Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/03.5TBSPS-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: AÇÃO DE ALIMENTOS DEVIDOS A FILHOS
COMINAÇÃO
TRAMITAÇÃO DAS AÇÕES
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO FAM. E MENORES DE VISEU – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 567º, Nº1, E 936º, Nº 3 DO NCPC; 1880º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Nas ações de alimentos não se aplica a cominação estabelecida no referido artº 567º, n.º 1 do nCPC.

II - O artº 936º, nº 3 do NCPC diz o seguinte quanto à cessação de alimentos definitivos judicialmente fixados: “Tratando-se de alimentos definitivos, são os interessados convocados para uma conferência, que se realiza dentro de 10 dias; se chegarem a acordo, é este logo homologado por sentença; no caso contrário, deve o pedido ser contestado no prazo de 10 dias, seguindo-se à contestação os termos do processo comum declarativo.”.

III – O preceituado no artº 936º do NCPC não se adequa à cessação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil.

IV - Assim, por um lado, o procedimento destinado a realizar o direito de alimentos dos filhos que atinjam a maioridade e careçam de alimentos lato sensu para completarem a sua formação profissional segue, sob adaptação, tenha ou não havido sentença a fixar alimentos em razão da sua maioridade, o regime processual relativo aos menores. E, por outro, tendo havido decisão sobre alimentos a menores, a sua maioridade não impede que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos, corram por apenso.

Decisão Texto Integral:

 

 

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra [1]:

I - A) - 1) - Nos autos nº16/03.TBSPS, instaurados pelo Ministério Público e a correrem então termos no Tribunal Judicial de São Pedro do Sul, para regulação do exercício do poder paternal de  C..., nascido a 25/12/1997, filho de V... e de F..., foi, em 08/01/2004, proferida a sentença que procedeu à referida regulação, ficando mediante isso o progenitor do C..., entre o mais, obrigado a pagar a esse seu filho a quantia mensal de €50,00 (cinquenta euros), a título de prestação alimentícia, quantia que seria anualmente actualizada de acordo com a taxa de aumento do salário mínimo nacional para o  respectivo  ano.

2)        - Por apenso a esses autos, mas já no Juízo de Família e Menores de Viseu, em 25/01/2017, veio o referido V... [2] suscitar incidente de cessação da prestação da prestação alimentícia, invocando para tal a maioridade do seu filho e o disposto na 2 ª parte do nº 2 do artº 1905º do Código Civil (CC).

3)        - Por despacho de 31/01/2017 foi designado dia para a conferência a que alude o artº 936, nº 3, do (novo) Código de Processo Civil [3].

4)        - Requerente e Requerido foram convocados para comparecer, tendo o Requerido junto aos autos procuração passada a Ilustre Advogado e atravessado requerimento onde refere que não poderia comparecer à conferência já que se encontrava a estudar fora de Portugal e a necessidade de frequência dos estudos, bem como os custos da deslocação, impediam essa comparência;

Juntou, ainda, documento redigido em língua estrangeira, desacompanhado da  respectiva tradução;

5)        - Tendo o Requerido estado representado na mesma pelo seu Ilustre Mandatário, na conferência que teve lugar em 22/2/2017 não foi sido possível obter o acordo das partes, a Mma. Juiz ditou para a acta o seguinte despacho: “Notifique o requerido para, em dez dias, contestar a presente ação.”.

6)        - No final dessa acta exarou, a Srª funcionária que a elaborou, o seguinte: “O despacho que antecede foi notificado a todos os presentes, que disseram ficar cientes.”.

7)        - Em 02/03/2017 o ilustre Mandatário do Requerido juntou aos autos um documento manuscrito, que referiu ser da autoria deste último, nele se podendo ler, entre o mais:

«[…] C... venho comunicar que estou a estudar, não tenho dinheiro nem     rendimentos, o meu     padrasto     estádesempregado e a minha mãe não tem dinheiro para pagar o tribunal. […]»;

E no requerimento onde peticionou essa junção, escreveu o Ilustre Advogado do Requerido, entre o mais: «C... vem, por intermédio do signatário, juntar declaração aos autos, cujo teor dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

Atento o seu teor deverão os autos ser decididos conforme  for  de direito, fazendo-se a justiça possível a um filho que durante toda a sua vida nunca recebeu um euro do pai e que se vê confrontado com a presente ação, em que, em vez de ter expectativas de receber  algo, ainda teria que adiantar dinheiro para se defender, sem possibilidade de o fazer nem de solicitar apoio dado residir no estrangeiro, enquanto que o pai, que nunca pagou alimentos, tem acesso a apoio judiciário a todos os níveis. […]».

8)        – Na sequência de convite que lhe endereçou o Tribunal “a quo”, o Requerido, em 5/4/2017, juntou aos autos tradução do documento escrito que anteriormente oferecera, certificando que no ano lectivo 2016-2017 se encontrava inscrito e a frequentar um estabelecimento de ensino em França;

9)        – a) - Teve lugar uma audiência prévia, no âmbito da qual o Ilustre Patrono do Requerente, tendo pedido a palavra, defendeu, em síntese, que afigurando-se-lhe não ter existido contestação por parte do Requerido C..., essa circunstância deveria conduzir o Tribunal a julgar, no imediato, o presente incidente de cessação de alimentos como procedente por  provado.

b)        - O Ilustre Advogado do Requerido, por sua vez, no uso da palavra, retorquiu, o seguinte:

“O requerido mantem a sua posição de exigir o pagamento dos alimentos, dado  ter  a necessidade dos  mesmos  por  se  encontrar a estudar e não ter, nem poder ter qualquer ocupação remunerada para além dos estudos e, como já aliás fez saber nos autos, entende que os factos alegados não podem dar lugar à precedência da ação nem existir efeito cominatório, atento o facto de os alimentos serem irrenunciáveis para além de que o requerido deu igualmente conhecimento nos autos da sua situação escolar a qual contraria a           posição do requerente.”;

c)         - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, quanto à questão suscitada pelo Ilustre Patrono do Requerente, ditou para a acta o seguinte despacho:

«[…] Salvo o devido respeito por opinião em contrário, considera-se que atenta a natureza da obrigação em causa, obrigação de alimentos a filho, e o disposto no art.º 1905.º do CC e o disposto no art.º 989.º do CPC, uma vez que o direito a alimentos é irrenunciável, tal como decorre do art.º 2008.º CC, não recaí sobre o requerido, nestes autos de cessação de alimentos, o ónus de impugnação especificada dos factos alegados na pi, sendo que com o requerimento apresentado em 2-3- 2017, o requerido pugnou pela improcedência da ação, juntando declaração da qual resulta a manutenção dos pressupostos que alude o citado n.º 2 do art.º 1905.º do CC e juntou comprovativo de que se mantem em curso o seu processo de educação. Assim, consideramos que não se verifica aqui qualquer efeito cominatório, desde logo em face da oposição apresentada pelo requerido, à  pretensão  do requerente, bem como à natureza do tipo em causa, razão pela qual consideramos não existir razão ao requerente, devendo os autos prosseguir com vista à apreciação da cessação dos pressupostos a que alude o citado art.º 1905.º do CC, nos termos alegados no requerimento inicial, designadamente aferir se o processo educativo do requerido se mostra concluído e se é irrazoável a exigência da manutenção da  prestação de alimentos.

Improcede, assim, o requerido. […]»;

d)        - Nessa mesma audiência foi proferido despacho saneador, elencados os temas de prova e fixado o valor da causa em €30.000,01.

10)      - Realizada a audiência final –... -, veio, em 22/05/2018, a ser proferida sentença pelo Juízo de Família e Menores de Viseu (Juiz 2), que julgando a acção improcedente, absolveu o Requerido do pedido.

B) - Inconformado, com a sentença e com a referida decisão interlocutória proferida em sede da audiência prévia de 31/05/2017, veio o Requerente interpor recurso, tendo, a finalizar a respectiva alegação, oferecido as seguintes “conclusões”:

(...)

Terminou        requerendo     que,     na        procedência    do        recurso,           se determinasse a cessação da pensão de alimentos a favor do Recorrido.

II         - As questões:

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes” [4] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

Assim, as questões a solucionar resumem-se a saber:

-          Se é de considerar como provados, por falta de contestação, ou por falta de impugnação, os factos alegados pelo ora Apelante no requerimento em que deu início ao incidente de cessação da prestação de alimentos;

-          Se em face da factualidade a atender é de julgar procedente a acção.

III        A) - Na sentença, no que respeita à decisão da matéria de facto, consignou-se: «[…] 5. Com relevo para o objeto dos autos e decisão da causa, o tribunal julga provada a seguinte  factualidade:

...

B) - O Apelante, na sua alegação de recurso e também em sede de audiência prévia, por mais de uma vez, embora transcreva o artº 567º ,,       n.º 1 do NCPC, atribui à   circunstância de, no seu entender, o Requerido não ter oferecido contestação, a  consequência de ser julgada procedente a sua pretensão, ou a “acção” (cfr., v.g., conclusão 8ª).

Ora, ainda que aplicável fosse a cominação prevista no citado artº 567º, n.º 1, seria apenas a de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor, podendo, ou não, consoante estes e o direito aplicável, a acção proceder ou improceder.

Como se sabe, antes da reforma do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e pelo DL nº 180/96, de 25/09, no processo sumário, salvaguardadas as excepções previstas, a falta de contestação tinha efeito cominatório pleno, ou seja, implicava - sem necessidade de indagação sobre a existência do direito invocado pelo Autor - a condenação do Réu no pedido (artº 784º, nº 2).

Dizia-se, pois, que a falta de contestação traduzia a confissão dos factos e a admissão do direito (Cons. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol III, 1972, pág.  447).

Tal efeito cominatório pleno, da falta de contestação em processo sumário (idem, no que concerne ao processo sumaríssimo - artº 795º, nº 1), foi eliminado pela reforma 95/96, passando a ter como consequência, essa omissão do Réu, que se considerem como confessados os factos articulados pelo Autor.

Já no processo ordinário, anteriormente à aludida reforma, a falta de contestação   tinha    como   consequência  - sem   que   nas   excepções previstas se abarcasse a hipótese de os factos em causa só serem passíveis  de        prova   por documento           escrito [5]       -            considerarem-se confessados os factos articulados pelo Autor (artº 484º, nº 1, do CPC). E o actual artº 567º, n.º 1 do NCPC corresponde ao citado artº 484º,   nº 1, do CPC, na redacção que a este foi dada pela revisão introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12.

Mas será que no caso se aplica a cominação estabelecida no referido artº 567º, n.º 1?

Entendemos que não, mesmo que se aplicável,  como  aplicou  o Tribunal “a quo”, o disposto no artº 936º do   NCPC.

Diz este artigo, no seu nº 3, aplicável, “ex vi” do nº 4, à cessação de alimentos definitivos judicialmente  fixados:  “Tratando-se  de alimentos definitivos, são os interessados convocados para uma conferência, que se realiza dentro de 10 dias; se chegarem a acordo, é este logo homologado por sentença; no caso contrário, deve o pedido ser contestado no prazo de 10 dias, seguindo-se à contestação os termos do processo comum  declarativo.”.

Repare-se que o preceito só manda aplicar os termos do processo comum declarativo a seguir à contestação, correspondendo, com algumas alterações, ao nº 3 do artº 1121º na redacção da referida revisão de 1995 e, ao contrário do estabelecido neste mesmo número, antes dessa revisão, não se consigna nele qualquer cominação para a falta de contestação, recordando-se que na versão originária do     Código Civil de 1961, o nº 3 do artº 1121º, prevendo que à contestação se seguissem “...os termos do processo sumário...”, estabelecia que não chegando os interessados a acordo na conferência convocada para tentar alcançá-lo, o pedido devia ser contestado dentro de cinco dias “... sob pena  de  se  considerar confessado...”.

De todo o modo, como se alcança do exposto no relatório “supra”, o Requerido foi notificado, finda a audiência prévia, na pessoa do seu Ilustre Advogado, nos termos determinados aí pela Mma. Juiz; ou seja, simplesmente “... para, em dez dias, contestar a presente ação”, sem qualquer advertência quanto à cominação que resultaria da falta de contestação, nomeadamente, de que essa falta implicaria que se considerassem confessados os factos articulados pelo   Requerente.

Assim, independentemente de se entender que o Requerido contestou, ou não, a acção, ou que a não contestou validamente, o que temos por seguro é que, sem essa advertência quanto às consequências da falta de contestação nunca se poderia aplicar a referida cominação, pelo que jamais seriam de entender como confessados os factos  articulados pelo Autor.

Não olvidamos, pois, o entendimento do STJ, espelhado no sumário do Acórdão de 22/04/1999 [6], onde se refere, se bem que a propósito de normas da lei processual civil pretérita correspondentes: “Quando o  réu não é citado com a cominação de a falta de contestação importar a confissão dos factos alegados pelo autor, não se podem considerar confessados os factos articulados pelo autor apesar de o réu não ter contestado.

Em tal hipótese, ou se anula a citação ou não se  consideram confessados  os factos.”.

E por isso, independentemente do mérito e do respeito que nos merece o entendimento do Acórdão da Relação do Porto de 18/2/2014 (Apelação nº 254/13.2TBVFR.P1) [7], citado pelo Apelante,  a  situação que aqui se nos apresenta tem contornos que impõem uma solução diversa àquela que nesse Acórdão foi dada e que, lembre-se, ainda versava uma acção declarativa, com processo ordinário, com aplicação do regime anterior ao NCPC, e não propriamente a de um incidente de cessação de alimentos com o regime processual definido no actual artº 936º, nº 3, ou em norma equivalente do CPC pretérito.

Ora, entendendo-se que mesmo a existir falta de contestação não se pode aplicar a cominação da confissão dos factos articulados pelo Requerente, parece destituído de sentido entender-se tais factos como admitidos por acordo... por falta de impugnação, numa contestação que, putativamente, é     inexistente.

Mas, vendo-se que o Requerido veio assumir  nos  autos,  se  bem  que sem o formalismo de um articulado,  uma  posição  que,  na  sua essência, contraria a do Requerente, afirmando, designadamente, que não obstante a sua maioridade se encontra em processo de educação e de formação profissional e em situação de debilidade económica, aceitamos melhor essa tomada de posição como a de uma contestação.

- se bem que tecnicamente imperfeita [8] - à pretensão do Requerente, do que um silêncio imanente a uma confissão presumida dos factos alegados por este.

Por isso, não divergimos da Mma. Juiz do Tribunal “a quo” quando, no despacho proferido na audiência prévia, refere: “...com o requerimento apresentado em 2-3-2017, o requerido pugnou pela improcedência da ação, juntando declaração da qual resulta a manutenção dos pressupostos que alude o citado n.º 2 do art.º 1905.º do CC e juntou comprovativo de que se mantem em curso o  seu  processo  de educação.”. “Obiter dictum”, acrescentar-se-á a tudo o que acima se deixou exposto, que, em nosso entender e salvo o devido respeito, o   preceituado no artº 936º do NCPC não se adequa à cessação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a  que se refere o artigo 1880.º do Código Civil.

Vejamos.

A  LEI   DA  ORGANIZAÇÃO  DO   SISTEMA   JUDICIÁRIO   -  Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [9], sob a epígrafe “Competência relativa a menores e filhos maiores”, dispõe no artº 123º, nº 1, e), que compete igualmente aos juízos de família e menores “Fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, e preparar e julgar as execuções por alimentos”.

E consigna no nº 2, al.f) do mesmo artigo: “Conhecer de quaisquer outros incidentes nos processos referidos no número anterior.”.

 Por   sua   vez,   o   REGIME   GERAL   DO   PROCESSO   TUTELAR    CÍVEL,

aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, estabelece como uma das providências tutelares cíveis, para efeitos desse mesmo RGPTC, “a fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e a execução por alimentos” (artº 3º, alínea d)).

E artº 6º, d) desse RGPTC dispõe que “Compete às secções de família e menores da instância central do tribunal de comarca em matéria tutelar cível, fixar os alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por  alimentos.”.

Tendo sido usual entender-se -  embora que não uniformemente  -,    que a obrigação de alimentos a favor de menores não cessava automaticamente com a maioridade [10], o que, essencialmente, era alicerçado no que dispunham os artºs 1879º e 1880º do CC (na redacção dada pelo DL n.º 496/77, de 25/11), importa ter agora em conta o regime que veio introduzir a Lei nº 122/2015, de 01/09, em especial com a alterações que provocou nos artºs 1905º do CC e 989º do NCPC

Assim, por via dessa alteração, o artº 1905º passou a ter a seguinte redacção:

“1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.

2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”.

O citado artº 989.º, sob a epígrafe “Alimentos a filhos maiores ou emancipados”, preceitua, ao que ora interessa: ”1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.

3 – (...)

4 – [...].”.

Ora, nos artºs 45º e ss do RGPTC regula-se o procedimento para fixação dos alimentos devidos a criança, ou a alteração dos  anteriormente fixados, termos esses, como vimos, aplicáveis, com as necessárias adaptações, quando houver que providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil.

Assim, “mutatis mutandis”, perfilha-se, agora por reporte aos artºs 989.º do NCPC e 45º e ss. RGPTC, o entendimento do Acórdão da Relação do Porto de 19/11/2013 (Apelação nº 119-B/2001.P1), que - embora versando as normas correspondentes da pretérita legislação processual e das leis de organização judiciária então vigentes – considerou:

«[…] não só o nº 1 do art. 1412º do CPC determina que a fixação de alimentos devidos a filhos maiores ao abrigo do art. 1880º do CC - prolongamento da obrigação alimentar para completar a formação profissional – seguirá, a nível processual, o regime previsto para os menores – e o regime previsto para o incumprimento ou a alteração de alimentos consta dos arts. 181º e 182º da OTM –, como o nº 2 do art. 1412º, inculca precisamente a ideia de que, atingida a maioridade, a alteração ou a cessação de alimentos deverá ser decidida através de incidente a processar por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais.

Nesse sentido se pronuncia Lopes do Rego[5], em anotação ao nº 2 do art. 5º[6] do DL nº 272/2001, de 13 de Outubro (Competência do Ministério Público e dos Conservadores no âmbito da Jurisdição Voluntária)[7], referindo que o processo regulado no art. 1412º continuará a ser aplicável quando os pedidos de alimentos a maiores ou emancipados constituam incidente ou dependência de ação pendente, constituindo o pedido de alimentos ao filho maior incidente do precedente processo de fixação de alimentos a menor.

Tal opinião é partilhada por Maria Clara Sottomayor: “Tendo havido decisão de alimentos relativos a menores, sobrevinda a maioridade o pedido de alimentos, nos termos do art. 1880º, deve ser formulado com o incidente de alteração de alimentos, por apenso àqueles, dispondo o/a filho/a de legitimidade processual exclusiva[8]”.

Também o STJ, chamado a pronunciar-se sobre tal questão, perfilhou igual opinião: “Assim, por um lado, o procedimento destinado a realizar o direito de alimentos dos filhos que atinjam a maioridade e careçam de alimentos lato sensu para completarem a sua formação  profissional segue, sob adaptação, tenha ou não havido sentença a fixar alimentos em razão da sua maioridade, o regime processual relativo aos menores. E, por outro, tendo havido decisão sobre alimentos a menores, a sua maioridade não impede que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos, corram por apenso[9]”.[…]».

Também Diana Gomes Rodrigues Mano considera [11]: «[…] quando falamos da ação de alimentos a filhos maiores ou emancipados que não esteja compreendida na competência da Conservatória de Registo Civil, é aplicável o regime previsto nos art.º 45.º a 47.º do RGPTC, tendo em linha de conta o plasmado no n.º 1 do art.º 989.º do CPC.

Diz-nos o n.º 2 do artigo supra citado que «[t]endo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou cessação dos alimentos corram por apenso». Daqui podemos concluir que, fixando-se os 25 anos como idade limite para que sejam fixados alimentos, conclui-se que os incidentes de alteração ou cessação dos alimentos correm por apenso ao processo onde foram fixados […]».

Ora, revestindo os processos tutelares cíveis a natureza de jurisdição voluntária (cfr art. 12° do RGPTC), são, em regra, desprovidos de cominações e, se é certo que o nº 1 do artº 986 º do NCPC remete para o disposto nos artºs 292º a 295º do mesmo código, referindo-se no nº 3 do artº 293º, que “A falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere”, certo é, também, que, em geral, nos processos tutelares cíveis não se prevêem cominações por falta de contestação ou de alegação [12], previsão essa que, em particular, não está contemplada no procedimento a regulado nos artºs 45º e ss do RGPTC e, portanto, que não se deve ter como estabelecido para a falta de contestação em incidente para fazer cessar a prestação de alimento a filho maior que não haja atingido os 25 anos de idade, deduzido por apenso aos  autos de regulação do exercício das responsabilidade parentais onde tal prestação foi fixada durante a sua menoridade.

Assim, também nesta perspectiva não seria, entendendo que o Requerido não  contestara, de considerar confessados os factos articulados pelo  Requerente.

Dir-se-á, pois, que embora esta Relação não compartilhe o entendimento do Tribunal “a quo”, expresso no despacho proferido na audiência prévia e ora impugnado, quando alicerça a inaplicabilidade da cominação prevista no artº 567º, n.º 1, do NCPC, na circunstância de a matéria em causa versar direitos indisponíveis, a conclusão a retirar de tudo o que acima ficou explanado é a de que, por razões não coincidentes com as invocadas pela 1ª Instância, consideramos que, no caso, e ao invés daquilo o Requerente defendeu, não era, v.g., “ex vi” do referido artº 567º, n.º 1, de considerar como confessados os factos por ele articulados, antes se devendo proceder, conforme sucedeu, à produção de prova para apuramento dos factos relevantes à decisão da causa, tendo em vista a sua subsequente subsunção ao direito aplicável, sendo, assim, de aceitar, na íntegra, a decisão proferida quanto à matéria de facto constante da sentença ora impugnada.

Como se diz no Acórdão da Relação de Guimarães de 2/11/2017 (apelação nº 1676/16.2T8VCT.G1) «...em face do  disposto no art. 1905º, n.º 2, do C.  Civil, a  prestação  alimentícia  anteriormente fixada a favor do filho menor mantém-se, após a sua maioridade, até este atingir os 25 anos de idade, a menos que se prove que o processo de educação ou formação profissional daquele filho maior já se completou com sucesso ou foi livremente interrompido por ele ou, em qualquer caso, se o progenitor obrigado à prestação fizer  prova da falta de razoabilidade da sua exigência.”,  sendo,  assim,  de  concluir que “... o ónus de prova sobre qualquer uma das situações excecionais a determinar a cessação da obrigação alimentar caberá ao progenitor devedor, como facto impeditivo ou extintivo do apontado direito de manutenção  da  pensão  de  alimentos  fixada  na  menoridade (cfr. art. 342º, n.º 2, do C. Civil). […]».

Ora, da decisão proferida quanto  à  matéria  de  facto constante da sentença impugnada resulta que, estando o Requerido nas condições previstas pelas disposições conjugadas do artº 1880º e 1ª parte do nº 2 do artº 1905º, ambos do CC, o Requerente, seu pai, não logrou provar factos que integrem qualquer das situações previstas na 2ª parte deste artº 1905º, como era seu ónus, para ver cessada a prestação alimentícia que, na menoridade do Requerido, foi    judicialmente obrigado a prestar-lhe, o que nos leva a concluir ter sido acertadamente decidida, pelo Tribunal “a quo”, a improcedência da acção.

Assim, nada mais resta fazer senão julgar a Apelação improcedente, confirmando, pois, a  decisão impugnada.

IV - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes  deste  Tribunal  da Relação de Coimbra em, julgando a Apelação improcedente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de  que   beneficia.

Coimbra, 22/1/2019

(Luiz José Falcão de Magalhães)

(António Domingos Pires Robalo)

(Sílvia Maria Pereira Pires)



__________________________

1 No presente acórdão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Que litiga com o benefício do apoio judiciário.

3 Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, doravante designado com a sigla NCPC, para o distinguir daquele que o precedeu e que se passará a referir como CPC.

4 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.

5 Isso mesmo é salientado por Manuel de Andrade “in” Noções Elementares de Processo Civil – Coimbra Editora, 1979 – pág. 365, nota 1.

6 “In” BMJ nº 486 – 1999 – Pág. 317.
7 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase, tal como os restantes acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados.

8 Diz-se no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 8/3/2007 (Apelação nº 361/07-2): “(...) Para que exista contestação bastará que se aleguem fundamentos que consubstanciem uma defesa por impugnação ou/e por excepção, não sendo necessário que a peça processual venha intitulada de contestação ou com qualquer outra designação – interessa a substância e não tanto a forma.
II - Apresentando a parte um requerimento em momento subsequente à sua citação, onde, para mais, refere que nada tem a ver com a acção que foi intentada, é obrigação do juiz pronunciar-se sobre o mesmo, admitindo-o, mandando-o corrigir ou indeferindo-o.

O que não pode fazer é ignorá-lo pura e simplesmente e depois, em sede de sentença, entender que a parte não contestou a acção. (...)”.

9 Actualizada pelos seguintes diplomas: Retificação n.º 42/2013, de 24/10, Lei n.º 40- A/2016, de 22/12, Lei n.º 94/2017, de 23/08, e Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25/08.

10 Cfr. Acórdão desta Relação de Coimbra, de 05/03/2011 (Agravo nº 223/06.9TMCBR-D.C1), consultável, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase, tal como os restantes acórdãos desta Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados.

11 A Obrigação de Alimentos a Filhos Maiores e o Princípio da Razoabilidade”- Tese de Mestrado em Direito das Crianças, da Família e das Sucessões - Universidade do Minho – outubro de 2016, pág. 68.

12 Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 22/2/2006 (Agravo nº 2457/05-1), consultável, tal como os restantes acórdãos desse Tribunal da Relação, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados, em “http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase”, e Acórdão da Relação de Lisboa, de 14/12/2017 (Apelação nº 3773/13.7TBVFX-D.L1), consultável em “http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?codarea=58&nid=5340”.