Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A2094
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: PARALISAÇÃO DE VEÍCULO
LIQUIDAÇÃO
DANO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ÓNUS DA PROVA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
DANO CAUSADO POR ANIMAL
Nº do Documento: SJ200809160020941
Apenso:
Data do Acordão: 09/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

A paralisação de um veículo não gera per si, prejuízos. Para que uma imobilização de uma viatura possa significar danos para o seu proprietário, é necessário alegar-se e provar-se factos nesse sentido.
Apesar de o lesado ter deduzido um pedido específico em relação aos prejuízos e de não ter logrado fazer a prova da especificação, provando-se a existência de danos, deva aplicar-se o disposto no art. 661º nº 2 do C.P.Civil (liquidação em execução de sentença).
O disposto no art. art. 566º nº 3 do C.Civil (fixação de indemnização equitativamente), só se deverá usar em termos meramente residuais, devendo aplicar-se, apenas, quando se verifique ser de todo impossível, em ulterior fase executiva, a concretização dos danos. Reputando-se possível tal materialização, deve-se optar pelo mecanismo do art. 661º nº 2 do C.P.Civil.
Perante o art. 12º da Lei 24/2007 de 18/7 é hoje claro que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.
Esta norma tem o carácter de interpretativa pelo que deve ter aplicação imediata.
Face à presunção de incumprimento que sobre si impende, a Concessionária só afastará essa presunção, se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem. Terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- No Tribunal Judicial de Penafiel, AA, residente na Rua .............., ..., .....-...., Gondomar, propõe a presente acção com processo ordinário contra Brisa, Auto-estradas de Portugal, SA, com sede na Quinta da .........., Edifício........, ......-599, São Domingos de Rana, Cascais, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de € 32.872,30 (ou pelo menos € 9.122,30 € atento o pedido de paralisação subsidiário), a título de indemnização e compensação pelos danos sofridos pela A. em consequência directa do acidente de viação, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta este pedido, em síntese, alegando que no dia 21/12/2002, por volta das 23.50 horas, na auto-estrada A4, ao Km 45,575, na via de trânsito da esquerda, ocorreu um acidente que envolveu o veículo automóvel de matrícula ..-..-.., de marca Volkswagen Golf, sua propriedade e conduzido por BB seu filho e uma raposa, sendo que o acidente ocorreu devido ao facto de uma raposa ter invadido a faixa de rodagem da A4, no sentido Amarante – Porto, ao Km 45,570 em razão da rede de protecção existente no local não estar totalmente vedada, apresentado uma abertura no local do acidente. O súbito e imprevisto atravessamento do animal na faixa de rodagem levou a que o condutor do OG atropelasse a raposa sem sequer ter tido tempo para esboçar uma travagem, tendo originado o despiste do OG, seguindo-se o embate do mesmo nas guardas de segurança da berma direita da A4 e ulterior colisão no separador central da auto-estrada, acabando a viatura por se imobilizar na via de trânsito central da A4, ao quilómetro 45,475, sentido Amarante-Porto. Em consequência do acidente o OG sofreu estragos diversos, cuja reparação demanda a quantia de 6.122,30 Euros, ascendendo então o seu valor comercial a 20.000 € e sofrendo uma desvalorização de 10% do seu valor comercial. Por via do acidente a A. esteve privada da sua viatura de 21/12/2002 até Maio de 2004, altura em que a vendeu. Durante esse período de tempo a A. recorreu a transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos, os quais ascendem a 50,00 € diários. A reparação do OG demandava 60 dias.
A R. contestou impugnando parte da matéria alegada e alegando efectuar inspecções periódicas da rede de vedação da auto-estrada e consertar imediatamente qualquer anomalia que detecte. Que na data do acidente não era de prever que a rede estivesse danificada tanto mais que na última inspecção realizada, ocorrida pouco tempo antes do acidente acontecer, a vedação estava em bom estado. Procede cuidadosamente à verificação amiúde da vedação e numa apreciação da normalidade das coisas, naquela data, a vedação estaria intacta, pelo que só o facto da mesma ter sido vandalizada determinou que se encontrasse rompida no dia do acidente, pelo que não houve qualquer culpa sua na eclosão do acidente.
Concluiu pedindo a improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.
Requereu a intervenção acessória da Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., com sede no Largo do ......., ........, Lisboa, alegando em síntese, ter celebrado com a chamada um contrato de seguro mediante o qual transferiu para aquela, até ao montante de 748.200 €, responsabilidade civil que, de conformidade com a lei, lhe possa ser exigida por prejuízos causados a terceiros na qualidade de concessionária da exploração e manutenção das auto-estradas, pelo que, em caso de condenação lhe assistirá direito de regresso contra a chamada.
Requereu igualmente a intervenção principal da mesma Seguradora, mas por despacho judicial de 1-3-2006 foi tal pedido de intervenção indeferido.
Na réplica a A. respondeu às intervenções requeridas pela R. Brisa e manteve, de essencial, a posição assumida na p.i.
Foi admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros ---------, S.A. e citada para contestar, em síntese, impugnou, por desconhecimento, a matéria alegada pela A. e concluiu pela improcedência da acção
O processo seguiu os seus regulares termos com a elaboração do despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se procedeu à audiência de discussão e julgamento, se respondeu à matéria de facto controvertida e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a R. Brisa a pagar à A. a quantia de 6.122,30 €, a título de indemnização correspondente ao custo da reparação do OG, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde 16/12/2005 até integral e efectivo pagamento e na indemnização a liquidar em execução de sentença correspondente à quantia despendida pela A. na obtenção de viatura de substituição do OG no período de 21/12/2002 até 01/05/2004.
No mais absolveu-se a R. do restante pedido.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a A. e a R. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 19-12-2007, julgado parcialmente procedentes os recursos e, em consequência, revogou-se em parte a sentença recorrida, julgando-se a acção parcialmente procedente condenando-se a R. Brisa a pagar à A. a quantia de 6.122,30 € acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
No mais absolveu-se a R. do restante pedido.
1-2- Não se conformando com este acórdão, dele recorreram a A. e a R., esta subordinadamente, para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente A. alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- É o item da paralisação que é objecto e fundamento do presente recurso.
2ª- O tribunal não fez adequada interpretação do conceito de paralisação e suas repercussões da esfera jurídica do lesado enquanto, por si só, indemnizável.
3ª- Errou o tribunal ao considerar para efeitos de indemnização por privação/paralisação apenas o período necessário à reparação.
4ª- É à R. que incumbia reparar (mandar reparar) o veículo da A. sendo certo que a A. reclamou da R., por escrito, tal reparação.
5ª- Pretensão que a R. não acedeu, não ordenando a reparação, nem fornecendo à A. qualquer veículo de substituição.
6ª- O prejuízo resultante da privação da viatura trata-se de dano que a A. não teria sofrido não fosse o acidente dos autos.
7ª- A A., por culpa exclusiva da R., esteve mais de 16 meses sem poder utilizar a sua viatura.
8ª- A reconstituição in natura no caso da privação de veículo, pode (e deve) ser assegurada pela entrega, por parte do obrigado de indemnizar, de um veículo com as características do veículo paralisado.
9ª- Se tal não ocorrer, como no caso não ocorreu, então em aplicação da regra da teoria da diferença consagrada no art. 566º do C.Civil, o dano constituído pela privação de uso, deverá ser reparado através da fixação de indemnização em dinheiro.
10ª- E pelo tempo efectivo da privação e não o correspondente apenas ao período necessário da reparação.
11ª- Que no caso deveria ter como referência o período de paralisação provado, à razão diária do valor de um aluguer provado.
12ª- Face à matéria dada como provada e recorrendo à equidade poderia condenar a R. no pedido formulado quanto à indemnização por paralisação (495 dias x 50,00/dia = 24,750,€).
13ª- Violou a sentença recorrida, por erro de interpretação, os arts. 342º, 496º, 562º, 564º e 566º do C.Civil.
A recorrente subordinada R. também alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- A concessão de obras públicas consiste em o Estado, ou outra pessoa de direito público legalmente autorizada, transferir para uma empresa particular o poder de executar certos trabalhos, com capitais desta e a seu risco, mediante o privilégio de exploração exclusiva, durante um período determinado, dos imóveis construídos ou das instalações feitas. O concessionário recebe no acto de concessão a faculdade de cobrar taxas dos utentes das coisas que produzir e limitar-se-á a assegurar a conservação dos bens e a mantê-los em estado de poderem ser utilizados pelos particulares, mediante o pagamento por estes de uma taxa.

2ª- A taxa pode ser definida, alternativamente, como a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semi-públicos, ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização.

3ª- Sinalagma quer dizer algo como «pacto» ou «contrato», com alusão directa, precisamente ao carácter presente nos preços (lato sensu) de direito privado, estes estabelecidos no domínio da «autonomia da vontade» que, em via de princípio, determina o objecto das obrigações voluntárias e lhes modela o conteúdo quando se trata de negócios jurídicos bilaterais, ou contratos, mas ausentes de taxas, por estas serem nascidas ope legis e não ex voluntate e, muito menos, de conteúdo modelado secundum voluntatem

4ª- É fácil no caso das taxas de portagem e considerando o equilíbrio financeiro da concessão, verificar como aquelas são fixadas por regras ditadas unilateralmente pelo concedente (Bases XIV a XVI da concessão). Não há na fixação das taxas liberdade contratual alguma por parte dos utilizadores.

5ª- O IVA não constitui receita da Brisa (da concessão), mas do Estado. O Estado pode alterar o valor da respectiva taxa - aumentou-o de 17% para 19% pela Lei nº 16-A de 31 de Maio. Por outro lado, o Estado é interessado na fixação da base de incidência da sua receita de IVA. As Bases XIV a XVI mostram que a recorrente não tem liberdade de fixação das taxas de portagem. Nem de conceder isenções (XIX,4)

6ª- A taxa de portagem é paga por veículo independentemente do número de pessoas que nele viajam. A taxa é a mesma quer viaje uma só pessoa no veículo quer viajem mais. Com estas não haveria qualquer contrato. A taxa por veículo não aumenta se neste viajarem mais pessoas para lá do condutor, Todavia também perante essas outras pessoas a recorrente é igualmente responsável

7ª- Não faz parte do conteúdo ou do objecto do dever da ré que em nenhum momento o piso possa estar molhado, ou a água gele, ou nele caia óleo, ou uma pedra, ou grades de cerveja ou um pneu. Não integra o objecto desse dever que, num momento, sem que se saiba como, um cão ou gato ou raposa não apareça na via. No objecto do seu dever não existe semelhante obrigação que pudesse findar quer a ilicitude da sua conduta quer uma presunção de culpa pela sua verificação. Tendo surgido esses factos, que são ou podem ser instantâneos, haverá então que averiguar se houve da recorrente negligência na sua remoção. Mas a não verificação deles não integra originariamente o dever da recorrente para com os utentes pois isso constituiria a estatuição originária de um dever impossível de cumprir e sabe-se que não poderia considerar-se válida tal estatuição originária de dever impossível de cumprir.

8ª- Inexistindo no objecto do dever da concessionária tal irresponsabilidade originária não lhe poderá ser atribuída uma conduta ilícita nem uma presunção de culpa pelo surgimento de tais factos. Só através da demonstração de culpa por omissão subsequente à sua verificação poderá a recorrente vir a ser responsabilizada. Mas isso revela a ausência dum dever originário de impedir a ocorrência da verificação desses factos que lhe pudesse ser imputado a título de ilicitude ou de presunção de culpa por ocorrência dessa verificação.

9ª- Inexistindo tal dever originário estamos fora do campo da responsabilidade contratual pois que esta pressupõe a pré-existência da obrigação violada. A modalidade de responsabilidade civil da concessionária terá de ser definida perante tais condicionalismos, sendo eles então impeditivos de que ela possa ser a responsabilidade contratual por impossibilidade de os integrar no dever originário que a lei lhe determina.

10ª- A possibilidade de surgimento de uma raposa numa auto-estrada é urna possibilidade real, que os condutores devem considerar, pela qual a concessionária pode ser ou não ser responsável, mas sem que haja motivo para a presumir culpada. Estabelecer aqui uma presunção de culpa corresponderia a impor sobre a concessionária um dever de impossível realização, por não poder controlar actos praticados por terceiros nem ser possível vedar ou vigiar incessantemente durante as 24 horas todos os acessos e saídas. Este dever não faz parte do conteúdo do seu dever de assegurar a circulação em boas condições de segurança. Nem este seria válido se fizesse por ser impossível ou incomportável, da sua não realização não podendo decorrer qualquer ilicitude nem presunção de culpa.

11ª- O utente não pode razoável mente contar que o piso não possa estar escorregadio, não possa cair um objecto na via ou nela não possa inopinadamente surgir um cão ou uma raposa. Tais garantias não fazem parte do conteúdo do dever da recorrente em termos de se lhe imputar urna conduta ilícita e culpa presumida.

12ª- Ocorreram já acidentes na auto-estrada quando árvores a esta pertencentes tombaram na via; e também quando de obras na via. Nestes casos poderão determinar-se situações de danos causados pela coisa, cuja solução passe pela aplicação do disposto no art. 493º n°1 do Código Civil.

13ª- Não constitui dever da recorrente, por impossível de cumprir, o de impedir que uma raposa entre por um dos milhares ramais de acesso (e de saída) da auto-estrada sempre abertos. Os condutores têm o dever de prever essa eventualidade e por isso se lhes impõe a obrigação de respeitar as normas de conduta estabelecidas no Código da Estrada.

14ª- A recorrente é obrigada a assegurar aos utentes auxílio sanitário e mecânico e a circulação permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, devendo vigiá-las (Bases XXXVI e XXXVII). Este dever, porém, não tem fonte contratual, existe independentemente da constituição de qualquer relação obrigacional entre a Brisa e aquele que paga a taxa de portagem, mantém-se nos troços dela isentos e também a favor de utentes pessoalmente isentos de taxa de portagem e de todos os passageiros das viaturas. Esse dever tem antes a sua fonte em “ legal destinada a proteger interesses alheios (art. 483°, n°1 do C.Civil) e cuja violação é portanto apreciada no âmbito da responsabilidade civil extraobrigacional.

15ª- A função atribuída pela lei à vedação é a de delimitar a zona da auto-estrada e da concessão, fixar o limite donde se conta a zona non aedificandi e impedir a utilização por particulares dessa zona da auto-estrada que constitui o domínio público, que a vedação delimita. Se a finalidade de vedação fosse a de impedir a entrada de animais a sua concepção seria diferente e a sua colocação mais próxima da plataforma. A vedação tem assim por finalidade legal reservar e proteger o domínio público, delimitar a zona da auto-estrada e da concessão e fixar o limite da zona non aedificandi. Servindo para delimitar a zona non aedificandi a vedação tem de seguir o traçado que segue e não outro mais cómodo, económico ou eficaz, se tivesse por objectivo evitar a entrada de animais nas faixas de rodagem.

16ª- A entrada e a saída de veículos na auto-estrada tem de estar (e está) permanentemente franqueada. Por onde entram ou por onde saem os veículos pode entrar uma raposa. Tal entrada só poderia evitar-se mantendo um guarda em permanência, 24 horas por dia em cada ramo da auto-estrada. Isso implicaria organizar um trabalho, por cada ponto envolvendo várias pessoas, por turnos, diurnos e nocturnos e criar instalações para a presença de guarda (armado), dia e noite e em situações de mau tempo, em cada ramo de entrada e em cada ramo de saída. Porventura não poderia estar apenas um guarda, pois carecia de naturais ausências momentâneas e lá se introduziria a raposa. Este dever não pode considerar-se incluído nos deveres da concessionária.

17ª- Um choque em cadeia, uma bátega muito forte, a queda, na faixa de rodagem, de objectos transportados, o surgimento instantâneo de uma raposa, a perda de óleo por um veículo, tudo sem qualquer possibilidade de intervenção da concessionária constituem, ademais, acontecimentos inevitáveis — casos de força maior — naturais ou decorrentes de acções humanas, por cujas consequências só a demonstração de incúria da recorrente na sua remoção a fará incorrer em ilicitude e culpa.

18ª- A circulação em auto-estrada pauta-se pelos princípios do padrão elevado e da igualdade rodoviária.

19ª- Em especial quanto à igualdade rodoviária em todos os troços (concluídos pela Brisa ou pelo Estado e com portagem ou sem ela) e para todos os utentes (topos de gama, veículos antigos, automóveis particulares ou autoridades isentas de portagem) vigoram as mesmas regras de circulação e operam as mesmas responsabilidades, por exigência legal e de ordem pública.

20ª- Não é possível construir um contrato inominado por pagamento de portagens: não há liberdade de celebração nem de estipulação, não há concorrência de declarações (v.g. o passageiro vai a dormir) e ele implicaria a quebra da igualdade rodoviária; além disso não se aplica qualquer regime contratual (a recusa de pagamento da portagem não isenta a Brisa dos seus deveres).

21ª- O regime do artigo 493°/1, do Código Civil, só opera perante danos causados pelo imóvel não no imóvel.

22ª- O contrato com protecção de terceiros não é necessário no direito português; além disso, ele assenta em prestações compartilhadas pela parte e pelo terceiro (vg.: arrendamento) que, de todo, aqui não ocorrem e dá azo, quando opere, a uma responsabilidade mais próxima da delitual (a “terceira via”).

23ª- A solução justa permite fazer apelo à segunda modalidade de responsabilidade aquiliana: a que decorre da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios - 483°/1 do Código Civil.

24ª- A disposição é constituída pelas normas das bases da concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro, que tutelam os utentes.

25ª- Compete ao interessado provar o incumprimento dessas normas, a razoável conexão entre esse incumprimento e o dano verificado e isso em circunstâncias que permitam o juízo de culpa.

Sobre a Lei n°24/2007, de 18 de Julho

26ª- As obrigações de segurança e a circulação em boas condições de segurança não são a mesma coisa; aquelas, realizadas através da vigilância, são o meio de realização desta. É sempre admitida a prova do cumprimento das obrigações de segurança quando a circulação em boas condições de segurança não está assegurada. Em caso de força maior não há presunção de incumprimento.

27ª- Obrigações de segurança e condições de segurança não são a mesma coisa, sendo estas alcançadas ou proporcionadas por meio daquelas e consistindo as obrigações de segurança em assegurar a vigilância.

28ª- A Brisa está obrigada a assegurar permanentemente a circulação em boas condições de segurança, obrigação que realiza através do cumprimento das obrigações de segurança consistentes em assegurar a vigilância das condições de segurança.

29ª- A Lei nº 24/2007 ou não pode alterar o contrato (e então não vale) ou, se pode, alterou a Base XXXVI - 2 e hoje a Brisa, face à presença objectiva de cão ou objecto ou obstáculo não carece, para se isentar, de provar caso de força maior. Isentar-se-á se provar que cumpriu as obrigações de segurança.

30ª- É fora de qualquer sentido dizer-se que uma vez que lá está o cão ou objecto a Brisa, só por isso não cumpriu, quando precisamente a lei admite que prove que cumpriu.

31ª- Nesta medida, sendo certo que estabeleceu o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança a Lei afastou, excluiu ou impediu aquela tese extrema de que não basta provar que tinha cumprido as suas obrigações, tendo de provar também um caso de força maior.

32ª- Jamais poderá dizer-se que se lá está o objecto ou obstáculo então não cumpriu porque, precisamente, é em tal situação que a Lei admite provar que cumpriu.

33ª- Nos casos - que são, afinal, quase todos - do excesso de velocidade, a questão resolve-se através da prova da culpa do lesado.

34ª- A Lei nº 24/2007 não é interpretativa pois não pode haver lei interpretativa duma cláusula contratual. Não constitui interpretação autêntica nem tem efeito retroactivo e é inconstitucional.

35ª- O preceito sobre a responsabilidade por acidentes em auto-estradas vem atingir processos em discussão judicial: atinge a separação de poderes e viola regras básicas do Estado de Direito, fixado logo no artigo 20º da Constituição

36ª- Além disso, esse mesmo preceito vem fixar urna presunção de incumprimento contrária as regras do processo equitativo, violando o artigo 20°, 14º da Constituição.

37ª- Finalmente: o preceito em causa conduz a uma imputação objectiva de danos, sem limite máximo e atingindo situações já constituídas: é expropriativo e desarmónico, violando os artigos 62°/1 e 13°/1, sempre da Constituição.

O caso dos autos

38ª- A alínea G) dos factos da sentença não é matéria de facto, não é facto, mas juízo de valor, conclusão. A colisão ficou, sim, a dever-se a condução irregular em infracção ao Código da Estrada - circulação injustificada pela via mais à esquerda das 3 vias da faixa de rodagem.

39ª- O caso terá de ser julgado considerando livres as vias direita e central, como alegado na p.i. e mantido na resposta: o sinistro ocorreu na via da esquerda das 3 vias e não tinha ocorrido se o veículo circulasse na via da direita.

40ª- Uma viatura que circulasse paralelamente a esta (portanto à mesma velocidade na via mais à direita não podia embater na raposa. Este facto é irrecusável, inegável, é notório, insusceptível de ser contrariado. É uma lei da física, da natureza. Se o veículo dos autos circulasse na via da direita não tinha embatido na raposa. “Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar” (art. 570º, n°2, do C.C.),

41ª- Se o condutor circulasse, como devia, pela via da direita e não, indevidamente, pela via da esquerda, que são afastadas entre si 6,720 metros, não tinha colidido com a raposa. É apenas sua a culpa do sucedido.

42ª- O caso não pode julgar-se por uma versão dele, apenas apresentada em audiência por uma testemunha interessada - menção de que ultrapassava uma viatura - sem que qualquer das partes alegue ou articule essa versão e o Tribunal a quesite - violar-se-iam, designadamente, os arts. 664°, 486°, 490°, 506°, 517°, 568° e ss., 264° n°3 e 3° n°3, do CPC ou então, entendendo-se que eles consentem ser aplicados desta forma, estarão em desacordo com o art. 20° da Constituição, este em conformidade com o disposto nos arts. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

43ª- Não foi determinado um nexo causal, nem condição necessária, entre a abertura referida em H-I-J da douta sentença e a invasão pela raposa da faixa de rodagem.

44ª- Tendo-se quesitado — mas não provado — se a raposa entrou por aquela abertura, não pode julgar-se na consideração desse facto provado por presunção. A abertura não é, então, causa ou condição de a raposa se encontrar na faixa de rodagem.

45ª- É certo que o condutor podia e devia ter evitado o dano, se não tivesse violado o Código da Estrada, e não é certo que tenha ocorrido omissão da ré nem que o dano tenha tido como causa ou condição a abertura da vedação. Não se pode trocar o certo pelo incerto.

46ª- O condutor circulava com velocidade excessiva, pois não esboçou travagem, fez duas diagonais à plataforma de 3 vias e berma, embateu à direita e à esquerda da auto-estrada e imobilizou-se mais de 125 metros após o embate.

47ª- A A. não procedeu nem mandou proceder à reparação do veículo nem fez, por isso, qualquer pagamento a esse título fosse a quem fosse. Perante tal situação factual a autora não pode ver satisfeita a procedência do seu pedido tal como formulado, uma vez que no pedido de condenação da ré numa quantia concreta está a pressupor o direito ao pagamento de uma quantia necessária à reposição natural que fez dos danos sofridos e orçamentados resultando agora do processo que isso não aconteceu.

48ª- No douto acórdão apela-se a um contrato que a lei não prevê e que defronta o princípio da igualdade rodoviária, para fazer uma imputação de culpa/ilicitude que objectiva a responsabilidade civil.

49ª- Além disso, retiraram-se, dos factos, causalidades unilaterais que eles não facultam.

50ª- Desconhece-se em que circunstâncias de modo e de tempo a raposa entrou na zona da auto-estrada por modo que possa imputar-se à recorrente alguma omissão ilícita ou culposa pela não remoção do obstáculo à circulação.

51ª- A raposa podia encontrar-se na zona da auto-estrada há escasso tempo e não havia sido detectada a sua presença antes do acidente. A regra básica do ordenamento é a da suportação do dano pela esfera onde ocorra.

52ª- Desconhece-se quais as circunstâncias em que a raposa entrou na zona da auto-estrada e há quanto tempo ali estaria. Não é pois possível em tais circunstâncias dirigir à recorrente um juízo de censura por omissão ilícita ou culposa do seu dever.

53ª- Os factos alegados que o julgador tem por essenciais aos fundamentos da pretensão ou da defesa têm de ser submetidos ao julgamento sob pena de violação do disposto designadamente nos arts. 3°, 487°, 488°, 489 511°,659°, 668° 1 d) e 712°, todos do CPC.

54ª- Pretendendo a ré demonstrar que na vigilância e manutenção da vedação age de acordo com o critério do bonus parter familias e entendendo, bem, a sentença, no seu relatório, que a ré se defendeu por excepção, deve a decisão de facto ser ampliada, nos termos do disposto no art. 729°, n°3, pela inclusão dos factos referidos no nº 27 das presentes alegações.

55ª- Se houvesse responsabilidade contratual então o acórdão não poderia condenar em juros desde a citação, mas apenas desde a liquidação - em tal caso, aplicou erradamente o disposto no artigo 805° do Código Civil.

56ª- Em face da situação apresentada no caso sub judice se se concluísse pela responsabilidade da R. seria a decisão da 1ª Instância que deveria subsistir, porém limitada ao período até final de Fevereiro de 2003 e com juros apenas desde a liquidação.

57ª- O douto acórdão recorrido aplicou também erradamente o disposto nos arts, 483°n°l, 487°n°1, 342°n°l, 406°, 493°, 798° e 799° n°1 do Código Civil, 24°n°1 do Código da Estrada e no Decreto-Lei n°294/97, de 24 de Outubro, art. 3° e Bases IV, V, XV, XVI, XVIII, XIX, XXXII, XXXIII, XXXV, XXXVI, XXXVII e XLIX.

1-8- Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3, ex vi do disposto no art. 726º do C.P.Civil).
Nesta conformidade serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Quanto ao recurso da A:
- Montante indemnizatório relativo à privação do uso do veículo.
Quanto ao recurso subordinado da R.:
- Ónus da prova do cumprimento das obrigações.
- Presunção de incumprimento e sua elisão.
- Culpa do condutor pelo acidente.
- Não obrigatoriedade do pagamento de indemnização pelos danos.
- Ampliação da matéria de facto.
- Inconstitucionalidade da Lei 24/2007
2-2- Das instâncias, vem fixada a seguinte matéria de facto:
A- A R. é uma sociedade comercial que tem por objecto social a construção, conservação e exploração, em regime de concessão, de um conjunto de auto-estradas, designadamente da A4, que faz a ligação da cidade do Porto à cidade de Amarante.
B- Entre a Brisa Auto-estradas de Portugal, S.A. e a interveniente Companhia de Seguros.........., S.A. foi celebrado um acordo escrito mediante o qual a segunda se compromete a pagar a terceiros os valores pecuniários decorrentes da conduta da R. Brisa, até ao montante de 748.200,00 Euros, em vigor à data dos factos e titulado pela apólice n.º ../........., conforme documento das fls. 61 a 80, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
C- No dia 21 de Dezembro de 2002, cerca das 23.50 horas, ocorreu uma colisão na auto-estrada A4 envolvendo o automóvel com a matrícula ..-..-.., de marca Volkswagen, modelo Golf e uma raposa – resposta ao ponto 1º da base instrutória.
D- O veículo ..-..-.. era conduzido por BB – resposta ao ponto 2º da base instrutória.
E- A colisão ocorreu ao Km. 45,575 da A4, na via de trânsito esquerda, no sentido Amarante-Porto, lugar de São Mamede de Recesinhos, Penafiel – resposta ao ponto 3º da base instrutória.
F- O troço de auto-estrada onde se deu a colisão apresenta uma faixa de rodagem com três vias de trânsito, configurando uma ligeira curva – resposta ao ponto 4º da base instrutória.
G- A colisão ficou a dever-se à invasão de uma raposa na faixa de rodagem da auto-estrada A4, no sentido Amarante/Porto – resposta ao ponto 5º da base instrutória.
H- A rede de protecção existente ao longo da auto-estrada apresentava uma abertura, nas imediações do local do acidente, no sentido Amarante/Porto, conforme fotografias de fls. 33 e 35 - resposta ao ponto 6º da base instrutória.
I- Essa brecha/abertura permite a passagem de animais – resposta ao ponto 7º da base instrutória.
J- A brecha/abertura aludida na resposta anterior constitui um dos locais possíveis por onde poderá ter entrado na auto-estrada a raposa geradora do sinistro – resposta ao ponto 8º da base instrutória.
K- O condutor do veículo não teve tempo para efectuar qualquer travagem, despistando-se, embatendo nas guardas de segurança da berma do lado direito da A4 e ulterior colisão no separador central da auto-estrada – resposta ao ponto 9º da base instrutória.
L- O veículo acabou por ficar imobilizado na via de trânsito central da auto-estrada ao Km. 45,475, sentido Amarante/Porto – resposta ao ponto 10º da base instrutória.
M- O piso encontrava-se seco e limpo e não tinha iluminação – resposta ao ponto 11º da base instrutória.
N- Havia nevoeiro – resposta ao ponto 12º da base instrutória.
O- A raposa quedou-se morta ao Km. 45,575 da A4, no sentido Amarante/Porto – resposta ao ponto 13º da base instrutória.
P- Como consequência do embate, o veículo de matrícula ..-..-..ficou impossibilitado de circular e a sua reparação foi orçada em 6.122,30 Euros – resposta ao ponto 14º da base instrutória.
Q- A A. vendeu-o, em Maio de 2004, por 12.500 Euros – resposta ao ponto 16º da base instrutória.
R- Por via do acidente a A. ficou privada de utilizar o automóvel, o qual ela e o seu agregado familiar usavam no dia a dia, desde 21 de Dezembro de 2002 até Maio de 2004, tendo que socorrer-se de transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos – resposta ao ponto 18º da base instrutória.
S- A reparação da viatura carecia de quinze dias úteis – resposta ao ponto 19º da base instrutória.
T- A R. efectua inspecção periódica da rede de vedação – resposta ao ponto 20º da base instrutória.
U- A R. conserta imediatamente qualquer situação que considere de “anomalia“ que detecte na vedação – resposta ao ponto 21º da base instrutória.
V- Na noite antes do acidente foram efectuados os patrulhamentos permanentes e habituais, quer pelos funcionários da Ré, quer pela BT da GNR – resposta ao ponto 22º da base instrutória.
W- A zona onde ocorreu o acidente fica junto ao nó do IP 9 – resposta ao ponto 24º da base instrutória.
Y- Já aconteceu a vedação ser aberta por pessoas desconhecidas que pretendem aceder à AE ou sair desta, sem que a R. possa imediatamente saber onde e quando isso acontece – resposta ao ponto 25º da base instrutória.
X- A Brisa e a BT da GNR procedem ao patrulhamento constante das auto-estradas da concessão durante 24 horas por dia – resposta ao ponto 27º da base instrutória.
Z- A raposa não foi detectada pela R. nem pela BT da GNR – resposta ao ponto 28º da base instrutória.
AA- As brigadas de assistência da R. circulam permanentemente pela auto-estrada com o objectivo de remover todo e qualquer obstáculo à circulação e estão permanentemente atentas à introdução de algum animal na via – resposta ao ponto 29º da base instrutória.
BB- Todo o pessoal da R. em serviço na auto-estrada faz vigilância no sentido de impedir que algum animal entre na via e controlam com atenção os nós de acesso ou de entrada na auto-estrada – resposta ao ponto 30º da base instrutória.
CC- O preço diário do aluguer de uma viatura com as características das da A. ascende a 50,00 Euros – resposta ao ponto 32º da base instrutória.--------
Quanto ao recurso da A.:
2-3- No recurso a A. sustenta que o prejuízo resultante da privação da viatura, se trata de um dano que não teria sofrido não fosse o acidente dos autos. A A., por culpa exclusiva da R., esteve mais de 16 meses sem poder utilizar a sua viatura. A reconstituição in natura no caso da privação de veículo pode (e deve) ser assegurada pela entrega, por parte do obrigado de indemnizar, de um veículo com as características do veículo paralisado. Se tal não ocorrer, como no caso não ocorreu, então em aplicação da regra da teoria da diferença consagrada no art. 566º do C.Civil, o dano constituído pela privação de uso, deverá ser reparado através da fixação de indemnização em dinheiro e pelo tempo efectivo da privação e não o correspondente apenas ao período necessário da reparação, sendo que no caso deveria ter como referência o período de paralisação provado, à razão diária do valor de um aluguer provado. Face à matéria dada como provada e recorrendo à equidade poderia condenar a R. no pedido formulado quanto à indemnização por paralisação (495 dias x 50,00/dia = 24,750,€).
Verifica-se que com esta argumentação, a recorrente pretende ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu em razão de ter ficado sem poder utilizar o veículo, por causa do acidente.
No acórdão recorrido optou-se, face à factualidade dada como provada e ponderando nos princípios de boa fé no cumprimento das obrigações e exercício de direitos, conforme se prevê no nº 3 do art. 566º do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), por uma fixação equitativa, entendo-se adequada uma indemnização de 750 €, correspondente ao período necessário à reparação de veículo (15 dias).
A recorrente sustenta que esteve longo tempo sem poder utilizar por culpa exclusiva da R..
Resulta das posição das partes, designadamente da postura da R., que esta não assumiu a responsabilidade pelo evento e consequentemente eximiu-se ao pagamento da indemnização pedida pela A..
Decorre do princípio geral do art. 562º (que estabelece que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação) e do art. 566º (que fixa os termos da fixação da indemnização em dinheiro) que em matéria indemnizatória deve, em regra, proceder-se à reconstituição natural. Deste princípio, resulta que o lesante, para além do mais, tem a obrigação de, através da reparação do veículo sinistrado, restituir o lesado na situação que se encontrava antes da ocorrência do acidente. Assim, a R. não pode deixar de ser responsável pelos prejuízos derivados do facto de não ter ordenado a reparação do veículo em devido tempo e, por conseguinte, por o veículo ter ficado imobilizado por longo período (neste sentido Acs. do STJ de 4-2-2003 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) e de 29-11-2005, Col. Jur. Acs. Supremo, 2005, Tomo III, pág. 151).
A indemnização tem por finalidade ressarcir o lesado dos prejuízos realmente sofridos. Vem isto a propósito de certo entendimento jurisprudencial e doutrinário considerar indemnizável, per si, a privação do uso do veículo, mesmo sem a prova de quaisquer perdas concretas, sustentando-se que o reconhecimento do direito à indemnização não está necessariamente dependente da prova das perdas efectivas de rendimento que a utilização do veículo poderia proporcionar ou das despesas a que a sua falta directamente motivou, mas antes da própria indisponibilidade da viatura (neste sentido António Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano de Privação do Uso, 33/41, Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, 269 e Acs. do STJ de 9-6-1996, BMJ 457º, 325 de 29-11-2005 Col Jur. Acs. Supremo, 2005, Tomo III, pág. 151), 24-1-2008 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), 5-7-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), da Rel. de Coimbra de 9-11-99 C.J. 1999, Tomo 5º, 23 e de 26-11-2002, Tomo 5º, 19 e da Rel. do Porto de 5-2-2004, C.J. 2004, Tomo 1º, 178). Como afirma Menezes Leitão, constituindo o uso (por via e regra diário) de um veículo próprio, uma vantagem susceptível de avaliação pecuniário, mal seria que a respectiva privação não constituísse um dano.
Não aceitamos esta maneira de ver as coisas, porque, face ao nosso sistema jurídico a indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da verificação concreta de danos. Com efeito, o art. 562º, que estabelece o princípio geral da obrigação de indemnizar, faz depender desta obrigação a verificação de um dano. O art. 563º e quanto ao nexo de causalidade, determina que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. O art. 566º refere que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria se não existissem danos. Ou seja, o princípio da diferença patrimonial a que se refere a disposição, não desobriga a determinação de factos que revelem a existência de danos da pessoa ofendida. Por outro lado, no que toca a responsabilidade por factos ilícitos (art. 483º) ou pelo risco (art. 499º), a indemnização depende da confirmação de um dano. Quer dizer, face ao nosso ordenamento jurídico, a pedra de toque desencadeadora de indemnização, é o dano. Daí que entendamos que a simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar (neste sentido, entre outros, Acs. desta STJ de 8-6-2006 e 5-7-2007, ambos em (www.dgsi.pt/jstj.nsf) e vide ainda doutrina indicada nesses arestos).
Aceita-se que uma paralisação de um veículo, normalmente, causa prejuízos ao proprietário. O dono goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (art. 1305º), pelo que ficando, pela paralisação, desprovido desses direitos, em princípio, ocorrerão, para si, perdas. Mas nem sempre os prejuízos se verificarão. Basta lembrarmo-nos, por exemplo, de uma pessoa que tem vários veículos em garagem e que a impossibilidade de utilizar um, apenas implica a necessidade de utilizar outro, ou senão aquele caso de uma pessoa que utiliza o veículo apenas, para se deslocar para o trabalho e que, em consequência da impossibilidade de o continuar a utilizar, passa a ir para o emprego de boleia de um colega ou em veículo da empresa. Aqui até, ao invés de haver um prejuízo, haverá um benefício, já que tal evita a utilização do seu automóvel, com as patentes despesas inerentes a esse uso.
Não nos parece, assim, que a paralisação de um veículo possa per si denunciar, para o respectivo proprietário, um prejuízo. Para que uma imobilização de uma viatura possa significar danos para o seu proprietário, é necessário alegar-se e provar-se factos nesse sentido.
No caso vertente provou-se que, como consequência do embate, o veículo ficou impossibilitado de circular. A A. ficou privada de utilizar o automóvel, o qual ela e o seu agregado familiar usavam no dia a dia, desde 21 de Dezembro de 2002 até Maio de 2004, tendo que socorrer-se de transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos.
Quer dizer que com a privação do automóvel a A. sofreu prejuízos.
No acórdão recorrido, em razão desta circunstância, fixou-se equitativamente a indemnização de 750 €, correspondente ao período necessário à reparação de veículo (15 dias), de harmonia com o disposto no art. 566º nº 3.
Parece-nos que a fixação da indemnização através da equidade não é, no caso, correcta.
Estipula o art. 661º nº 2 do C.P.Civil:
"Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida ".
Aplicação desta norma, para o que aqui interessa, depende da verificação, em concreto, de uma indefinição de valores de prejuízos. Mas como pressuposto primeiro de aplicação do dispositivo, deverá ocorrer a prova de existência de danos.
Este preceito tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o quantitativo na condenação (neste sentido A. Reis, C.P.C. Anotado, Vols. I pág. 614 e segs. e V pág. 71, Vaz Serra, RLJ, ano 114º, pág. 309, Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.C, vol. III, pág. 233). Portanto e para o que aqui importa, no caso de a A. ter deduzido um pedido específico (isto é, um pedido de conteúdo concreto), caso não logre fixar com precisão a extensão dos prejuízos, poderá fazê-lo em liquidação em execução de sentença.
A este propósito haverá a salientar, corroborando a posição que se assume, que a norma não distingue os pedidos, aplicando regimes diversos consoante se trate de pedidos genéricos ou pedidos específicos. Sublinhe-se que a norma fala genericamente em casos em que não há elementos para fixar a quantidade, pelo que reduzir o campo de aplicação da norma aos pedidos genéricos (concretizados no art. 471º nº 1 do C.P.Civil), é diminuir, sem razão, o campo de aplicação da disposição, indo contra o antigo dito latino e princípio atinente à interpretação de normas jurídicas, segundo o qual "ubi lex non distinguit, nec nos destinguere debemus".
Quer isto dizer que, no caso vertente, apesar de se ter deduzido um pedido específico em relação aos prejuízos e de não ter logrado fazer a prova da especificação, provando-se a existência de danos, a aplicação à situação do art. 661º nº 2 do C.P.Civil, é o correcta (neste sentido entre outros Acs. do STJ. de 3-12- 98, BMJ, 482º, 179 de 27-1-93, Col. Jur., Acs. STJ, 1993, 1º, 89, de 4-2-2003 e de 17-6-2008 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf).
Poder-se-á questionar se o tribunal não poderia ter-se socorrido, como aliás fez a Relação, do disposto no art. 566º nº 3 do C.Civil, segundo o qual " se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados" e portanto recorrido à equidade, ao invés de relegar a determinação concreta dos danos para execução de sentença.
A nosso ver, este critério só se deverá usar em termos meramente residuais. Ou seja, esta disposição deve aplicar-se quando se verifique ser de todo impossível, em ulterior fase executiva, a concretização dos danos. Reputando-se possível tal materialização, deve-se optar pelo mecanismo do art. 661º nº 2 do C.P.Civil (neste sentido Acórdão deste STJ de 17-6-2007 www.dgsi.pt/jstj.nsf, em sentido contrário, dando prioridade à equidade, Acórdãos deste STJ. de 18-9-2003 in www.dgsi.pt/jstj.nsf, de 3-12- 98, BMJ, 482º e de 7-10-99, BMJ 490º, 212). Isto porque, a nosso ver, deve privilegiar-se a demonstração exacta dos prejuízos, quanto tal (ainda) se mostre exequível. Caso tal não se apresente já possível (por exemplo, quando tenha já incidido prova sobre a factualidade), então deve apelar-se à fixação da indemnização através da equidade (art. 566º nº3). Aqui o recurso à execução revelar-se-ia inconsequente, pois nada já se poderia esclarecer, resultando o envio das partes para execução de sentença, num mero expediente dilatório.
No caso dos autos, a prova sobre os apurados danos pode ainda efectuar-se visto que a parte se limitou a alegar que no período de privação do veículo, teve de se socorrer “de transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos”, circunstância que se provou. A parte não alegou quais foram esses custos, razão porque o poderá alegar e demonstrar em execução de sentença.
Temos para nós, pois, dever aplicar à situação a disposto no art. 661º nº 2 do C.P.Civil.
Assim o douto acórdão recorrido, se bem que por estas razões, merecerá parcial revogação, condenando-se a R. no pagamento à A., dos danos que se apurarem em execução de sentença, decorrentes do facto acima referido (de a A. ter ficado privada de utilizar o automóvel, desde 21 de Dezembro de 2002 até Maio de 2004, tendo que socorrer-se de transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos).
Quanto ao recurso subordinado da R.:
2-4- A questão que se debate no presente processo, responsabilidade das concessionárias de auto-estradas por acidentes nelas ocorrido em razão de animais que aí se introduzem, tem sido amplamente debatida na nossa jurisprudência e na doutrina. As decisões proferidas nos tribunais têm sido numerosas e nem sempre coincidentes.
Segundo uns, nas auto-estradas com portagens (o que sucede no caso vertente), existe um contrato inominado de utilização da via, celebrado entre o utente, pagador da taxa de utilização, e a concessionária que fornece o serviço. Ainda na tese contratual, deve inscrever-se a que considera existir um contrato de concessão celebrado entre a concessionária e o Estado, mas sendo beneficiário o utente da auto-estrada. Seria como um contrato a favor de terceiro que tinha por base o contrato de concessão celebrado entre a concessionária (Brisa) e o Estado, sendo terceiros os utentes das auto-estradas. Mediante este contrato os contratantes atribuem a terceiro um direito subjectivo que este pode autonomamente exercer contra a concessionária. Por fim, a tese da responsabilidade aquiliana, segundo a qual a concessionária responderá perante terceiros se, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios (art. 483º nº 1. Perante esta tese, o único contrato que existe é o que se estabeleceu entre o Estado e a concessionária (a que é alheio o utente), pelo que a responsabilidade a considerar será a extracontratual.
A adesão a cada uma das teses, designadamente às contratuais ou extracontratual tem evidente relevância prática, visto que, se se considerar que estamos no âmbito da responsabilidade contratual da concessionária, funciona contra ela a presunção de culpa a que alude o art. 799º, pelo que caberá à concessionária a prova de que agiu sem culpa, invertendo, assim, a presunção juris tantum imposta por lei (arts. 342º, 344º nº 1 e 350º). Se pelo contrário nos circunscrevemos na responsabilidade extracontratual, então, nos termos do art. 487º nº 1, é ao lesado que cabe provar a culpa do autor da lesão.
Neste Supremo Tribunal, também as diversas teses foram sendo adoptadas, sublinhando-se que a que defendia a tese da responsabilidade extracontratual se revelou predominante (entre muitos, Acórdãos 20-05-2003 (www.dgsi.pt/jstj.nsf, relator Conselheiro Ponce de Leão e de 12-11-1996 BMJ 461, 411 relator Conselheiro Cardona Ferreira) se bem que ultimamente se tenha esboçado uma tendência de adesão à tese contratualista, designadamente a partir da prolação do Acórdão de 22-06-2004 (www.dgsi.pt/jstj.nsf, relator Conselheiro Afonso Correia), altura a partir da qual o acórdão passou a ser regularmente citado por arestos posteriores.
Igualmente a doutrina se pronunciou sobre a questão debatida, da natureza jurídica da responsabilidade cível das concessionárias de auto-estradas, sustentando uns ocorrer a responsabilidade extracontratual (v.g. os Profs. Meneses Cordeiro - in Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Estudo do Direito Civil Português, 2004, pág. 56 e Carneiro da Frada in parecer apresentado na Revista deste STJ nº 650/07) e outros a responsabilidade contratual (v.g. Prof. Sinde Monteiro in Revista de Legislação e Jurisprudência anos 131- 41 e segs., 132º 29 e segs. e 133º 27 e segs. e Conselheiro Armando Triunfante (in “Responsabilidade Civil das Concessionárias das Auto-estradas, RDJ, Tomo 1º, págs. 45 e ss.).
Entendemos ser desnecessário alongarmo-nos sobre estas teses, visto que foi, entretanto, publicada a Lei 24/2007 de 18/7 que veio estabelecer no seu art. 12º:
1- Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Quer dizer e para o que aqui interessa, perante esta disposição é hoje claro que em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária. Ou seja, este dispositivo pôs fim à polémica relativa ao ónus da prova, remetendo a discussão sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil das concessionárias de auto-estradas para fundamentos meramente teórico/académicos.
Claro que antes discutia-se o ónus da prova da culpa e hoje a lei fala em ónus da prova do cumprimento. Entende-se, porém ser irrelevante esta particularidade, visto que também na responsabilidade contratual, como decorre do disposto no art. 799º nº 1, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. Resulta desta presunção que ela abrange não só a culpa como também a ilicitude do devedor. Na origem do não cumprimento existe uma conduta ilícita do devedor e que essa conduta é também culposa (vide Prof. Carneiro da Frada in Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra 1994, págs. 92 e segs. referido no dito parecer).
Terá aquela disposição aplicação ao caso vertente?
Como se sabe, nos termos do art. 12º nº 1 as normas, em regra, não têm aplicação retroactiva, razão porque não se deveria aplicar, em princípio, à situação em causa, já que ocorreu antes da entrada em vigor do dito preceito. Todavia as leis interpretativas devem integrar-se na lei interpretada e consequentemente têm aplicação imediata. A lei interpretativa deve considerar-se como remontando à data da lei interpretada. Assim o entende a doutrina dominante, não só nacional, mas também estrangeira (vide a este propósito “Da Aplicação das Leis no Tempo, Emídio Pires da Cruz, Lisboa, 1940). A retroactividade neste âmbito resulta de as leis interpretativas fazerem corpo com a lei interpretada, constituindo uma única lei. Não contêm nenhum princípio novo de direito. Consequentemente, os tribunais aplicando as leis interpretativas, estão, no fundo, a empregar a lei interpretada.
Assim, se se entender a disposição referenciada como uma norma interpretativa, a mesma, por ter aplicação imediata (retroactiva), terá aplicação ao caso vertente.
As leis interpretativas podem ser dessa forma definidas pelo legislador. Se o fizerem não se levantará qualquer dúvida sobre essa sua natureza. Porém existem outras que, pese embora o legislador não as apode assim, dada a sua índole, terão que ser dessa maneira qualificadas.
Quanto ao critério definidor destas leis, têm-se vindo a aceitar depender da existência cumulativa de dois elementos: a) a lei regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência; b) a lei consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador (vide Emídio Pires da Cruz, obra citada, pág. 246). No mesmo sentido o Prof. Batista Machado (in Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil, 1968, págs. 286 e segs.) sustenta que a lei interpretativa, para ser assim considerada, exige o seguinte:
1º- Ela intervém para decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio da vigência da L.A (lei antiga). Significa isto, antes de tudo, que, para que a LN (lei nova) possa ser interpretativa de sua natureza, é preciso que haja matéria de interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial lhe havia de há muito atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a LN que venha resolver o respectivo problema jurídico em termos diferentes deve ser considerada uma lei inovadora….
2º- A lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da lei anterior. Significa este pressuposto, antes de mais, que se a LN vem na verdade resolver um problema cuja solução constituía até ali matéria de debate, mas a resolve fora dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno novo ou dando-lhe uma solução que o julgador ou o intérprete não estavam autorizados a dar-lhe, ela será indiscutivelmente uma lei inovadora….
Para que a LN possa ser concebida como uma lei interpretativa, será preciso que ela consagre uma forte corrente jurisprudencial ou doutrinal anterior? Não necessariamente…” A LA não tem de consagrar uma corrente doutrinal prevalecente, sendo suficiente a adopção de uma interpretação defendida anteriormente.
Face a estes pressupostos, somos em crer que a referenciada norma é interpretativa, consagrando uma das soluções controvertidas pela doutrina e jurisprudência. Resolveu um problema, cuja solução constituía até ali matéria de debate, dando-lhe uma solução dentro dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida. Não se trata de uma lei inovadora visto que não resolve o conflito em termos diferentes, no sentido de renovar a posição antes assumida pela jurisprudência e doutrina.
Este mesmo entendimento teve o Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-11-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf, relator Conselheiro Sousa Leite) e também o acórdão da Relação do Porto recorrido.
Como lei interpretativa, a mesma deve ter aplicação imediata e, por conseguinte, deve aplicar-se ao caso vertente.
Assim, face à disposição referenciada, tendo uma raposa entrado na auto-estrada e determinado o acidente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária, isto é, à R. Brisa.
Resulta da Base XXXVI, nº 2 do contrato de concessão (DL 294/97 de 24/10) que “a concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, assegurar permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham por si sido construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação, sujeitas ou não ao regime de portagem”.
No que toca a caso de força maior excludente da responsabilidade da concessionária na manutenção das auto-estradas em boas condições de comodidade e segurança, deveremos sublinhar que o conceito de «caso de força maior» não aparece definido naquela Base. Porém, a Base XLVII nº 2 a propósito de isenção de responsabilidade da concessionária em razão da falta, deficiência ou atraso na execução do contrato, o legislador define o «caso de força maior», dizendo que “…se consideram casos de força maior unicamente os que resultem de acontecimentos imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou circunstâncias pessoais da concessionárias, nomeadamente actos de guerra e subversão, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem os trabalhos de concessão”.
Em sentido idêntico estabelece o nº 3 do art. 12º da mencionada Lei 24/2007 que são excluídos da responsabilidade da concessionária “os casos de força maior que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Por outro lado, de harmonia com a Base XXII nº 5 do dito do contrato de concessão, “as auto-estradas deverão ainda ser dotadas com as seguintes obras acessórias: a- vedação em toda a extensão, devendo ser as passagens superiores em que o tráfego de peões seja exclusivo ou importante também vedadas lateralmente em toda a extensão”.
Desta disposição importa reter que constitui obrigação da concessionária vedar, em toda a extensão, as auto-estradas. Isto evidentemente para evitar, para além do mais, que pessoas e principalmente animais aí se introduzam (neste sentido acórdão deste STJ de 14-10-2004 www.dgsi.pt/jstj.nsf) com o objectivo claro de poder assegurar permanentemente em boas condições de segurança e comodidade as auto-estradas.
Face ao estabelecido naquela Lei 24/1997, pode-se dizer que hoje é permitido à concessionária a elisão da presunção de incumprimento em todos os casos e não apenas nos casos de força maior.
Para o que aqui interessa, devemo-nos focar, tão só, na presunção de incumprimento das obrigações de segurança com que o nº 1 do referido art. 12º onera a concessionária.
No caso vertente, provou-se que a colisão ficou a dever-se à invasão de uma raposa na faixa de rodagem da auto-estrada A4, no sentido Amarante/Porto, sendo que condutor do veículo não teve tempo para efectuar qualquer travagem, despistando-se, embatendo nas guardas de segurança da berma do lado direito da A4 e ulterior colisão no separador central da auto-estrada.
Deixando agora de parte a análise da culpabilidade do condutor a examinar mais tarde, poderemos dizer que a colisão/acidente ficou dever-se à introdução na auto-estrada do dito animal.
Provou-se também que a R. efectua inspecção periódica da rede de vedação, conserta imediatamente qualquer situação que considere de “anomalia“ que detecte na vedação, na noite antes do acidente foram efectuados os patrulhamentos permanentes e habituais, quer pelos funcionários da R., quer pela BT da GNR, sendo certo que já aconteceu a vedação ser aberta por pessoas desconhecidas que pretendem aceder à AE ou sair desta, sem que a R. possa imediatamente saber onde e quando isso acontece. A Brisa e a BT da GNR procedem ao patrulhamento constante das auto-estradas da concessão durante 24 horas por dia. A raposa não foi detectada pela R. nem pela BT da GNR. As brigadas de assistência da R. circulam permanentemente pela auto-estrada com o objectivo de remover todo e qualquer obstáculo à circulação e estão permanentemente atentas à introdução de algum animal na via. Todo o pessoal da R. em serviço na auto-estrada faz vigilância no sentido de impedir que algum animal entre na via e controlam com atenção os nós de acesso ou de entrada na auto-estrada.
Demonstrou-se, por outro lado, que a rede de protecção existente ao longo da auto-estrada apresentava uma abertura nas imediações do local do acidente, que essa brecha/abertura permite a passagem de animais constituindo um dos locais possíveis por onde poderá ter entrado na auto-estrada a raposa.
A pergunta que se nos coloca é a de saber se, face a estes factos, a R. logrou elidir a presunção de incumprimento que sobre si impende, provando que actuou com diligência e sem qualquer culpa de sua parte.

A esta resposta, teremos que responder negativamente.
As instâncias responderam à questão, considerando ocorrer uma responsabilidade contratual por banda da Brisa e que esta não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende.
A R. Brisa esboçou o entendimento de que cumpriu as suas obrigações de vigilância e de conservação das redes laterais da via.
Pese embora tenha provado os factos a que aludem as alíneas T, U, V, X, Z, AA, e BB, denunciadores do cumprimento genéricos desses seus deveres, o certo é que, a nosso ver, não demonstrou o cumprimento dessas obrigações em concreto. Na verdade, ocorre a circunstância objectiva de introdução da raposa na auto-estrada, a que acresce o facto de perto do local onde ela foi atropelada, existir uma abertura da vedação que permite a passagem de animais, pelo o que nos leva a concluir que a R. não logrou ilidir a presunção que contra si ocorre. Por outras palavras, a materialidade traduzida no aparecimento da raposa na auto-estrada e a existência da abertura da vedação, fazem, nas circunstâncias concretas, concluir que a R. não ilidiu a presunção de incumprimento que contra si impende.
É pois possível concluir que, em princípio, existe um incumprimento concreto por parte da R., pois ela mediante o contrato que celebrou com o Estado, comprometera-se, para além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. E fora de qualquer dúvida, a introdução numa auto-estrada, via por essência de trânsito automóvel rápido, de uma raposa coloca sérios problemas de segurança rodoviária. Por outras palavras, aparecimento daquele animal na via, nega a obrigação de segurança viária que cabe a R. proporcionar aos utentes da via, correspondendo esse surgimento a uma perigosa violação da segurança do tráfego automóvel.

Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22-06-2004 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) a propósito do surgimento de um cão na auto-estrada “o aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem de uma auto-estrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula. Cabe à Brisa evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da Brisa ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direcção efectiva, o poder de facto sobre a auto-estrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço). Como acima ficou dito, só em «caso de força maior devidamente verificado» exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, na hipótese de inexecução, o dever de reparar os prejuízos causados. Isto significa, no essencial, que não será suficiente (ao devedor, a Brisa) mostrar que foi diligente ou que não foi diligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento. Essa prova só terá sido produzida quando se conhecer, em concreto, o modo de intromissão do animal. A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente”.

Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria pois a R. provar, em concreto, que o animal surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na auto-estrada, negligente ou intencionalmente, por outrem. Isto é, sempre que há um acidente devido a um animal que se introduziu numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem. Ou, como se refere no acórdão de 22-6-2004, “terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento”.

Parece-nos ser esta posição a mais equilibrada e justa, já que, de contrário, considerando-se suficiente uma prova genérica de que a R. cumpriu as obrigações decorrentes do contrato de concessão, acabaria por se colocar nos ombros do lesado a produção de uma prova que se revelaria de todo difícil, ou até impossível, de fazer.
Nos acidentes com animais (ou com outros objectos) em auto-estradas quem mais facilmente pode provar a proveniência do animal (ou objectos) é a concessionária. Só ela tem, pode ou deve ter, os meios idóneos à monitorização do tráfego, da circulação viária e da segurança, meios que lhe devem permitir detectar a introdução na via de animais ou de objectos nocivos à circulação automóvel. O utilizador da via depara-se com a óbvia e notória dificuldade natural em recolher meios ou elementos de prova. Não pode, como é notório, permanecer na auto-estrada com vista a determinar a causa da introdução do animal aí, nem sequer tem, normalmente, equipamentos técnicas de recolha de prova.
Diremos ainda e no que toca à particularidade do caso vertente que, se a Relação tivesse retirado, por presunção, que a R. não cumpriu a obrigação de construção e manutenção da vedação, aceitaríamos, sem rebuço tal suposição, pois como se refere (em sumário) no acórdão deste STJ de 14-10-2004 já referenciado “o aparecimento de um animal na auto-estrada e a existência de abertura na vedação da mesma perto do local onde ele se encontrava constituem anomalia que justifica a presunção – simples, natural, judicial ou hominis – de que na sua construção ou manutenção não foi observado o cuidado devido”.
2-5- Sustenta a recorrente que a colisão ficou a dever-se a condução irregular em infracção ao Código da Estrada, circulação injustificada pela via mais à esquerda das três vias da faixa de rodagem. O sinistro ocorreu na via da esquerda das três vias e não tinha ocorrido se o veículo circulasse, como devia, na via da direita. Uma viatura que circulasse na via mais à direita não podia embater na raposa. O caso não pode julgar-se por uma versão dele, apenas apresentada em audiência por uma testemunha interessada, menção de que ultrapassava uma viatura, sem que qualquer das partes alegue ou articule essa versão e o Tribunal a quesite. Não foi determinado um nexo causal, nem condição necessária, entre a abertura referida em H-I-J da douta sentença e a invasão pela raposa da faixa de rodagem. Tendo-se quesitado, mas não provado, se a raposa entrou por aquela abertura, não pode julgar-se na consideração desse facto provado por presunção. A abertura não é causa ou condição de a raposa se encontrar na faixa de rodagem. O condutor circulava com velocidade excessiva, pois não esboçou travagem, fez duas diagonais à plataforma de três vias e berma, embateu à direita e à esquerda da auto-estrada e imobilizou-se mais de 125 metros após o embate.
A pretensão da recorrente em ver atribuída a culpa pela produção do acidente ao condutor do veículo, é destituída de sentido.
No que toca à velocidade excessiva diremos, para além da vertente conclusiva de tal asserção, que não se demonstrou a velocidade a que o automobilista transitava. Igualmente não se provou que o mesmo não tenha travado, mas sim que não teve tempo para efectuar qualquer travagem antes do embate, o que é diferente. Também não se demonstrou que se tenha imobilizado mais de 125 metros após o embate. O que se provou foi, tão só, que a colisão ocorreu ao Km. 45,575 da A4 e que o veículo se imobilizou ao Km. 45,475, da mesma via, o que equivale a dizer-se que o automóvel parou cerca de 100 metros após a colisão. Evidentemente que deste simples facto não será possível inferir a velocidade do veículo, pois a extensão de imobilização de uma viatura depende de vários factores, tais como capacidade de reacção do condutor, aptidão de travagem de veículo, condições de aderência da via, elementos desconhecidos. Além disso, uma auto-estrada é, por essência, uma via de tráfego automóvel rápido, razão por que um veículo, mesmo cumprindo a velocidade máxima aí permitida (120 Km/hora), levará um espaço considerável para se poder imobilizar.
Por outro lado é verdade que não se provou que foi através da dita abertura na vedação que a raposa se introduziu na auto-estrada. Mas não é menos verdade que no acórdão recorrido não se faz tal referência. Igualmente aí não se considerou provado, por presunção, a introdução da raposa por essa abertura. Portanto, parece-nos sem cabimento a referência, no recurso, a tais circunstâncias.
Sustenta a recorrente que o acidente se deu por o condutor transitar na via mais à esquerda das três vias da faixa de rodagem e teria ocorrido se o veículo circulasse na via da direita. Uma viatura que circulasse na via mais à direita não podia embater na raposa.
Aqui parte a recorrente de um pressuposto que não se pode ter como demonstrado. De que o automobilista transitava incorrectamente naquela via. É certo que não se pode ter como assente, porque fora do acervo dos factos provados, que o condutor da viatura efectuava uma ultrapassem a outro ou outros veículos. Mas também não se pode ter como provado que o não fazia. Apenas se provou que a colisão ocorreu na via de trânsito esquerda (no sentido Amarante-Porto) e que a mesma ficou a dever-se à invasão de uma raposa na faixa de rodagem da auto-estrada A4 (no sentido Amarante/Porto).
Claro que esta circunstância faz deduzir que a invasão da raposa foi a causa adequada à produção do evento. Por outras palavras, esta factualidade demonstra o nexo de causalidade entre a circulação da raposa na via e o acidente.
É possível que se o condutor circulasse na faixa direita da estrada não tivesse colhido a raposa. Mas isto é irrelevante para a situação presente, dado o nexo de causalidade demonstrado. Como irrelevante seria se se argumentasse, em sentido análogo, de que o acidente não teria ocorrido se o condutor não tivesse tomado aquela auto-estrada.
Face às circunstâncias provadas, nenhum juízo de culpa será possível imputar ao condutor. Como correctamente se refere no acórdão recorrido, “os condutores da auto-estrada devem cumprir as determinações estradais legalmente estabelecidas, mas não são obrigados a prever o aparecimento súbito de obstáculos na estrada e designadamente de animais selvagens”.
A posição da recorrente é, pois, insubsistente.
2-6- Defende ainda a recorrente que a A. não procedeu nem mandou proceder à reparação do veículo nem fez, por isso, qualquer pagamento a esse título fosse a quem fosse. Perante tal situação factual a A. não pode ver satisfeita a procedência do seu pedido tal como formulado, uma vez que no pedido de condenação da R. numa quantia concreta está a pressupor o direito ao pagamento de uma quantia necessária à reposição natural que fez dos danos sofridos e orçamentados resultando agora do processo que isso não aconteceu.

Mais uma vez a recorrente carece de razão.
Tendo-se apurado que em resultado do acidente o veículo (de matrícula ..-..-.. ficou impossibilitado de circular e a sua reparação foi orçada em 6.122,30 €, é evidente que nos termos dos arts. 562º, 566º já acima referidos, a R. terá que pagar os danos que originou. Remete-se para a vertente teórica acima referida sobre estas disposições legais e também para o que sobre o assunto se refere no acórdão recorrido, sem que se veja que a argumentação produzida pela recorrente a coloque em dúvida.
Nesta parte a decisão recorrida merece confirmação. Sobre o custo da reparação deverão incidir juros de mora à taxa legal desde a citação e até pagamento efectivo e integral, como, aliás, se decidiu nas instâncias e decorre do disposto nos arts. 805º nº 3 e 806º nºs 1 e 2.
2-7- Sustenta a recorrente que a decisão de facto ser ampliada, nos termos do disposto no art. 729° n°3 do C.P.Civil, pela inclusão dos factos referidos no nº 27 das suas alegações.
Estes factos dizem respeito à danificação da vedação e aos procedimentos e verificações a que a R. procede para determinar que a mesma permaneça em bom estado de conservação.
É certo que, nos termos do art. 729º nº 3 do C.P.Civil, pode este Supremo remeter o processo ao tribunal recorrido com vista à ampliação da matéria de facto. Porém, no caso vertente, não se justifica a pretendida ampliação da matéria de facto, visto que as circunstâncias factuais que foram levadas à base instrutória, foram suficientes e traduziram a posição da parte sobre a questão. Isto mesmo é afirmado no acórdão recorrido. Além disso, boa parte das circunstâncias alegadas pela R. sobre o assunto, nem sequer constituem factos, pelo que nunca poderiam ser incluídas na dita base instrutória (art. 511º nº 1 do C.P.Civil). De resto, dada a posição jurídica que assumimos sobre a questão, o aditamento de outros factos (referentes à vedação da auto-estrada), resultaria desnecessário.
Também aqui resulta infundada a posição da recorrente.
2-7- Sustenta a recorrente que o art. 12º da Lei/2007 de 18/7 vem atingir processos em discussão judicial: atinge a separação de poderes e viola regras básicas do Estado de Direito, fixado logo no artigo 20º da Constituição. Além disso, esse mesmo preceito vem fixar urna presunção de incumprimento contrária as regras do processo equitativo, violando o artigo 20°, 14º da Constituição. Finalmente: o preceito conduz a uma imputação objectiva de danos, sem limite máximo e atingindo situações já constituídas: é expropriativo e desarmónico, violando os artigos 62°/1 e 13°/1, sempre da Constituição.

De modo muito sintético, diremos que o referido art. 12º não se nos afigura inconstitucional.

Diz a recorrente que essa disposição atenta contra a igualdade rodoviária, uma vez que fixa regras diversas das comuns para um determinado tipo de estradas.

O princípio da igualdade (que tem consagração constitucional – art. 13º da Constituição) impõe, em termos genéricos, um tratamento igualitário de todos os cidadãos. Não proíbe que a situações diversas seja dado um tratamento diferenciado. O que se proíbe é o arbítrio, consistente em dar tratamento diverso a situações absolutamente análogas, e as discriminações o que exige que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista de segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade (sobre o princípio constitucional de igualdade, vide Constituição Anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira, anotação ao art. 13º, Vol. I, 3ª edição, 1993, págs. 125 a 131).

Serve isto para dizer que não nos parece inconveniente que as regras estabelecidas para as auto-estradas sejam diversas das designadas para as estradas comuns, pois aquelas são vias diferentes apenas destinadas ao tráfico (rápido) automóvel, normalmente tarifadas, o que não sucede com estas. Por outro lado, o princípio da igualdade diz respeito a pessoas singulares e não a empresas, razões porque não se vê que o dito preceito viole esse princípio.

O art. 20º da Constituição diz respeito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva. Para o que aqui interessa, estabelece o nº 4 da disposição que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.

Deixando de parte a decisão em prazo razoável, importa para aqui fazer ressaltar que a todos é concedido o direito a uma decisão conforme processo equitativo. Isto é, todos têm direito a um tratamento processual imparcial, a não sofrer descriminações formais, designadamente em relação à parte contrária.

Ora a disposição em causa em nada contende com os direitos processuais da R.. Adjectivamente não se vê tratamento discriminatório, em relação à contra-parte, por banda da norma em causa. Aliás, esta nem sequer constitui uma disposição processual.

Defende também a recorrente que o dito art. 12º viola a tutela constitucional dos contratos. Refere que os direitos de crédito, produto, por excelência, de contratos, caiem num conceito amplo de propriedade, tal como está consignado no art. 62º da Constituição, pelo que por força deste preceito ninguém pode ser privado de créditos, sem compensação e sem base legal. Por outro lado, a ideia de responsabilidade objectiva (que no seu ponto de vista o art. 12º introduz) pode ser materialmente expropriativa quando conseguida através de uma manipulação de regras sobre o ónus de prova.
O art. 62º nº 1 da Constituição estabelece que a todos é garantido o direito à propriedade privada, acrescentando o seu nº 2 que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Pondo agora de parte a questão de se saber se o direito (de crédito) que a recorrente diz possuir, pode ser englobado no nº 1 da disposição, diremos que nos parece impróprio falar-se aqui de expropriação, porque não se vê que o preceito em causa desrespeite qualquer convenção (crédito) assumida. Como acima já referimos, a presunção de culpa a que alude o art. 799º, já inclui não só a culpa como também a ilicitude do devedor, pelo que não existe qualquer inovação teórica na referida norma.
Por outro lado, entendemos ser não ser correcto dizer-se que o preceito introduziu a responsabilidade objectiva para a concessionária. Não o fez, apesar de se considerar, face ao nosso entendimento, ter-se tornado mais difícil, mas não impossível, o afastamento da presunção de incumprimento que impende sobre si. De sublinhar ainda que nem sequer se pode dizer que, com a publicação, a R. ficou numa situação de desfavor, visto que com as normas que antes vigoravam, já tinham existido decisões, designadamente o Acórdão deste STJ acima citado de 22-06-2004, que assumiram uma posição semelhante à do presente acórdão (que aplicou o estipulado nessa norma).
Não vemos, assim, que ocorram as arguidas inconstitucionalidades.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, concede-se parcialmente a revista à A. condenando-se a R. no pagamento à A., dos danos que se apurarem em execução de sentença, decorrentes do facto acima referido (de a A. ter ficado privada de utilizar o automóvel, desde 21 de Dezembro de 2002 até Maio de 2004, tendo que socorrer-se de transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos).
Mantém-se a condenação da R. no pagamento à A. da importância de 6.122,30 € (relativa ao custa da reparação do veículo) acrescida de juros de mora desde a citação.
Nega-se a revista à R..
Custas na acção pela A. e R. conforme o vencimento. No recurso pela A., igualmente conforme o vencimento e pela R..

Lisboa, 16 de Setembro de 2008

Garcia Calejo (Relator)
Mário Mendes
Sebastião Póvoas