Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2131
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
DANO EMERGENTE
LUCRO CESSANTE
EQUIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200810300021317
Data do Acordão: 10/30/2008
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Os juízos de equidade relevam em matéria de cálculo indemnizatório, mas não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável envolvente.
2. Como a indemnização em dinheiro é medida pela diferença entre uma datada situação patrimonial do lesado e a que ele então teria se não tivesse ocorrido o dano, não dispensa a lei o apuramento de factos que revelem a existência de dano específico na esfera da pessoa afectada.
3. A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


I
AA, Ldª intentou, no dia 17 de Maio de 2004, contra BB - Companhia de Seguros de CC, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação no pagamento de € 10 208,89 relativos a despesas de reparação de seu identificado veículo pesado e uma indemnização por ter sido privada do uso do mesmo calculada em € 110 por dia - preço de mercado para o aluguer de viatura semelhante - a contar da data do acidente que a provocou até à integral reparação e juros à taxa legal.
Alegou que tais danos resultaram de um acidente de viação causado por culpa exclusiva de DD, além do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre aquele e a ré.
Em contestação, a ré impugnou o montante da indemnização pretendida pela autora, expressando ser o custo da reparação trinta por cento superior ao valor da viatura automóvel, e que aquela só teria direito à diferença entre o valor venal do veículo e o do salvado, ou à quantia de € 9 000, ficando com o salvado, e ao valor correspondente ao aluguer da viatura de substituição utilizada.
Seleccionada a matéria de facto assente e controvertida e realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 11 de Janeiro de 2006, por via da qual a ré foi condenada a pagar à autora € 10 280,88 a título de custo de reparação, acrescidos de € 5 720 e o que viesse a ser liquidado por virtude da privação do uso da viatura, à razão diária de € 110, desde 15 de Maio de 2004 até efectiva reparação e entrega da mesma e juros à taxa legal.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 25 de Janeiro de 2007, condenou-a a pagar à autora € 10 001,54 relativos à reparação da viatura e juros legais, e o que viesse a liquidar-se em execução de sentença quanto ao custo suportado pela autora com o aluguer de uma outra viatura, até ao montante diário de € 110, entre 24 de Março e 26 de Agosto de 2004, e juros.

Interpôs a apelada recurso de revista restrito à decisão que condenou a apelante no pagamento da quantia que viesse a ser liquidada em processo executivo, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a decisão recorrida não está fundamentada no que concerne à recusa de arbitramento de indemnização segundo prudente arbítrio do julgador, em violação do nº 1 do artigo 158º do Código de Processo Civil;
– a simples privação do uso de um veículo constitui uma perda temporária do seu uso e fruição, o que configura um dano passível de indemnização, independentemente da alegação ou demonstração dos prejuízos daí decorrentes;
- consequentemente, na ausência de atribuição de viatura de substituição, deve ser objecto de indemnização, ao abrigo do princípio da restituição por equivalente consagrado no artigo 566º do Código Civil;
– a mera privação do uso de um bem e, consequentemente, das vantagens que lhe estão associadas, constitui um dano susceptível de avaliação pecuniária, independentemente da sua quantificação, ao abrigo do disposto no artigo 566º do Código Civil;
- constituiu prática jurisprudencial corrente, em sede de igualdade, que o valor seja o do aluguer de um bem de características semelhantes, no caso concreto dos autos € 110 por dia;
- o acórdão da Relação, ao condenar a recorrida no pagamento das importâncias despendidas pela recorrente no aluguer de uma viatura viola por omissão o disposto no artigo 566º do Código Civil.

Em resposta, formulou a recorrida, em síntese útil, as seguintes alegações:
- a recorrente não alegou nem provou que a privação do uso do veículo lhe originou prejuízo efectivo de € 110 por dia;
- só está provado que ele esteve impossibilitado de utilizar o veículo em virtude de estar à espera da reparação, e não que desta lhe tenha advindo algum específico prejuízo, dano emergente ou privação de lucro ou ganho;
- os juízos de equidade não superam a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado do facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só funciona em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro;
- deve, por isso, negar-se provimento ao recurso.


