Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
288/14.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS
REPARAÇÃO
IVA
PRIVAÇÃO DO USO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 03/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 562, 563, 564, 566 CC
Sumário: 1 - A condenação por reparação de veículo, ainda a efetivar, tem de fazer-se na consideração do valor do IVA, o qual, em princípio, legalmente terá de ser cobrado.

2 - A indemnização pela privação do uso de automóvel exige a prova, posto que aliviada, dado tal facto ser quase notório, da sua necessidade, bem como do prejuízo dela decorrente.

3 - Este dano deve ser ressarcido pelo valor que seja provado, sendo que, apenas à míngua da sua concreta prova, deverá ser fixado via juízo équo, dentro de limites que os factos apurados e os valores arbitrados pela jurisprudência tornem admissíveis.

4 - O lapso temporal a considerar para tal indemnização é o que decorre entre a data do sinistro e pagamento efetivo da indemnização, salvo se a ré provar que o lesado atrasou, deliberada ou injustificadamente, a propositura da ação, ou lhe era exigível que, mesmo antes da sua instauração, reparasse o veículo.

5- A fixação do dies a quo dos juros moratórios a partir da data da sentença, na sequência do AUJ nº 4/2002 exige que, nesta, seja, adrede mencionado, ou inequivocamente dela dimane, o cariz atualizado da indemnização, essencialmente por reporte ao fenómeno inflacionista.

Decisão Texto Integral:



ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

M (…) Comércio Unipessoal, Lda.  intentou contra Companhia de Seguros A (…), S.A  ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

Pediu:

A condenação da ré a pagar-lhe, por danos patrimoniais, a quantia 20.257,12 euros (vinte mil duzentos e cinquenta e sete euros e doze cêntimos) acrescida de juros moratórios à taxa legal em vigor desde a citação, até efetivo e integral pagamento e a indemnizar a A. pelos danos patrimoniais a liquidar em sede de incidente de execução de sentença, relativos à recolha e guarda da viatura e à continuação da privação do uso do veiculo.

 Mais pede, após trânsito a sentença condenatória, o acréscimo de juros compulsórios.

Alegou:

No dia 27 de Dezembro de 2013, pelas 19h25 minutos, na Estrada Nacional nº109, ao Km 153,400 do lugar da Charneca, freguesia de Monte Redondo, concelho de Leiria, ocorreu um acidente de viação em que intervieram o veículo ligeiro de mercadorias com matrícula NJ (...) , marca Citröen, modelo Berlingo, propriedade da Autora, conduzido pelo seu sócio gerente (…), no sentido sul-norte (Leiria-Figueira da Foz) e o veículo de marca Audi, modelo A4 Avant, com matrícula RO (...) , conduzido por (…), que entrou na via de trânsito por onde circulava o veículo da A., de forma súbita e inesperada, proveniente de um parque de estacionamento ali existente do lado esquerdo (Móveis Sandribel), atento o sentido norte-sul, entrando na via em aceleração e a obliquar, onde já se encontrava a circular o NJ, a ultrapassar um veículo pesado de mercadorias, tendo o RO colidido com o NJ com violência e projetado este para a direita, sofrendo o NJ danos que descreve, e respetivas consequência.

O condutor e proprietário do RO deu causa ao acidente, violando o disposto nos arts. 3º, nº1, 12º, nº1 do Cód. da Estrada, e havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação causado por tal veículo para a Ré, mediante a apólice nº 90.58114577.

Contestou a Ré.

Impugnou o alegado pela autora e imputou a responsabilidade do sinistro ao condutor do veículo desta, por violação do disposto na al. e) do nº1 e nº2 do art. 38 º do Cód. da Estrada.

Pediu:

A improcedência da ação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condeno a Ré a pagar à Autora, a quantia de 10.689,28€ (9.513,15€+1.176,13€) (dez mil seiscentos e oitenta e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos, desde a citação da Ré e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, de 4% ou à que eventualmente a substituir;

b) Condeno a Ré a pagar à Autora quantia diária, devida em dias úteis (sem fins de semana e feriados) de 25,00€ (vinte cinco euros), desde o dia seguinte ao acidente, descontando uma semana de janeiro e o mês de fevereiro de 2014 em que a Autora dispôs de veículo de aluguer para substituir o NJ, até 6 dias úteis após o pagamento à Autora da quantia indemnizatória fixada a título de reparação do NJ, sendo devidos juros quanto à quantia devida na presente data, desde a citação da Ré e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, de 4% ou à que eventualmente a substituir;

c) Mais condeno a Ré relativamente às quantias devidas pela mesma, com referência à presente data, a pagar juros à taxa de 5% ao ano, desse o trânsito em julgado da sentença, nos termos do disposto no art. 829-A, nº4 do Cód. Civil.

d) Absolvo a Ré do mais peticionado.

e) Condeno Autora e Ré, no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC»

3.

Inconformada recorreu a ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) A ora Apelante não se pode conformar com a douta sentença, no que respeita às alíneas a) e b) da parte decisória da mesma.

