, originassem, em vista dessa realização coactiva, uma penhora de direitos. Com efeito, funciona o arresto, no plano processual – no plano substantivo funciona como meio de conservação da garantia patrimonial do credor[12] – como antecipação da penhora, em vista de uma ulterior adjectivação executiva[13], projectando desde logo os efeitos desta (é o que decorre do artigo 622º, nº 1 do CC)[14], podendo afirmar-se – e é este o ponto aqui relevante – que esta especial feição (do arresto) nos transporta para um domínio coincidente com aquele em que uma execução que visasse penhorar um direito do devedor/executado colocaria um problema de competência internacional:
Foi este o problema que o Tribunal de primeira instância resolveu declarando-se internacionalmente incompetente para o arresto aqui almejado pela Requerente, na parte em que tal providência visava actuações coactivas cautelares pretendidas fazer repercutir – fazer actuar coactivamente – numa outra ordem jurídica. Todavia, como elemento de especificidade de uma questão de competência internacional referida à tutela cautelar – aqui quanto à tutela cautelar mediante arresto –, deveremos ter presente o disposto no artigo 364º, nº 1 do CPC, relacionando-o, isto na procura de factores de atribuição de competência internacional, com a alínea a) do artigo 62º do CPC[16]. Ora, com base neste enquadramento, poderíamos dizer, abstraindo de outros factores aqui relevantes – e estamos apenas a argumentar formulando uma hipótese –, que a competência internacional dos tribunais portugueses para este procedimento cautelar de arresto decorreria da circunstância de tal acção cautelar dever ser proposta num tribunal português, em função da regra da dependência desta acção da outra acção referida ao direito pretendido acautelar, o que traduz a regra constante do artigo 364º, nºs 1, 2 e 3 do CPC (sublinha-se que no espaço da União Europeia e no chamado Espaço Lugano a questão poderia colocar-se diversamente quanto à competência internacional para a tutela cautelar, como veremos seguidamente; não é esse, todavia, o “espaço” do caso dos autos). Note-se, aliás, que a acção principal, a aqui configurada pela Requerente como uma acção de incumprimento contratual, se refere ao pagamento do preço num contrato de subempreitada (o contrato de fls. 28/33, v. a nota 4, supra) celebrado em Portugal, entre a Requerente (subempreiteira) e a Requerida (empreiteira), sendo ambas sociedades portuguesas, estando em causa o preço devido pelo empreiteiro ao subempreiteiro, preço que, nos termos do contrato, deverá ser pago em Portugal (v. a cláusula 4ª, nº 3 do contrato a fls. 30[17]). Neste enquadramento referido ao objecto da acção principal, a questão da competência internacional dos tribunais portugueses para essa acção (para a acção principal) sempre seria clara – esmagadoramente clara, mesmo – face à alínea b) do artigo 62º do CPC (“[t]er sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram”). Admitindo que a competência internacional para o decretamento de um arresto seria como que “arrastada” pela definição da competência internacional referida à acção principal, o problema reside aqui no carácter intuitivamente insatisfatório que essa (outra) definição de competência internacional apresenta relativamente à essência significativa própria da tutela cautelar quanto esta se traduz em ordenar um determinado comportamento a um ente domiciliado no estrangeiro, quando esse comportamento será observado ou não observado, será respeitada ou desrespeitada a ordem do Tribunal português envolvida no arresto, no espaço soberano de um outro país. 2.1.1. Em busca de um possível argumento de identidade de razão que se mostre prestável na aproximação ao caso concreto, não deixaremos de sublinhar que a questão da competência internacional referida à tutela cautelar no espaço da União Europeia (e no quadro dos “Estados Lugano”), recebe, mercê da sua especificidade, um tratamento particular[18], por via do artigo 31º do “Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial” (Regulamento Bruxelas I): “[a]s medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão de fundo”[19]. Vale esta norma como atribuição, referida à adjectivação de medidas cautelares, de uma competência internacional especial a uma jurisdição diversa da da questão de fundo (diversa da jurisdição competente para a acção da qual o procedimento cautelar está dependente), mesmo entendendo-se o artigo 31º do Regulamento 44/2001 como permitindo uma escolha alternativa (portanto, como não fixando uma competência exclusiva), para a medida cautelar, entre duas jurisdições: a do Tribunal do Estado que prevê a medida visada ou a do Tribunal determinado segundo os critérios de competência do próprio Regulamento[20]. O argumento de semelhança que aqui apresentará interesse na aproximação ao caso concreto prende-se com a ideia, presente no Direito da União Europeia, de uma tendencial separação, em matéria de competência internacional, da questão da tutela cautelar subsidiária associada a uma outra acção, da questão da competência internacional especificamente referenciada a essa outra acção (à acção principal da qual o arresto está dependente, nos termos do artigo 364º, nº 1 do CPC). Porque essa tendencial separação assenta numa forte individualidade da questão da competência internacional referida às medidas cautelares, tem sentido – e cremos que tem um particular sentido aqui – centrarmo-nos nessa forte individualidade executiva do arresto (que o configura num quadro preambular de uma acção executiva e de grande sobreposição com esta: em rigor adianta-se por via do arresto, por razões de urgência, a penhora que teria lugar na acção executiva) e, em função disso, tratar a questão da competência internacional para o decretamento de um arresto fundamentalmente como uma questão de competência internacional referida à adjectivação executiva, fazendo algum descaso, na definição dessa competência, da circunstância do arresto constituir dependência de uma outra acção para a qual os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes. É este, no que se refere à competência internacional referida à tutela cautelar, o argumento de identidade de razão que, interessando à presente situação, colhemos desde logo no Direito da União Europeia. Subsiste, assim, como acabamos de a caracterizar, a especificidade introduzida pela associação desta forma de tutela cautelar (o arresto) à acção executiva, desde logo por via do decalque deste na penhora, sendo relevante que a questão da competência internacional se refira a essa dimensão do problema e que seja aqui configurada como uma questão de competência internacional dos tribunais portugueses para uma acção executiva que pretendesse à partida alcançar, com o sentido de penhorar, um direito com as particularidades de localização espacial dos dois créditos da Requerida aqui pretendidos arrestar pela Requerente. Sublinha-se, quanto a este último aspecto – quanto à competência internacional referida à acção executiva no caso de pretensão de alcance executivo de um direito –, que colhemos, como adiante se verá, alguma abonação interpretativa referida ao Direito da União, reportada ao entendimento do já referido Regulamento Bruxelas I, quanto ao respectivo artigo 22º, nº 5, quando estabelece uma competência exclusiva, “[e]m matéria de execução de decisões, [dos] tribunais do Estado-Membro do lugar da execução”. 2.1.2. É em função disto – com base num elemento de identidade de razão – que tem interesse fornecer aqui algumas indicações colhidas na Doutrina sobre a questão da competência internacional referida à acção executiva. Esta questão era equacionada por Miguel Teixeira de Sousa em 1998 (portanto, fundamentalmente, no quadro da reforma do Processo Civil realizada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, complementado pelo Decreto-Lei nº 180/96, 25 de Setembro), nos seguintes termos: Em 2004, já no quadro da chamada Reforma da Acção Executiva (decorrente do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), que introduziu o artigo 65º-A, alínea e)[22], correspondente ao actual artigo 63º, alínea d), observava o mesmo Autor: E acrescentava Miguel Teixeira de Sousa, referindo a particularidade (que corresponde à particularidade que aqui se coloca) de estarem em causa direitos como objecto do alcance executivo pretendido accionar: Este problema – a difícil referenciação espacial de um direito enquanto objecto do alcance executivo –, que, bem vistas as coisas, constitui o factor identitário do arresto visado pela Requerente e corresponde ao elemento que nos interpela no caso concreto, esta questão, dizíamos, é tratada por Paula Costa e Silva, observando o seguinte: Abordando esta questão, observa Luís de Lima Pinheiro: Divergindo destas asserções, entende José Lebre de Freitas que: Já no quadro introduzido pelo Novo Código de Processo Civil (o quadro introduzido pela Lei nº 41/2013 que aqui se aplica nos termos indicados na nota 2 supra), Rui Manuel de Moura Ramos, caracteriza nos seguintes termos a competência internacional exclusiva dos Tribunais portugueses referida à acção executiva: Centrando-nos agora na questão do alcance executivo, particularizando as incidências do caso especial configurado quando esse alcance executivo visa penhorar direitos (trata-se aqui da obtenção do mesmo efeito por via de um arresto), quando actuante num quadro transnacional, ou seja, quando essa questão coloque um problema de competência internacional, interessa reter a dificuldade que, fora de um quadro de direito convencional que expressamente venha a resolver essa questão, se nos depara em sede de localização espacial desse tipo de “bem”, como sublinha a maioria da Doutrina reflectida nas antecedentes citações. A este respeito, um pouco por referência ao que cremos ser a solução aflorada por Paula Costa e Silva para as situações em que a execução vise o alcance de direitos do executado[28] (enquanto bens de conteúdo patrimonial aptos a propiciar a satisfação coactiva da prestação), propendemos a utilizar como factor determinante da competência internacional executiva, estando em causa, como aqui sucede, o direito a uma prestação (que a execução visa desviar do seu destinatário natural – o credor – para o exequente, enquanto credor desse destinatário), propendemos a referenciar nesta situação, dizíamos, o local do cumprimento da prestação devida ao executado como factor de atribuição da competência internacional. Local de cumprimento este que aqui será, relativamente aos direitos identificados pela Requerente do arresto como dívidas de sociedades israelitas, o Estado de Israel. Com efeito, é nessa outra ordem jurídica que o efeito aqui pretendido obter deverá ser feito actuar, não tendo sentido um Tribunal português ordenar uma medida executiva cujo sentido é o de determinar uma determinada actuação a um sujeito domiciliado no estrangeiro, quando essa injunção visa um comportamento que ocorrerá num outro país e, por isso mesmo, o Tribunal português não está em posição de verdadeiramente condicionar, a partir de cá, o comportamento desse sujeito. Dizer-se que isso se resolve com uma notificação (com a transmissão de uma ordem com origem num Tribunal português) é fechar os olhos à realidade da adjectivação executiva, é aceitar que essa adjectivação se baste com a criação de uma espécie de obrigação natural (estamos, obviamente, a fornecer uma imagem) sem possibilidade de assegurar verdadeiramente um cumprimento coactivo da prestação devida. É a este respeito que o Direito da União contém, por via da interpretação do artigo 22º, nº 5 do Regulamento Bruxelas I (“Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000) – que estabelece a competência exclusiva, “[e]m matéria de execução de decisões, [dos] tribunais do Estado-Membro do lugar da execução” –, contém o Direito da União, dizíamos, argumentos transponíveis para a presente situação. Com efeito, ilustrando uma discussão que também vem sendo mantida entre nós (como resulta do anteriormente exposto), é significativo sublinhar a abonação colhida na interpretação do referido nº 5 do artigo 22º do Regulamento feita por Peter Mankowski, em anotação ao Regulamento Bruxelas I: Ora, a este respeito notar-se-á que o problema do alcance executivo de um direito, como caso especial, acresce ao problema geral da competência internacional para a acção executiva, em função do elemento coactivo necessariamente envolvido em toda a adjectivação executiva (elemento coactivo que sai substancialmente amplificado na tutela cautelar mediante arresto). Com efeito, é logo na tutela executiva geral, fora de um quadro convencional que expressamente se lhe refira (quadro que não corresponde, seguramente, como veremos no item 2.1.3.1., infra, ao quadro em causa na Convenção da Haia de 1965 indicada pela Apelante[30]), que é difícil ultrapassar a dimensão nacional (chamemos assim à dimensão que expressa uma forte ligação da adjectivação executiva ao exercício concreto da soberania de um Estado) necessariamente convocada pelo elemento coactivo envolvido na adjectivação executiva, no sentido em que esta sempre pressupõe, na falta de cumprimento voluntário da obrigação, a realização coactiva da prestação, envolvendo necessariamente, no que expressa a verdadeira essência dos chamados actos de execução, a possibilidade prática (efectiva) dessa realização coactiva. Expressa este factor condicionante da competência internacional uma intensificação da ligação à soberania de um Estado da tutela jurisdicional, correspondendo a um elemento de relevância do Direito Internacional Público na questão da competência internacional[31]. Ora, esta sobrevalorização da dimensão coactiva (rectius, o poder de condicionar o comportamento de entidades actuantes num determinado Estado, compelindo-as a actuar de determinada forma), envolvida pela tutela executiva, aparece-nos igualmente presente, por total identidade de razão, na tutela cautelar mediante um procedimento cautelar de arresto. É com este sentido que aqui afirmamos – e corresponderá a culminar este Acórdão à decisão da questão colocada no recurso – a incompetência internacional dos Tribunais portugueses para o decretamento de um arresto referido a um direito (do qual seja titular o Requerido nesse arresto) que implique a efectivação de uma prestação cujo local de cumprimento se situe num outro Estado, aqui no Estado de Israel. Para esse acto de arresto – para obtenção do efeito que se expressa entre nós por via da penhora de um direito – serão competentes os Tribunais desse Estado, no sentido em que são esses órgãos jurisdicionais que podem obrigar – designadamente associando consequências desvaliosas ao não acatamento de uma injunção comportamental – as duas sociedades israelitas indicadas a realizar as prestações devidas à Requerida à sociedade ora Requerente e aqui Apelante. Vale neste contexto a ideia de bilateralização da competência, nos termos em que esta é caracterizada por Miguel Teixeira de Sousa na anotação indicada na nota 23, supra (e que entendemos valer para o arresto e, especificamente, para o arresto de um direito[32]): 2.1.3. Como notas finais, encarando vertentes argumentativas nas quais a Apelante coloca particular ênfase, sublinharemos duas incidências adicionais suscitadas pela apelação. 2.1.3.1. Referimo-nos – e constitui a primeira dessas incidências – à inadequação, contra o que pretende a Apelante, da Convenção da Haia de 1965[34] à resolução de questões de competência internacional. Basta a este respeito ter presente a própria designação dessa Convenção: “Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil ou Comercial […]” e atentar no objecto fixado à mesma Convenção logo no respectivo artigo 1º: “[a] presente Convenção é aplicável, em matéria civil ou comercial, a todos os casos em que um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido a país estrangeiro para aí ser objecto de citação ou notificação […]”. A transmissão de um acto judicial neste contexto convencional está para além – é até diferente – da questão da competência internacional, pressupondo a resolução prévia desta questão de acordo com as regras processuais aplicáveis no Estado de origem. A Convenção limita-se a regular o procedimento de transmissão de decisões cuja emissão por uma autoridade judicial de determinado Estado foi precedida, explícita ou implicitamente, da fixação da respectiva competência internacional. A Convenção não fixa, pois, quaisquer regras de competência internacional operantes no contexto dos Estados abrangidos, não dá nem tira competência internacional. Aliás, lendo o texto integral da Convenção não encontramos qualquer regra que minimamente aparente essa natureza (a de regra de competência internacional). Carece de qualquer valor, pois, a convocação à resolução do caso concreto, como pretende a Apelante, da Convenção da Haia de 1965. 2.1.3.2. Por outro lado, tendo presente que a Apelante a fls. 247, quando ouvida sobre a questão da competência internacional, invocou, como precedente persuasivo o Acórdão da Relação de Lisboa de 13/06/2005[35], esquecendo estar em causa neste o relacionamento competencial entre Portugal e a França (Estados membros da União Europeia) no qual são relevantes, desde logo por via da aplicação de Regulamentos, pressupostos de competência internacional completamente distintos dos aqui convocados, quando o caso concreto até é – até foi na referida decisão da Relação de Lisboa – resolvido com base na aplicação desses Regulamentos. Seja como for, parece-nos útil a este respeito, tratando-se de procurar situações com verdadeira relevância indicativa na nossa jurisprudência, citar o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/06/2012[36], ou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/07/2013[37], ambos confirmando, por verdadeiro paralelismo das situações base respectivas, o entendimento aqui assumido quanto à incompetência internacional dos tribunais portugueses fora de um contexto que convoque o Direito da União. 2.2. Vale isto, e tudo mais que se disse ao longo deste Acórdão, como confirmação da decisão recorrida quanto ao pronunciamento de incompetência internacional dos Tribunais portugueses para proceder ao arresto de créditos (de direitos) da Requerida cujo local de cumprimento se situa no Estado de Israel. 2.3. Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663º, nº 7 do CPC: III – Decisão 3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se confirmar a decisão apelada. Custas do recurso a cargo da Requerente/Apelante.
[2] Referimo-nos ao chamado Novo Código de Processo Civil (doravante CPC) aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, sendo que estamos perante processo iniciado em 05/05/2014 (fls. 244) cuja decisão recorrida (corresponde esta à referência Citius 9114095, estando certificada a fls. 258/280) foi proferida em 30/05/2014 (v., conjugadamente, os artigos 5º, nº 1, 7º, nº 1 e 8º da Lei nº 41/2013, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15). Nestes termos e nos melhores de Direito que Vª Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente procedimento cautelar ser admitido e julgado procedente, por provado, e em consequência, dispensando-se a audiência prévia da Requerida por esta fazer perigar o fim e a eficácia do procedimento e, deferindo-se a inversão do contencioso, deverá ser ordenado o ARRESTO dos bens da Requerida seguidamente identificados, para garantia do pagamento do crédito que a Requerente detém sobre esta, até ao montante de 634.861,31 € (seiscentos e trinta e quatro mil, oitocentos e sessenta e um euros e trinta e um cêntimos). BENS CUJO ARRESTO SE REQUER: i) Saldo da conta bancária da titularidade da Requerida na … com o nº …, até ao limite do crédito aqui em causa, nos termos aplicáveis do art. 780º do C.P.C. relativo à penhora de depósitos bancários aplicável ex vi do art. 391º, nº 2 do C.P.C.; iii) Créditos de que é titular a Requerida junto das seguintes entidades, que deverão ser notificadas através da autoridade central designada pelo Estado de Israel, nos termos das cláusulas 2ª, 3ª e 5ª da Convenção da Haia relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, de 15 de Novembro de 1965, a fim de efectuar o pagamento dos créditos arrestados à ordem dos presentes autos: a) D… LTD, com o número de registo …, com sede em …, em Israel; b) C… LTD, com o número de registo …, com sede em …, em Israel. [11] Aqui referenciada ao espaço exterior à União Europeia e aos “Estados Lugano”. Não tem aqui aplicação, pois, o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (designadamente os artigos 22º, nº 5 e 31º deste; estamos aqui fora do âmbito da questão tratada no Acórdão desta Relação 08/11/2011, proferido pelo ora relator no processo nº 1037/10.7TBACB-B.C1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4e62593d9bee9df580257950003e5e2). Tal como não tem aqui aplicação o âmbito mais alargado da Convenção de Lugano. |