Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0415/12 |
Data do Acordão: | 10/29/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | DIRECTIVA COMUNITÁRIA COMPATIBILIDADE COM O DIREITO COMUNITÁRIO DIVIDENDOS DUPLA TRIBUTAÇÃO TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES |
Sumário: | I – A Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos pelas afiliadas às suas sociedades-mães residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos. II – Tal Directiva veio impor aos Estados-Membros que a distribuição de lucros não se encontra sujeita à retenção na fonte (art. 5.º, n.º 1) e estabeleceu um regime transitório a três países, entre os quais Portugal, permitindo a retenção por razões orçamentais, por oito anos, com a taxa máxima de 15% nos primeiros cinco e de 10% nos restantes três anos (art. 5.º, n.º 4). III – A fim de combater os abusos que resultem de participações adquiridas no capital de sociedades com o único objectivo de aproveitar os benefícios fiscais previstos, e que não se destinam a manter-se, a Directiva também permitiu que os Estados-Membros fixassem um período mínimo (não superior a dois anos) de detenção da participação (art. 3.º, n.º 2). IV – A legislação nacional ao transpor para a ordem interna tal Directiva, tem de respeitar o seu texto e o seu espírito, não lhe podendo ser contrária, sob pena da sua violação e não poder ser aplicada, tendo em conta a primazia na ordem constitucional do direito comunitário sobre o direito interno (art. 8.º, n.º 4, da CRP). V – Assim, os Estados-Membros não podem fazer depender a concessão do benefício fiscal previsto no art. 5.º, n.º 1, da Directiva (isenção de retenção na fonte) da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido uma participação na sociedade filial durante o período mínimo, fixado ao abrigo do art. 3.º, n.º 2, desde que esse prazo seja subsequentemente respeitado. VI – A legislação portuguesa em vigor à data [art. 69.º, n.º 2, alínea c), do CIRC], na medida em que, ao arrepio da Directiva, veio fazer depender a concessão do benefício previsto no art. 5.º, n.º 1, da Directiva, da condição de, no momento da distribuição dos dividendos, a sociedade-mãe ter detido a participação na afiliada há pelo menos 2 anos, sem previsão de possibilidade de ulterior reembolso, constitui uma transposição errada da Directiva. VII – Nos termos do disposto no art. 43.º do CPPT, são devidos juros indemnizatórios pelo montante indevidamente retido, contados desde o momento em que a AT indeferiu o pedido de restituição desse montante, efectuado mediante reclamação graciosa, constituindo este indeferimento o erro imputável aos serviços previsto naquele preceito. |
Nº Convencional: | JSTA00068962 |
Nº do Documento: | SA2201410290415 |
Data de Entrada: | 07/03/2012 |
Recorrente: | A.... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC REVISTA EXCEPC |
Objecto: | AC TCAS |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. DIR FISC - IRC. |
Legislação Nacional: | CIRC01 ART69 N2 C ART75 N7 N8. DL 123/92 DE 1992/07/02. LGT98 ART43. CONST76 ART8 N4. CPPTRIB99 ART43. |
Legislação Comunitária: | DIR CONS CEE 90/435/CEE DE 1990/07/23 RELATIVA À DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS NOS ESTADOS MEMBROS ART5 N1 N4 ART3 N2. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC01008/05 DE 2006/06/07.; AC STA PROC 01458/13 DE 2014/05/14.; AC STA PROC0114/02 DE 2002/05/29.; AC STA PROC026807 DE 2002/10/09.; AC STA PROC0601/09 DE 2009/10/28. |
Jurisprudência Internacional: | AC TJCE PROC DENKAVIT DE 1996/10/17. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo que aí correu termos sob o n.º 5098/11 e no qual foi decidido o recurso interposto da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 68/03.1.1 do Tribunal Tributário de Lisboa (anteriormente n.º 68/2003 do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa, 1.º Juízo, 1.ª secção) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A………………, BV” (a seguir Recorrente ou Impugnante) interpõe para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17 de Janeiro de 2012 (de fls. 247 a 258), que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública (a seguir Recorrida), revogou a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (de fls. 93 a 104) – que havia julgado procedente a impugnação judicial deduzida por aquela sociedade, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, contra parte da retenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1997 – e decidiu também não conhecer do recurso interposto pela Impugnante, por o considerar prejudicado (O recurso da Impugnante referia-se ao pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, que a sentença julgou improcedente.). 1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « A) O art. 150.º do CPTA permite o recurso de revista excepcional sempre que a decisão do Tribunal a quo tenha violado a lei substantiva ou processual, constituindo jurisprudência pacífica do STA “que é possível, na jurisdição tributária, o recurso de revista com previsão no art. 150.º do CPTA”; B) No caso em apreço, o acórdão ora recorrido viola manifestamente o disposto na Directiva 90/435/CEE e a jurisprudência proferida pelo TJUE no acórdão Denkavit (processos apensos C-283/94, C-291/94 e C-292/94), o que importa, consequentemente, uma directa violação do artigo 8.º, número 4 da CRP; C) A Recorrente entende que se mostram preenchidos ambos os requisitos para a admissão do presente recurso, uma vez que (i) a aplicação e interpretação uniforme do regime da Directiva 90/435 se mostra uma questão jurídica de grande relevância, e (ii) face ao Acórdão do TJUE no processo Denkavit impõe-se a revisão da decisão proferida em segunda instância para melhor aplicação do direito; D) Estando em causa, como se evidenciará, uma decisão judicial frontalmente contrária à interpretação propugnada pelo TJUE, impõe-se a sua revista sob pena de se colocar em causa a aplicação uniforme da Directiva 90/435 no seio da União Europeia, e consequente violação ostensiva do Tratado e do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa; E) Trata-se, pois, de uma questão susceptível de transcender o interesse particular da ora Recorrente, uma vez que não se mostra admissível a manutenção na ordem jurídica de uma decisão que viole e contrarie o Direito Comunitário secundário, in casu a Directiva 90/435/CEE; F) Estamos, pois, perante uma questão de interpretação e aplicação de um acto adoptado pelas instituições da Comunidade Europeia, bem como a interpretação sobre uma decisão judicial que se impõe aos tribunais portugueses; G) O Acórdão recorrido procede a uma errónea interpretação e aplicação do regime jurídico previsto na Directiva 90/435/CEE, violando, ainda, a jurisprudência firmada pelo TJUE no acórdão Denkavit; H) Na óptica da ora Recorrente, a mesma tem direito à restituição do IRC retido na fonte à taxa de 25%, uma vez que tendo completado – ainda que a posteriori – o prazo de detenção de dois anos, impõe-se a restituição do IRC retido em excesso ao abrigo da Directiva 90/435/CEE; I) Na óptica dos Venerandos Juízes Desembargadores e, conforme resulta do acórdão ora recorrido, a Recorrente não poderá beneficiar da taxa reduzida da Directiva, uma vez que, à data da distribuição dos dividendos, não dispunha de uma participação durante dois anos consecutivos, tal como era exigido pelos artigos 69.º e 75.º do CIRC, que transpuseram a Directiva para a ordem jurídica nacional; J) A legislação nacional não se mostrava totalmente conforme com o artigo 3.º da Directiva n.º 90/435/CEE, o que determinou a retenção indevida de imposto à taxa de 25% prevista no Código do IRC sobre os dividendos auferidos pela ora Recorrente; K) A Directiva 90/435/CEE exigia, apenas, que a participação fosse detida por um período ininterrupto de dois anos, não erigindo como requisito que o prazo de detenção fosse completado antes da distribuição de dividendos como requisito de aplicação da taxa reduzida de retenção na fonte; L) O TJUE – então designado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias –, veio no Acórdão Denkavit, julgar incompatível com a Directiva as normas de direito interno dos Estados-membros que fizessem depender a aplicação do regime comunitário da condição da sociedade-mãe, no momento da distribuição dos dividendos, ter detido a participação durante o período mínimo fixado pela respectiva legislação interna (processos apensos C-283/94, C-291/94 e C-292/94); M) Tendo em conta os princípios e objectivos postulados nos considerandos da Directiva, tudo parece apontar, para efeitos de interpretação da Directiva, que o legislador comunitário pretendeu afastar todas e quaisquer restrições, desvantagens ou distorções decorrentes das disposições fiscais dos vários Estados Membros que penalizassem as sociedades-mães dos outros Estados Membros; N) Não se invoque contra o acima exposto, tal como resulta do Acórdão ora recorrido, que a Directiva não está dotada de efeito directo uma vez que ficou dependente de medidas complementares, as quais foram adoptadas em Portugal através do Decreto-Lei n.º 123/92; O) Com efeito, constitui doutrina e Jurisprudência pacífica no TJUE que as normas contidas numa Directiva comunitária são passíveis de produzir efeito directo e imediato – sobre o designado efeito directo das Directivas ver, por todos, na jurisprudência o já longínquo Acórdão do TJCE Vand Gend en Loos, de 05.02.1963; P) O facto de ter sido dada liberdade aos Estados-membros para complementarem as disposições da Directiva, nomeadamente quanto aos requisitos formais e medidas de carácter administrativo para comprovação dos elementos materiais ali previstos, não pode ser interpretado no sentido de que não se consegue retirar de forma clara e inequívoca do texto da Directiva qual o regime fiscal a que ficam sujeitos os dividendos distribuídos entre sociedades residentes na União Europeia, sendo assim evidente que as normas aí contidas são susceptíveis de gozar de efeito directo – neste mesmo sentido, veja-se o acórdão do TJUE no citado processo Denkavit, conforme abaixo melhor exposto; Q) O regime previsto no artigo 69.º do CIRC decorre de um regime excepcional e de uma derrogação provisória concedida ao Estado Português, sendo certo que constitui Jurisprudência assente do TJUE que as medidas de natureza excepcional deverão ser interpretadas de forma restritiva – cfr. Acórdão Denkavit, de 17.10.96, Processo n.º C-283/94 e processos apensos n.ºs C-291/94 e C-292/94; R) Conforme resulta do acórdão ora recorrido, o TCA Sul entende que o acórdão proferido pelo TJUE no acórdão Denkavit não é aplicável à situação objecto dos presentes autos, uma vez que, alegadamente, o Tribunal apenas se pronunciou sobre os casos de isenção previstos no n.º 1 do artigo 5.º da Directiva; S) Importa salientar que o litígio emergente no processo Denkavit decorre de três processos interpostos por sociedades residentes na Holanda, todas elas detentoras de uma participação social no capital de uma sociedade alemã, sendo que a Alemanha, tal como Portugal, beneficiou até ao ano de 1996 de um regime transitório nos termos do qual aquele país estava autorizado a cobrar uma retenção na fonte de imposto de 5%; T) Assim, não é verdade que o TJUE apenas se tenha pronunciado sobre as questões de isenção previstas no artigo 5.º n. º 1 da Directiva, uma vez que a Alemanha também ela estava autorizada a cobrar uma taxa de retenção de 5%, sendo que a aplicação da referida taxa reduzida estava subordinada à condição da sociedade-mãe deter a participação social na sua afiliada por um período mínimo de doze meses; U) Com efeito, conforme resulta do teor do Acórdão, nos seus parágrafos 4 a 10, que se passam a transcrever, “O artigo 5.º, n.º 1, da directiva prevê que os lucros distribuídos por uma sociedade filial à sua sociedade-mãe estão, pelo menos quando esta detenha uma participação mínima de 25% no capital da filial, isentos de retenção na fonte. O artigo 5.º, n.º 3, da directiva autoriza a República Federal da Alemanha, o mais tardar até meados de 1996, a cobrar uma retenção de imposto de 5%”; V) Conforme decorre da transcrição parcial do Acórdão Denkavit, parece óbvio que o TCA incorreu num erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito, uma vez que é evidente que aquele aresto se pronuncia sobre uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos: três sociedades a solicitarem a um Estado-membro aplicação da taxa reduzida prevista ao abrigo de um regime transitório por não se conformarem com o requisito de detenção mínima imposto pela legislação nacional; W) Afirma, ainda o TJUE de forma cristalina no referido aresto que “Consequentemente, os Estados-Membros não podem fazer depender a concessão do benefício fiscal previsto no artigo 5.º, n.º 1, da directiva da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido uma participação na sociedade filial durante o período mínimo, fixado ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, desde que esse prazo seja subsequentemente respeitado. Quanto a este ponto, os Estados-Membros têm a liberdade de, tendo em conta as necessidades da respectiva ordem jurídica, determinar as modalidades pelas quais é garantido o respeito deste período”; X) Da Jurisprudência acima firmada resulta, de forma absolutamente cristalina, que a faculdade prevista no artigo 5.º, n.º 1, da Directiva, não pode ser interpretada como autorizando um Estado-Membro a fazer depender a referida isenção da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido a participação exigida no capital da sociedade filial durante um período pelo menos igual ao que tiver sido fixado nos termos da faculdade que lhe é reconhecida; Y) Não se invoque que o referido aresto só se aplica aos casos em que as sociedades beneficiárias estejam em condições de beneficiar de uma isenção completa, pois o TJUE é muito claro no parágrafo 40 quando se afirma de forma peremptória que “Deve, assim, responder-se à segunda questão que, no caso de um Estado-membro ter utilizado a faculdade prevista no artigo 3.º, n.º 2, da directiva, as sociedades-mãe podem invocar directamente os direitos conferidos pelo artigo 5.º, n.ºs 1 e 3, da mesma directiva nos órgãos jurisdicionais nacionais, quando essas sociedades respeitem o período de participação adoptado por esse Estado-Membro”; Z) Importa salientar que em situação absolutamente simétrica ao regime transitório concedido a Portugal, o n.º 3 do artigo 5.º da Directiva autorizava a República Federal da Alemanha a aplicar uma taxa de retenção na fonte de 5% até meados de 1996; AA) A jurisprudência firmada pelo TJUE é plenamente aplicável aos presentes autos, uma vez que: (i) a autora, tal como a ora Recorrente, a sociedade Denkavit International BV, detinha uma participação superior a 25% numa subsidiária alemã, por um período inferior ao período mínimo de detenção previsto na legislação alemã; e (ii) o regime alemão, consagrado no artigo 5.º, n.º 3 da Directiva, era similar ao regime transitório concedido a Portugal; BB) Importará, ainda, salientar que no âmbito da referida Jurisprudência decorrente do Acórdão Denkavit, o TJCE destacou, de forma absolutamente inequívoca, a constituição de direitos mínimos na esfera dos particulares ao abrigo das disposições de princípio contidas no artigo 5.º da Directiva; CC) Tudo resumido é evidente que da doutrina exposta no acórdão Denkavit podemos retirar as seguintes conclusões: (I) a Directiva goza de efeito directo, quer em relação ao regime geral de isenção, quer para os regimes excepcionais e transitórios previstos para a Alemanha, Grécia e Portugal; (II) Os Estados-Membros não podem condicionar a aplicação dos benefícios ao requisito de detenção da participação social por um determinado período de tempo; DD) A manutenção na ordem jurídica nacional do acórdão ora recorrido implicaria a consolidação de uma decisão inconciliável com a interpretação vinculativa do TJUE sobre o Direito Comunitário, o que justifica a sua revista, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA; EE) Conforme já reconhecido expressamente por este Venerando Tribunal, em acórdão proferido no processo n.º 587/08, de 3 de Dezembro de 2008, “A jurisprudência do TJCE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, nas matérias abrangidas pelo direito comunitário, como tem vindo a ser pacificamente aceite (…)”; FF) Mesmo que assim não se entenda – isto é que a jurisprudência firmada no Acórdão Denkavit não permite a sua transposição imediata para a análise da conformidade dos artigos 69.º e 75.º do CIRC face à Directiva – o que se admite por mero dever de raciocínio, sempre se diga que se impunha a suspensão dos presentes autos e seu o reenvio prejudicial para o TJUE ao abrigo do artigo 234.º do Tratado; GG) Só não seria assim, a não ser que houvesse decisão interpretativa anterior do TJUE sobre a mesma matéria – o que a Recorrente entende ser o caso e o TCA entendeu que não – ou a norma comunitária em causa fosse tão clara que não suscitasse qualquer dúvida a sua aplicação; HH) Ora, não é admissível que o TCA entenda que a articulação entre o regime comunitário e o nacional não levante qualquer dúvida interpretativa, desde logo porquanto (i) é o próprio TCA a admitir que “este requisito ou pressuposto tal como foi erigido pelo legislador português não encontra completa guarida no texto da citada Directiva 90/435/CEE”, (ii) como outros Estados-membros procederam a uma errónea transposição da faculdade prevista no artigo 5.º, n.º 1 da Directiva, pelo que não estamos perante uma situação abrangida pela teoria do acto claro; II) Dito de outro modo: se o TCA admite reservas sobre a compatibilidade do regime interno com a Directiva e não aceita a transposição directa da jurisprudência do TJUE para o caso sub judice, então aquele Tribunal estava obrigado a submeter a questão perante o TJUE conforme previsto no artigo 234.º do Tratado; JJ) Neste sentido, este Venerando Tribunal já se pronunciou expressamente, ao analisar um processo de recurso de revista apresentado ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, no qual era chamado a pronunciar-se sobre uma questão relacionada com a interpretação de um acto adoptado por instituições da Comunidade Europeia (in casu uma Directiva), sobre a necessidade de reenvio do processo para o TJUE (vide acórdão de 01.20.2010, processo n.º 01108/09); KK) Face ao acima exposto, caso este Venerando Tribunal entenda que a aplicação da Directiva 90/435/CEE, bem como a jurisprudência proferida pelo TJUE no processo Denkavit, lhe suscitam dúvidas de interpretação, não admitindo a imediata revista da decisão proferida pelo TCA em segunda instância, a ora Recorrente vem requerer, ao abrigo do artigo 234.º do Tratado, a suspensão da presente instância e a remessa dos presentes autos para o TJUE. Nestes termos, e nos melhores de Direito […], deve o recurso interposto pela ora Recorrente ser julgado totalmente procedente, por provado, determinando-se a revista e consequente revogação do Acórdão recorrido, bem como o acto tributário sindicado, melhor identificado nos presentes autos, tudo com as demais consequências legais. Subsidiariamente, requer-se a este Venerando Tribunal, o reenvio, a título prejudicial, dos presentes autos para o Tribunal de Justiça da União Europeia ao artigo do artigo 234.º do Tratado das Comunidades Europeias por estar em causa matéria interpretativa sobre a aplicação de acto normativo adoptado pela Comunidade Europeia, in casu a Directiva n.º 90/435/CEE e a compatibilidade dos artigos 69.º e 75.º do CIRC – à data dos factos tributários – com aquele diploma comunitário, tudo com as demais consequências legais». 1.3 A Fazenda Pública apresentou contra alegações que resumiu em conclusões do seguinte teor: « A) A recorrente não preenche os pressupostos do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, que permitem lançar mão deste tipo de recurso. B) O recurso de revista interposto pela recorrente tem em vista, unicamente, contrariar a deliberação do TCA Sul, alegando a mesma que aquele Tribunal fez uma errada interpretação e aplicação do direito comunitário, da Directiva 90/435/CEE e da jurisprudência comunitária proferida pelo TJUE no Acórdão Denkavit, mais, invocando, que o Tribunal “a quo” devia ter suspendido a instância e proceder ao reenvio, a título prejudicial, dos autos ao Tribunal de Justiça da União Europeia, tendo em vista determinar da compatibilidade dos artigos 69.º e 75.º do CIRC, à data dos factos tributários, com a Directiva n.º 90/435/CEE. C) Ora, tais questões, como se deliberou no Acórdão do STA, de 01/07/2009, proferido no Proc. 0400/09, porque constituem verdadeiros erros de julgamento, “não se vendo, pois, que esteja em causa a uniformização do direito e, em consequência, a sua melhor aplicação” não têm cabimento no recurso excepcional de revista. D) Tais erros têm que ser atacados através de recurso ordinário, ou, quando ele não tenha cabimento e, caso se trate de um erro clamoroso, através de um pedido de reforma da sentença. E) Pelo que, deve-se concluir pela inverificação “in casu” dos pressupostos do art. 150.º do CPTA e, consequentemente, não ser admitido o recurso. F) Ainda que assim não se entenda, sem conceder, o tribunal “a quo” deliberou, bem, quando considerou que não houve qualquer violação da Directiva n.º 90/435/CEE, nem da jurisprudência comunitária. G) Na verdade, a mesma Directiva não regula todos os aspectos para que veio contemplar a não retenção na fonte, ou retenção inferior, dos rendimentos distribuídos entre sociedades-mães e afiliadas. H) Assim, não pode ser directamente aplicável na ordem jurídica nacional sem uma intervenção legislativa do Estado-membro, legislando no sentido de colmatar as lacunas da Directiva. I) E, entre essas lacunas ou faltas de regulamentação estão os requisitos materiais que os particulares devem preencher, de modo a obter a isenção ou redução de taxa. J) Foram, pois, tais aspectos, como se conclui, e bem, no Acórdão recorrido, que o legislador nacional veio regular com o DL 123/92 de 2/07, que complementando a Directiva, surgem como requisito necessário à respectiva aplicação. K) E, atentos os artigos 45.º, 69.º, n.º 2 al. c) e 75.º n.ºs 7 e 8, todos do CIRC, toda a prova a realizar pela entidade que pretenda obter a redução de taxa, tem de ser feita perante a entidade que coloca os rendimentos à sua disposição e previamente a tal colocação. L) Ora, no caso em concreto, como se deliberou, e bem, no Acórdão ora recorrido, a situação da recorrente enquadra-se na primeira parte da al. c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRC – e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos. M) Pelo que, não sendo detentora dessa participação, há pelo menos dois anos, não preenchia os requisitos para beneficiar da redução de taxa. N) Donde, o Acórdão ora recorrido não incorreu em qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito, na interpretação e aplicação da Directiva 90/435/CEE, bem como, da jurisprudência comunitária. Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser admitido o presente recurso, por falta de verificação dos pressupostos do art. 150.º do CPTA, ou, caso assim não se entenda, deve ser negado provimento ao presente recurso de revista e em consequência, ser mantido o Acórdão ora recorrido, com todas as legais consequências». 1.4 O Procurador-Geral adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da inadmissibilidade da revista, por considerar que o recurso de revista previsto no art. 150.º do CPTA não está previsto na jurisdição tributária. 1.5 Por acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (de fls. 368 a 387), proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, após se salientar que «a admissão deste tipo de recurso depende dos seguintes requisitos: a) da necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; b) de a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», foi admitida a revista, essencialmente, pelas razões que passamos a transcrever: «[…] o erro de julgamento ainda que manifesto, só por si, não conduziria à admissão deste tipo de recurso, ainda que estando em causa violação do direito comunitário. 1.6 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos. 1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é, como procuraremos demonstrar, a de saber se a legislação nacional, designadamente os n.ºs 7 e 8 do art. 75.º do Código do IRC (CIRC) e a alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do mesmo Código, na redacção aplicável (Que é a do Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho, em vigor à data dos factos.), se interpretada com o sentido de que faz depender a aplicação das taxas de retenção previstas na Directiva 90/435/CEE – para além do mais que ora não importa considerar (Os demais requisitos de aplicação da Directiva não estão aqui em discussão.) – do facto de, no momento da distribuição dos lucros, estar integralmente decorrido o período mínimo de dois anos de detenção, pela sociedade-mãe com sede noutro estado membro, da participação social na sociedade afiliada domiciliada no nosso País, não relevando para esse efeito que esse período se complete em momento ulterior ao da distribuição dos dividendos, viola o direito comunitário, designadamente o art. 5.º da referida Directiva – e, bem assim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), firmada no acórdão Denkavit, de 17 de Outubro de 1996 –, o que importa violação do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: B. A…………………. detém, desde 10 de Dezembro de 1996, ininterruptamente, 50,88% do capital social de B……………….– fls. 30; C. Em 15 de Junho de 1998 B…………………. (cujas acções se encontram admitidas a negociação nos mercados de bolsa) procedeu à distribuição de dividendos, do ano de 1997, aos seus accionistas, sendo os da ora Impugnante no valor de € 16.372.203,49 – fls. 74 do processo de reclamação; D. Sobre a quantia referida em C, foi retida e entregue nos cofres do Estado a quantia de € 2.046.525,44, correspondente a IRC à taxa de 25% sobre 50% – fls. 74 do processo de reclamação; E. Em 14 de Junho de 2000, deduziu a ora Impugnante reclamação graciosa do acto de liquidação/retenção na fonte referido em D, invocando o art. 3.º, n.º 2, da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho e pedindo o reembolso da quantia a mais retida na fonte, no montante de Esc. 246.174.908$00/€ 1.227.015,26, por alegada errada interpretação de tal norma – fls. 2 do processo de reclamação graciosa; F. A reclamação graciosa referida em E foi indeferida por decisão de 24 de Junho de 2003 de que a ora Impugnante foi notificada em 1 de Julho de 2003, com fundamento em não ter a ora Impugnante feito prova de que reunia os requisitos da al. c) do n.º 2 do art. 69.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, que transpôs a invocada Directiva para o direito interno, isto é, por não ter feito prova de que, em data anterior à da distribuição dos dividendos em causa, detinha uma participação no capital social de B……………….. não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da sociedade participada – fls. 90 e ss do processo de reclamação graciosa; G. A fundamentação referida em F teve por base ofício circulado da Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais nos seguintes termos: “Os lucros distribuídos, nos anos de 1996 a 1999, por empresas portuguesas a favor de empresas que estivessem nas condições da Directiva n.º 90/435/CEE, por força do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRS estavam sujeitas a tributação através do método de retenção na fonte pela taxa reduzida ali prevista, desde que as empresas beneficiárias dos rendimentos detivessem uma participação não inferior a 25% no capital social da empresa devedora durante um período mínimo de 2 anos”. * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR A ora Recorrente é uma sociedade de direito neerlandês e sujeita pelo Estado holandês a imposto sobre o rendimento (vennootschapsbelasting) sem possibilidade de opção por isenção. Em 15 de Junho de 1998, recebeu da sociedade nacional “B……………….. – Comunicações Pessoais, S.A.”, na qual detinha, desde 10 de Dezembro de 1996, uma participação de 50,88% no capital social, dividendos respeitantes ao ano de 1997. * 2.2.2 DA CONFORMIDADE DO REQUISITO TEMPORAL CONSAGRADO NA ALÍNEA C) DO N.º 2 DO ART. 69.º DO CIRC, NA REDACÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 123/92, DE 2 DE JULHO, COM O N.º 2 DO ART. 3.º DA DIRECTIVA 90/435/CEE, DE 23 DE JULHO DE 1990 A Directiva 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990 (também conhecida por Directiva mãe-afiliadas e adiante referida simplesmente como Directiva) veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos pelas afiliadas às suas sociedades-mães residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos. Artigo 69.º 1. […]Taxas 2. Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos: […] c) Lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho de 1990, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro das Comunidades Europeias que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período, em que a taxa do IRC é de 15% até 31 de Dezembro de 1996, sem prejuízo do disposto nas convenções bilaterais em vigor, e de 10% desde 1 de Janeiro de 1997 até 31 de Dezembro de 1999; […] Artigo 75.º […]Retenções na fonte 7. Quando seja aplicável o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º, deverá ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação, à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a aplicação da taxa aí estabelecida. 8. A prova a que se refere o número anterior é feita através de declaração, em duplicado, confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro das Comunidades Europeias de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, devendo o duplicado, acompanhado da relação modelo n.º 130 a que se refere a Portaria n.º 376/90, de 15 de Maio, ser remetido à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos». No caso sub judice está provado que a sociedade ora Recorrente é uma sociedade de direito neerlandês, sujeita a imposto sobre o rendimento (vennootschapsbelasting) pelo Estado holandês e sem possibilidade de opção por isenção; está também provado que detinha uma participação de 50,88% no capital social da sociedade portuguesa denominada “B………………. – Comunicações Pessoais, S.A.” desde 10 de Dezembro de 1996, ininterruptamente, pelo menos até 14 de Junho de 2000 (Data em que instaurou a reclamação graciosa pedindo a restituição do montante de IRC que lhe foi retido na fonte a taxa superior a 10%.); mais está assente que, em 15 de Junho de 1998, aquela sociedade holandesa (sociedade-mãe) recebeu da referida sociedade nacional (sociedade afiliada), dividendos respeitantes ao ano de 1997, sobre os quais foi retido IRC à taxa de 25% sobre 50% da quantia distribuída, tudo nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 2, do CIRC e no art. 31.º do EBF, nas redacções em vigor à data. * 2.2.3 DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS O Tribunal Central Administrativo Sul, porque julgou procedente o recurso da Fazenda Pública, deu como prejudicado o conhecimento do recurso da Impugnante, que discordou da sentença na parte em que nesta se julgou improcedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até ao trânsito em julgado da decisão que vier a reconhecer razão à Impugnante. * 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, a) conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e confirmar a sentença na parte em que, julgando procedente a impugnação judicial, anulou o acto de retenção na parte em que neste foi excedida a taxa de 10%; b) conhecendo também do recurso interposto da sentença na parte em que indeferiu o pedido de juros indemnizatórios, conceder-lhe provimento e, em consequência, revogar a sentença nessa parte e julgar procedente a impugnação judicial também quanto a esse pedido. Sem custas (uma vez que a Fazenda Pública delas está isenta nos processos de natureza tributária no regime aplicável, que é o anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro). * |