 2) No que se refere ao valor de 10.689,28€ que corresponde ao valor de reparação de 9.513,15€ acrescido de 1.176,13€ a título de IVA, a douta sentença ora recorrida condena para além do pedido efectuado, uma vez que a Autora na sua petição inicial não peticiona o valor correspondente ao IVA que eventualmente irá suportar com a reparação.

3) Veja-se que a reparação, do que resultou provado, ainda não foi efectuada pelo que ainda não foi facturada à Autora. Não podendo nessa medida a ora recorrente ser condenada a pagar um valor a título de IVA de uma factura ainda que não existe.

4) Tratando-se a A. de uma empresa e o veículo sinistrado estando afecto à actividade da mesma, o valor a título de IVA que eventualmente possa vir a suportar com a reparação do veículo será sempre deduzido aquando da elaboração da declaração de IVA competente, não ficando a A. lesada nesse montante.

 5) No que concerne à alínea b) da condenação, considera a ora Apelante que, a quantia diária atribuída à Autora a título de privação de uso, não deve, nem pode, ser aferida em função do valor diário de aluguer de um veículo semelhante ao sinistrado.

6) Com efeito, para a aferição da quantia indemnizatória a arbitrar nos casos de privação de uso, deve ser usado o livre arbítrio do Juiz, recorrendo a um juízo de equidade tendo em conta as características do veículo sinistrado e os factos prejudiciais decorrentes da privação e usos que o titular do direito vier a provar no decorrer da acção.

 7) A condenação no valor correspondente ou próximo ao valor do aluguer de uma viatura idêntica à acidentada acarreta um enriquecimento ilegítimo da A, uma vez que a A. não alugou nenhum veículo, não suportando, portanto, qualquer quantia nessa medida.

8) Não tendo a A. despendido qualquer quantia com o aluguer de veículo nem se dedicando ao mercado de alugueres de veículos, o que se deveria ter apurado era o valor de prejuízo que a A. teve com o facto de não poder usufruir do seu veículo.

9) Tendo apenas resultado provado que o veículo sinistrado ficou imobilizado em decorrência do acidente e que este era utilizado para a actividade comercial da Autora, mormente para o aviamento de clientes, transportes de mercadorias, deslocações a serviços e repartições públicas, deverá ser arbitrado a título de privação de uso um valor não superior a 10€ diários, o qual deve ser balizado entre o dia do acidente e um período razoável em dentro do qual a A. tinha a obrigação de proceder, diligentemente, e acautelar a reparação/substituição do veículo.

10) A situação configura clara e inequivocamente uma situação de agravamento excessivo e desmesurado do credor perante o devedor, ora recorrente.

11) Assim sendo, considera a ora recorrente, que de forma a se encontrar uma solução justa ao presente caso, deverão V. Exas. recorrer a um juízo de equidade e razoabilidade, atribuindo ao A. um indemnização compensatória pela privação do uso do seu veículo, no entanto essa indemnização deverá ser balizada num período não superior a 60 dias e a uma taxa diária inferior a 10€.

12) Por último insurge-se a ora recorrente contra a sua condenação a pagar juros de mora quanto às quantias devidas na presente data, desde a citação.

13) No que respeita ao valor da reparação conforme resultou provado esse montante ainda não foi despendido pela A, não estando lesada na quantia correspondente, pelo que os juros não deverão ser contabilizados desde a citação mas antes desde a data da sentença.

14) Quanto ao valor devido a título de privação de uso sendo o mesmo arbitrado segundo o livre arbítrio do Juiz julgador e actualizado à data da Sentença, os respectivos juros de mora não poderão também ser contabilizados desde a data da citação, apenas e só desde a data da Sentença que os liquida e actualizado.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  608º nº2, ex vi do artº 663º nº2, 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da sentença por condenação além do pedido.

2ª – Redução do quantum diário por privação do uso do veículo.

3ª – Juros a partir da data da sentença.

5.

Os factos dados como provados são os seguintes:

1. A autora é uma sociedade comercial unipessoal, cujo objeto é o polimento e acabamento de moldes, intermediação comercial, importação, exportação e comércio de moldes e, representação de marcas, cuja atividade comercial se estende por todo território nacional.

2. Para o efeito, dispõe de uma estrutura organizativa com sede na Rua Principal nº. 78, freguesia de Vinha da Rainha, concelho de Soure.

3. A Ré é também uma sociedade comercial, vulgo companhia de seguros, cujo capital social é constituído por ações, com sede no Largo da Matriz, 45-62, Apartado 186, 9500-094 Ponta Delgada.

4. Exerce e explora a atividade seguradora, através da assunção de riscos, pelos danos causados pelos seus segurados a terceiros, nomeadamente pela circulação na via pública de veículos automóveis.

5. No dia 27 de Dezembro de 2013, pelas 19h25 minutos na Estrada Nacional nº 109, ao Km 153,400, lugar de Charneca, freguesia de Monte Redondo, concelho de Leiria circulava o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula NJ (...) (NJ), marca Citröen, modelo Berlingo, cor preta, propriedade da Autora, conduzido pelo seu sócio e gerente (…), no sentido sul – norte, ou seja, Leiria – Figueira da Foz.

6. O tempo estava nublado e de chuva, sendo já noite.

7. O veículo NJ circulava com o sistema luminoso acionado à frente e à retaguarda, animado com uma velocidade de cerca de 60km/h, pela hemi-faixa direita, atento o aludido sentido.

8. A via no local apresenta-se em reta plana, com pelo menos, 100m de visibilidade em toda a sua extensão, com piso betuminoso em razoável estado de conservação, com duas hemi-faixas de rodagem, sendo uma no sentido norte/sul com cerca de 3,40 m de largura e outra no sentido sul/norte com idêntica largura, separadas por traço descontínuo, sendo a via ladeada por bermas de ambos os lados com cerca de 0,50m de largura, em terra, seguidas de valeta, com linhas marginais a branco, havendo estabelecimentos comerciais de ambos os lados.

9. À frente do NJ circulava um veículo automóvel pesado de mercadorias, pela hemifaixa direita a uma velocidade média de cerca de 40/50km/h.

10. Na sua linha de evolução o condutor do NJ quando se aproximou de local onde era permitida a manobra de ultrapassagem, ao km 153.400 identificada, no pavimento, por linha descontínua, numa distância à vista, em toda a sua extensão ao longo de mais de 80 metros, certificando-se que poderia efetuar a manobra de ultrapassagem em segurança dado na altura não circularem veículos em sentido contrário nem à sua retaguarda acionou o sistema luminoso, vulgo pisca, do lado esquerdo, imprimiu maior dinâmica na viatura direcionando para a sua esquerda e iniciou a ultrapassagem do veículo pesado pela faixa esquerda atento o seu sentido de trânsito.

11. Quando já ultrapassara cerca de metade de tal viatura ou seja, sensivelmente a meio da manobra, foi surpreendido, de forma súbita e inesperada, com o veículo RO (...) (RO), de marca Audi, modelo A4 Avant, conduzido por (…), seu proprietário, que entrou na via de trânsito onde circulava NJ, proveniente de um parque de estacionamento ali existente do lado esquerdo (Móveis Sandribel), atento o sentido do veículo da A., e entrou na via no sentido norte – sul, de rompante sem verificar a existência, nos dois sentidos, de marcha do trânsito em curso.

12. Tendo apenas, verificado a não circulação de veículos no sentido de marcha norte – sul, sabendo que naquela zona da via, por onde diariamente circulava, era permitida a manobra de ultrapassagem, conforme a sinalização marcada no pavimento com linha descontínua.

13. Tanto mais, impedido pela falta de visibilidade para o seu lado Sul, devido a um muro em alvenaria, de vedação, existente no parque de estacionamento dos Móveis Sandribel e entrou na via em aceleração e a obliquar, onde já se encontrava a circular o veículo NJ.

14. O condutor do NJ em virtude da referida manobra do veículo RO e de à sua direita circular o aludido veículo pesado de mercadorias, não teve hipótese de se desviar sequer, tendo colidido os veículos RO e NJ, sendo o NJ projetado para a direita.

15. O veículo RO colidiu com a frente esquerda na frente esquerda do NJ e este, por sua vez, embateu com o canto de trás direito no pesado de mercadorias quando se encontrava a ultrapassá- lo, tendo o pesado progredindo a sua marcha sem parar sequer.

16. O embate entre o RO e o NJ deu-se na faixa de rodagem de sentido norte – sul, cerca de 19,30 m a norte do marco hectométrico Km 153,400, sito no lado esquerdo da via atento o sentido sul-norte, a cerca de 1,40 m do eixo da via.

17. Ficando o veículo NJ a cerca de 6,40m do local de embate, em posição oblíqua, no meio da via e no seu sentido de marcha, com a roda da frente esquerda a cerca de 3m da linha continua, sita junto ao limite da faixa de rodagem esquerda, marcada no pavimento, e o eixo de trás a 2,50m da mesma linha.

18. O veículo RO imobilizou-se, com o eixo traseiro em cima da berma e acesso ao dito parque privado e a frente direcionada em posição contrária ao seu sentido de marcha, ou seja, no sentido sul/norte, a cerca de 4m do local do embate, com a roda direita da frente a cerca de 3m do eixo da via e, a roda direita de trás a cerca de 4,70m de tal eixo.

19. Da colisão resultaram danos materiais nos veículos.

20. O veículo NJ ficou com frente esquerda danificada - para choques frontal, grelha plástica de suporte dos faróis, spoiler, farol esquerdo dianteiro, pisca esquerdo dianteiro, farol de nevoeiro esquerdo, guarda - lamas, suportes interiores, grelha do radiador, resguardo do motor, capot, para brisas, porta do condutor, airbags condutor e passageiro, cinto de segurança do condutor, que ficaram amolgados, rachados, destruídos.

21. Ao nível dos componentes mecânicos a suspensão frontal ao nível do triângulo, rotula, amortecedor, estabilizador, barra de direção, manga de eixo, módulo do ABS, jante e respetivo pneu esquerdo ficaram inoperacionais, com perda dos respetivos fluidos de óleo, anticongelante e refrigerante do motor.

22. Dada a extensão dos danos o veículo NJ teve de ser rebocado pelo serviço de pronto socorro, do local do acidente para a oficina SACEL, sita em Azóia, Leiria.

23. Ficando imobilizado, à espera da peritagem.

24. No dia 09 de Janeiro de 2014 foi efetuada a verificação do estado e dimensão dos danos, por empresa averiguadora, tendo a reparação da viatura NJ sido orçamentada em 9.513,15€, Incluindo IVA, referentes à mão-de-obra e a material, com a indicação de serem necessários 6 dias úteis para a substituição de peças, reparação e pintura do veículo.

25. O NJ continua por reparar.

26. A Autora face à não reparação do veículo durante o mês de Janeiro, mês em que dispôs durante uma semana uma viatura disponibilizada pela Seguradora do NJ, teve de suportar custos de aluguer de um outro veículo, no valor de 1.176,13€, referentes ao mês de Fevereiro de 2014.

27. Face aos montantes exigidos pelas empresas de aluguer de automóveis a Autora não teve capacidade financeira para continuar a recorrer àquele serviço.

28. O NJ era e é preciso para a atividade comercial da Autora, mormente para o aviamento a clientes, transporte de mercadorias, deslocações a serviços e repartições públicas.

29. Antes do sinistro, tinha apenas 20.000 km, fora adquirido em estado novo, com ano de fabrico de 2012, matriculado em 26/12/2012, com motor 1.6hdi, sem qualquer histórico de sinistros.

30. Tendo em conta as caraterísticas daquela viatura, nomeadamente, motorização, capacidade de carga, idade e quilometragem, a Autor tem de suportar um valor diário de pelo menos 30,00€ + IVA, no aluguer de outro veículo.

31. O condutor e proprietário do veículo RO havia transferido a responsabilidade civil, emergente de acidente de viação pelos danos causados com aquele veículo para a Ré, mediante contrato de seguro válido até ao valor, além do mais, do capital mínimo obrigatório, titulado pela apólice nº 90.58114577.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

Clama a recorrente que existe nulidade da sentença, por excesso de pronuncia, já que condena para além do pedido.

Pois que a condenação no valor de 10.689,28€ corresponde ao valor de reparação de 9.513,15€ acrescido de 1.176,13€ a título de IVA.

E sendo que a autora na sua petição inicial não peticiona o valor correspondente ao IVA que eventualmente irá suportar com a reparação.

Ademais, diz, a reparação ainda não foi efetuada pelo que ainda não foi faturada à Autora. Não podendo nessa medida a ora recorrente ser condenada a pagar um valor a título de IVA de uma fatura ainda que não existe.

Em primeiro lugar o recorrente lavra num lapso.

Tal como dimana da petição inicial, e foi referido pela julgadora na decisão que sustentou o decidido, a quantia de 1.176,13 euros não corresponde a IVA não peticionado.

Antes ela se reportando a  gastos com  o aluguer de outra viatura, impetrados pela autora.

Acresce que o valor de 9.513,15€ inclui IVA e foi peticionado pelo autor.

E mais falece o segundo argumento aduzido pela recorrente.

Na verdade, o facto de a reparação não ter ainda sido efetuada não impede a condenação em IVA.

Pois que, legalmente, aquando da efetivação desta, este imposto tem, necessariamente, de ser cobrado.

E é com este pressuposto, e nesta perspetiva, que  tem de ser decidido.

Certamente que a recorrente não parte do princípio que a reparação seja feita, em sede de economia paralela, sem a cobrança do respetivo IVA.

Se, assim for, ou, por qualquer motivo legal, o IVA não for cobrado, então terá a recorrente direito à restituição do que pagou.

6.2.

Segunda questão.

6.2.1.

Insurge-se a recorrente contra o período de tempo considerado para indemnizar a privação do uso e o valor fixado a este título.

Diz, para tanto, quanto aquele período, que  «deve ser balizado entre o dia do acidente e um período razoável em dentro do qual a A. tinha a obrigação de proceder, diligentemente, e acautelar a reparação/substituição do veículo… num período não superior a 60 dias.».

E quanto a este valor, que «a condenação no valor correspondente ou próximo ao valor do aluguer de uma viatura idêntica à acidentada acarreta um enriquecimento ilegítimo da A, uma vez que a A. não alugou nenhum veículo, não suportando, portanto, qualquer quantia nessa medida.

Não tendo a A. despendido qualquer quantia com o aluguer de veículo nem se dedicando ao mercado de alugueres de veículos, o que se deveria ter apurado era o valor de prejuízo que a A. teve com o facto de não poder usufruir do seu veículo.»

 Devendo, assim, ser fixado, equitativamente, o montante de10 euros diários.

Já a julgadora decidiu nos seguintes termos:

«Citando o Ac. da R.C de 02/12/2014, proc. 324/10.9TBCLV.C1, in www.dgsi.pt.,“Afigura-se hoje maioritário o entendimento de que a privação do uso de um veículo em consequência de danos causados por acidente de viação importa para o seu proprietário a perda de uma utilidade, nomeadamente a de nele se deslocar quando e para onde entender, e que, em si mesma considerada, tem valor pecuniário. Constituindo assim o uso uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária é meramente consequente a conclusão de que a sua privação constitui um dano patrimonial indemnizável”.

Mostra-se provado que o NJ era e é preciso para a atividade comercial da Autora, mormente para o aviamento a clientes, transporte de mercadorias, deslocações a serviços e repartições públicas, sendo aquando do acidente um veículo com apenas 20.000 km, adquirido em estado novo, com ano de fabrico de 2012, matriculado em 26/12/2012, com motor 1.6hdi, sem qualquer histórico de sinistros e que o mesmo continua por reparar. Mais se provou, que tendo em conta as caraterísticas daquela viatura, nomeadamente, motorização, capacidade de carga, idade e quilometragem, a Autor tem de suportar um valor diário de pelo menos 30,00€ + IVA, no aluguer de veículo com caraterísticas semelhantes.

Considerando tais factos por um lado e por outro os gastos que a Autora não suporta em consequência da imobilização do NJ (cfr. nº2 do art. 566º do Cód. Civil), mormente combustível e o próprio desgaste da viatura, nos termos do disposto no nº3 daquele artigo, recorrendo a juízos de equidade, entende-se adequado fixar o valor indemnizatório diário, quanto a dias úteis (considerando-se que o veículo era utilizado na atividade da sociedade Autora, atividade essa que não terá lugar aos fins de semana e feriados) em 25,00€. Tal quantia será devida desde o dia seguinte ao do acidente, descontando ainda o mês e uma semana em que a Autora dispôs de veículo de aluguer para substituir o NJ e será devida até 6 dias úteis (tempo necessário à reparação do NJ) após o pagamento à Autora da quantia indemnizatória fixada a título de reparação do NJ, o que se fixa desde já nos termos do citado nº 2, 1ª parte do art. 564º do Cód. Civil, entendendo-se, assim, desnecessário remeter para liquidação de sentença a fixação do montante devido pelos danos futuros relativos à privação de uso do NJ, como peticionou a Autora.»

Perscrutemos.

6.2.2.

Sobre este tema da privação do uso, máxime de uso de veículo, desenham-se duas posições na nossa jurisprudência.

Uma, que julgamos minoritária, no sentido de que a mera indisponibilidade do bem constitui, só por si, dano indemnizável, independentemente da sua utilização efetiva – cfr. Ac. do STJ de  08.05.2013, p. 3036/04.9TBVLG.P1.S1

 Outra,  que supomos maioritária, que propende para a obrigação de ser provada a necessidade do veículo e a existência de prejuízos; porém sem a exigência de os demonstrar minuciosamente, concedendo-se algum alívio probatório, pois que os danos decorrentes de tal privação, dimanam, desde logo - perante a premência da necessidade do automóvel na moderna sociedade -, das regras da lógica e da experiencia comum - Cfr. Acs. do STJ de 13-12-2007, dgsi.pt, p.07A3927, de 16-09-2008, p.8A2094,  de 30-10-2008, p.08B2662, de 30-10-2008  p. 07B2131 e  de 10.01.2012, p. 189/04.0TBMAI.P1.S1., de  04.07.2013, p. 5031/07.7TVLSB.L1.S1 e de 30.04.2014, p. 353/08.2TBVPA.P1.S1.

Adere-se a esta última corrente, na consideração, não, apenas, de se tratar de posição maioritária, mas, também, de ela se enquadrar melhor no nosso sistema jurídico, que faz depender a obrigação de indemnizar da existência concreta de danos.

É o que resulta, desde logo, do princípio geral da responsabilidade civil, estabelecido no n.º 1 do artigo 483.º do CCivil, e, depois, dos preceitos específicos sobre a matéria, nomeadamente os artigos 562.º, 563.º, 564.º e 566.º.

Na verdade, a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da existência de danos e pressupõe a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu  -artº 563º do CC.

Assim, a simples privação da possibilidade de uso do veículo  não é fator de atribuição de equitativa indemnização,  sendo ainda necessário demonstrar a concreta utilização que o lesado daria ao mesmo durante o período em que não o pode utilizar, a não ser que alegue outros prejuízos para além dessa privação.

É que os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respetivo valor em dinheiro.

Acresce que, em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – artº 566º, nº 2, do CC.

A referida regra de cálculo da indemnização em dinheiro, inspirada pelo princípio da diferença patrimonial, não dispensa o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial da pessoa afetada.

Assim a mera privação do uso de um veículo automóvel é insuscetível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, pois que pode não ter qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante.

Porque, vg. existiam outros meios de transporte à  disposição do dono ou porque acabou por deles não necessitar.

Donde que seja um ónus do lesado não apenas a alegação em abstrato de danos decorrentes da privação da viatura por falta de reparação da entidade responsável, sendo necessária a alegação e prova concreta das situações em que a viatura deixou de ser fruída, mesmo que essa fruição ou gozo se traduza em atividades não lucrativas e se enquadre em aspetos úteis, lúdicos ou beneméritos.  

Isto, repete-se, sem prejuízo de entendermos que a prova a efetivar pelo lesado deve ser algo aliviada, não devendo exigir-se como reportada a factos minuciosos, pois que efetivamente, as regras da experiencia e da normalidade das coisas nos inculcam a ideia que, nos dias que correm e atenta a hodierna organização económico-social, a perda do uso de um veículo automóvel, por regra, acarreta afetações negativas e até prejuízos para o seu dono- Cfr. Ac. do STJ de 15.11.2011, dgsi.pt., p. 6472/06.2TBSTB.E1.S1 e de 30.04.2014, citado.

No caso  sub judice  provou-se-se que «o NJ era e é preciso para a atividade comercial da Autora, mormente para o aviamento a clientes, transporte de mercadorias, deslocações a serviços e repartições públicas..»

Tanto basta, como é evidente, para se concluir que a autora cumpriu, com a suficiência devida, o seu ónus probatório quanto a esta matéria, pois que dos factos apurados tem de concluir-se que ela  necessitava do carro e teve transtornos e prejuízos com a sua imobilização, assistindo-lhe, pois, jus a ser ressarcida pelos mesmos.

Aliás, esta obrigação, em si mesma, nem vem questionada no recurso; e  apenas se operando tal resenha por se entender que a posição ora defendida não é a sufragada na decisão recorrida, na qual, se bem entendemos, se optou pela tese minoritária supra aludida.

6.2.3.

Clama a insurgente que a indemnização a este título constitui enriquecimento ilegítimo da autora e agrava desmesuradamente a sua posição, pelo que, no atinente ao período a considerar, deve ele ser reduzido para 60 dias, período razoável dentro do qual a A. tinha a obrigação de proceder, diligentemente, e acautelar a reparação/substituição do veículo.

Em tese, e quanto aos danos evolutivos que se agravam com o decorrer do tempo, a conduta do credor deve ser considerada no sentido de se poder concluir, ou não,  ser-lhe exigível uma atuação no sentido da eliminação ou mitigação dos danos.

Podendo assim considerar-se a existência de culpa do lesado  se ele mantiver uma  insustentável atitude de inércia ou passividade, não adotando as medidas oportunas para evitar a continuação do prejuízo (vg.,e no que para o caso interessa,  mandando reparar a viatura e depois peticionando indemnização pelos respetivos custos).

Na verdade, o titular de um direito deve exercê-lo não desmedida, arbitraria e, quiçá, atribiliáriamente, mas antes moderada e comedidamente, não podendo agravar, injustificadamente, a posição do devedor.

Os magnos  princípios da  boa fé e do abuso do direito são travões que, em ultima análise ou ratio, e se norma concreta inexistir, podem ser chamados à colação para obstar ou tornar ineficaz uma atuação desmedida e desconsiderante do accipiens por banda do solvens.

A inércia em propor a ação, a qual apenas é instaurada muito tempo após o sinistro para, depois, se pedir vultuosa indemnização pela privação do uso do veículo, pode configurar uma situação de iniquidade e, destarte, ser ilícita ou ilegítima.

Porém, tal, somente assim pode ser taxada em situações de inequívoca prova nesse sentido de factos concretos que tal possa clamar.

Tais factos podem ater-se ao impetramento de um valor a este título que seja exorbitante, desmedido e desproporcional,  designadamente por comparação com o valor dos demais danos, vg. a reparação.

Ou quando o desacordo entre o lesado e a ré – p. ex. segurador – apenas se reporta aos danos e a diferença quantitativa que os separa não é relevante ou acentuada, mas minudente.

Ou quando o lesado, no decurso das negociações, assume uma atuação omissiva ou não colaborante, retardando o definitivo conhecimento das posições das partes, e, depois, perante este e não concordando, instaura a ação após o decurso de largo lapso de tempo: largos meses ou até anos.

Mas já não constitui uma inercia ilegítima quando o autor propõe a ação dilatadamente no tempo após o sinistro se inexiste acordo quanto a culpa do sinistro e à responsabilização pelo mesmo.

 Ou a diferença de posições quanto aos danos indemnizáveis se reporta a valores significativos.

 Ou as negociações se prolongam no tempo sem que o lesado tenha tido atitude laxista, não colaborante ou leonina.

 Ou quando o tempo seja necessário para o lesado coligir prova ou organizar a defesa da sua futura posição processual.

Assim, pode dizer-se que, por via de regra:

«… a indemnização pela privação do uso de um veículo acidentado deverá ter como limites temporais, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efectivo da indemnização» - Ac. do STJ  de 16.04.2013, p. 7002/08.7TBVNG.P1.S1 

Sendo que:

«O facto objetivo de o lesado pedir indemnização pela privação do uso de veículo sinistrado algum tempo depois do sinistro não é suficiente para se considerar que tal atuação constitui um facto culposo que concorre para o agravamento dos danos traduzidos nos custos decorrentes da privação do uso (art. 570.º do CC)» - o Ac. do STJ de  28.11.2013, p. 161/09.3TBGDM.P2.S1.

E sendo certo que a seguradora que invoca a inercia ilegítima do lesado dela beneficia, tem ela o ónus de provar os factos que tenham virtualidade e força bastante para a consubstanciar.

No caso sub judice e quanto a esta matéria, provou-se:

22. Dada a extensão dos danos o veículo NJ teve de ser rebocado pelo serviço de pronto socorro, do local do acidente para a oficina SACEL, sita em Azóia, Leiria.

23. Ficando imobilizado, à espera da peritagem.

24. No dia 09 de Janeiro de 2014 foi efetuada a verificação do estado e dimensão dos danos, por empresa averiguadora, tendo a reparação da viatura NJ sido orçamentada em 9.513,15€, Incluindo IVA, referentes à mão-de-obra e a material, com a indicação de serem necessários 6 dias úteis para a substituição de peças, reparação e pintura do veículo.

25. O NJ continua por reparar.

26. A Autora face à não reparação do veículo durante o mês de Janeiro, mês em que dispôs durante uma semana uma viatura disponibilizada pela Seguradora do NJ, teve de suportar custos de aluguer de um outro veículo, no valor de 1.176,13€, referentes ao mês de Fevereiro de 2014.

27. Face aos montantes exigidos pelas empresas de aluguer de automóveis a Autora não teve capacidade financeira para continuar a recorrer àquele serviço.

Ora estes factos apurados não podem alicerçar esta pretensão recursiva de imputação à autora de uma inação culposa, censurável ou consubstanciadora de abuso de direito.

Na verdade, e nuclearmente quanto a este ponto, apenas se apurou, singelamente, que o NJ continua por reparar.

Sem se apurarem  as razões de tal facto.

E a ré não provou, como lhe competia,  factos com força e dignidade bastantes para poderem alicerçar a referida imputação à autora.

Designadamente que ela recusou a reparação sem motivos, ou sem motivos atendíveis e relevantes, porque minudentes.

Antes se apurando factos - como seja o valor significativo da reparação e a suspensão por banda da autora do aluguer de carro que chegou a celebrar -, que apontam no sentido de a reparação poder constituir para a demandante um encargo acentuado, e assim suscetível de obstaculizar à sua fácil, incondicionada e imediata efetivação.

Os quais, obviamente, mais lhe aliviam o ónus/dever, de ela efetivar a reparação.

6.2.4.

Finalmente no atinente à pretensão da redução da taxa diária.

O princípio geral da obrigação de indemnizar impõe, a quem estiver obrigado a reparar um dano, o dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – art~562º do CC.

A reconstituição natural vigora como princípio indemnizatório, sendo que, apenas no caso de ela não ser possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor,  é que a indemnização é fixada em dinheiro – artº 566º nº1.

A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial  atual do lesado e a que ele teria na mesma data se não existissem os danos – artº 566º nº2.

Finalmente, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos o tribunal fixá-los-á equitativamente – artº 566º nº3.

No caso presente a reconstituição natural, traduzida no uso pela autora do veículo sinistrado ou de outro equivalente, não foi possível, quer porque o veículo não foi reparado, quer porque a autora não pode, a partir de um certo lapso temporal, alugar um idêntico que lhe proporcionasse as mesmas utilidades.

Quedamo-nos, pois, no âmbito da reparação sucedânia  pecuniária.

A ré diz que à autora não assiste jus ao valor arbitrado porque a autora não alugou nenhum veículo.

A ré parece querer significar que entende que a autora apenas teria direito ao pagamento do que tivesse despendido com o aluguer de um veículo.

O que, em tese, e para assim poder operar a, possível e legal, reconstituição natural, até poderia fazer, como em fevereiro de 2014 ainda aconteceu.

Porém, provou-se que a autora não alugou outro veículo, por período de tempo mais dilatado, porque não teve cabedal financeiro para tal.

Logo, o não aluguer do veículo irreleva.

Ademais, provou-se que  a autora pagou, no mês de fevereiro de 2014, 1.176,13 euros pelo aluguer de um veículo.

O que, admitindo o decidido na sentença, que excluiu os fins de semana da indemnização, e que o recorrente não coloca sub sursis, nos remete para uma taxa diária  de aluguer de 53,46 euros, isto é: 1176,13:22 dias.

Ou seja, se a autora continuasse a alugar o veículo a esta taxa, como entende a ré, a indemnização ora a arbitrar seria muito superior à concedida.

Ora apesar de a ré não ter ela alugado veículo, provou-se:

30. Tendo em conta as caraterísticas daquela viatura, nomeadamente, motorização, capacidade de carga, idade e quilometragem, a Autora tem de suportar um valor diário de pelo menos 30,00€ + IVA, no aluguer de outro veículo.

Temos assim que o concreto prejuízo que a autora sofreu foi provado.

Devidamente interpretado o provado, tem de concluir-se que a autora, não obstante não ter tido a possibilidade de pagar o valor que pagou em fevereiro de 2014, pagou, ou vai ser-lhe exigido que pague,(o que vai dar ao mesmo efeito) aquela apurada quantia.

Como é bom de ver, a fixação, via juízo équo, do  quantum do prejuízo pela privação do uso, apenas pode sobrevir, dentro dos limites dos factos apurados e considerando os valores arbitrados pela jurisprudência, se não se provar o valor exato do dano – artº 566º nº3 do CC.

No caso vertente, tendo esta concretização sido consecutida, a equidade não pode ser chamada à colação.

6.3.

Terceira questão.

Defende a recorrente que os juros  de mora atinentes à quantia arbitrada pela devem  começar a contar a partir da data da sentença, pois que «resultou provado esse montante ainda não foi despendido pela A, não estando lesada na quantia correspondente».

E o mesmo deve verificar-se no concernente  valor devido a título de privação de uso  pois que o mesmo foi arbitrado segundo o livre arbítrio do Juiz julgador e atualizado à data da Sentença.

Apreciemos.

O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir – artº 805º nº1 do CC.

Sendo que, tratando-se por responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor, salvo tratando-se de crédito ilíquido e a falta de liquidez  lhe for imputável,  constitui-se em mora  desde a citação – artº 805º nº3.

Porém, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio (Diário da República I Série, de 27 de Junho de 2002 e www.dgsi.pt, proc. nº 01A1508), no qual se observa expressamente não haver que distinguir, para o efeito em causa, entre danos patrimoniais e não patrimoniais, fixou o seguinte entendimento, tendencialmente obrigatório:

 «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».

Ora tal Acordão:

«…assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acórdão, tem que ter alguma expressão no sentido da utilização, no cálculo da indemnização ou da compensação, do critério da diferença de esfera jurídico-patrimonial a que se reporta o nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, incluindo a menção à desvalorização do valor da moeda.

 Se na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, designadamente à consideração da desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolacção, queda na espécie inaplicável a interpretação da lei decorrente daquele Acórdão.» - Ac. do STJ de  13.07.2004, p. 04B2616; cfr, ainda, Acs. do STJ de 17.11.2005 e de 03.04.2014,  ps. 05B3167 e 436/07.6TBVRL.P1.S1.

In casu, e no atinente à indemnização pelo custo da reparação do veículo, não se enxerga como se pode entender que ela foi atualizada.

Na verdade, a condenação limitou-se ao valor impetrado pela autora, e tido por devido, ainda antes da propositura da ação.

Já no atinente ao quantum pela privação do uso também não dimana da sentença qualquer atualização por reporte ao fenómeno inflacionista ou da desvalorização da moeda.

Acresce que:

«O simples facto de ter sido fixada indemnização em valor abaixo do que era peticionado, não é, só por si, suficiente para se considerar, sem mais, que foi efetuada uma qualquer atualização do valor indemnizatório,(se) nomeadamente nenhuma referência é feita ao valor que seria o adequado no momento em que os AA o peticionaram…» - Ac. do STJ de 03.04.2014  sup.cit.

Improcede o recurso.

7.

Sumariando.

I - A condenação por reparação de veículo, ainda a efetivar, tem de fazer-se na consideração do valor do IVA, o qual, em princípio, legalmente terá de ser cobrado.

II -  A indemnização pela privação do uso de automóvel exige a prova, posto que aliviada, dado tal facto ser quase notório, da sua necessidade, bem como do prejuízo dela decorrente.

III – Este dano deve ser ressarcido pelo valor que seja provado, sendo que, apenas à míngua da sua concreta prova, deverá ser fixado via juízo équo, dentro de limites que os factos apurados e os valores arbitrados pela jurisprudência tornem admissíveis.

IV - O lapso temporal a considerar para tal indemnização é o que decorre entre a data do sinistro e pagamento efetivo da indemnização, salvo se a ré provar que o lesado atrasou, deliberada ou injustificadamente, a propositura da ação, ou lhe era exigível que, mesmo antes da sua instauração, reparasse o veículo.

V - A fixação do dies a quo dos juros moratórios a partir da data da sentença, na sequencia do AUJ nº 4/2002 exige que, nesta, seja, adrede mencionado, ou inequivocamente dela dimane, o cariz atualizado da indemnização, essencialmente por reporte ao fenómeno inflacionista.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2016.03.16.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos