Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00092/07.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IMPUGNAÇÃO; PRESCRIÇÃO; MAIS-VALIAS; IRS; CATEGORIA B; ATO DE COMÉRCIO.
Sumário:I - A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, razão pela qual em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, sendo esta questão do conhecimento oficioso.

II – Não se dispondo dos elementos necessários para aferir da prescrição da dívida decorrente da liquidação em causa e não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual de impugnação, o Tribunal pode dela legitimamente não conhecer.

III - Como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso).

IV - Os acréscimos patrimoniais que a lei considera como mais-valias tributáveis na categoria G correspondem, essencialmente, aos ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, independentemente de uma atividade produtiva do seu titular. Ora, a permuta de terrenos por frações autónomas, sendo esta realizada após as operações de loteamento, configura uma atividade comercial, pressupondo a realização intencional de todo um conjunto de atos transformadores tendentes a potenciar o valor dos terrenos em questão, com evidente finalidade lucrativa e, como tal, constitui rendimento inserível na categoria «B» do CIRS.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M. E OUTRO
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – M. e A. (Recorrentes), melhor identificados nos autos, vieram interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2002.

No presente recurso, os Recorrentes formulam as seguintes conclusões:
1- Da conjugação da prova documental com a prova testemunhal produzidas nos autos, contrariamente ao decidido na douta sentença de 1ª instância, deve ser dado como provado que:
a) a recorrente, sua mãe e irmão efectuaram um acordo societário com o fim de lotear o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 796, da qual eram comproprietários, e de proceder à venda os respectivos lotes de terreno para construção, tudo com intuitos lucrativos;
b) a recorrente, sua mãe e irmão abriram uma conta bancária conjunta para onde canalizavam todos os gastos e proveitos respeitantes à venda dos lotes de terreno para construção decorrentes do loteamento que abrangeu aqueles prédios;
c) a comercialização dos prédios abrangidos pela liquidação de IRS referente a 2002, objeto do presente Processo de Impugnação Judicial (Liquidação nº 2006 - 50043856994) foi declarada em sede de IRC através das respetivas declarações Mod. 22 de IRC, oportunamente entregues;
d) e que os prédios abrangidos pela liquidação de IRS objeto do presente Processo de Impugnação Judicial (Liquidação nº2006 - 50043856994 referente ao ano de 2002) se encontram registados na contabilidade da sociedade irregular NIPC 901 616 893, equiparada a pessoa coletiva, designadamente nos Balancetes respeitantes ao ano de 2002.
2- Considerando-se provada esta matéria de facto não pode o Tribunal deixar de considerar que a situação dos autos se encontra enquadrada dentro do regime de excepção constante do art. 5º, nº 1, do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRS. Contudo,
3- Entendeu a douta sentença recorrida que no caso dos autos, o rendimento obtido com a venda ou permuta de um terreno para a construção precedida de uma operação de loteamento se encontra sujeito a IRS no âmbito da Categoria B (nos termos do art 3º, nº 1, do (IRS e não em sede de Categoria G (Mais-Valias), não beneficiando assim do regime transitório previsto no art. 5º, do DL nº 442-B/88, de 30 de Novembro. Só que,
4- Ao sufragar este entendimento, a douta sentença recorrida, esvazia completamente de conteúdo o disposto na citada norma legal, que visa precisamente um regime de excepção à aplicação do regime das mais valias aos prédios que sendo rústicos antes da entrada cm vigor do CIRS, mantinham essa categoria no momento da sua entrada em vigor. Na verdade,
5- Convém que se diga que, não se vê diferença na forma da passagem de um terreno rústico a urbano, seja através da sua declaração como tal pelo proprietário, seja através de uma operação de destaque ou de loteamento. E,
6- Em qualquer destas circunstâncias um prédio sendo rústico à data de 31 de Dezembro de 1988 e passando a ser urbano após esta data (data da entrada cm vigor do CIRS) sofre sempre de um ganho, de uma mais-valia, a qual poderá sempre vir a ser considerada como sendo, ou fazendo parte, de uma actividade comercial. Só que,
7- Não é esse o caso dos autos.
8- Nos termos da al, a), do 1º, do art. 10º, do Código do IRS, na redacção à data vigente, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. No entanto,
9- Atendendo ao regime transitório consagrado no art. 5º, nº 1 do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro, na sua redacção inicial, os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-Valias, criado pelo Código Aprovado pelo DL nº 46 373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
Ora,
10- O prédio em causa foi adquirido pela impugnante e por sua mãe e irmão, em regime de compropriedade, como rústico, através de inventário instaurado por óbito de A.. Pelo que,
11- Não subsistem quaisquer dúvidas quanto ao facto de o bem em causa ser um prédio rústico e ter sido adquirido em data muito anterior à da entrada em vigor do aludido Código de IRS.
12- E o prédio sempre manteve a qualidade de rústico, só tendo sido objecto de urbanização por forca do alvará de loteamento nº 9/99. Deste modo,
13- Não poderiam tais rendimentos ser sujeitos a IRS, por caírem dentro do regime de excepção proclamado no artº 5º, nº 1, do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro. Aliás,
14- Tal entendimento tem sido sufragado pela grande maioria da jurisprudência dos Tribunais Administrativos e Tributários Superiores.
15- Ver entre outros os seguintes Acórdãos:
Ac. de 13-02-2008, Relator Jorge Lino;
Ac. de 29-10-2008, Relator Miranda de Pacheco; e
Ac. de 04-11-2004, Relator Lúcio Barbosa, todos citados supra estas alegações e disponíveis em www.dgsi.pt.
16- No caso em apreço, não vem provado que o terreno em causa estivesse integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, pelo que a qualificação como terreno para construção, para-efeito como Imposto de Mais-Valias, só poderia advir de declaração como tal no «título aquisitivo». E,
17- Verificamos que no título aquisitivo o terreno é rústico, situação que se mantém até ao ano de 2002, data em que é transformado.
18- Este título aquisitivo era o título através do qual o transmitente do terreno, que era sujeito passivo de Imposto de Mais-Valias, o adquiriu e não o título através do qual o transmitiu, pois este, na mesma terminologia, teria, decerto, a designação de «titulo transmissivo» ou «título translativo».
19- No caso em apreço, não se demonstrou que no título aquisitivo do terreno em causa tivesse sido declarado que a aquisição do terreno tinha em vista a construção, pelo que os ganhos obtidos com transmissão do prédio cm causa não estavam sujeitos a Imposto de Mais-Valias.
20- É certo que há uma valorização dos terrenos agrícolas quando são transformados em terrenos para construção e afectados a actividade comercial ou industrial dos seus titulares, situação que passou a ser tributada em sede de IRS, na categoria de mais-valias. No entanto,
21- Essa situação não era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias e, ao passar a sê-lo em sede de IRS, também em relação a estas valorizações se limitou o âmbito de incidência aos casos em que «a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código, como se estabeleceu na nova redacção que naquele diploma foi dada ao art.º5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88.
22- Assim, para que a transmissão do lote de terreno referida nos autos fosse tributada em sede de IRS era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1.1.1989, o terreno em causa fosse qualificado como terreno para construção, pois só a valorização de terrenos com esta qualificação era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias, de resto,
23- Não tem a Administração Fiscal de deduzir, a seu bel-prazer, que uma operação de transformação de um prédio rústico em prédio urbano, seja ela da forma que for, deve ser tributada na Categoria B do IRS, para dessa forma fugir à aplicação da excepção prevista no citado art. 5º.
24- Ao efectuar-se uma interpretação da situação de facto, da forma que a Administração Fiscal efectuou, e o Tribunal de 1a instância sufragou, embora com outra fundamentação, estava aberto o caminho para em situações idênticas se fugir à aplicação do regime de excepção que a lei quis sufragar, o que é de todo em todo inaceitável por parte do Estado, que se presume pessoa de bem.
25- Seria o mesmo que, como popularmente se diz, estar a dar com uma mão e a tirar com a outra.
26- Esta questão entronca com a questão seguinte, ou seja, a de que em vez de tributar a situação concreta dos autos na Categoria B, como fez, deveria antes tributar em sede de IRC. Com efeito,
27- A Administração Fiscal sustenta a sua tese de aplicação ao presente caso da tributação do rendimento em sede de IRS, Categoria B, no facto da operação de loteamento de um terreno se tratar de uma actividade comercial.
28- E não restam dúvidas que, a ser assim, também se poder concluir que tal actividade comercial foi desenvolvida no âmbito de acordo societário.
29- Tal facto foi confirmado por todas as testemunhas ouvidas em sede de julgamento, testemunhas essas que estiveram também envolvidas na dita operação (nomeadamente L. e J.). Por isso,
30- Mesmo que se não entenda que a situação dos autos se enquadra no regime de excepção supra referido, sempre tais rendimentos não poderiam ser tributados em sede de IRS, mas antes em sede de IRC. NA verdade,
31- Os rendimentos em causa, a serem entendidos como rendimentos resultantes de actividade comercial e, como tal, devem estar sujeitos a tributação em sede de IRC. Com efeito,
32- O prédio em causa estava em regime de compropriedade, sendo ½ pertencente à recorrente, ¼ pertencente a L. e ¼ pertencente a M., os quais efectuaram um acordo societário com o fim de lotear o prédio rústico de que eram comproprietários e de comercializar os respectivos lotes. Na verdade,
33- Estes comproprietários, juntamente com um proprietário de um prédio confinante, J., resolveram submeter a uma operação de loteamento, em conjunto, os prédios de que eram proprietários, com vista a obter a melhor optimização de custos e o devido lucro com a comercialização dos lotes dali resultantes.
34- No caso aqui em análise as pessoas acima referidas obrigaram-se com bens para o exercício em comum da actividade comercial de transformação fundiária e posterior venda de lotes de terreno para construção, com o objectivo de repartirem os lucros que resultassem dessa actividade. Para o efeito,
35- Contribuíram com os prédios que pertenciam a cada um para o interesse comum e submeteram-nos à operação de loteamento que acima se referiu. Além disso,
36- Abriram uma conta bancária conjunta para onde canalizaram todos os gastos e proventos respeitantes à actividade, funcionando efectivamente como urna sociedade irregular.
37- A dita sociedade irregular efectuou a Declaração de início de actividade, tendo sido declarado o seu início em 23 de Março de 2000.
38- A comercialização dos prédios objecto da presente tributação foi declarada em sede de IRC, através das respectivas declarações Mod. 22 de IRC, oportunamente entregues nos serviços competentes. Por isso,
39- Se verifica no caso concreto inexistência de facto tributário em sede de IRS, na esfera jurídica da pessoa singular, dado que o mesmo facto tributário foi declarado correctamente, tal como manda o entendimento fiscal, em sede de IRC, como pessoa colectiva, estando já liquidado o respectivo imposto devido, conforme consta dos autos.
40- Tem sido aliás este o entendimento da administração fiscal que tem sancionado que os rendimentos resultantes da alienação de lotes de terreno para construção, após prévia urbanização e loteamento, revestem natureza comercial e representam o exercício de exploração de loteamento e prestação de serviços conexos. Contudo,
41- Porque tal actividade, neste caso concreto, é exercida em conjunto pelos comproprietários devem os respectivos rendimentos considerar-se como lucros imputáveis a entidade equiparada a pessoa colectiva e, como tal, deverão ser tributados em sede de IRC, nos termos do disposto na al. b), do nº 1, do artº 2º do CIRC.
42- Por fim, verifica-se que o acto tributário não foi devidamente fundamentado, uma vez que não refere como é que a administração fiscal chegou ao valor pelo qual tributou a recorrente.
43- Trata-se de um elemento fundamental para que o sujeito passivo possa ter conhecimento de todos os dados e assim o acto administrativo possa ser sindicado.
44- De qualquer modo, sempre qualquer acto tributário e respectivo imposto que seja derivado dos factos em causa nos autos, já se encontram prescritos pelo decurso dos respetivos prazos.
45- A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artºs 5º, nº 1 do D.L. 442-A/88, de 30.11, 3º, nº 1 e 10º, nº 1, al. a) do CIRS, 2º, nº 1, al. b) do CIRC„ 124º do CPA e 77º da LGT.

Terminam os Recorrentes pedindo que seja revogada a sentença recorrida.
A Recorrida, apesar de regularmente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
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O distinto Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 356 dos autos – paginação do SITAF).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

A) O prédio inscrito na competente matriz predial sob o artigo rústico R-796 adveio à propriedade da aqui Impugnante mulher, na proporção de 1/4, de M. (na proporção de 1/2) e L. (na proporção de 1/4), em partilha efetuada no âmbito de processo de inventário judicial, que correu termos no Tribunal da Comarca da (...) (Proc. nº 25/64), por óbito de A., ocorrido 22/09/1961 e de F., ocorrido em 23/05/1964, nos termos do respetivo mapa de partilha final que veio a ser homologado por sentença de 15/02/1967
[cfr. documentos de fls. 10 a 49 dos autos].
B) Em 7 de Julho de 1999 foi emitido o Alvará de loteamento n.º 9/99, no âmbito do processo de licenciamento n.º 209/96, em nome de «A. e J.» (proprietário dos outros prédios abrangidos pelo loteamento – artigos 797 e 386) através do qual foi licenciada a operação de loteamento dos prédios rústicos e misto, sitos no lugar das fontainhas, freguesia de Balasar, do concelho de (...), inscritos na matriz predial rústica sob os art.º (...) e na matriz predial urbana sob o art.º (…)
[cfr. alvará de fls. 29 e 30 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
C) Em 6 de Setembro de 1999 foi apresentada declaração Modelo 129 com vista à inscrição na matriz de “parcela de terreno destinado a construção urbana” em nome de «A.» na proporção de 1/2, e de «M.» e «L.» na proporção de 1/4 cada, sendo a declaração subscrita pela primeira, dele constando no Campo 9 como «motivo que deu lugar à apresentação da declaração» tratar-se de «prédio novo», indicando o artigo R-796 (rústico) como «prédio ou parte de prédio em que se encontrava inscrito na matriz» e 07/07/1999 como data de passagem a urbano.
[cfr. declaração de fls. 31 a 33 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
D) Em 23 de Março de 2000 foi outorgado contrato promessa de permuta mediante o qual «A.», «M.» e «L.» declaram permutar com «C. Lda.» um terreno destinado a construção, constante dos lotes n.º 1, 2 e 3 resultantes das obras de urbanização efetuadas a coberto do alvará de loteamento n.º 9/99 por contrapartida de 23% de toda a construção habitacional e 25% da destinada ao comércio que viesse a ser autorizada e construída no local.
[cfr. contrato promessa de permuta constante de fls. 54 e 55 dos presentes autos]
E) Por escritura pública outorgada em 07/12/2002 no 2º Cartório notarial de Vila do Conde «A.», «M.» e «L.», proprietários, respetivamente, na proporção de metade a primeira e de um quarto os segundo e terceiros, da parcela de terreno sita na Freguesia de (...), concelho da (...), descrita como «parcela de terreno para construção urbana com a área de 1.234,90 m2», descrita na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº 742 e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo U-1138, procederam à permuta daquela parcela de terreno com a sociedade «C., Lda.» por seis frações autónomas, nas mesmas proporções, identificadas pelas Letras “H”, “L”, “O”, “R”, “AA” e “AD” do prédio urbano que a referida sociedade se encontrava a edificar sobre aquela parcela de terreno (artigo matricial n.º U-1138), a que se atribuíram o valor de EUR 900.000,00 e que submeteram ao regime de propriedade horizontal pela mesma escritura pública.
[cfr. escritura pública de permuta e constituição de propriedade horizontal constante de fls. 43 a 50 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
F) O artigo U-1138 teve origem na realização da operação de loteamento do art.º R-796.
[cfr. emerge da posição das partes expressa nos autos]
G) Em 27 de Março de 2006 foi apresentada perante a Direção Geral dos Impostos declaração de início de sociedade irregular, a qual detinha o NIPC n.º (…), constando como sócios desta «A.», «L.» e «M.», com início de atividade reportado a 23 de Março de 2000.
[cfr. emerge dos prints informáticos do cadastro de contribuintes de fls. 21 e 22 do Processo Administrativo e da cópia da declaração de início constante de fls. 50 a 53 dos autos]
H) Em nome da sociedade referida no facto antecedente foram entregues as seguintes declarações de rendimentos Mod. 22
Período de TributaçãoIdentificação DeclaraçãoData Receção
20041872 2006 C023201
1872 2006 C028511
2006-04-22
20051872 2006 C0285142006-04-29
20061872 2007 C0319082007-05-08
20071872 2008 C1373172008-05-26
[cfr. emerge do print informático de fls. 51 do Processo Administrativo e é reiterado pela confirmação de entrega de declaração Mod. 22 referente a 2005 de fls. 57 e as referentes a 2004 de fls. 59 e 61 dos autos]
I) Em nome da sociedade referida no facto antecedente não foi apresentada declaração de rendimentos para o ano de 2002.
[cfr. emerge do print informático de fls. 51 do Processo Administrativo e decorre da prova testemunhal]
J) Em 20 de Junho de 2006 é elaborada informação, na sequência da comunicação efetuada pelo 2º Cartório Notarial de Vila do Conde em 2002/12/07, onde se considera que devia ter sido indicado pela aqui Impugnante mulher na Declaração de IRS respeitante ao ano de 2002, o ganho resultante da permuta com a sociedade A., Lda., efetuada no ano de 2002, de ¼ do lote de terreno destinado a construção urbana, sito na Freguesia (...), concelho da (...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U -1138 (constante do facto «E»)
[cfr. fls. 17 ss. do Processo Administrativo]
K) Em 21 de Junho de 2006 é proferido despacho concordante com a informação prestada na Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e a Despesa, da Direção de Finanças do Porto onde foi proposta a alteração ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a IRS, nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos:
«1. Análise de Facto e de Direito
Tendo por base a Relação de Registo Notarial de 07.12.2002, do 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, verifica-se que no ano de 2002 o contribuinte acima identificado permutou por 225.000,00 € com A., Lda. 1/4 do lote de terreno destinado a construção urbana, sito na freguesia de (…) e concelho de (...), inscrito na matriz sob o artigo 1138.
Consultados os elementos disponíveis no Sistema Informático da DGCI, verifica-se que o contribuinte acima identificado apresentou em 2003-04-24 uma declaração modelo 3 de IRS/2002 não tendo declarado aquela permuta, conforme estava obrigada pelo Código de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS).
Através dos elementos enviados a esta Direção de Finanças pelo Serviço de Finanças da (...), verifica-se que a permuta em apreço foi precedida de operação de loteamento – alvará 9/99 com a constituição de 29 lotes nos prédios então inscritos sob os artigos rústicos 797 e 796 e urbano 386, adquiridos em 1967, tendo o contribuinte apresentado a declaração modelo 129 para a Inscrição do respetivo lote em 06.09.1999.
Aquele loteamento configura um ato de natureza comercial suscetível de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria B (conforme Artigo 4º nº 1 alínea g) do Código de IRS, e Circular 16/92 de 14 de setembro da DGCI), uma vez que da natureza intencional do loteamento o ganho obtido com a alienação do lote ou terreno para construção constitui um rendimento de natureza comercial – Categoria B – conforme o disposto no nº 1 do art.º 3º do Código de IRS, sendo que na determinação do lucro tributável das atividades comerciais se seguem as regras estabelecidas no Código de IRC, por força da remissão do artigo 32º do Código de IRS.
O contribuinte em apreço, salvo tratando-se de situação de ato isolado, deveria ter-se coletado na respetiva atividade, na categoria B, em cumprimento do disposto no nº 1 do art.º 112º do Código de IRS: «Antes de iniciar alguma atividade suscetível de produzir rendimentos da categoria B deve o sujeito passivo apresentar a respetiva declaração de início».
Ao rendimento obtido pela venda dos lotes, são deduzidos os custos documentados se o sujeito passivo ficar enquadrado no regime de tributação com base na contabilidade, sendo também deduzidos os custos comprovados verificando-se a situação de ato isolado. No regime simplificado, o lucro tributável será determinado com base nos coeficientes aplicáveis, sendo que, no caso de vendas de bens e produtos o coeficiente a aplicar ao valor da venda é de 0,2, de acordo com o n.º 2 do art.º 31º do CIRS.
2 – Determinação do Lucro Tributável
Em face do exposto, não se encontrando o contribuinte coletado na atividade à data da venda dos lotes e atendendo ao valor da alienação em causa, a correção ao rendimento vai ser efetuada em sede de categoria B, pelas regras do Regime Simplificado de Tributação nos termos do Artigo 28.º e 31.º do Código de IRS, conforme acima descrito.
Nestes termos, propõem estes Serviços a alteração ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação nos termos dos artigos 65.º e 66.º do Código de IRS, considerando como lucro tributável em sede de categoria B o montante de € 45.000,00 resultante do desenvolvimento da atividade de venda de lotes de terreno, assim determinado: € 225.000,00 x 0,20% = € 45.000,00
3 – Princípio da Cooperação – Artigo 59º da Lei Geral Tributária
Tendo em conta as alterações propostas, e no sentido do dever de colaboração deve propor-se ao contribuinte para, nos termos do artigo 59.º da Lei Geral Tributária e Ofício-Circulado número 20089 de 10.12.2003 da Direção de Serviços de IRS, e no mesmo prazo que lhe vier a ser dado para exercer o direito de audição, proceder à substituição da declaração Modelo 3 de IRS, apresentada nos termos do artigo 57.º do Código de IRS, no Serviço de Finanças do seu domicílio fiscal, beneficiando assim da redução da respetiva coima, que nos termos do artigo 29.º e 30.º do RGIT - Regime Geral das Infrações Tributárias, lhe vier a ser aplicada, cessando aí a contagem dos respetivos juros compensatórios. (...)”
[cfr. proposta de correção constante de fls. 17 a 19 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
L) Em 31 de Julho de 2006 foi determinada a correção dos elementos constantes da declaração de IRS apresentada pelos Impugnantes nos termos propostos no facto antecedente e na sequência da omissão de pronúncia em sede de audição prévia.
[cfr. informação e despacho constantes de fls. 15 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
M) Em 4 de Agosto de 2006 foi elaborado o ofício n.º 72408 daquela Divisão da DF do Porto atinente à notificação da fixação de rendimento à Impugnante mulher, o qual foi rececionado a 10 do mesmo mês
[cfr. ofício constante de fls. 13 e aviso de receção de fls. 14 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
N) Em 17 de Agosto de 2006 e na sequência da fixação de rendimentos foi emitida a liquidação de IRS n.º 2006 5004385994 aos Impugnantes
[cfr. print informático de fls. 18 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
O) Em 20 de Agosto de 2006 foi emitida a nota de cobrança n.º 2006 1127706 no valor de EUR 17.555,21 com o seguinte teor:
IRSLiquidação de Imposto n.º 2006 500438599414.358,90
Juros CompensatóriosLiquidação n.º 2006 19269061.870,98
IRSEstorno da liquidação de IRS n.º 2003 4002614418139,20
Juros Compensatórios
Recebimento Indevido
Liquidação n.º 2003 40026144181.186,13
[cfr. print informático de fls. 18 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
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Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do novo CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte:
v) Os serviços da AT para cobrança da liquidação de IRS supra referida intentaram o processo de execução fiscal n.º 1872200601063081 [cf. doc. a fls. 24 a 25 do PA].
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Na sentença ora recorrida, considerou-se como factos não provados que:
«P) «A.», «M.» e «L.» tenham efetuado um acordo societário com o fim único de lotear o prédio rústico artigo 796 de que eram comproprietários.
Q) Entre os comproprietários do prédio rústico artigo 796 ou entre estes e o proprietário dos prédios artigos 797 rústico e 386 urbano (J.), também abrangidos pelo loteamento a que corresponde o Alvará nº 9/99, tenha sido constituída uma sociedade comercial destinada ao exercício em comum da atividade comercial de venda de lotes de terreno para construção, designadamente os resultantes daquela operação de loteamento.
R) Os Impugnantes e os demais comproprietários do prédio rústico artigo 796 e o comproprietário dos prédios artigos 797 rústico e 386 urbano «J.» tenham aberto uma conta bancária conjunta para onde canalizavam todos os gastos e proveitos respeitantes à venda dos lotes de terreno para construção decorrentes do loteamento que abrangeu aqueles prédios.
S) A comercialização dos prédios abrangidos pela liquidação de IRS referente a 2002 objeto do presente processo de Impugnação Judicial (Liquidação nº 2006 – 50043856994) foi declarada em sede de IRC através das respetivas declarações Mod. 22 de IRC, oportunamente entregues.
T) No ano de 2002 os imóveis resultantes da operação imobiliária aqui em causa se encontravam registados na contabilidade da sociedade irregular NIPC (…), equiparada a pessoa coletiva.
U) A Direção de Finanças de Braga tivesse considerado os mesmos ganhos tributados em sede de IRC na liquidação de imposto a «L.», NIF 147 913 420.»
*
Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:

«O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base, essencialmente, a análise crítica do conjunto da prova, com referência à documentação constante dos autos (não impugnada) e do processo administrativo apenso, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes.
No que tange à prova testemunhal importa referir que foi determinado o aproveitamento da prova testemunhal realizada no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 91/07.3BEPRT.
Consequentemente, foram aqui tomados em consideração os depoimentos prestados naquela sede, nomeadamente de «L.», que declarou ser irmão da aqui Impugnante mulher, de «J.», que aos autos declarou ser proprietário de terrenos confinantes e ter procedido em conjunto ao seu loteamento e de «B.» que informou o Tribunal ser o contabilista da sociedade irregular.
Neste domínio a testemunha «L.» referiu que o prédio objeto da urbanização veio à posse da família na década de 60 como rústico vindo a ser partilhado entre si, a sua irmã e a sua mãe, na proporção de ½ para esta última e de ¼ para os restantes.
Mais referiu que as despesas eram suportadas em conjunto por todos, “como se fosse uma sociedade” mas que apenas a “formalizaram” e contrataram um contabilista mais tarde.
Mais referiu que recebeu idêntica notificação as Finanças de Barcelos, para se pronunciar em sede de audição prévia relativamente à alegada omissão de declaração daqueles rendimentos, não tendo sido notificado, até à data, de qualquer correção aos rendimentos por si declarados.
A segunda testemunha referiu ser dono de terrenos junto à propriedade dos Impugnantes e que, com vista à rentabilização dos mesmos, promoveram o seu loteamento em conjunto, beneficiando da circunstância de algumas das infraestruturas a implementar (como arruamentos) serem comuns, ficando estes com 3 lotes e os restantes para si.
Mais referiu que as reuniões relativas ao loteamento eram tidas com o «Sr. L.» e que “acha” que os “lucros” não foram repartidos porque há apartamentos por vender e que a sociedade dos Impugnantes apenas foi formalizada mais tarde, por recomendação sua, tendo-lhe apresentado o contabilista que ficou encarregue da mesma.
Por fim, informou, ainda, que o loteamento na Câmara foi requerido em conjunto.
A terceira testemunha declarou perante o Tribunal que assumiu a contabilidade da sociedade no princípio de 2006 e que, tendo dúvidas quanto ao enquadramento fiscal da situação, consultou o Serviço de Finanças da Póvoa, posto que pediu o NIPC, começou a preparar a contabilidade de 2005, pagando o IRC e depois recuperou o atrasado, começando pelos anos mais próximos.
Mais referiu que se a intenção fosse a individualização dos ganhos dos sócios da sociedade teriam distribuído entre si as frações.
No que tange aos lançamentos contabilísticos referiu que utilizou os valores de permuta como ativo da sociedade irregular, que subsistiam imóveis por alienar e, no que tange às declarações de rendimentos, declarou que advertiu da necessidade de apresentação das declarações atrasadas mas que, após a inspeção que foi efetuada à sociedade, em 2007, deixou a iniciativa para a AT relativamente aos anos ainda não entregues, não tendo apresentado qualquer declaração para o ano de 2002.
No que respeita à factualidade considerada como não provada importa referir que nenhum dos documentos juntos aos autos pelos Impugnantes demonstra a existência do invocado «acordo societário» entre os comproprietários do imóvel aqui em causa, nem entre estes e o proprietário dos prédios inscritos pelos artigos R-797 rústico e U-386 (J. – a segunda testemunha), também abrangidos pelo loteamento a que corresponde o Alvará nº 9/99, nem com o fim único de lotear o prédio rústico artigo 796, nem para a futura venda dos lotes daí emergentes, nem que tenham aberto uma conta bancária conjunta para onde canalizassem todos os gastos e proveitos respeitantes à venda dos lotes de terreno para construção decorrentes do loteamento que abrangeu aqueles prédios.
Neste domínio importa salientar que não foi junto qualquer documento que sequer constituísse um indício sequer da existência dessa conta quanto mais da sua utilização nos termos alegados.
Acresce que dos depoimentos das testemunhas resulta, em especial do efetuado pelo contabilista, que foi chamado a proceder ao tratamento contabilístico e fiscal da situação, a instâncias da primeira testemunha, o irmão da Impugnante mulher, e por indicação da segunda testemunha, J..
Importa, ainda, referir que muito embora tenha sido apresentada declaração de início de atividade da “sociedade irregular” com menção de que esta teria iniciado a atividade em 2000, o certo é que tal declaração só foi apresentada no ano de 2006 e após a contratação do contabilista.
Emergindo, assim, a evidência de que o primeiro documento em que se refere a existência da dita sociedade é muito ulterior quer ao alvará de loteamento que data de 1999, quer à escritura de permuta realizada em 2002.
Da conjugação do teor dos depoimentos das testemunhas com os documentos constantes dos autos fica, assim, a dúvida se aquela sociedade irregular teria sido constituída para sustentar a operação de loteamento e subsequente permuta dos lotes pelas frações (facto tributário em causa nos presentes autos) ou para formalizar a partilha dos proventos gerados pela alienação daquelas frações do prédio em regime de propriedade horizontal que ali veio a ser edificado.
Circunstância que é reforçada pelos documentos contabilísticos juntos pelos Impugnantes.
Efetivamente, do cotejo do balancete relativo ao mês de Março de 2000 emerge a “entrada” para o ativo da “sociedade” das frações no valor de EUR 1.267.778,74 (conta 312414-Compras, mercadorias, mercado nacional, imóveis), circunstância que é relevada no balancete final relativo àquele ano e elaborado após as operações de fim de exercício.
Todavia, muito embora daquele constarem tais frações como integrando os ativos comercializados pela sociedade, dele não resulta que tivesse integrado o acervo patrimonial da sociedade irregular os lotes para construção que vieram a ser permutados pelas referidas frações.
Tal constatação emerge, cristalina, da circunstância de inexistir qualquer lançamento em rúbrica de proveitos (classe 7) ou resultados (classe 8) como necessariamente teria que existir em resultado do lançamento contabilístico da permuta em que seria necessário registar a saída do ativo societário dos lotes para construção por contrapartida da entrada das frações autónomas.
Concluindo-se, assim, que os documentos contabilísticos de fls. 62 a 65 não demonstram que tivesse sido contabilizado como “entrada em espécie” dos sócios os lotes de terreno e a subsequente permuta pelas frações do prédio em propriedade horizontal, antes indiciam exatamente o oposto, isto é, que o que deu entrada no acervo da dita sociedade foram já as frações autónomas e não os lotes.
Consequentemente, tais circunstancias aliadas à míngua de qualquer outro elemento de prova que sustentasse aquelas alegações, como, por exemplo, a demonstração da existência de uma conta comum para onde fossem carreadas as eventuais receitas e de onde fossem pagas as despesas inerentes ao loteamento (como o pagamento da realização das suas infraestruturas, das licenças, dos projetos, etc.), documentos relativos à eventual prestação de contas entre os “sócios” ou mesmo qualquer outro documento pretérito a 2006 onde fosse referida a existência dessa sociedade irregular no ano de 2002, que conjugadamente com a prova testemunhal produzida permitisse firmar a convicção de tal facto, tal factualidade teve que ser levada ao probatório pela negativa nos termos conjugados do n.º 1 do art.º 74.º da LGT e n.os 1 e 3 do art.º 342.º do CC.
No que tange à alegada tributação da permuta em sede de IRC e no âmbito da sociedade irregular, como dimana da factualidade assente, não foi entregue qualquer declaração de IRC para aquele período nem foi fixado qualquer rendimento para aquele ano pela Administração Fiscal [cfr. factos «H» e «I»], emergindo, assim a constatação de que não ocorreu qualquer tributação na esfera jurídica daquela sociedade irregular daquele facto tributário (a permuta efetuada em 2002 entre o lote de terreno para construção urbana (artigo 1138) e as 6 identificadas frações autónomas).
Acresce que, tendo a tributação em sede de IRC por base os registos contabilísticos, e dando-se aqui por reproduzidas as considerações anteriormente tecidas quanto à omissão do registo da saída dos lotes e entrada das frações nos registos contabilísticos, brota a convicção de que os proventos resultantes da mesma não foram tributados naquela esfera jurídica.
Destarte, essa alegação, por incompatível com a matéria considerada como provada, foi levada ao probatório pela negativa.
No que tange à alegada diferença no tratamento fiscal de situações idênticas, importa referir que não foi junto qualquer documento atestando o reconhecimento por parte dos serviços tributários de Barcelos / Braga de que os proventos deveriam ser tributados em sede de IRC (nem em bom rigor é alegada a existência de tal documento).
Acresce que emergiu do depoimento da primeira testemunha que tal circunstância foi a conclusão que este retirou do facto de não ter sido notificado de qualquer correção à declaração de rendimentos por si apresentada.
Todavia, mesmo que tal tenha ocorrido, tal não significa que essa omissão se deva à subscrição do entendimento dos Impugnantes da tributação em sede de IRC mas pode ter ocorrido por uma miríade de outras razões como lapso, caducidade do direito à liquidação, consideração do rendimento como não sujeito, erro informático, etc.
Brotando, assim, a conclusão de que tal circunstância não é suficiente, por si só, para se poder firmar a convicção, objetiva, de que foi esse o motivo determinante do comportamento da administração fiscal.
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pelos ora Recorrentes no presente recurso e delimitadas no seu âmbito pelas respetivas conclusões, traduzindo-se estas, em síntese, no erro de julgamento de facto e de direito e na prescrição da dívida subjacente à liquidação de IRS acima referenciada.
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IV – Do direito

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e pela qual se considerou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2002.

A liquidação supra referida resultou de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT na qual se concluiu que existiu a permuta de um lote de terreno com um terceiro e que a mesma havia sido procedida de um loteamento, constituindo este um ato de natureza comercial suscetível de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria B.

Primeiramente e antes de emergirmos nas questões suscitadas no presente recurso, cabe ter presente qual o quadro normativo em que o mesmo se movimenta, tendo presente que o presente meio processual foi deduzido em dezembro de 2006 e que a sentença ora recorrida foi proferida em 08.08.2017.
Ora, na sua essência o regime de recursos de decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais tributários está, globalmente, sujeito o regime de recursos em sede processual civil, sem prejuízo das especialidades normativamente previstas no próprio CPPT (cf. art.º 281.º do CPPT). Assim, o regime de recurso em processo civil foi objeto de sucessivas alterações legislativas tendo, mais recentemente, culminado com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Porém, nos termos do artigo 7.º deste diploma legal, no que diz respeito às ações intentadas antes de 01.01.2008 e cujas decisões objeto de recurso sejam posteriores 01.09.2013, aplica-se o regime de recursos do novo Código do Processo Civil (CPC).

Por isso, na presente situação é aqui aplicável o regime do novo CPC atento o disposto no art.º 7.º da Lei 41/2013, de 26 de junho e tendo em conta da data de entrada do presente processo e a data de prolação da sentença recorrida.
Passemos, então a analisar o presente recurso, ordenando as questões nele suscitadas de acordo com a ordem lógica de conhecimento das mesmas.

I – Da prescrição

Na conclusão n.º 44 do presente recurso e na motivação que lhe subjaz os Apelantes vieram invocar a prescrição da dívida emergente da liquidação de IRS aqui em causa.

A propósito da questão do conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial e com os fundamentos a que aderimos, relatou-se no acórdão do STA de 08.01.2020, proferido no proc. n.º 01/99.0BUPRT (in www.dgsi.pt) que: “[…] 2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar desde há muito, uniforme e reiteradamente, a prescrição da obrigação tributária não é fundamento de impugnação judicial, motivo porque nela não deve ser conhecida oficiosamente, sem prejuízo de aí poder ser conhecida a título incidental, enquanto pressuposto da utilidade da lide, este sim de conhecimento oficioso.
Sobre a questão, ficou dito no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 980/06 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cedd724eaaed289c80257295003cb2f6.): «Como é sabido, trata-se na impugnação judicial de um contencioso de anulação, que não de plena jurisdição – cfr. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, p. 43 e ss. –, sendo o seu objecto o acto tributário, através de “qualquer ilegalidade” ou “vício”, em vista da sua “anulação total ou parcial”.
Assim, se o pedido impugnatório procede, o tribunal anula o acto, pela existência de qualquer ilegalidade.
Pelo que tem este tribunal entendido que a prescrição da obrigação tributária – “da dívida exequenda”, na expressão legal –, embora de conhecimento oficioso, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal.
Na verdade, não pode confundir-se a validade do acto tributário com a sua eficácia.
[…]
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à “cobrança” do imposto e não tendo pois a ver com a sua validade ou existência do acto tributário e, em consequência, com a sua legalidade, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução».
Prossegue o mesmo acórdão, ponderando a prescrição, não como fundamento de impugnação judicial, «mas apenas como sustentáculo da inutilidade da lide e consequente extinção da instância», com a afirmação de que, então, esse conhecimento se fará «plenamente dentro da legalidade» e porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, «a lide impugnatória não tem qualquer utilidade». E explica porquê:
«Na verdade, a sua procedência não teria quaisquer consequências, uma vez que já não poderia, mercê da predita prescrição da dívida, ser instaurada execução fiscal, que se instaurada, logo soçobraria, mesmo sem oposição, dado o carácter oficioso do conhecimento da mesma.
Ou seja: a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária em termos de ilegalidade da liquidação, mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria pura inutilidade».
É este entendimento que tem vindo a ser seguido na jurisprudência de que o citado acórdão é um exemplo entre muitos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 1364/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/235ab3098a7e831580257f1e005090e9;
- de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo com o n.º 1118/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b84374a73dde81f8025806b0040bbbb;
- de 4 de Julho de 2018, proferido no processo com o n.º 1433/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f1fc96dd1f2c333c802582cd004aac60.): a impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação (cfr. arts. 99.º e 24.º do CPPT) e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 23 a 25. ).[…]”.

Acresce que, também de forma uniforme e reiterada tem o colendo STA vindo a entender que o conhecimento da prescrição em sede impugnatória, em qualquer instância, só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais (cf. entre outros, os acórdãos de 20.04.2020, proferido no processo n.º 0571/06.8BEPRT-0662/18 e de 04.07.2018, proferido no processo/recurso n.º 01433/17).

Ora, da prova aditada aos presentes autos consta que existe um processo de execução fiscal que foi movido para a cobrança do crédito emergente da liquidação a que aqui se faz alusão (cf. o teor do facto aditado sob a designação de alínea v)). Todavia, não se sabe quando se deu a citação dos ora Recorrentes para a referida execução, sendo que esta teria potenciais efeitos interruptivos (cf., entre outros, o n.º 1 do art.º 49.º da LGT). Igualmente não há notícia nos autos de outros atos processuais eventualmente promovidos no processo de execução fiscal que pudessem ser ou suspensivos ou interruptivos quanto ao decurso do prazo prescricional.
Assim sendo, não dispondo esta instância dos elementos necessários para aferir da invocada prescrição da dívida decorrente das liquidações aqui referidas e suscitada nas supra citadas conclusões do presente recurso e não estando esta instância obrigada à realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual, decide-se dela não conhecer, sem prejuízo da questão referida poder vir a ser eventualmente suscitada noutros figurinos processuais.
Por isso, improcede o recurso nesta parte.

II – Do recurso incidente sobre a matéria de facto.

No presente recurso, os ora Recorrentes na conclusão n.º 1 insurgem-se contra a factualidade dada como não provada nos presentes autos. Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se os ora Recorrentes cumprem o ónus processual vertido no art.º 640.º do novo CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT e atento ao disposto no art.º 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho). Deste modo, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.:
“[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos;
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”.
O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
Ora, como se refere no acórdão do TCAS de 12.12.2017, proferido no processo n.º 3177/12.9BELRS (in www.dgsi.pt):
“[…] Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13). Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13) […]”

Na presente apelação, os ora Recorrentes insurgem-se expressamente contra a apreciação feita na sentença recorrida quanto aos factos dados como não provados e enunciam a factualidade que deveria ter sido dada como demonstrada. Por sua vez, na motivação deste recurso, os Apelantes referem e enunciam os elementos de prova que, na sua ótica, conduziriam a uma decisão diferente quanto à matéria de facto dada como não provada.

Ora, na perspetiva dos Recorrentes, os depoimentos das testemunhas ouvidas e que aqui indicam como sedo o Sr. L. e o Sr. B. e dos documentos a fls. 58 a 62 dos autos (paginação do processo em suporte físico), resultariam os factos que pretendem vir aqui a ser dados como provados e que resultam da conclusão n.º 1 do presente recurso e que, recorde-se, são os seguintes:
a) a recorrente, sua mãe e irmão efectuaram um acordo societário com o fim de lotear o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 796, da qual era comproprietários, e de proceder à venda os respectivos lotes de terreno para construção, tudo com intuitos lucrativos;
b) a recorrente, sua mãe e irmão abriram uma conta bancária conjunta para onde canalizavam todos os gastos e proveitos respeitantes à venda dos lotes de terreno para construção decorrentes do loteamento que abrangeu aqueles prédios;
c) a comercialização dos prédios abrangidos pela liquidação de IRS referente a 2002, objeto do presente Processo de Impugnação Judicial (Liquidação nº 2006 - 50043856994) foi declarada em sede de IRC através das respetivas declarações Mod. 22 de IRC, oportunamente entregues;
d) e que os prédios abrangidos pela liquidação de IRS objeto do presente Processo de Impugnação Judicial (Liquidação nº2006 - 50043856994 referente ao ano de 2002) se encontram registados na contabilidade da sociedade irregular NIPC (…), equiparada a pessoa coletiva, designadamente nos Balancetes respeitantes ao ano de 2002.

Porém, da conjugação dos elementos probatórios referidos pelos ora Recorrentes não consegue este TCA divergir do que foi julgado em primeira instância. Efetivamente, relembre-se que o facto subjacente à liquidação de IRS aqui em causa, diz respeito à realização de uma operação de permuta de um loteamento feito pela primeira Recorrente. Ouvidos os testemunhos supra referidos apenas pôde esta instância concluir que, a certa e indeterminada altura, a referida Recorrente terá constituído uma sociedade comercial irregular, com outros intervenientes. No entanto, não há qualquer traço probatório da existência de um acordo social ou sequer a existência do simples uso de uma firma comum ou de qualquer meio criador de uma falsa aparência de sociedade (artº 36º nº1 CSCom). Por outro lado, inexistiu aqui uma atividade com base num acordo constitutivo de sociedade comercial que ainda não tivesse sido celebrado por escritura pública (vide artº 36º nº2 CSCom), sendo que não nos encontramos aqui num eventual período que medeia entre a celebração da escritura e o registo definitivo – artº 37º nº 1 CSCom. Assim, no licenciamento e nas permutas em causa, os respetivos intervenientes surgem-nos a título estritamente individual, sem qualquer referência a uma suposta sociedade irregular. Os depoimentos citados e aqui ouvidos foram temporalmente não esclarecedores nesta matéria. Por isso, não se pôde concluir que aquando da operação de loteamento e da realização da permuta de lotes com as frações autónomas em causa, já existisse tal sociedade irregular e que aquelas duas operações tivessem sido feitas já sob a sua égide. Deste modo, não se pode dar aqui como provado o que os ora Recorrentes referem na alínea a) da conclusão n.º 1 do presente recurso.
No que diz respeito à utilização de uma conta bancária comum para movimentação dos pagamentos feitos em nome da aludida sociedade irregular, apesar de ambas as testemunhas referirem tal circunstância ,a verdade é que a prova da existência da referida conta e dos mencionados pagamentos, melhor seria feita pela via documental, atenta a natureza dos dados a prestar, inexistindo nos autos qualquer meio probatório deste teor que a demonstrasse. Assim, apreciando-se livremente o teor dos depoimentos prestados e considerando-se que as testemunhas referenciadas não intervieram ou presenciaram os apontados factos, bem se andou na sentença recorrida ao dar como não provada a factualidade agora vertida na alínea b) do n.º 1 do presente recurso.
Já no que tange aos factos aqui invocados sob as alíneas c) e d) do presente recurso, a Recorrente não concretiza os prédios a que faz alusão nestas alíneas, apresentando a respetiva alegação de forma conclusiva. Com efeito, lida a matéria de facto proposta, fica-se sem saber se os ora Recorrentes quando se referem a «prédios» na factualidade proposta, se se estão a referir aos lotes de terreno permutados ou às as frações que foram objeto da correspetiva permuta. Por isso e dada a apontada indefinição, tal matéria não poderia ser levada à factualidade.
Igualmente ao longo das conclusões do presente recurso, os Recorrentes invocam um conjunto de factos e de ilações de facto, das quais não retiram qualquer antinomia com a sentença ora recorrida (veja-se, por exemplo, o invocado nas conclusões n.º 28, 29, 33 a 37). Acresce que nas conclusões ns.º 36 a 38 repetem o que já haviam sufragado no supra citada conclusão n.º 1. Assim, quanto ao alegado nas ditas conclusões ilativas e de natureza factual, não havendo contraposição ao decidido na sentença recorrida, não há aqui um verdadeiro sentido recursivo que esta instância esteja obrigada a conhecer.

Deste modo, terá que improceder o recurso aqui apresentado sobre a matéria de facto.

III – Do erro de julgamento

Nas demais conclusões de recurso, suscitam os Apelantes várias questões conexas com um eventual erro de julgamento da sentença recorrida.

Em primeiro lugar, nas conclusões ns.º 42 e 43 e na correspondente motivação recursiva, os Recorrentes alegam que a liquidação de IRS a que se faz alusão nos presentes autos, não se encontra devidamente fundamentada.
Contudo, neste conspecto, os Apelantes não atribuem qualquer erro ou vício à sentença apelada no que tange ao julgamento feito quanto ao vício supra referenciado. Ora, esta pecha recursiva traduz-se numa definição errónea do objeto do recurso.
Com efeito, como é sabido, os recursos têm como objeto decisões jurisdicionais e não são os meios para ex nuovo se impugnarem atos de tributários, pelo que as questões supra referidas caem fora do âmbito recursivo. Com efeito, como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados a se considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso).

Por isso, no supra apontado item, terá que improceder o presente recurso.

Numa segunda linha argumentativa, os Recorrentes referem que o facto tributário aqui em causa deveria ter sido (ou foi) objeto de tributação em sede de IRC (cf. conclusões n.ºs 30, 39 a 41). Tal alegação assenta em dois pressupostos factuais e que se traduzem, em síntese, na circunstância do facto tributário ter tido origem numa sociedade comercial irregular que aqueles detinham ou que a tributação feita a esta sociedade já incluía o negócio que gerou os rendimentos que deram origem à aqui referida liquidação de IRS. Porém, como já tivemos ocasião de referir tais circunstâncias factuais não ficaram demonstradas, quer em primeira instância, quer no âmbito do recurso aqui presente. Logo, terá que aqui improceder este segmento recursivo.
Ainda relativamente aos demais erros de julgamento invocados pelos Recorrentes, há que apreciar a questão que estes suscitam relativamente à apontada isenção de imposto, uma vez que se estaria perante uma situação relativa a mais valias derivadas da venda de bens imóveis e que ficariam abrangidas pela isenção que ia prevista no regime transitório instituído no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro (diploma que aprovou o CIRS). Ora, esta norma dispunha então que:
Artigo 5.º
Regime transitório da categoria G
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.

Na situação sub judice, o facto tributário que serve de fundamento à liquidação de IRS aqui em causa e ao contrário do que é dito pelos Recorrentes, não é a mais valia resultante da venda de prédios, através de um contrato de permuta do qual teriam resultado ganhos de valoração imobiliária. Com efeito, se atentarmos no teor do relatório inspetivo neste aspeto, podemos constatar que os negócios celebrados pela primeira Recorrente foram classificados como rendimentos derivados de operações de natureza comercial e, como tal, inseridos na categoria B do CIRS. Assim, acompanhamos aqui as considerações feitas a propósito desta questão na sentença recorrida. Com efeito, na decisão jurisdicional ora impugna, afirma-se, com a nossa concordância, que: “[…] Como os próprios Impugnantes reconhecem no seu articulado estes “resolveram submeter a uma operação de loteamento, em conjunto, os prédios de que eram proprietários, com vista a obter o devido lucro com a comercialização dos lotes dali resultantes”.
Brota, assim, cristalino, que a operação de loteamento que deu lugar à permuta do terreno para construção aqui em causa constitui uma atividade subsumível à categoria B porquanto, e de harmonia com a alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do CIRS ”consideram-se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes: (…) g) urbanísticas e exploração de loteamentos”.
Disposição que deve ser conjugada com a alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS, na redação à data vigente que dispunha que se “consideram rendimentos empresariais e profissionais: a) os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária”.
Por seu turno, dispunha a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS (na redação vigente à data): que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.
Brota, assim, que aqueles rendimentos apenas podem ser considerados como enquadrados na categoria G se não forem subsumíveis a rendimentos da categoria B.
Concluindo-se pela sua submissão à categoria B, naturalmente improcede o alegado vício de erro de qualificação daquele rendimento como da categoria G o que, consequentemente, tem um efeito de implosão na alegação da não sujeição daquele rendimento à categoria G.[…]”
Ora, em sentido semelhante ao decidido pela primeira instância, tem vindo a pronunciar o colendo STA, designadamente nos acórdãos datados de 05.12.2012 (recurso n.º 0641/12), 24.02.2016 (recurso n.º 580/15) e de 09.09.2015 (recurso n.º 0810/14). Neste último aresto é impressivo quanto a esta questão explicando-se a distinção entre os rendimentos da categoria G (mais valias) dos da categoria B, nos seguintes moldes: “[…] Mas, como igualmente se pondera na sentença, os acréscimos patrimoniais que a lei considera como mais-valias tributáveis na categoria G correspondem, essencialmente, aos ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, independentemente de uma atividade produtiva do seu titular: correspondem a “ganhos trazidos pelo vento” (windfall gains). (Cfr. Rui Duarte Morais, sobre o IRS 2.ª Ed., Almedina, p. 136.)
Ora, a venda de terrenos, nestas circunstâncias e condições (após as operações de loteamento) configura manifestamente actividade comercial, pressupondo a realização intencional de todo um conjunto de actos transformadores tendentes a potenciar o valor dos terrenos em questão, com evidente finalidade lucrativa (aliás, como a sentença salienta, referenciando o disposto nos arts. 2.° e 463.° do CComercial, constituirá acto de comércio aquele que é praticado no desenvolvimento de uma atividade objetivamente comercial ou industrial, com o fito de obter lucros, por isso se enquadrando no conceito de rendimento comercial, ainda que o exercício dessa atividade possa ser meramente ocasional) — cfr. neste sentido também o ac. deste STA, de 18/6/2003, proc. n.° 624/03.[…]”

Efetivamente, aqui também entendemos que a permuta efetuada dos lotes que resultaram de uma operação de loteamento e a sua permuta por frações autónomas constituem um ato de comércio e, como tal, são subsumíveis à apontada categoria «B» do CIRS. Por isso, não tendo sido abalada a construção factual no que diz respeito aos fundamentos em que se alicerça a liquidação de IRS aqui em causa e estando a sua subsunção jurídica devidamente feita à categoria «B» do CIRS, terá também que improceder o presente recurso neste ponto.

Deste modo, conclui-se que improcede, in totum, o presente recurso.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I - A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, razão pela qual em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, sendo esta questão do conhecimento oficioso.

II – Não se dispondo dos elementos necessários para aferir da prescrição da dívida decorrente da liquidação em causa e não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual de impugnação, o Tribunal pode dela legitimamente não conhecer.

III - Como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso).

IV - Os acréscimos patrimoniais que a lei considera como mais-valias tributáveis na categoria G correspondem, essencialmente, aos ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, independentemente de uma atividade produtiva do seu titular. Ora, a permuta de terrenos por frações autónomas, sendo esta realizada após as operações de loteamento, configura uma atividade comercial, pressupondo a realização intencional de todo um conjunto de atos transformadores tendentes a potenciar o valor dos terrenos em questão, com evidente finalidade lucrativa e, como tal, constitui rendimento inserível na categoria «B» do CIRS.
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VDispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pelos Recorrentes (por totalmente vencidos).
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Porto, 16 de setembro de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio