Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
749/11.2YYPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
ENTREGA DE COISA CERTA
BENS DEPOSITADOS EM BANCOS SITUADOS NOS USA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP20120612749/11.2YYPRT.P1
Data do Acordão: 06/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Estando em causa uma execução, e ainda que o título executivo seja uma sentença, o factor de conexão relevante para aferir da competência executiva internacional dos tribunais portugueses reside na circunstância de as medidas necessárias à realização coactiva da prestação poderem correr em território português, prevalecendo, portanto, a regra da territorialidade da execução.
II - Os tribunais portugueses não têm competência internacional para a execução para entrega de coisa certa, cujos bens a entregar não se situam em território português.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação Nº 749/11.2YYPRT.P1
Processo em 1ª instância – 1º Juízo Execução do Porto – 3ª Secção

Sumário (art.º 713º nº 7 do CPC)

1. Estando em causa uma execução, e ainda que o título executivo seja uma sentença, o factor de conexão relevante para aferir da competência executiva internacional dos tribunais portugueses reside na circunstância de as medidas necessárias à realização coactiva da prestação poderem correr em território português, prevalecendo, portanto, a regra da territorialidade da execução.
2. Os tribunais portugueses não têm competência internacional para a execução para entrega de coisa certa, cujos bens a entregar não se situam em território português.


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO

B…, residente em …, …, Vila Nova de Gaia, intentou contra C…, Residente …, …, … ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, acção executiva, que designou “para entrega de coisa certa”, através da qual pede a citação do executado para entregar à exequente 1/2 de cada uma das verbas nºs 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41 e 42, do acordo de partilha homologado pela sentença objecto da execução.

Fundamentou a exequente esta sua pretensão nos seguintes termos:

1. Por sentença homologatória de acordo, transitada em julgado em 18.06.2010, proferida no proc. nº 2312/08.6TJPRT, da 1ª Secção, do 1º Juízo Cível, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto foi adjudicado à exequente 1/2, entre outras, de cada uma das seguintes verbas:
a) Verba nº 28 correspondente ao saldo de depósito designado por D…, da conta nº ………., do E…, …, Estados Unidos da América, no valor de 309.975,90 USD$ (trezentos e nove mil novecentos e setenta e cinco dólares e noventa cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 236015,65.
b) Verba nº 30 correspondente ao saldo de depósito designado por F…, da conta nº ………, do E…, …, Estados Unidos da América, no valor de 100.157,11 USD$ (cento mil cento e cinquenta e sete dólares e onze cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 76259,62.
c) Verba nº 31 correspondente ao saldo de depósito designado por G…, da conta nº …./……………, do H…, …, Estados Unidos da América, no valor de 2.280,95 USD$ (dois mil duzentos e oitenta dólares e noventa e cinco cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 1736,72.
d) Verba nº 32 correspondente ao saldo de depósito designado por G…, da conta nº …./……………, do H…, …, Estados Unidos da América, no valor de 35.743,13 USD$ (trinta e cinco mil setecentos e quarenta e três dólares e treze cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada- € 27214,82.
e) Verba nº 33 correspondente ao saldo de depósito designado por G…, da conta nº …./……………, do H…, …, Estados Unidos da América, no valor de 31.386,98 USD$ (trinta e um mil trezentos e oitenta e seis dólares e noventa e oito cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 23898,05.
f) Verba nº 34 correspondente ao saldo de depósito designado por G…, da conta nº …./……………, do H…, …, Estados Unidos da América, no valor de 12.471,33 USD$ (doze mil quatrocentos e setenta e um dólares e trinta e três cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 9495,67.
g) Verba nº 35 correspondente ao saldo de depósito designado por G…, da conta nº …./……………, do H…, …, Estados Unidos da América, no valor de 10.115,92 USD$ (dez mil cento e quinze dólares e noventa e dois cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 7702,26.
h) Verba nº 36 correspondente ao saldo de depósito designado por G…, da conta nº …./……………, do H…, …, Estados Unidos da América, no valor de 12.346,01 USD$ (doze mil trezentos e quarenta e seis dólares e um cêntimo) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 9400,25.
i) Verba nº 37 correspondente ao saldo de depósito designado por G…, da conta nº …./……………, do H…, …, Estados Unidos da América, no valor de 34.915,13 USD$ (trinta e quatro mil novecentos e quinze dólares e treze cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada € 26584,38.
j) Verba nº 38 correspondente ao saldo de depósito designado por I…, da conta nº …………, do J…, …, Estados Unidos da América, no valor de 2.186,40 USD$ (dois mil cento e oitenta e seis dólares e quarenta cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 1664,72.
k) Verba nº 39 correspondente ao saldo de depósito designado por K…, da conta nº ………., do J…, …, Estados Unidos da América, no valor de 6.521,95 USD$ (seis mil quinhentos e vinte e um dólares e noventa e cinco cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 4965,81.
l) Verba nº 40 correspondente ao saldo de depósito designado por L…, da conta nº ………….., do J…, …, Estados Unidos da América, no valor de 17.904,10 USD$ (dezassete mil novecentos e quatro dólares e dez cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 13632,18.
m) Verba nº 41 correspondente ao saldo de depósito designado por L…, da conta nº ……….., do J…, …, Estados Unidos da América, no valor de 12.337,51 USD$ (doze mil trezentos e trinta e sete dólares e cinquenta e um cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 9393,78.
n) Verba nº 42 correspondente ao saldo de depósito designado por L…, da conta nº ………….., do J…, …, Estados Unidos da América, no valor de 39.981,17 USD$ (trinta e nove mil novecentos e oitenta e um dólares e dezassete cêntimos) - Valor em euros fixado na sentença ora executada - € 30441,66.

2. As verbas supra referidas encontram-se na posse do executado, sendo que a exequente não pode movimentar individualmente a parte que lhe cabe nas mesmas.

3. O executado recusa-se a entregar à exequente a metade de cada uma dessas verbas.

4. Em sede de acção judicial interposta no Estados Unidos, o executado declarou expressamente que não pretende cumprir, quanto àquelas verbas, a sentença ora objecto de execução.

Foi remetida carta registada com aviso de recepção para citação do executado e foi reclamado o A/R.

A agente de execução apresentou no processo, em 24.10.2011, o seguinte requerimento (fls. 44):

Notificada a signatária, do conteúdo do despacho de 09/09/20111 (n° 4813630), nomeadamente de que o recebimento oposição não suspende a penhora, o que pressupõe a sua prossecução, suscitam-se as seguintes dúvidas:
1 - Os bens indicados no requerimento executivo, referem-se a contas bancárias;
2 - Tais contas encontram-se abertas em Bancos localizados nos Estados Unidos da América
3 - A presente acção destina-se à entrega das quantias depositadas nas contas bancárias ali indicadas.
Ora face ao atrás exposto, suscitam-se dúvidas á Agente de execução, quanto à exequibilidade e à forma como tornar efectiva a entrega de tais contas bancárias,
Pelo que, nos termos do artº 809º nº 1 al. d) do CPC, por forma a evitar a prática de actos inúteis requer a V. Exa. se digne designar a forma de concretização de tais actos, ou ordenar o que tiver por conveniente sobre o assunto.

Na sequência do requerido pela agente de execução, foram as partes notificadas, tendo a exequente se pronunciado nos seguintes termos:
1. No requerimento com a refª 2670416, a Agente de Execução manifesta algumas dúvidas quanto à forma como tornar efectiva a entrega das contas bancárias em causa nos autos, porquanto as mesmas estão domiciliadas nos EUA.
2. Face à posição assumida nos presentes autos, não restam dúvidas que o executado não pretende entregar voluntariamente a parte das referidas contas que cabe à exequente.
3. Assim, nos termos do art. 930º, nº 1, do CPC, serão aplicáveis as disposições referentes à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias.
4. Neste seguimento e caso tal seja possível, deverá proceder-se à penhora da parte dos saldos bancários em causa, notificando-se para o efeito as instituições bancárias americanas respectivas.
5. Se a referida penhora não for possível, deverá ser substituída pela penhora de bens pertencentes ao executado existentes em Portugal, designadamente os saldos bancários arrestados no âmbito do procedimento cautelar em apenso à presente execução (Proc. n.4 749/11.2YYPRT-A) até perfazer o montante correspondente à dívida exequenda.
Termos em que requer-se a penhora da parte dos saldos bancários em causa, ou, caso a mesma não seja possível, a penhora de bens pertencentes ao executado existentes em Portugal, designadamente os saldos bancários arrestados no âmbito do procedimento cautelar em apenso à presente execução.

Em 30-11-2011 foi proferido o seguinte despacho:

Notifique as partes para se pronunciarem quanto à eventual incompetência internacional deste Tribunal.

A exequente pronunciou-se nos seguintes termos:

1. A presente execução tem por base um acordo de partilha homologado por sentença, no âmbito do processo de inventário que correu seus termos em Tribunal Português (Proc. nº 2312/08.6TJPRT, 1ª Secção, do 1º Juízo Cível do Porto).
2. Neste acordo, o executado declarou que todos os bens titulados pelos país, designadamente todas as verbas situadas nos EUA (onde se incluem as verbas em causa nos presentes autos), pertenciam em partes iguais a si e à exequente.
3. Apesar disso e ao contrário da posição assumida no referido processo de inventário, o executado, nos processos que correram nos EUA, reclamou a titularidade integral daquelas verbas, recusando entregar à exequente a parte que lhe cabe.
4. Com a presente execução, a exequente pretendeu e pretende apenas assegurar o cumprimento daquele acordo de partilha.
5. Em relação à alegada incompetência internacional deste Tribunal importa, desde já, adiantar que a mesma, salvo o devido respeito, não se verifica.
Senão vejamos,
6. Neste domínio, a nossa doutrina tem feito apelo às normas gerais do artigo 65° do CPC, as quais são aplicáveis, directa ou analogicamente, às acções executivas.
7. Aliás, a aplicação do referido preceito sempre decorreria do preceituado no art. 61.4, do CPC, o qual não faz distinção entre acções declarativas e executivas. Cfr. o Ac. da RL, de 18-02-2003 in CJ, Ano XXVII, Tomo I, p. 105.
8. De acordo com o disposto no referido art. 65º, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das circunstâncias aí elencadas, as quais correspondem a critérios de atribuição de competência.
9. No caso em apreço, é, desde logo, aplicável o princípio (ou critério) da coincidência (art. 65º, n.º1, al. b), o qual determina que a jurisdição portuguesa é competente para a execução, quando esta deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei nacional (mais precisamente nos arts. 73º e ss., do CPC).
10. Este princípio remete-nos, inapelavelmente, para o art. 90.4, do CPC, pelo que "se a execução tiver por base uma sentença proferida por tribunal português, são os tribunais portugueses os competentes para o seu conhecimento, mesmo que o exequente e o executado sejam estrangeiros ou estejam localizados no estrangeiro os bens sobre que recaia a execução", Fernando Amâncio Ferreira in "Curso de Processo de Execução", 7.ª edição, Almedina, 2004, p. 73.
11. Considerações que se aplicam, na íntegra, à presente execução.
12. Até porque, contínua este autor, loc. cit., "sempre se poderá acrescentar que a circunstância de a sentença provir de um tribunal português pressupõe que a demanda que ela resolveu se encontrava conexionada com um elemento jurídico português".
13. Sendo que o art. 94.4, do CPC, não é aqui invocável, na medida em que só se aplica quando a execução se fundar em outro título executivo (sentença proferida por tribunal estrangeiro ou título diverso de sentença). Cfr. Lebre de Freitas e outros in "Código de Processo Civil - Anotado", volume 1.4, Coimbra Editora, 1999, p. 166; Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit., p. 74 e Eurico Lopes-Cardoso in "Manual da Acção Executiva", 3. edição, 2ª reimpressão, Almedína,1996, p.141.
14. O que não é o caso dos presentes autos.
15. A competência internacional deste Tribunal decorre, ainda, da verificação do critério da causalidade consagrado na al. c), do nº1, do art. 65º, do CPC.
16. Ao abrigo deste critério, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram foi praticado em território português.
17. In casu, não restam quaisquer dúvidas que o facto que serve de causa de pedir à execução foi praticado em Portugal.
18. Uma vez que o mesmo consubstancia-se nas disposições do acordo de partilha, cuja sentença homologatória, proferida por tribunais portugueses, funda a presente execução.
19. Para além disso, a competência internacional deste Tribunal decorre também do preenchimento do critério da necessidade previsto no art. 65º, n.º 1, al. d), do CPC, segundo o qual são competentes os tribunais portugueses quando o direito invocado só se pode tornar efectivo por meio de acção proposta em Portugal ou constituir, para o autor, dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.
20. Ora, a presente execução tem como objecto a entrega de saldos bancários que se encontram nos EUA.
21. Neste seguimento e partindo do princípio que este Tribunal declare a competência internacional dos Tribunais americanos, tal constituiria uma total negação do crédito da exequente e, consequentemente, tornaria inútil a sentença homologatória que funda a presente execução.
22. Circunstância que como é evidente colocaria em causa a nossa ordem jurídica e a nossa afirmação enquanto Estado.
(…)
23. competentes", Lebre de Freitas e outros in "Código de Processo Civil - Anotado", volume 1ª, Coimbra Editora, 1999, 131.
24. Como refere Lebre de Freitas in "A Acção Executiva", 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, 115, "a competência do tribunal português para uma execução a incidir sobre bens não existentes em Portugal à data da propositura da acção pode resultar do critério da coincidência (art. 65-1-b) ou de outro que o art. 65-1 consagre".
25. Acresce a tudo isto que o executado tem bens em Portugal susceptíveis de penhora (como, por exemplo, os saldos bancários arrestados no procedimento cautelar em apenso a esta execução), os quais, na hipótese de impossibilidade de entrega das verbas objecto de execução, poderiam, por via da conversão, assegurar a satisfação do crédito da exequente.
26. Também por força deste facto, este tribunal é internacionalmente competente.
27. Termos em que deve ser declarada a competência internacional deste Tribunal.

O executado pronunciou-se, por seu turno, da forma seguinte:
1. O Oponente no seu articulado apenso a estes autos, manifestou já a sua posição quanto aos factos articulados pela Exequente no seu requerimento executivo.
2. Na oposição, concretizou já o entendimento da incompetência internacional deste tribunal para dirimir a questão tal como ela foi colocada pela Exequente.
3. De resto, apesar do foro sucessório, os bens relacionados nas verbas controvertidas nos autos, contendem com questões do foro contratual do Estado do Ohio, Estados Unidos da América.
4. A própria exequente intentou no tribunal do Estado do Ohio, processo judicial e bem assim os respectivos recursos das decisões que lhe foram desfavoráveis.
5. Acabando por se conformar com a decisão proferida, desistindo dos recursos interpostos, acatando a decisão do tribunal.
6. Emerge ainda dos autos que o Oponente tem o seu domicílio permanente nos Estados Unidos da América.
7. É também pacífico, pois resulta à abundância dos autos que o Estado do Ohio se acha competente para dirimir a questão dos bens ali domiciliados.
8. Mais, o Tribunal do Ohio vai mais longe, referindo que mais nenhum estado pode ser competente para dirimir a questão das verbas que aqui se nominam "in trust for" e "pay on dead", não reconhecendo competência aos tribunais portugueses para dirimirem o modo de repartir os respectivos saldos.
9. Aliás, à luz do preceituado na ordem jurídica portuguesa, os negócios jurídicos celebrados no Estado do Ohio, entre os inventariados e as respectivas instituições bancárias do Estado do Ohio, devem ser salvaguardados, ou seja,
10. No que respeita à forma da declaração dos contratos, o artigo 36.° do Código Civil, reconhece ao Estado do Ohio competência para dirimir a questão,
11. Quer quanto à substância do negócio, quer quanto à lei do lugar da celebração.
12. Esta conexão múltipla alternativa, visa proteger a validade formal do negócio jurídico e apresenta vários elementos de conexão, sem hierarquia entre eles, cuja escolha depende apenas da obtenção de um resultado.
13. Também pela aplicação do critério definido no artigo 46.° do Código Civil relativo à lei reguladora das coisas, o regime da posse e propriedade é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas.
14. Mas mesmo que se entenda que estamos perante relações obrigacionais, atento os contratos celebrados pelos "de cujus" com as instituições bancárias no Estado do Ohio,
15. Também as obrigações provenientes do negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pelas leis do Estado do Ohio, por ali terem sido celebrados os negócios.
16. Inexiste ainda qualquer acordo ou convenção através da qual seja conferida competência internacional aos Tribunais portugueses.
17. Dispõe o artº 61º, do C. P. Civil que "os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65º”
18. Pelo que, a incompetência internacional resultará da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas do referido artº 65º.
19. Assim nos termos do estatuído na al. d) do n.° 1 do artigo 65º do CPC, o tribunal português não tem competência internacional para dirimir esta particular questão,
20. E tanto assim é que a Exequente, previamente à propositura do processo de inventário no tribunal português, já havia instaurado processo judicial no Tribunal do Ohio.
21. Mas o que verdadeiramente conta para efeitos da atribuição da competência deste tribunal é o efeito prático desta, Ou seja,
22. Ainda que o Tribunal português se ache competente, nunca conseguirá impor a sua decisão ao tribunal o Estado do Ohio e concretizar a vontade da exequente.
23. Isto porque, o tribunal do Ohio exclui as verbas da relação hereditária, e aplica as regras dos contratos celebrados,
24. Pelo que, quer a Exequente, quer o Oponente são os beneficiários dos respectivos contratos.
25. E desse modo, nunca o tribunal do Ohio se subordinará à vontade do Tribunal português, no que a este litígio diz respeito.
26. Em absurdo de raciocínio, e sufragando-se a competência internacional deste tribunal, face à pretensão da Exequente, cumprindo-se a vontade daquela, estaria a receber pela via judicial, metade dos saldos que reclama e a apropriar-se da totalidade dos saldos que o Tribunal do Ohio lhe destinou.
27. Em conclusão e salvo melhor entendimento, este tribunal é internacionalmente incompetente, o que gera uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e que determina a absolvição da instância — art.2 101º, 102º, 493º e 494º, todos do C. P. Civil.
Em 16-12-2011 foi proferido o seguinte despacho:

Sobre a incompetência internacional.
As partes foram notificadas para se pronunciarem quanto à eventual incompetência internacional deste Tribunal (refª 5109401; fls. 50).
Exequente e Executado pronunciaram-se sobre a questão nos termos que constam, respectivamente, do requerimento com a refª 2780871 (fls. 51 e segs.) e do requerimento com a refª 2786653 (fls. 59 e segs.).
Cumpre decidir.
A Exequente B… instaurou contra C… a presente acção executiva para “entrega de coisa certa”.
A coisa a entregar são 14 meios de vários depósitos que se encontram em contas bancárias do E…, …, Estados Unidos da América; H…, …, Estados Unidos da América; e J…, …, Estados Unidos da América.
O Executado reside em …, …, …, Estados Unidos da América.
O título executivo que serve de base à presente execução é uma “sentença condenatória judicial”, mais concretamente – nas palavras da Exequente – “sentença homologatória de acordo, transitada em julgado em 18-06-2010, proferida no proc. nº 2312/08.6TJPRT, da 1ª Secção, do 1º Juízo Cível, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto”. O processo no âmbito do qual foi proferida a sentença era um processo de inventário.
Salvo o devido respeito por opinião contrária (designadamente pelo exposto no douto requerimento subscrito pelo I. Mandatário da Exequente, maxime, pela Doutrina e Jurisprudência aí citadas), entendemos que por força do princípio da territorialidade da execução este Tribunal não é competente para a presente execução.
Colocado perante a questão de saber “se os nossos tribunais têm competência internacional para execuções sobre bens não situados em território português ANSELMO DE CASTRO dava uma resposta negativa à pergunta, fosse qual fosse o título executivo. Assim, sendo esse título uma sentença, “bem pode suceder que o executado não tenha bens alguns em Portugal, que o facto a executar se não situe em território português ou que a coisa a entregar se não encontre em Portugal”. Em tais casos, a execução seria inviável, porque eventuais cartas rogatórias aos tribunais estrangeiros “excedem o âmbito normal que deverão ter, com o que implicarão necessariamente a prévia revisão e confirmação da sentença a executar nesse país para cumprimento ulterior da carta rogatória” (RUI PINTO, A Acção Executiva depois da Reforma, JUS, Lisboa, 2004, p. 51).
“Posteriormente, TEIXEIRA DE SOUSA veio expressar melhor o que estava subjacente: “cada Estado tem o monopólio das medidas coactivas efectuadas no seu território” – é a regra da “territorialidade da execução”. Por isso, “o factor de conexão relevante para a aferição da competência executiva internacional dos tribunais portugueses não pode deixar de ser a circunstância de as medidas necessárias à realização coactiva da prestação poderem correr em território português” (ibidem).
“Mas, como já mostrara ANSELMO DE CASTRO, a dupla funcionalidade das normas de competência territorial não garante, só por si, que se afastem execuções para as quais as medidas de coacção não devam ter lugar em território português. É o que sucede com a execução de sentença: segundo TEIXEIRA DE SOUSA, há então que usar uma conexão suplementar para verificar se, em concreto, a execução seria viável. Essa conexão suplementar é a do art. 94.º, n.º 3 [pertencem ao Código de Processo Civil todos os artigos citados, salvo indicação em contrário]: o domicílio do executado “em território português ou, pelo menos, a existência de bens penhoráveis em Portugal” (op. cit., p. 52) e, acrescentamos nós, no caso de execução para entrega de coisa certa, a conexão suplementar é também a do art. 94.º, n.º 2: a existência da coisa a entregar em território nacional português.
Tal como RUI PINTO (autor cuja exposição vimos seguindo), “abraçamos a linha de ANSELMO DE CASTRO e TEIXEIRA DE SOUSA, pois ninguém – os tribunais, o credor e até o devedor – ganha com a propositura de uma execução cujas medidas de realização coactiva da prestação não podem correr em território português.
Mas, se é assim, então esse critério de apuramento de competência internacional há-de estar presente para a execução de qualquer título, como defendeu ANSELMO DE CASTRO. […] Apenas o critério real do n.º 2 do art. 94.º garante por si só a viabilidade da execução.
Deste modo, é de concluir que os nossos tribunais não têm competência internacional para execuções sobre bens que não se situem em território português” (op. cit., pp. 52-53).
A propósito do art. 65.º-A, alínea e), do Código de Processo Civil, afirma MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA: “[…] o art. 65.º-A, al. e), tem a vantagem de reforçar a ideia de que a competência internacional dos tribunais portugueses na área da execução pressupõe que as medidas necessárias à realização coactiva da obrigação exequenda possam correr em território português. O argumento que se retira do art. 65.º-A, al. e), é o seguinte: partindo do princípio de que os tribunais portugueses não devem negar aos tribunais dos outros Estados a mesma competência exclusiva que eles próprios reivindicam para si, os tribunais portugueses não podem ser competentes quando os bens que podem ser atingidos pela execução se encontrem no território de um outro Estado.
Dito de outro modo: o critério da competência exclusiva que consta do art. 65.º-A, al. e), deve ser bilateralizado, de molde a afastar a competência dos tribunais portugueses quando o elemento de conexão utilizado na norma (que é o lugar da situação dos bens) mostrar uma relação relevante com outra ordem jurídica. Esta operação não é sequer inédita: recorde-se que é uma idêntica bilateralização dos outros critérios de competência exclusiva estabelecidos no art. 65.º-A que justifica que, por exemplo, os tribunais portugueses não possam ser competentes para apreciar uma acção de reivindicação relativa a um imóvel sito no estrangeiro […]. Isto confirma que, se os bens que podem ser afectados na execução se encontrarem em território estrangeiro, os tribunais portugueses, qualquer que seja o título executivo, não podem ser competentes para essa execução” (A Reforma da Acção Executiva, LEX, Lisboa, 2004, p. 82; sublinhado nosso).
No caso em análise, é certo que estamos perante uma execução de sentença, todavia, também é certo que estamos perante uma execução para entrega de coisa certa (“a presente execução tem como objecto a entrega de saldos bancários que se encontram nos EUA” – cfr. art. 20.º do requerimento com a refª 2780871, fls. 55) e que o Executado reside nos Estados Unidos da América.
Por isso, a aferição da competência internacional dos tribunais portugueses não pode decorrer da aplicação linear – digamos assim – do art. 65.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) por um lado, e do art. 90.º, por outro lado. Há que ter em consideração a mencionada conexão suplementar.
Relativamente ao art. 65.º, n.º 1, alínea d) é de referir que – conforme admite a Exequente - “a jurisdição americana, ao contrário da sentença portuguesa que ora se executa, considerou que os saldos bancários em causa pertencem apenas ao executado” (cfr. art. 23.º do requerimento com a refª 2780871, fls. 56). E, de acordo com o afirmado pelo Executado, “a Exequente, previamente à propositura do processo de inventário no tribunal português, já havia instaurado processo judicial no Tribunal do Ohio”; referindo, também, que “a própria Exequente intentou no Tribunal do Estado do Ohio processo judicial e bem assim os recursos das decisões que lhe foram desfavoráveis”, “acabando por se conformar com a decisão proferida, desistindo dos recursos interpostos”. Pelo que, quanto ao efeito prático desta execução, relembrando a lição de ANSELMO DE CASTRO, ainda que fosse admitida a competência internacional deste Tribunal, os Tribunais americanos não iriam aceitar acriticamente um pedido no sentido de apreensão da coisa cuja entrega pretende a Exequente, se tais Tribunais americanos entendem que a coisa a entregar pertence apenas ao Executado; a presente acção executiva não pode garantir à Exequente que sejam contornadas dificuldades resultantes de decisão judicial americana que lhe é desfavorável. Dito de outro modo, entendemos que não se pode afirmar que o direito invocado pela Exequente só se pode tornar efectivo por meio de acção executiva proposta em Portugal, porquanto as diligências executivas relativas a bens que se encontram fora do território nacional português sempre teriam que passar pelo crivo jurídico dos tribunais dos Estados onde se encontram os bens em causa. Além disso, consideramos que a propositura de uma acção executiva no estrangeiro não constitui dificuldade apreciável para a Exequente, até porque esta já pleiteou em Tribunais americanos.
A infracção das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 101.º), é de conhecimento oficioso (art. 102.º, n.º 1) e implica a absolvição do Executado da instância (art. 105.º, n.º 1).
Tendo presente o supra exposto e interpretando conjugadamente o disposto nos arts. 65.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), 65.º-A, alínea e), 90.º, 94.º, n.º 2, declara-se este Tribunal internacionalmente incompetente para a presente acção executiva, bem como para os respectivos apensos de oposição à execução e procedimento cautelar, absolvendo-se o Executado da instância.

Inconformada com o assim decidido, a exequente interpôs recurso de apelação, relativamente à aludida decisão.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:

i. O presente recurso recai sobre o despacho de 06.01.2012, através do qual o Tribunal a quo se declarou internacionalmente incompetente para a presente acção e respectivos apensos, absolvendo o recorrido da instância.

ii. A presente execução tem por base um acordo de partilha homologado por sentença, no âmbito do processo de inventário que correu seus termos em Tribunal Português (Proc. n.º 2312/08.6TJPRT, 1.ª Secção, do 1.º Juízo Cível do Porto), no qual o recorrido declarou que todos os bens titulados pelos pais, designadamente as verbas em causa nos presentes autos, pertenciam em partes iguais a si e à recorrente.

iii. No entanto e contrariando as suas declarações naquele inventário, o recorrido, nos processos que correram nos EUA, reclamou a titularidade integral daquelas verbas, recusando entregar à recorrente a parte que lhe cabe.

iv. Com a presente acção executiva, a recorrente pretendeu e pretende assegurar o cumprimento daquele acordo de partilha, requerendo a referida entrega. Em matéria de incompetência internacional, a nossa doutrina tem feito apelo às normas gerais do art. 65°, do CPC, as quais são aplicáveis às acções executivas. Aplicação essa que sempre decorreria do preceituado no art. 61.º, do CPC, o qual não faz distinção entre acções declarativas e executivas.

v. De acordo com o disposto no citado art. 65.º, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das circunstâncias aí elencadas, as quais correspondem a critérios de atribuição de competência.

vi. No caso em apreço, é, desde logo, aplicável o critério da coincidência (art. 65.º, n.º 1, al. b)), o qual determina que a jurisdição portuguesa é competente para a execução, quando esta deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial, entre elas, a prevista no art. 90.º, do CPC, o qual dispõe o seguinte: “Para a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses, é competente o tribunal do lugar em que a causa tenha sido julgada”.

vii. Neste âmbito, FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Curso de Processo de Execução”, 7.ª edição, Almedina, 2004, p. 73, afirma que “se a execução tiver por base uma sentença proferida por tribunal português, são os tribunais portugueses os competentes para o seu conhecimento, mesmo que o exequente e o executado sejam estrangeiros ou estejam localizados no estrangeiro os bens sobre que recaia a execução”.

viii. Pelo exposto, o art. 90.º, do CPC, aplica-se nos presentes autos.

ix. Apesar disso, o tribunal a quo entendeu que “a aferição da competência internacional dos tribunais portugueses não pode decorrer da aplicação linear – digamos assim – do art. 65.º, alíneas b), c) e e) por um lado, e do art. 90.º, por outro lado. Há que ter em consideração a mencionada conexão suplementar”, dando, como exemplo dessa conexão, o art. 94.º, n.º 2, do CPC.

x. Acontece que, o art. 94.º, do CPC, não é aqui invocável, uma vez que só se aplica a execuções que se fundem em outro título executivo que não seja sentença proferida por tribunal português.

xi. Por outro lado, não é admissível, conforme parece querer o tribunal a quo, fazer sobrepor o regime do art. 94.º, do CPC, ao contido no art. 90.º, do CPC.

xii. O facto de os bens cuja entrega a exequente requereu, se encontrarem nos EUA não determina, per si, a incompetência internacional daquele tribunal.

xiii. A competência internacional do tribunal a quo decorre, ainda, da verificação do critério da causalidade consagrado na al. c), do n.º 1, do art. 65.º, do CPC, nos termos do qual os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram foi praticado em território português.

xiv. In casu, o facto que serve de causa de pedir à execução foi praticado em Portugal, porquanto o mesmo consubstancia-se nas disposições do acordo de partilha, cuja sentença homologatória, proferida por tribunais portugueses, funda a presente execução.

xv. A referida competência internacional decorre também do preenchimento do critério da necessidade previsto no art. 65.º, n.º 1, al. d), do CPC, segundo o qual são competentes os tribunais portugueses quando o direito invocado só se pode tornar efectivo por meio de acção proposta em Portugal ou constituir, para o autor, dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.

xvi. Ora, uma vez que a presente execução tem como objecto a entrega de saldos bancários que se encontram nos EUA, a declaração de incompetência internacional ora impugnada constitui uma total negação do crédito da recorrente e, consequentemente, torna inútil a sentença homologatória que funda a presente execução.

xvii. O que coloca em causa a nossa ordem jurídica e a nossa soberania enquanto Estado.

xviii. De facto, a decisão americana, ao invés da sentença portuguesa que ora se executa, considerou que os saldos bancários em causa pertencem apenas ao executado, pelo que a presente execução nunca poderia ser interposta nos EUA, uma vez que não teria aí qualquer força judicial, ficando assim esvaziada de eficácia.

xix. Esta circunstância constitui uma clara dificuldade prática nos termos e para os efeitos da al. d), do n.º 1, do art. 65.º, do CPC, impondo-se, por força do critério da necessidade aí plasmado, o recurso aos tribunais portugueses.

xx. A este propósito, o despacho ora recorrido encerra, salvo o devido respeito, uma contradição, quando considera, por um lado, que “os Tribunais americanos não iriam aceitar acriticamente um pedido de sentido de apreensão da coisa cuja entrega pretende a Exequente” e, por outro, que “a propositura de uma acção executiva no estrangeiro não constitui dificuldade apreciável para a Exequente, até porque esta já pleiteou em Tribunais americanos”.

xxi. Destarte, não podem restar dúvidas que a sentença ora objecto de execução, tendo sido proferida por tribunal português, só têm força executiva em Portugal.

xxii. Cada um dos “factores atributivos de competência tem valor autónomo, pelo que basta a verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes”, LEBRE DE FREITAS e outros in “Código de Processo Civil – Anotado”, volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, 131.

xxiii. Acresce a tudo isto que o recorrido tem bens em Portugal susceptíveis de penhora (como, por exemplo, os saldos bancários arrestados no procedimento cautelar em apenso a esta execução), os quais, na hipótese de impossibilidade de entrega das verbas exequendas, poderiam, por via da conversão, assegurar a satisfação do crédito da recorrente.

xxiv. Também por força deste facto e uma vez que não foram esgotadas todas as vias de reparação do direito da recorrente, o tribunal a quo sempre seria internacionalmente competente para a presente acção.

xxv. As lições de ANSELMO DE CASTRO (citado por RUI PINTO), contidas no livro “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, Coimbra Editora, ps. 62 a 64 e que serviram de base ao despacho sub iudice, perfilam-se, na nossa opinião, como uma crítica ao regime jurídico vigente em 1970, não podendo assumir-se como um elemento interpretador daquele regime e muito menos do regime actualmente em vigor.

xxvi. Para ARY ELIAS DA COSTA/FERNANDO DA SILVA COSTA/JOÃO FIGUEIREDO DE SOUSA, ob. cit., p. 138, os “tribunais portugueses são competentes internacionalmente para as execuções fundadas em decisão de tribunal português ou de árbitros portugueses funcionando em território nacional qualquer que seja a nacionalidade das partes e independentemente do lugar onde se encontrem os bens a executar, a coisa a ser entregue ou do lugar onde o facto deva ser prestado (art. 90º)”.

xxvii. No despacho ora objecto de recurso, o tribunal a quo apoia-se, ainda, na necessidade de bilateralização do art. 65.º-A, al. e), do CPC, preconizado por TEIXEIRA DE SOUSA in “A reforma da Acção Executiva”, Lex, Lisboa, 2004, p. 82, a qual afastaria a competência dos tribunais portugueses quando os bens afectados na execução se encontrarem em território estrangeiro.

xxviii. Ora, os exemplos de bilateralização indicados por aquele autor estão, todos eles, expressamente previstos na lei, mais concretamente nas als. a), b) e d), do art. 65.º-A, sendo que nesse elenco não se incluem as execuções que tenham por objecto bens situados noutro país.

xxix. Assim, no caso concreto, as disposições legais que a exequente invoca nunca poderiam ser afastadas em virtude desta bilateralização, a qual, em consequência, não serve para sustentar a incompetência internacional declarada.

xxx. Pelos motivos supra exposto, podemos concluir que, no despacho ora objecto de recurso, o tribunal a quo, ao declarar-se internacionalmente incompetente, fez uma errada interpretação, designadamente, dos arts. 65.º, n.º 1, als. b), c) e d), 65.º-A, al. e), 90.º e 94.º, n.º 2, todos do CPC.

xxxi. Com efeito, o tribunal a quo devia ter interpretado os arts. 61.º, 65.º, n.º 1, als. b), c) e d), 90.º e 94.º, n.º 2, todos do CPC, no sentido de se declarar internacionalmente competente para a presente acção.

Pede, por isso, a apelante, que seja julgado procedente o recurso e, em consequência, o despacho ora objecto de recurso seja revogado e substituído por outro que declare a competência internacional do tribunal a quo e ordene o prosseguimento da presente acção executiva e dos respectivos apensos de oposição à execução e procedimento cautelar.

Respondeu o recorrido defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES:

i. Não assiste razão à recorrente no que concerne com a competência internacional do Tribunal português.

ii. A execução tem por objecto e natureza a entrega de coisa certa, cujo objecto (saldos de conta das verbas indicadas no requerimento executivo) ela própria reconhece não existir, em virtude do tribunal americano ter concluído em acção própria por ela intentada, que os mesmos pertencem ao Recorrido.

iii. A própria Agente de Execução instou o Tribunal “a quo” solicitando indicações e instruções, quanto à exequibilidade e à forma como tornar efectiva a apreensão e entrega dos saldos das contas domiciliadas nos Estado do Ohio, EUA.

iv. A alegação da recorrente, feita nesta sede, à margem do objecto e causa de pedir do requerimento executivo para entrega de coisa certa, da possibilidade de conversão do arresto em penhora dos saldos bancários do Recorrido domiciliados em Portugal, como fundamento para o Tribunal “a quo” se julgar internacionalmente competente também não colhe,

v. Pois a providência cautelar visou o arresto dos saldos de conta pertença do Recorrido existentes em Portugal e a execução para entrega de coisa certa cujo objecto é o saldo das contas existentes nos EUA, identificadas no requerimento executivo, o que é bem diverso, pelo que juridicamente, não será possível converter o arresto em penhora, como facilmente se percebe.

vi. Do ponto de vista do bom senso, também decidiu bem o Tribunal “a quo”, porquanto jamais aceitará o Tribunal americano cumprir uma determinação de um Tribunal português que se sobreponha a uma decisão já transitada em julgado que lhe havia sido suscitada pela aqui Recorrente.

vii. Assim, a decisão recorrida, não coloca em causa a nossa ordem jurídica nem a nossa soberania enquanto Estado, como erradamente entende a Recorrida, mas o contrário já é válido no que se refere à ordem jurídica e soberania dos tribunais e da lei do Estado do Ohio, como reconhece a Apelante por força das alegações vertidas nos pontos 31 e 49 e ponto XIX e XX das conclusões.

viii. Quanto à questão no plano estrito do direito, sufraga-se aqui a decisão recorrida, à qual se adere, não resultando da extensa e até, com total respeito que é muito, confusa alegação e conclusão da Apelante, uma diferente interpretação e aplicação das normas jurídicas que diz violadas.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO


Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise da questão de saber:

<=> se o TRIBUNAL PORTUGUÊS É COMPETENTE PARA TRAMITAR A PRESENTE EXECUÇÃO (que a exequente considerou ser para entrega de coisa certa, e que foi secundada na sentença recorrida), na sequência da sentença homologatória do acordo entre apelante e apelado nos autos de inventário que correu termos pela 1ª Secção do 1º Juízo Cível do Porto (Pº 2312/08.6TJPRT), encontrando-se os bens (depósitos) cuja entrega se visa em Bancos situados nos Estados Unidos da América.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – DOS TERMOS DA APELAÇÃO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
***
B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos autos está questionada a competência internacional do tribunal português.

A competência internacional, como refere ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 198, designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras.

Decorre do disposto no artigo 61º, do Código de Processo Civil que: Os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65º.

A incompetência internacional resultará, portanto, da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas do artigo 65º do C.P.Civil.

Com efeito, os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses para a acção declarativa vêm enunciados do nº 1 do artigo 65º do CPC, sendo considerada exclusiva nos casos previstos no artigo 65º-A do mesmo Código.

Resulta da leitura do normativo que são critérios aferidores da competência internacional dos tribunais portugueses, o domicílio do réu, a exclusividade, a causalidade, e a necessidade, critérios estes que são autó­nomos e independentes entre si, bastando a ocorrência de apenas um deles para se poder aferir a competência dos tribunais portugueses.

Decorre também do citado preceito legal que, para a determinação da competência inter­nacional dos tribunais portugueses, é prevalecente o que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.

No caso em apreço está em causa a propositura de uma acção executiva – “para entrega de coisa certa” – sendo que o título executivo é uma sentença homologatória de transacção no âmbito de um inventário.

Da análise das normas do C.P.C que se referem à competência internacional há que concluir que inexiste qualquer disposição legal que directamente estabeleça as regras de competência internacional em matéria de execuções.

Inexiste a este respeito um entendimento unívoco na doutrina.

Defendem uns autores, a inaplicabilidade à acção executiva das regras estabelecidas para o processo declarativo, por inapropriadas àquele processo, apenas sendo de reconhecer competência internacional aos tribunais portugueses, sempre e só, quando a execução deva correr sobre bens sitos em Portugal – v. neste sentido ANSELMO DE CASTRO, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, 62-64.

A este mesmo entendimento adere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular, 124-125, ao referir A competência executiva internacional dos tribunais portugueses pressupõe uma conexão relevante da acção executiva com a ordem jurídica portuguesa, porque os tribunais nacionais não podem, (nem devem) ser competentes para toda e qualquer execução. A necessidade desta conexão é uma consequência do princípio da territorialidade ao qual estão submetidas as medidas através das quais se obtém a realização coactiva da prestação exequenda: segundo esse princípio, cada Estado possui o monopólio das medidas coactivas efectuadas no seu território. Por esse motivo, o factor conexão relevante para a aferição da competência executiva internacional dos tribunais portugueses não pode deixar de ser a circunstância de as medidas necessárias à realização coactiva da prestação poderem ocorrer em território português.

Defende ainda este autor que, quando o título executivo for uma decisão proferida por um tribunal português, esta circunstância nem sempre parece ser suficiente para justificar a competência internacional dos tribunais portugueses.

E, continua afirmando que, Se por exemplo, a obrigação a que o réu foi condenado naquela sentença dever ser cumprida no estrangeiro ou estiver garantida por bens situados no estrangeiro, a situação não mostra uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa para justificar a competência do tribunal da primeira instância que julgou a causa (cfr. artº 90, nº 1). Quando a execução se baseia numa sentença nacional, a atribuição de competência internacional ao tribunal de primeira instância em que a causa foi julgada fica dependente da existência de um outro elemento de conexão que se mostre relevante.

Corrobora, portanto, este autor, a doutrina de ANSELMO DE CASTRO, explicitando-a melhor, por recurso à conexão suplementar prevista no nº 3 do artigo 94º do CPC, para verificar se, em concreto, a execução seria viável.

Coincidente com este entendimento, RUI PINTO, A acção Executiva depois da Reforma, 52, defende a preponderância do critério real consagrado no nº 2 do artigo 94º do CPC, o qual garante por si só a viabilidade da execução, apelando a um particular pragmatismo, quando refere que ninguém – os tribunais, o credor e até o devedor – ganha com a propositura de uma execução cujas medidas de realização coactiva da prestação não podem correr em território português.

Para LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, Vol. III, 187, as normas internas sobre competência internacional regulam fundamentalmente a competência para a acção declarativa, referindo que, por força do Direito Internacional Público geral são exclusivamente competentes para a acção executiva os tribunais do Estado onde devam ser praticados os actos de execução.

Mas, para outros autores, ao invés, os critérios consagrados no artigo 65º do CPC aplicam-se tanto para as acções, como para as execuções.

Para ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, 1º, 3ª ed., 410, o artigo 65º do CPC deve ser considerado como o assento fundamental das normas de competência internacional, tanto para as acções propriamente ditas, como para as execuções”.

Defende, por seu turno, FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 49-52, rejeitando a tese anterior, que o disposto no artigo 65º do CPC, apesar de arquitectado para a acção declarativa, reclama aplicação, directa ou analógica, à acção executiva, independentemente da sua maior ou menor possibilidade de actuação prática. Daí que propugne a aplicação à execução de todos os critérios definidos no nº 1 do artigo 65º do CPC – cfr. no mesmo sentido JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª ed. 112-116.

Defende, por seu turno, J.P. REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum, à face do Código Revisto, 96-98, a aplicação à execução dos critérios do domicílio do demandado, da causalidade e da necessidade - alíneas a), c) e d) – excepcionando o critério da coincidência, por entender, na esteira de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A competência declarativa dos tribunais comuns, 46 e ss, que se trata de um critério inútil, porquanto este não atribui aos tribunais portugueses qualquer margem de competência acrescida, para além daquela que eles já dispõem segundo as regras de competência interna, e sendo certo que as regras de competência internacional se destinam a alargar o acesso ao direito, precisamente naqueles casos em que, segundo as regras de competência interna, as pessoas não possam recorrer aos tribunais portugueses para a realização do conjunto de operações em que se traduz a acção executiva.

Na verdade, o princípio da coincidência estabelecida na alínea b) do citado artigo 65º do CPC apenas remete para o que decorre dos artigos 90º a 94º do CPC, i.e., se a execução tiver por base uma sentença proferida por tribunal português, são os tribunais portugueses os competentes para o seu conhecimento, mesmo que o exequente e o executado sejam estrangeiros ou estejam localizados no estrangeiro os bens sobre que recaiam a execução. E, se a execução se fundar em outro título executivo, os tribunais portugueses são competentes no caso de a obrigação dever ser cumprida em Portugal ou se a execução for para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, no caso de a coisa se encontrar ou os bens onerados se situarem em Portugal.

Ora, verifica-se que a sentença recorrida aderiu ao primeiro identificado entendimento, e a apelante propugna pela defesa da segunda tese.

Estando em causa uma execução, que a parte designou, para entrega de coisa certa, cujos bens se encontram nos Estados Unidos da América, corrobora-se a primeira das supra identificadas teses, defendida na sentença recorrida, o mesmo sucederia se estivesse em causa uma execução para pagamento de quantia certa.

É que, com efeito, a aferição da competência internacional dos tribunais portugueses não pode decorrer da linear aplicação das disposições conjugadas dos artigos 65º, nº 1, alíneas b) e d) – atenta a revogação das alíneas a) e c) operada pela Lei nº 52/2008, de 28.08 - e 90º, sendo necessário ter em consideração a supra referida conexão suplementar defendida por TEIXEIRA DE SOUSA, como refere, e bem, a sentença recorrida.
Por outro lado, o disposto na alínea e) do artigo 65º-A do CPC, ao consagrar a competência exclusiva dos tribunais portugueses com relação às execuções sobre bens existentes em território português, está em consonância com o princípio da territorialidade das medidas de execução, ou seja, com o princípio de que apenas os tribunais do Estado da execução podem aplicar as respectivas medidas coactivas – v. neste sentido MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A competência internacional executiva dos tribunais portugueses, Cadernos de Direito Privado, Nº 5, 49 (anotação ao Ac. TRL de 18.02.2003).

A interpretação decorrente do artigo 65º-A, alínea e) do CPC reforça, assim, o pressuposto de que as medidas necessárias à realização coactiva da obrigação exequenda deverão decorrer em território português, acarretando como consequência directa que os tribunais portugueses não são competentes para uma execução relativa a um bem situado no estrangeiro.

Tal como é inultrapassável o apelo à importante regra do forum rei sitae, igualmente se considera fundamental a “regra de territorialidade da execução”, sendo, a nosso ver, manifesta a consagração do princípio de que cada Estado tem o monopólio das medidas coactivas efectuadas no seu território.

É incontornável a pertinência do argumento em que se apoia a orientação que aqui se defende, de que a execução de bens localizados em país estrangeiro é inviável, por envolver medidas de prestação coactivas que necessariamente escapam ao âmbito normal da carta rogatória e, tratando-se de uma decisão nacional sobre direitos privados, está só teria eficácia no país estrangeiro, em regra, após a respectiva revisão e confirmação.

De resto, o princípio da territorialidade das medidas de execução também tem expressa consagração no Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, no quadro da União
Europeia (artigo 22º, nº 5) - embora não seja aqui aplicável - o que já sucedia anteriormente nas Convenções de Bruxelas e Lugano (artigo 16º, nº 5).

Em resultado da competência exclusiva dos tribunais portugueses estabelecida no artigo 65º-A, alínea e) do CPC há que concluir que, para a ordem jurídica portuguesa, os tribunais dos outros Estados também são exclusivamente competentes para as execuções relativas a bens neles situados, o que significa que não é possível instaurar em Portugal uma execução para entrega de uma coisa que se encontra no estrangeiro, nem tão pouco os tribunais portugueses possuem competência para penhorar um bem situado no estrangeiro, no caso de uma execução para pagamento de quantia certa.

E aferindo-se a competência internacional executiva pela localização em território português dos bens que nela podem ser atingidos, sempre que esses bens não se encontrarem em Portugal, não terão aplicação qualquer dos critérios determinativos da competência que se encontram previstos no artigo 65º, nº 1 do CPC.

No caso em apreciação haveria a exequente/apelante que recorrer aos tribunais norte-americanos, com vista à obtenção da sua pretensão, ainda que mediante revisão e confirmação da sentença a executar.

E, não colhe a argumentação da apelante de que a execução nunca poderia ser interposta nos EUA.

É que, se já existe uma decisão norte americana que considerou como apenas pertencentes ao executado os saldos bancários cuja entrega a exequente pretende obter coercivamente - embora somente após a confirmação de tal decisão se poderia invocar a excepção da caso julgado - a verdade é que, por maioria de razão, a pretensão da exequente nunca se alcançaria, ainda que através de uma carta rogatória.

Conclui-se, portanto, que os tribunais portugueses não têm competência internacional para executar as suas decisões, caso envolvam a penhora ou a entrega de bens localizados em país estrangeiro, com in casu sucede.

Soçobra, portanto, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
*
A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
***
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.

Porto, 12 de Junho de 2012
Ondina de Oliveira Carmo Alves
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Maria de Jesus Pereira