II
É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica:
1. Representantes da ré e DD declararam por escrito consubstanciado na apólice nº .........., em data anterior a 24 de Março de 2004, a primeira assumir a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo automóvel com a matrícula nº........., mediante prémio a pagar pelo último.
2. O veículo automóvel com a matrícula nº ........... era equipado com báscula, que a autora utilizava diariamente para o transporte de areia, entulhos e tijolos necessários à sua actividade de construção civil.
3. No dia 24 de Março de 2004 ocorreu na Estrada Nacional nº 3, ao quilómetro 49,7, o embate entre a viatura pesada de mercadorias com a matrícula nº ..........., à autora pertencente, que circulava na sua hemi-faixa de rodagem no sentido norte-sul, e a viatura ligeira de mercadorias com a matrícula nº .........., que na frente daquela embateu.
4. Na sequência do embate mencionado sob 3, a viatura com a matrícula nº ............. sofreu estragos cuja reparação foi orçamentada em € 10.208,89.
5. No dia 28 de Abril de 2004, o mandatário da autora endereçou à ré a carta junta como documento nº 3, acompanhada de orçamento, computando a reparação do veículo em € 8 578,89, acrescidos de imposto sobre o valor acrescentado, totalizando € 10 208,8791.
6. A ré, por carta datada de 12 de Abril de 2004, colocou à disposição da autora o valor de € 5 500, continuando o salvado a ser da última, e referiu-lhe que o seu veículo tinha sido considerado perda total.
7. O valor venal do veículo com a matrícula com o nº ............, de acordo com as tabelas eurotax, sem considerar a existência da báscula, era de € 9 000, e o valor dos salvados obtido em leilão da internet foi de € 3 500 sem considerar a existência da báscula.
8. O preço de aluguer de uma viatura semelhante à da autora é de € 110 diários, e aquela pagou, pela reparação da última € 10 001,43, e a viatura foi-lhe entregue, depois de reparada, em 26 de Agosto de 2004.

III
A questão decidenda é a de saber se a recorrente tem ou não direito, no confronto da recorrida, a indemnização por virtude da mera privação do uso do veículo automóvel em causa, calculada por referência ao preço do aluguer de uma viatura idêntica.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- regime processual aplicável ao recurso;
- delimitação negativa do objecto do recurso;
- está ou não o acórdão recorrido negativamente afectado por falta de fundamentação?
- devia ou não a Relação quantificar monetariamente o dano de privação do uso da viatura?
- deve manter-se a decisão de liquidação para momento posterior do invocado dano?

Vejamos, de per se, cada uma das referida subquestões.

1.
Comecemos por uma breve referência ao regime processual aplicável no recurso.
Como a acção foi intentada no dia 17 de Maio de 2004, ao recurso não é aplicável o regime processual decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
É-lhe aplicável o regime processual anterior ao implementado pelo referido Decreto-Lei (artigos 11º, nº 1, e 12º, nº 1).

2.
Continuemos com uma sucinta referência ao objecto do recurso em causa.
O objecto do recurso é delimitado pelo conteúdo das conclusões de alegação do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Na sentença proferida no tribunal da primeira instância foi a recorrida condenada a pagar à recorrente, a título de privação do uso da viatura automóvel em causa a quantia de € 5 720 desde o dia do sinistro até 14 de Maio de 2004, inclusive e o que se liquidasse em decisão ulterior à razão diária de € 110 desde aquela data até à reparação e entrega daquela viatura à autora, e juros.
No acórdão recorrido considerou-se, ao invés do que foi decidido na sentença proferida no tribunal da 1ª instância, que nenhuma parte do referido dano se achava quantificado, que apenas se sabia que o aluguer de uma viatura idêntica custava € 110, acrescentando que a afirmação genérica de que a recorrente utilizava a viatura diariamente não permitia saber com a indispensável segurança se ela alugou efectivamente a viatura desde 24 de Março de 2004, data do sinistro, até à data em que a mesma lhe foi entregue no dia 26 de Agosto de 2004, depois de reparada.
E concluiu dever ser relegada para execução a liquidação do montante exacto daquilo que a recorrente despendeu no aluguer de uma viatura idêntica até € 110 diários desde o dia do acidente até 26 de Agosto de 2004, inclusive.
Foi isso, neste ponto, em relação ao invocado dano pela privação do uso da viatura durante cento e cinquenta e seis dias, que a Relação remeteu para liquidação posterior, com o limite de € 110 diários, o que implicou a revogação parcial da sentença proferida no tribunal da primeira instância.
É deste segmento que a recorrente discorda e impugna o acórdão da Relação, entendendo que provada a privação do uso da viatura nos termos em que o foram e que o aluguer de uma viatura idêntica custava € 110 diários, tanto bastava para que a Relação fixasse a indemnização a esse título com base no referido custo do aluguer de viatura idêntica.
O objecto do recurso, tendo em conta o mencionado conteúdo das conclusões de alegação da recorrente, interpretadas no contexto das próprias alegações é, pois, a questão de saber se deve manter-se a decisão de condenação no que a esse título se liquidar posteriormente ou se deve fixar-se a indemnização por referência ao período de paralisação da viatura entre 24 de Março e 28 de Agosto de 2004 à razão de € 110.
Se porventura se chegar no recurso à conclusão de que os factos provados não revelam o dano sofrido pela recorrente por virtude da paralisação da viatura em causa, como do acórdão não interpôs a recorrida recurso, impõe-se a manutenção, nesta parte, do conteúdo do acórdão recorrido (artigo 684º, nº 4, do Código de Processo Civil).

3.
Prossigamos agora com a questão de saber se o acórdão recorrido está ou não negativamente afectado por falta de fundamentação.
A recorrente alegou não estar o acórdão recorrido fundamentado no que concerne à recusa de arbitramento de indemnização segundo prudente arbítrio do julgador e que, por isso, violara o disposto no nº 1 do artigo 158º do Código de Processo Civil.
Afirmar que o acórdão não está fundamentado na parte referida é praticamente o mesmo que afirmar estar o mesmo afectado da nulidade a que se reportam os artigos 668º, nº 1, alínea b), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Resulta dos mencionados normativos ser o acórdão da Relação nulo quando careça de fundamentação de facto e ou de direito.
A Constituição estabelece que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas nos termos da lei ordinária (artigos 205º, nº 1).
Por seu turno, a lei ordinária prescreve que as decisões relativas a qualquer pedido controvertido ou a alguma dúvida suscitada no processo devem ser fundamentadas, e que para tal não basta a simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (artigo 158º do Código de Processo Civil).
Assim, deve o acórdão representar a vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à Relação, pelo que, sem fundamentação de facto e ou de direito não se consegue esse escopo nem se permite às partes por ele afectadas o conhecimento do seu acerto ou desacerto, designadamente para efeito de interposição de recurso.
Julgada procedente a nulidade decorrente de omissão de fundamentação, se for caso disso, impõe-se a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão (artigo 731º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Mas uma coisa é a falta absoluta de fundamentação e outra a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, e só a primeira constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
Ora, conforme se expressou sob 2, a Relação revogou parte do segmento condenatório da sentença e remeteu a liquidação de todo o eventual dano por privação do uso da viatura para momento posterior.
Motivou essa decisão na circunstância de não estar liquidado o dano, por este corresponder às despesas efectivamente realizadas pela recorrente em virtude da privação do uso da viatura, pelo que não havia fundamento para julgar segundo a equidade nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil.
Assim, a Relação motivou suficientemente o mencionado segmento decisório, pelo que não incorreu na violação do disposto no nº 1 do artigo 158º, nem implicou a afectação do acórdão da nulidade a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 668º, ambos do Código de Processo Civil.

4.
Vejamos agora se a Relação devia ou não quantificar monetariamente o dano de privação do uso da viatura.
A este propósito ficou assente, por um lado, estar o veículo automóvel com a matrícula nº .............equipado com uma báscula, e que a autora o utilizava diariamente no transporte de areia, entulhos e tijolos necessários à sua actividade de construção civil.
E, por outro, ter a colisão dos veículos ocorrido no dia 24 de Março de 2004, e a recorrente recebido a viatura com a matrícula nº ................, reparada, no dia 26 de Agosto de 2004, e que o preço do aluguer diário de uma viatura semelhante era de € 110.
Alguma doutrina tem interpretado as normas jurídicas pertinentes no sentido pretendido pela recorrente, e alguma jurisprudência tem-na acompanhado. Mas importa atentar no que resulta da lei.
Visa o instituto da responsabilidade civil, para o caso de afectação de bens materiais, a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento causador do prejuízo, ou seja, indemnizar os prejuízos sofridos por uma pessoa (artigo 562º do Código Civil).
É certo, em regra, por um lado, gozar o proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305º do Código Civil).
E, por outro, dever o agente que, ilícita e culposamente violar aquele direito, indemnizar o referido proprietário dos danos que lhe causar (artigos 483º e 499º a 510º do Código Civil).
Todavia, a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da existência de danos e pressupõe a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu (artigos 563º do Código Civil).
Também é certo dever o tribunal julgar equitativamente, dentro dos limites que tiver por provado se não puder averiguar o valor exacto dos danos (artigo 566º, nº 3, do Código Civil).
Isso significa que os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro.
Ademais, prescreve a lei que, em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).
Assim, face ao referido normativo, a indemnização pecuniária deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial efectiva do lesado aquando da decisão da matéria de facto e a sua situação provável nessa altura se a causa do dano não tivesse ocorrido.
A referida regra de cálculo da indemnização em dinheiro, inspirada pelo princípio da diferença patrimonial, não dispensa, como é natural, o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial da pessoa afectada.
Assim, face ao nosso ordenamento jurídico, a mera privação do uso de um veículo automóvel, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.
No caso vertente, a mera circunstância de a recorrente se dedicar à construção civil e de utilizar diariamente a referida viatura nessa actividade não revela o prejuízo específico que é pressuposto da indemnização pela primeira pretendido.
Pelos aludidos motivos, não podia a Relação, cumprindo o disposto na lei, quantificar monetariamente o dano de privação do uso da viatura em causa.

5.
Atentemos, ora, sobre se deve ou não manter-se a decisão de liquidação do dano em momento posterior.
Face ao que se referiu sob 4 - e não obstante - é imperativo que se mantenha a decisão de relegação para momento posterior da liquidação do invocado dano por privação do uso da viatura.
Assim é porque a recorrida não interpôs eficazmente recurso do acórdão da Relação, e este Tribunal não pode proferir uma decisão que envolva a sua absolvição do pedido, porque se assim procedesse infringiria o disposto no artigo 684º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Todavia, a liquidação não é em processo executivo, ao invés do que se refere no acórdão da Relação, mas em incidente nesta acção a que se reporta o artigo 378º, nº 2, do Código de Processo Civil.

6.
Finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
É aplicável ao recurso o regime processual anterior ao decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
O objecto do recurso é a questão de saber se devia quantificar-se no recurso de apelação o dano decorrente da privação do uso da viatura, ou se deveria relegar-se a sua liquidação para o incidente legalmente previsto para o efeito.
O acórdão recorrido não está afectado de vício de falta de fundamentação e, consequentemente, de nulidade.
Os factos provados não permitiam que a Relação quantificasse monetariamente o dano de privação do uso da viatura invocado pela recorrente.
Deve manter-se a decisão de liquidação para momento posterior no incidente legalmente previsto para o efeito.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 30 de Outubro de 2008

Salvador da Costa (Relator)

Ferreira de Sousa
Armindo Luis
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta)
Lázaro Faria (vencido, subscrevendo o voto-declaração supra)

Declaração de voto

  


Votei no sentido de a ré ser condenada a) condena-se a ré a pagar à autora a indemnização de € 110 por cada dia útil decorrido entre 24 de Março, inclusive, e 26 de Agosto de 2004, inclusive, acrescida de juros legais a contar da citação, pelas seguintes razões:

 

1. A questão de saber se a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito é, como se sabe, controversa.

Não é, no entanto, indispensável resolvê-la para julgar este recurso.

Com efeito, está provado que o veículo acidentado era utilizado no exercício da actividade económica diariamente desenvolvida pela autora, que é uma sociedade que se dedica à construção civil, e que a impossibilidade de utilização se manteve entre 24 de Março e 26 de Agosto de 2004.

A dificuldade reside, apenas, em calcular o montante do dano sofrido.

2. O acórdão recorrido remeteu para liquidação o montante da indemnização a fixar para se apurar o “montante exacto que despendeu a autora no aluguer de uma viatura idêntica, até ao valor diário de 110,00 euros”. Note-se, todavia, que nem sequer está alegado que a autora tenha alugado uma viatura de substituição.

Ora tal aluguer não é condição de pagamento da indemnização. Parece claro que é possível que o lesado num acidente, do qual resultou ter ficado privado da utilização do seu veículo, não tenha alugado nenhuma viatura de substituição, suportando o correspondente pagamento e, todavia, tenha sofrido diversos prejuízos (deixou de desenvolver parte da actividade a que se dedicava, procedeu a uso mais intensivo de outros veículos de que dispunha, atrasou-se no cumprimento de obrigações que assumira ou deixou de assumir outras, etc.).

Nestas circunstâncias, seria a meu ver possível, nos termos do disposto no já citado nº 2 do artigo 566º do Código Civil, fixar a indemnização segundo critérios de equidade. Neste mesmo sentido e para situações semelhantes se pronunciaram, por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 17 de Abril de 2007, revista nº 2122/06, de 15 de Janeiro de 2008, revista nº 4436/07 ou de 14 de Abril de 2008, revista nº 273/08.

Essa fixação, note-se, haveria de assentar em dados de facto que estejam demonstrados, por forma a ser possível fixar e justificar o valor a que se chegou.

No caso concreto, está provado que a autora utilizava diariamente o veículo acidentado para o transporte de areia, entulhos e tijolos necessários à sua actividade de construção civil; que esteve impedida de o fazer entre 24 de Março e 26 de Agosto de 2004; e que o preço para aluguer de uma viatura semelhante é de 110,00 euros por dia.

Assim sendo, parecer-me-ia adequado recorrer a este preço para calcular a indemnização a pagar. Vistas as coisas, a disponibilidade de uma viatura equivalente é (seria) a via ressarcitória mais aproximada da reconstituição natural, objectivo primeiro da indemnização (artigo 566º, nº 1, do Código Civil).

Para além disso, não resulta dos factos provados se o embate na viatura da autora ficou a dever-se a mera culpa do causador do acidente. Não seria, assim, possível ponderar uma redução da indemnização tomando em conta os factores previstos no artigo 494º do Código Civil.

Nem se poderia tirar qualquer efeito da circunstância de a reparação do veículo, realizada por iniciativa da autora, só ter sido concluída 5 meses após o acidente e 4 depois de apresentado o orçamento, a fim de se poder ponderar se a autora contribuiu para o aumento dos prejuízos, cuja reparação pede nesta acção.

Na verdade, se, por um lado, não ficou provado que a autora não dispusesse dos meios necessários para custear a reparação, por outro ficou também demonstrado que a ré se recusou a suportá-la, comunicando à autora que o veículo tinha sido considerado perdido. Neste contexto, não dispõe este Supremo Tribunal de elementos que permitissem concluir ter sido a autora pouco diligente.

Seria, no entanto, adequado considerar somente os dias úteis para calcular a indemnização, já que é razoável considerar que apenas nesses dias a autora teria usado o veículo na sua actividade.

 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Subscrevo o presente voto de vencido
Lázaro Faria