Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0415/12
Data do Acordão:10/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DIRECTIVA COMUNITÁRIA
COMPATIBILIDADE COM O DIREITO COMUNITÁRIO
DIVIDENDOS
DUPLA TRIBUTAÇÃO
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
Sumário:I – A Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos pelas afiliadas às suas sociedades-mães residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos.
II – Tal Directiva veio impor aos Estados-Membros que a distribuição de lucros não se encontra sujeita à retenção na fonte (art. 5.º, n.º 1) e estabeleceu um regime transitório a três países, entre os quais Portugal, permitindo a retenção por razões orçamentais, por oito anos, com a taxa máxima de 15% nos primeiros cinco e de 10% nos restantes três anos (art. 5.º, n.º 4).
III – A fim de combater os abusos que resultem de participações adquiridas no capital de sociedades com o único objectivo de aproveitar os benefícios fiscais previstos, e que não se destinam a manter-se, a Directiva também permitiu que os Estados-Membros fixassem um período mínimo (não superior a dois anos) de detenção da participação (art. 3.º, n.º 2).
IV – A legislação nacional ao transpor para a ordem interna tal Directiva, tem de respeitar o seu texto e o seu espírito, não lhe podendo ser contrária, sob pena da sua violação e não poder ser aplicada, tendo em conta a primazia na ordem constitucional do direito comunitário sobre o direito interno (art. 8.º, n.º 4, da CRP).
V – Assim, os Estados-Membros não podem fazer depender a concessão do benefício fiscal previsto no art. 5.º, n.º 1, da Directiva (isenção de retenção na fonte) da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido uma participação na sociedade filial durante o período mínimo, fixado ao abrigo do art. 3.º, n.º 2, desde que esse prazo seja subsequentemente respeitado.
VI – A legislação portuguesa em vigor à data [art. 69.º, n.º 2, alínea c), do CIRC], na medida em que, ao arrepio da Directiva, veio fazer depender a concessão do benefício previsto no art. 5.º, n.º 1, da Directiva, da condição de, no momento da distribuição dos dividendos, a sociedade-mãe ter detido a participação na afiliada há pelo menos 2 anos, sem previsão de possibilidade de ulterior reembolso, constitui uma transposição errada da Directiva.
VII – Nos termos do disposto no art. 43.º do CPPT, são devidos juros indemnizatórios pelo montante indevidamente retido, contados desde o momento em que a AT indeferiu o pedido de restituição desse montante, efectuado mediante reclamação graciosa, constituindo este indeferimento o erro imputável aos serviços previsto naquele preceito.
Nº Convencional:JSTA00068962
Nº do Documento:SA2201410290415
Data de Entrada:07/03/2012
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC01 ART69 N2 C ART75 N7 N8.
DL 123/92 DE 1992/07/02.
LGT98 ART43.
CONST76 ART8 N4.
CPPTRIB99 ART43.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 90/435/CEE DE 1990/07/23 RELATIVA À DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS NOS ESTADOS MEMBROS ART5 N1 N4 ART3 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01008/05 DE 2006/06/07.; AC STA PROC 01458/13 DE 2014/05/14.; AC STA PROC0114/02 DE 2002/05/29.; AC STA PROC026807 DE 2002/10/09.; AC STA PROC0601/09 DE 2009/10/28.
Jurisprudência Internacional:AC TJCE PROC DENKAVIT DE 1996/10/17.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo que aí correu termos sob o n.º 5098/11 e no qual foi decidido o recurso interposto da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 68/03.1.1 do Tribunal Tributário de Lisboa (anteriormente n.º 68/2003 do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa, 1.º Juízo, 1.ª secção)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………………, BV” (a seguir Recorrente ou Impugnante) interpõe para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17 de Janeiro de 2012 (de fls. 247 a 258), que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública (a seguir Recorrida), revogou a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (de fls. 93 a 104) – que havia julgado procedente a impugnação judicial deduzida por aquela sociedade, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, contra parte da retenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1997 – e decidiu também não conhecer do recurso interposto pela Impugnante, por o considerar prejudicado (O recurso da Impugnante referia-se ao pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, que a sentença julgou improcedente.).

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

A) O art. 150.º do CPTA permite o recurso de revista excepcional sempre que a decisão do Tribunal a quo tenha violado a lei substantiva ou processual, constituindo jurisprudência pacífica do STA “que é possível, na jurisdição tributária, o recurso de revista com previsão no art. 150.º do CPTA”;

B) No caso em apreço, o acórdão ora recorrido viola manifestamente o disposto na Directiva 90/435/CEE e a jurisprudência proferida pelo TJUE no acórdão Denkavit (processos apensos C-283/94, C-291/94 e C-292/94), o que importa, consequentemente, uma directa violação do artigo 8.º, número 4 da CRP;

C) A Recorrente entende que se mostram preenchidos ambos os requisitos para a admissão do presente recurso, uma vez que (i) a aplicação e interpretação uniforme do regime da Directiva 90/435 se mostra uma questão jurídica de grande relevância, e (ii) face ao Acórdão do TJUE no processo Denkavit impõe-se a revisão da decisão proferida em segunda instância para melhor aplicação do direito;

D) Estando em causa, como se evidenciará, uma decisão judicial frontalmente contrária à interpretação propugnada pelo TJUE, impõe-se a sua revista sob pena de se colocar em causa a aplicação uniforme da Directiva 90/435 no seio da União Europeia, e consequente violação ostensiva do Tratado e do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa;

E) Trata-se, pois, de uma questão susceptível de transcender o interesse particular da ora Recorrente, uma vez que não se mostra admissível a manutenção na ordem jurídica de uma decisão que viole e contrarie o Direito Comunitário secundário, in casu a Directiva 90/435/CEE;

F) Estamos, pois, perante uma questão de interpretação e aplicação de um acto adoptado pelas instituições da Comunidade Europeia, bem como a interpretação sobre uma decisão judicial que se impõe aos tribunais portugueses;

G) O Acórdão recorrido procede a uma errónea interpretação e aplicação do regime jurídico previsto na Directiva 90/435/CEE, violando, ainda, a jurisprudência firmada pelo TJUE no acórdão Denkavit;

H) Na óptica da ora Recorrente, a mesma tem direito à restituição do IRC retido na fonte à taxa de 25%, uma vez que tendo completado – ainda que a posteriori – o prazo de detenção de dois anos, impõe-se a restituição do IRC retido em excesso ao abrigo da Directiva 90/435/CEE;

I) Na óptica dos Venerandos Juízes Desembargadores e, conforme resulta do acórdão ora recorrido, a Recorrente não poderá beneficiar da taxa reduzida da Directiva, uma vez que, à data da distribuição dos dividendos, não dispunha de uma participação durante dois anos consecutivos, tal como era exigido pelos artigos 69.º e 75.º do CIRC, que transpuseram a Directiva para a ordem jurídica nacional;

J) A legislação nacional não se mostrava totalmente conforme com o artigo 3.º da Directiva n.º 90/435/CEE, o que determinou a retenção indevida de imposto à taxa de 25% prevista no Código do IRC sobre os dividendos auferidos pela ora Recorrente;

K) A Directiva 90/435/CEE exigia, apenas, que a participação fosse detida por um período ininterrupto de dois anos, não erigindo como requisito que o prazo de detenção fosse completado antes da distribuição de dividendos como requisito de aplicação da taxa reduzida de retenção na fonte;

L) O TJUE – então designado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias –, veio no Acórdão Denkavit, julgar incompatível com a Directiva as normas de direito interno dos Estados-membros que fizessem depender a aplicação do regime comunitário da condição da sociedade-mãe, no momento da distribuição dos dividendos, ter detido a participação durante o período mínimo fixado pela respectiva legislação interna (processos apensos C-283/94, C-291/94 e C-292/94);

M) Tendo em conta os princípios e objectivos postulados nos considerandos da Directiva, tudo parece apontar, para efeitos de interpretação da Directiva, que o legislador comunitário pretendeu afastar todas e quaisquer restrições, desvantagens ou distorções decorrentes das disposições fiscais dos vários Estados Membros que penalizassem as sociedades-mães dos outros Estados Membros;

N) Não se invoque contra o acima exposto, tal como resulta do Acórdão ora recorrido, que a Directiva não está dotada de efeito directo uma vez que ficou dependente de medidas complementares, as quais foram adoptadas em Portugal através do Decreto-Lei n.º 123/92;

O) Com efeito, constitui doutrina e Jurisprudência pacífica no TJUE que as normas contidas numa Directiva comunitária são passíveis de produzir efeito directo e imediato – sobre o designado efeito directo das Directivas ver, por todos, na jurisprudência o já longínquo Acórdão do TJCE Vand Gend en Loos, de 05.02.1963;

P) O facto de ter sido dada liberdade aos Estados-membros para complementarem as disposições da Directiva, nomeadamente quanto aos requisitos formais e medidas de carácter administrativo para comprovação dos elementos materiais ali previstos, não pode ser interpretado no sentido de que não se consegue retirar de forma clara e inequívoca do texto da Directiva qual o regime fiscal a que ficam sujeitos os dividendos distribuídos entre sociedades residentes na União Europeia, sendo assim evidente que as normas aí contidas são susceptíveis de gozar de efeito directo – neste mesmo sentido, veja-se o acórdão do TJUE no citado processo Denkavit, conforme abaixo melhor exposto;

Q) O regime previsto no artigo 69.º do CIRC decorre de um regime excepcional e de uma derrogação provisória concedida ao Estado Português, sendo certo que constitui Jurisprudência assente do TJUE que as medidas de natureza excepcional deverão ser interpretadas de forma restritiva – cfr. Acórdão Denkavit, de 17.10.96, Processo n.º C-283/94 e processos apensos n.ºs C-291/94 e C-292/94;

R) Conforme resulta do acórdão ora recorrido, o TCA Sul entende que o acórdão proferido pelo TJUE no acórdão Denkavit não é aplicável à situação objecto dos presentes autos, uma vez que, alegadamente, o Tribunal apenas se pronunciou sobre os casos de isenção previstos no n.º 1 do artigo 5.º da Directiva;

S) Importa salientar que o litígio emergente no processo Denkavit decorre de três processos interpostos por sociedades residentes na Holanda, todas elas detentoras de uma participação social no capital de uma sociedade alemã, sendo que a Alemanha, tal como Portugal, beneficiou até ao ano de 1996 de um regime transitório nos termos do qual aquele país estava autorizado a cobrar uma retenção na fonte de imposto de 5%;

T) Assim, não é verdade que o TJUE apenas se tenha pronunciado sobre as questões de isenção previstas no artigo 5.º n. º 1 da Directiva, uma vez que a Alemanha também ela estava autorizada a cobrar uma taxa de retenção de 5%, sendo que a aplicação da referida taxa reduzida estava subordinada à condição da sociedade-mãe deter a participação social na sua afiliada por um período mínimo de doze meses;

U) Com efeito, conforme resulta do teor do Acórdão, nos seus parágrafos 4 a 10, que se passam a transcrever, “O artigo 5.º, n.º 1, da directiva prevê que os lucros distribuídos por uma sociedade filial à sua sociedade-mãe estão, pelo menos quando esta detenha uma participação mínima de 25% no capital da filial, isentos de retenção na fonte. O artigo 5.º, n.º 3, da directiva autoriza a República Federal da Alemanha, o mais tardar até meados de 1996, a cobrar uma retenção de imposto de 5%”;

V) Conforme decorre da transcrição parcial do Acórdão Denkavit, parece óbvio que o TCA incorreu num erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito, uma vez que é evidente que aquele aresto se pronuncia sobre uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos: três sociedades a solicitarem a um Estado-membro aplicação da taxa reduzida prevista ao abrigo de um regime transitório por não se conformarem com o requisito de detenção mínima imposto pela legislação nacional;

W) Afirma, ainda o TJUE de forma cristalina no referido aresto que “Consequentemente, os Estados-Membros não podem fazer depender a concessão do benefício fiscal previsto no artigo 5.º, n.º 1, da directiva da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido uma participação na sociedade filial durante o período mínimo, fixado ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, desde que esse prazo seja subsequentemente respeitado. Quanto a este ponto, os Estados-Membros têm a liberdade de, tendo em conta as necessidades da respectiva ordem jurídica, determinar as modalidades pelas quais é garantido o respeito deste período”;

X) Da Jurisprudência acima firmada resulta, de forma absolutamente cristalina, que a faculdade prevista no artigo 5.º, n.º 1, da Directiva, não pode ser interpretada como autorizando um Estado-Membro a fazer depender a referida isenção da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido a participação exigida no capital da sociedade filial durante um período pelo menos igual ao que tiver sido fixado nos termos da faculdade que lhe é reconhecida;

Y) Não se invoque que o referido aresto só se aplica aos casos em que as sociedades beneficiárias estejam em condições de beneficiar de uma isenção completa, pois o TJUE é muito claro no parágrafo 40 quando se afirma de forma peremptória que “Deve, assim, responder-se à segunda questão que, no caso de um Estado-membro ter utilizado a faculdade prevista no artigo 3.º, n.º 2, da directiva, as sociedades-mãe podem invocar directamente os direitos conferidos pelo artigo 5.º, n.ºs 1 e 3, da mesma directiva nos órgãos jurisdicionais nacionais, quando essas sociedades respeitem o período de participação adoptado por esse Estado-Membro”;

Z) Importa salientar que em situação absolutamente simétrica ao regime transitório concedido a Portugal, o n.º 3 do artigo 5.º da Directiva autorizava a República Federal da Alemanha a aplicar uma taxa de retenção na fonte de 5% até meados de 1996;

AA) A jurisprudência firmada pelo TJUE é plenamente aplicável aos presentes autos, uma vez que: (i) a autora, tal como a ora Recorrente, a sociedade Denkavit International BV, detinha uma participação superior a 25% numa subsidiária alemã, por um período inferior ao período mínimo de detenção previsto na legislação alemã; e (ii) o regime alemão, consagrado no artigo 5.º, n.º 3 da Directiva, era similar ao regime transitório concedido a Portugal;

BB) Importará, ainda, salientar que no âmbito da referida Jurisprudência decorrente do Acórdão Denkavit, o TJCE destacou, de forma absolutamente inequívoca, a constituição de direitos mínimos na esfera dos particulares ao abrigo das disposições de princípio contidas no artigo 5.º da Directiva;

CC) Tudo resumido é evidente que da doutrina exposta no acórdão Denkavit podemos retirar as seguintes conclusões: (I) a Directiva goza de efeito directo, quer em relação ao regime geral de isenção, quer para os regimes excepcionais e transitórios previstos para a Alemanha, Grécia e Portugal; (II) Os Estados-Membros não podem condicionar a aplicação dos benefícios ao requisito de detenção da participação social por um determinado período de tempo;

DD) A manutenção na ordem jurídica nacional do acórdão ora recorrido implicaria a consolidação de uma decisão inconciliável com a interpretação vinculativa do TJUE sobre o Direito Comunitário, o que justifica a sua revista, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA;

EE) Conforme já reconhecido expressamente por este Venerando Tribunal, em acórdão proferido no processo n.º 587/08, de 3 de Dezembro de 2008, “A jurisprudência do TJCE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, nas matérias abrangidas pelo direito comunitário, como tem vindo a ser pacificamente aceite (…)”;

FF) Mesmo que assim não se entenda – isto é que a jurisprudência firmada no Acórdão Denkavit não permite a sua transposição imediata para a análise da conformidade dos artigos 69.º e 75.º do CIRC face à Directiva – o que se admite por mero dever de raciocínio, sempre se diga que se impunha a suspensão dos presentes autos e seu o reenvio prejudicial para o TJUE ao abrigo do artigo 234.º do Tratado;

GG) Só não seria assim, a não ser que houvesse decisão interpretativa anterior do TJUE sobre a mesma matéria – o que a Recorrente entende ser o caso e o TCA entendeu que não – ou a norma comunitária em causa fosse tão clara que não suscitasse qualquer dúvida a sua aplicação;

HH) Ora, não é admissível que o TCA entenda que a articulação entre o regime comunitário e o nacional não levante qualquer dúvida interpretativa, desde logo porquanto (i) é o próprio TCA a admitir que “este requisito ou pressuposto tal como foi erigido pelo legislador português não encontra completa guarida no texto da citada Directiva 90/435/CEE”, (ii) como outros Estados-membros procederam a uma errónea transposição da faculdade prevista no artigo 5.º, n.º 1 da Directiva, pelo que não estamos perante uma situação abrangida pela teoria do acto claro;

II) Dito de outro modo: se o TCA admite reservas sobre a compatibilidade do regime interno com a Directiva e não aceita a transposição directa da jurisprudência do TJUE para o caso sub judice, então aquele Tribunal estava obrigado a submeter a questão perante o TJUE conforme previsto no artigo 234.º do Tratado;

JJ) Neste sentido, este Venerando Tribunal já se pronunciou expressamente, ao analisar um processo de recurso de revista apresentado ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, no qual era chamado a pronunciar-se sobre uma questão relacionada com a interpretação de um acto adoptado por instituições da Comunidade Europeia (in casu uma Directiva), sobre a necessidade de reenvio do processo para o TJUE (vide acórdão de 01.20.2010, processo n.º 01108/09);

KK) Face ao acima exposto, caso este Venerando Tribunal entenda que a aplicação da Directiva 90/435/CEE, bem como a jurisprudência proferida pelo TJUE no processo Denkavit, lhe suscitam dúvidas de interpretação, não admitindo a imediata revista da decisão proferida pelo TCA em segunda instância, a ora Recorrente vem requerer, ao abrigo do artigo 234.º do Tratado, a suspensão da presente instância e a remessa dos presentes autos para o TJUE.

Nestes termos, e nos melhores de Direito […], deve o recurso interposto pela ora Recorrente ser julgado totalmente procedente, por provado, determinando-se a revista e consequente revogação do Acórdão recorrido, bem como o acto tributário sindicado, melhor identificado nos presentes autos, tudo com as demais consequências legais.

Subsidiariamente, requer-se a este Venerando Tribunal, o reenvio, a título prejudicial, dos presentes autos para o Tribunal de Justiça da União Europeia ao artigo do artigo 234.º do Tratado das Comunidades Europeias por estar em causa matéria interpretativa sobre a aplicação de acto normativo adoptado pela Comunidade Europeia, in casu a Directiva n.º 90/435/CEE e a compatibilidade dos artigos 69.º e 75.º do CIRC – à data dos factos tributários – com aquele diploma comunitário, tudo com as demais consequências legais».

1.3 A Fazenda Pública apresentou contra alegações que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

A) A recorrente não preenche os pressupostos do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, que permitem lançar mão deste tipo de recurso.

B) O recurso de revista interposto pela recorrente tem em vista, unicamente, contrariar a deliberação do TCA Sul, alegando a mesma que aquele Tribunal fez uma errada interpretação e aplicação do direito comunitário, da Directiva 90/435/CEE e da jurisprudência comunitária proferida pelo TJUE no Acórdão Denkavit, mais, invocando, que o Tribunal “a quo” devia ter suspendido a instância e proceder ao reenvio, a título prejudicial, dos autos ao Tribunal de Justiça da União Europeia, tendo em vista determinar da compatibilidade dos artigos 69.º e 75.º do CIRC, à data dos factos tributários, com a Directiva n.º 90/435/CEE.

C) Ora, tais questões, como se deliberou no Acórdão do STA, de 01/07/2009, proferido no Proc. 0400/09, porque constituem verdadeiros erros de julgamento, “não se vendo, pois, que esteja em causa a uniformização do direito e, em consequência, a sua melhor aplicação” não têm cabimento no recurso excepcional de revista.

D) Tais erros têm que ser atacados através de recurso ordinário, ou, quando ele não tenha cabimento e, caso se trate de um erro clamoroso, através de um pedido de reforma da sentença.

E) Pelo que, deve-se concluir pela inverificação “in casu” dos pressupostos do art. 150.º do CPTA e, consequentemente, não ser admitido o recurso.

F) Ainda que assim não se entenda, sem conceder, o tribunal “a quo” deliberou, bem, quando considerou que não houve qualquer violação da Directiva n.º 90/435/CEE, nem da jurisprudência comunitária.

G) Na verdade, a mesma Directiva não regula todos os aspectos para que veio contemplar a não retenção na fonte, ou retenção inferior, dos rendimentos distribuídos entre sociedades-mães e afiliadas.

H) Assim, não pode ser directamente aplicável na ordem jurídica nacional sem uma intervenção legislativa do Estado-membro, legislando no sentido de colmatar as lacunas da Directiva.

I) E, entre essas lacunas ou faltas de regulamentação estão os requisitos materiais que os particulares devem preencher, de modo a obter a isenção ou redução de taxa.

J) Foram, pois, tais aspectos, como se conclui, e bem, no Acórdão recorrido, que o legislador nacional veio regular com o DL 123/92 de 2/07, que complementando a Directiva, surgem como requisito necessário à respectiva aplicação.

K) E, atentos os artigos 45.º, 69.º, n.º 2 al. c) e 75.º n.ºs 7 e 8, todos do CIRC, toda a prova a realizar pela entidade que pretenda obter a redução de taxa, tem de ser feita perante a entidade que coloca os rendimentos à sua disposição e previamente a tal colocação.

L) Ora, no caso em concreto, como se deliberou, e bem, no Acórdão ora recorrido, a situação da recorrente enquadra-se na primeira parte da al. c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRC – e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos.

M) Pelo que, não sendo detentora dessa participação, há pelo menos dois anos, não preenchia os requisitos para beneficiar da redução de taxa.

N) Donde, o Acórdão ora recorrido não incorreu em qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito, na interpretação e aplicação da Directiva 90/435/CEE, bem como, da jurisprudência comunitária.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser admitido o presente recurso, por falta de verificação dos pressupostos do art. 150.º do CPTA, ou, caso assim não se entenda, deve ser negado provimento ao presente recurso de revista e em consequência, ser mantido o Acórdão ora recorrido, com todas as legais consequências».

1.4 O Procurador-Geral adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da inadmissibilidade da revista, por considerar que o recurso de revista previsto no art. 150.º do CPTA não está previsto na jurisdição tributária.
Mais entendeu, sem prejuízo da sustentada inadmissibilidade do recurso, não se pronunciar sobre o mérito do recurso «porque a relação jurídico material controvertida não revela qualquer ameaça a direitos fundamentais dos cidadãos, lesão de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no art. 9.º n.º 2 CPTA (art. 146.º n.º 1 CPTA 2.º segmento)».

1.5 Por acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (de fls. 368 a 387), proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, após se salientar que «a admissão deste tipo de recurso depende dos seguintes requisitos: a) da necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; b) de a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», foi admitida a revista, essencialmente, pelas razões que passamos a transcrever:

«[…] o erro de julgamento ainda que manifesto, só por si, não conduziria à admissão deste tipo de recurso, ainda que estando em causa violação do direito comunitário.
Por outro lado, não cabe agora, em sede preliminar de admissão do recurso, apreciar se a decisão recorrida viola ou não os preceitos legais indicados pela recorrente.
De todo o modo, a questão é complexa, exige o apelo a interpretação de normas comunitárias e invoca-se a violação destas.
O acórdão recorrido entendeu que a jurisprudência comunitária não era aplicável ao caso e que a própria Directiva não consentia a interpretação dada pela recorrente. Mas, decidiu-se sem se conhecer a interpretação do TJUE sobre a matéria, isto para o caso de se entender que aqueles arestos não podem aplicar-se ao caso concreto.
Ora, apesar de ter terminado em 31.12.1998 a derrogação concedida a Portugal pelo art. 5.º, n.º 4.º da citada Directiva, entende-se que a questão suscitada nos autos deve ser conhecida por este Supremo Tribunal – o mais alto da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais – pela sua relevância social e montante envolvido, como também ainda pelo facto de, admitido o recurso, este mesmo STA poder suscitar questão prejudicial junto do TJUE».

1.6 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é, como procuraremos demonstrar, a de saber se a legislação nacional, designadamente os n.ºs 7 e 8 do art. 75.º do Código do IRC (CIRC) e a alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do mesmo Código, na redacção aplicável (Que é a do Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho, em vigor à data dos factos.), se interpretada com o sentido de que faz depender a aplicação das taxas de retenção previstas na Directiva 90/435/CEE – para além do mais que ora não importa considerar (Os demais requisitos de aplicação da Directiva não estão aqui em discussão.) – do facto de, no momento da distribuição dos lucros, estar integralmente decorrido o período mínimo de dois anos de detenção, pela sociedade-mãe com sede noutro estado membro, da participação social na sociedade afiliada domiciliada no nosso País, não relevando para esse efeito que esse período se complete em momento ulterior ao da distribuição dos dividendos, viola o direito comunitário, designadamente o art. 5.º da referida Directiva – e, bem assim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), firmada no acórdão Denkavit, de 17 de Outubro de 1996 –, o que importa violação do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
«
A. A……………… Bv é uma sociedade legalmente constituída, de acordo com a lei holandesa sujeita a tributação naquele Estado, sem possibilidade de opção por isenção, “como mencionado no anexo à Directiva 90/435/EEC” – informação prestada pelas autoridades holandesas a fls. 31;

B. A…………………. detém, desde 10 de Dezembro de 1996, ininterruptamente, 50,88% do capital social de B……………….– fls. 30;

C. Em 15 de Junho de 1998 B…………………. (cujas acções se encontram admitidas a negociação nos mercados de bolsa) procedeu à distribuição de dividendos, do ano de 1997, aos seus accionistas, sendo os da ora Impugnante no valor de € 16.372.203,49 – fls. 74 do processo de reclamação;

D. Sobre a quantia referida em C, foi retida e entregue nos cofres do Estado a quantia de € 2.046.525,44, correspondente a IRC à taxa de 25% sobre 50% – fls. 74 do processo de reclamação;

E. Em 14 de Junho de 2000, deduziu a ora Impugnante reclamação graciosa do acto de liquidação/retenção na fonte referido em D, invocando o art. 3.º, n.º 2, da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho e pedindo o reembolso da quantia a mais retida na fonte, no montante de Esc. 246.174.908$00/€ 1.227.015,26, por alegada errada interpretação de tal norma – fls. 2 do processo de reclamação graciosa;

F. A reclamação graciosa referida em E foi indeferida por decisão de 24 de Junho de 2003 de que a ora Impugnante foi notificada em 1 de Julho de 2003, com fundamento em não ter a ora Impugnante feito prova de que reunia os requisitos da al. c) do n.º 2 do art. 69.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, que transpôs a invocada Directiva para o direito interno, isto é, por não ter feito prova de que, em data anterior à da distribuição dos dividendos em causa, detinha uma participação no capital social de B……………….. não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da sociedade participada – fls. 90 e ss do processo de reclamação graciosa;

G. A fundamentação referida em F teve por base ofício circulado da Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais nos seguintes termos: “Os lucros distribuídos, nos anos de 1996 a 1999, por empresas portuguesas a favor de empresas que estivessem nas condições da Directiva n.º 90/435/CEE, por força do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRS estavam sujeitas a tributação através do método de retenção na fonte pela taxa reduzida ali prevista, desde que as empresas beneficiárias dos rendimentos detivessem uma participação não inferior a 25% no capital social da empresa devedora durante um período mínimo de 2 anos”.
“Só que, para que a empresa beneficiária dos rendimentos pudesse beneficiar desta disposição, tinha de efectuar a prova de que reunia as condições previstas na citada directiva, bem como que detinha o capital social ali previsto tal como preceituava o n.º 7 do art. 75.º do CIRC, prova essa que devia ser efectuada anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos relativamente aquela entidade beneficiária”».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente é uma sociedade de direito neerlandês e sujeita pelo Estado holandês a imposto sobre o rendimento (vennootschapsbelasting) sem possibilidade de opção por isenção. Em 15 de Junho de 1998, recebeu da sociedade nacional “B……………….. – Comunicações Pessoais, S.A.”, na qual detinha, desde 10 de Dezembro de 1996, uma participação de 50,88% no capital social, dividendos respeitantes ao ano de 1997.
Esta última sociedade (sociedade afiliada), quando da colocação desses dividendos à disposição da sociedade ora Recorrente (sociedade-mãe), reteve IRC à taxa de 25% sobre 50% da quantia distribuída, mediante aplicação do disposto no art. 69.º, n.º 2, do CIRC («Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos:
[…]» (redacção do Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho).) e no art. 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) («Os dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa contam apenas por 50% do seu quantitativo para fins de IRS ou de IRC» (redacção da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro).), nas redacções em vigor à data.
A sociedade ora Recorrente, considerando que, entretanto, perfez o período de 2 anos de detenção da participação social na sociedade afiliada, veio pedir, primeiro mediante reclamação graciosa e, depois, através de impugnação judicial, a restituição do montante de imposto que lhe foi retido acima da taxa de 10%. Fundamenta o seu pedido na violação do disposto no art. 3.º, n.º 2, da Directiva 90/435/CEE, que, a seu ver, contrariamente ao disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRC («Lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho de 1990, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro das Comunidades Europeias que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período, em que a taxa do IRC é de 15% até 31 de Dezembro de 1996, sem prejuízo do disposto nas convenções bilaterais em vigor, e de 10% desde 1 de Janeiro de 1997 até 31 de Dezembro de 1999; […]».), não exigia como condição para aplicação do benefício que, no momento da distribuição dos dividendos, se tivesse já completado o período de pelo menos dois anos de detenção da participação pela sociedade mãe, mas apenas que a participação seja detida por um período ininterrupto de dois anos. Sustenta que este seu entendimento foi o expressamente acolhido pelo então denominado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), no acórdão Denkavit (processos C-283/94, C-291/94 e C-292/94), de 17 de Outubro de 1996 (Acórdão publicado na Colectânea da Jurisprudência, 1996, pág. I-05063 e disponível em língua portuguesa em
http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61994CJ0283&from=PT.).
A AT, primeiro, e o Tribunal Central Administrativo Sul, depois, recusaram atender a sua pretensão. A fundamentação comum a ambas as decisões é a de que a ora Recorrente não fez prova de que, em data anterior à da distribuição dos dividendos, estava completado o período de dois anos de detenção de participação não inferior a 25% no capital social da sociedade afiliada, exigência que consideraram imprescindível para aquela sociedade pudesse beneficiar da tributação à taxa de 10%, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 69.º e do n.º 7 do art. 75.º («Quando seja aplicável o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º, deverá ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação, à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a aplicação da taxa aí estabelecida».), ambos do CIRC, na redacção vigente à data, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho.
A posição assumida pela AT estava, aliás, estribada numa orientação administrativa veiculada pelo Ofício-Circulado n.º 20.069, de 31 de Maio de 2002, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/73923A5A-AC8C-4BF8-A2DD-342FE0C74827/0/oficio-circulado_20069_de_31-05-2002_direccao_de_servicos_dos_beneficios_fi.pdf.), que, na parte que ora nos interessa considerar, determinava:
«1. Os lucros distribuídos, nos anos de 1996 a 1999, por empresas portuguesas a favor de empresas que estivessem nas condições da Directiva n.º 90/435/CEE, por força do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRS estavam sujeitas a tributação através do método de retenção na fonte pela taxa reduzida ali prevista, desde que as empresas beneficiárias dos rendimentos detivessem uma participação não inferior a 25% no capital social da empresa devedora durante um período mínimo de 2 anos.
2. Só que, para que a empresa beneficiária dos rendimentos pudesse beneficiar desta disposição, tinha de efectuar a prova de que reunia as condições previstas na citada directiva, bem como que detinha o capital social ali previsto tal como preceituava o n.º 7 do art. 75.º do CIRC, prova essa que devia ser efectuada anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos relativamente aquela entidade beneficiária» (sublinhado nosso).
O acórdão do TCAS ora recorrido (Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/87f9fb70307022628025798e0039057c?OpenDocument.) adoptou idêntico entendimento, de que para que a ora Recorrente pudesse beneficiar da tributação mediante retenção na fonte à taxa reduzida de 10% tinha que ter feito prova perante a entidade devedora dos rendimentos (a sociedade nacional sua afiliada), antes destes terem sido postos à sua disposição – e nunca depois –, de que se encontrava nas condições de que dependia a aplicação daquela taxa reduzida, designadamente de que detinha ininterruptamente há mais de dois anos uma participação na sociedade afiliada (devedora dos lucros) não inferior a 25%.
Mais considerou esse aresto que, sendo certo que a referida condição, «tal como foi erigida pelo legislador português, não encontra completa guarida no texto da citada Directiva 90/435/CEE», nada obsta a que o legislador nacional complemente o texto da Directiva «nos aspectos em que o legislador comunitário se absteve de o fazer, como que tendo o mesmo delegado no legislador nacional tal tarefa», motivo por que «não se vê que enferme a exigência de tal requisito de qualquer vício que afecte a sua legalidade».
Quanto ao acórdão do TJCE (acórdão Denkavit) invocado pela Recorrente em abono da sua tese, consideraram ainda os Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul no aresto ora recorrido que «não se reporta a caso paralelo ao dos presentes autos, mas sim à isenção de retenção, caso em que o Estado-membro não pode ele próprio fixar, em legislação interna, um requisito de duração da participação no capital social igual ao que tiver fixado ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 2, da mesma Directiva [90/435/CEE], no momento da distribuição dos lucros – cfr. ponto 36 desse acórdão – nada tendo decidido sobre a norma do n.º 4 do art. 5.º da mesma Directiva, que derrogou o seu n.º 1 (isenção de retenção), bem como da delegação à República Portuguesa para, em vez da isenção da retenção, durante oito anos, fixar essas taxas (entre os limites que a própria Directiva estabeleceu), bem como dos requisitos que para esse efeito poderia fixar, pelo que não vemos que, ao seu arrimo, a liquidação deva ser anulada».
O acórdão recorrido considerou ainda que do aresto do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 7 de Junho de 2006, no processo n.º 1008/05 (No Apêndice ao Diário da República de 26 de Outubro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32220.pdf), págs. 968 a 974, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/60f42562cd7d890180257193004a6f20?OpenDocument.), citado na sentença da Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, não podia extrair-se argumento algum em favor da tese da Impugnante, uma vez que, enquanto a situação tratada naquele acórdão se refere à segunda parte da alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRC – «desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período [dois anos consecutivos]» – e foi exclusivamente em relação a ela que o acórdão admitiu não ser necessário que à data da distribuição dos dividendos a sociedade-mãe estivessem já completados os dois anos de detenção consecutiva da participação –, no caso sub judice a participação social da sociedade-mãe (ora Recorrente) na sociedade afiliada não se verificava desde a constituição desta, motivo por que a situação recai na previsão na primeira parte da referida norma legal, sendo exigível, para permitir a retenção à taxa reduzida, que estivesse já decorrido o período de dois anos consecutivos de detenção da participação no momento em que os dividendos foram distribuídos.
Assim, como adiantámos em 1.7, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se, para aplicação do benefício consistente na aplicação de uma taxa reduzida na retenção de rendimentos respeitantes à distribuição de dividendos por uma sociedade nacional a uma sociedade se exigia que, no momento da distribuição dos dividendos, se tivesse já completado o período de pelo menos dois anos de detenção da participação pela sociedade mãe, ou se o benefício pode também ser aplicado nos casos em que a participação seja detida por um período ininterrupto de dois anos, ainda que este se complete após a data da distribuição dos dividendos.


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2.2.2 DA CONFORMIDADE DO REQUISITO TEMPORAL CONSAGRADO NA ALÍNEA C) DO N.º 2 DO ART. 69.º DO CIRC, NA REDACÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 123/92, DE 2 DE JULHO, COM O N.º 2 DO ART. 3.º DA DIRECTIVA 90/435/CEE, DE 23 DE JULHO DE 1990

A Directiva 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990 (também conhecida por Directiva mãe-afiliadas e adiante referida simplesmente como Directiva) veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos pelas afiliadas às suas sociedades-mães residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos.
Para alcançar esse desiderato, a Directiva prevê a eliminação da dupla tributação económica dos dividendos distribuídos entre sociedades localizadas em diferentes Estados-Membros, que, no caso de saída de dividendos (No caso de entrada de dividendos, ou seja, quando seja a sociedade-mãe a receber dividendos, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, a eliminação da dupla tributação far-se-á nos seguintes termos: o Estado da residência da sociedade-mãe deve abster-se de tributar esses lucros (método da isenção) ou, caso os tribute, deverá autorizar a sociedade-mãe a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto suportada pela sociedade afiliada correspondente a tais lucros, segundo o método do crédito do imposto (cfr. art. 4.º da Directiva).), ou seja, no caso que ora nos interessa considerar, da distribuição de dividendos da sociedade afiliada para a sociedade-mãe residente noutro Estado-membro, se fará do seguinte modo: o Estado da residência da sociedade afiliada deverá abster-se de tributar por retenção na fonte os dividendos (cfr. art. 5.º, n.º 1, da Directiva).
Mas, relembremos os preceitos da Directiva que ora nos interessa considerar. Dispunha no seu art. 3.º: «
1. Para efeitos de aplicação da presente directiva.
a) É reconhecida a qualidade de sociedade-mãe, pelo menos, a qualquer sociedade de um Estado-membro que satisfaça as condições enunciadas no artigo 2.º e que detenha no capital de uma sociedade de outro Estado-membro, que preencha as mesmas condições, uma participação mínima de 25 %;
b) Deve entender-se por «sociedade afiliada» a sociedade em cujo capital é detida a participação referida na alínea a).
2. Em derrogação do disposto no n.º 1, os Estados-membros têm a faculdade:
de, por via de acordo bilateral, substituir o critério de participação no capital pelo de detenção de direitos de voto,
de não aplicar a presente directiva às suas sociedades que não conservem, por um período ininterrupto de pelo menos dois anos, uma participação que dê direito à qualidade de sociedade-mãe, ou às sociedades em que uma sociedade de outro Estado-membro não conserve essa participação durante um período ininterrupto de pelo menos dois anos».
E no seu art. 5.º: «
1. Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25 % no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte.
[…]
4. Em derrogação do disposto no n.º 1, a República Portuguesa pode cobrar uma retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas suas sociedades afiliadas a sociedades-mães de outros Estados-membros até uma data que não poderá ser posterior ao fim do oitavo ano seguinte à data de entrada em aplicação da presente directiva.
Sem prejuízo das disposições das convenções bilaterais existentes, celebradas entre Portugal e um Estado-membro, a taxa dessa retenção não pode exceder 15% durante os cinco primeiros anos do período referido no parágrafo anterior e 10% durante os três últimos anos».
O art. 8.º, n.º 1, da Directiva, impôs aos Estados Membros que pusessem «em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformarem à presente directiva o mais tardar até 1 de Janeiro de 1992».
Ou seja, a Directiva impôs ao Estado Português a isenção de retenção na fonte do IRC pelos lucros distribuídos pela sociedade afiliada residente em Portugal à sociedade-mãe residente noutro Estado-membro quando esta detenha, pelo menos, 25% do capital social daquela (n.º 1 do art. 5.º); mas estabeleceu um regime transitório, permitindo-lhe continuar a efectuar a retenção na fonte de imposto até uma data que não poderia ser posterior ao fim do oitavo ano seguinte à data de entrada em aplicação da Directiva (n.º 4 do art. 5.º).
A Directiva foi transposta para a ordem jurídica portuguesa através do Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho, cujo preâmbulo esclarece que «[q]uanto à directiva «sociedades-mães e sociedades afiliadas», que prevê, em geral, uma isenção de retenção na fonte para os lucros distribuídos por sociedades afiliadas às respectivas sociedades-mães de Estados membros diferentes, estabelece-se, sem prejuízo das disposições das convenções bilaterais existentes, a possibilidade da tributação na fonte, até 31 de Dezembro de 1999, às taxas de 15%, nos primeiros cinco anos, e de 10%, nos três últimos, de acordo com o regime derrogatório previsto a favor de Portugal».
O mesmo Decreto-Lei n.º 123/99 procedeu à alteração de alguns preceitos do CIRC, em ordem a adequar a legislação interna às imposições da Directiva. Assim, no que ora nos interessa, os arts. 69.º e 75.º do CIRC passaram a ter a seguinte redacção: «

Artigo 69.º
Taxas
1. […]
2. Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos:
[…]
c) Lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho de 1990, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro das Comunidades Europeias que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período, em que a taxa do IRC é de 15% até 31 de Dezembro de 1996, sem prejuízo do disposto nas convenções bilaterais em vigor, e de 10% desde 1 de Janeiro de 1997 até 31 de Dezembro de 1999;
[…]
Artigo 75.º
Retenções na fonte
[…]
7. Quando seja aplicável o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º, deverá ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação, à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a aplicação da taxa aí estabelecida.
8. A prova a que se refere o número anterior é feita através de declaração, em duplicado, confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro das Comunidades Europeias de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, devendo o duplicado, acompanhado da relação modelo n.º 130 a que se refere a Portaria n.º 376/90, de 15 de Maio, ser remetido à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos».

No caso sub judice está provado que a sociedade ora Recorrente é uma sociedade de direito neerlandês, sujeita a imposto sobre o rendimento (vennootschapsbelasting) pelo Estado holandês e sem possibilidade de opção por isenção; está também provado que detinha uma participação de 50,88% no capital social da sociedade portuguesa denominada “B………………. – Comunicações Pessoais, S.A.” desde 10 de Dezembro de 1996, ininterruptamente, pelo menos até 14 de Junho de 2000 (Data em que instaurou a reclamação graciosa pedindo a restituição do montante de IRC que lhe foi retido na fonte a taxa superior a 10%.); mais está assente que, em 15 de Junho de 1998, aquela sociedade holandesa (sociedade-mãe) recebeu da referida sociedade nacional (sociedade afiliada), dividendos respeitantes ao ano de 1997, sobre os quais foi retido IRC à taxa de 25% sobre 50% da quantia distribuída, tudo nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 2, do CIRC e no art. 31.º do EBF, nas redacções em vigor à data.
É inequívoco que o Estado português podia efectuar a retenção na fonte do imposto, uma vez que, pese embora a Directiva impusesse a isenção da retenção na fonte do IRC pelos lucros distribuídos pelas sociedades afiliadas às sociedades-mães residentes noutro Estado-membro, à data o Estado português ainda beneficiava do regime derrogatório previsto no n.º 4 do art. 5.º da Directiva, que lhe permitia a retenção à taxa de 15%, nos primeiros cinco anos, e de 10%, nos três anos restantes.
Também não vem questionada a legalidade da retenção à taxa de 25%, e não à taxa reduzida de 10%, na medida em que, à data, ainda não se verificava uma das condições estabelecidas na alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRC (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 123/92) para que a retenção fosse efectuada a esta taxa, ou seja, a detenção da participação pelo período de dois anos. Na verdade, como meio de obviar a práticas fraudulentas ou abusivas, a Directiva, no n.º 2 do seu art. 3.º, permitiu que os Estados-Membros não aplicassem a prevista isenção de retenção na fonte às sociedades quando estas não conservassem a participação nas sociedades afiliadas por um período ininterrupto de até dois anos, faculdade essa que o legislador português aproveitou.
A questão que se coloca é a de saber se ora Recorrente, após ter completado o período de 2 anos de detenção da participação social na sociedade afiliada, pode pedir a restituição do montante de imposto que lhe foi retido acima da taxa de 10%.
O acórdão recorrido, secundando a posição da AT, entendeu que não, que para que fosse aplicada a taxa de 10% era necessário que, à data em que foram distribuídos os dividendos, a sociedade-mãe detivesse a participação na sua afiliada há já dois anos, como decorre da conjugação do art. 69.º, n.º 2, alínea c), com o n.º 7 do art. 75.º, ambos do CIRC, nenhuma relevância assumindo o facto de este prazo mínimo de detenção se completar após essa data. Mais considera que esse entendimento em nada contende com a Directiva, uma vez que esta deixou aos Estados-Membros a liberdade para a adopção das medidas nos respectivos ordenamentos jurídicos com vista a garantir o cumprimento daquele período de permanência.
Ou seja, entendem a AT e o acórdão recorrido que a legislação nacional, na medida em que apenas reconhece o direito à isenção apenas para o futuro e após decorrido o período de dois anos estabelecido na alínea c) do n.º 2 do art. 69.º do CIRC, não briga com a Directiva, designadamente com o disposto no n.º 2 do seu art. 3.º.
Por seu turno, a Recorrente sustenta que sim, porque o que a Directiva impõe no n.º 2 do seu art. 3.º é apenas a existência de um período mínimo de detenção da participação e já não que esse período tenha que estar verificado no momento da distribuição dos lucros, motivo por que entendimento diverso viola a Directiva, sendo certo que o direito comunitário se impõe por força do disposto no art. 8.º, n.º 4, da CRP; aliás, no sentido da incompatibilidade com a Directiva das normas de direito interno dos Estados-membros que fizessem depender a aplicação da isenção de retenção na fonte (prevista no art. 5.º, n.º 1) da condição de no momento da distribuição dos lucros a sociedade-mãe ter detido a participação na sua afiliada durante um período igual ao que tiver sido fixado ao abrigo da faculdade concedida aos Estados-membros pelo n.º 2 do art. 3.º, já decidiu o TJCE (que antecedeu o TJUE), no referido acórdão Denkavit.
Entendemos que a razão está com a Recorrente.
Na verdade, a Directiva, apesar de prever que os Estados-Membros pudessem usar da faculdade de não isentar da retenção de imposto as sociedades-mãe que não mantenham a participação na sociedade afiliada por um período mínimo, que não pode exceder dois anos (art. 3.º, n.º 2), concedendo-lhes a faculdade de regularem os procedimentos respeitantes à verificação desse requisito, de modo algum os autoriza a condicionarem a concessão do benefício, designadamente à verificação, à data da distribuição dos dividendos, de um tempo mínimo de detenção igual àqueloutro período.
Foi isso que veio dizer claramente o referido acórdão do TJCE – acórdão Denkavit (processos apensos C-283/94, C-291/94 e C-292/94) –, que, afirmando, designadamente, que «deve salientar-se que a faculdade de os Estados-Membros preverem um período mínimo durante o qual a sociedade-mãe deve deter uma participação na sociedade filial, uma vez que constitui derrogação ao princípio da isenção da retenção na fonte previsto no artigo 5., n.º 1, da directiva, deve ser objecto de interpretação estrita. Não pode, por isso, ter uma interpretação que vá além dos próprios termos do artigo 3.º, n.º 2, em prejuízo das empresas beneficiárias», decidiu que «[u]m Estado-Membro não pode fazer depender a concessão do benefício fiscal previsto no artigo 5.º, n.º 1, da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes, da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido uma participação mínima de 25% no capital da sociedade filial durante um período pelo menos igual ao que tiver sido fixado por esse Estado-Membro ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, da directiva», ou seja, 2 anos no caso português.
Mais decidiu que «[n]o caso de um Estado-Membro ter utilizado a faculdade prevista no artigo 3.º, n.º 2, da directiva já referida, as sociedades-mãe podem invocar directamente os direitos conferidos pelo artigo 5.º, n.ºs 1 e 3, da mesma directiva nos órgãos jurisdicionais nacionais, quando essas sociedades respeitem o período de participação adoptado por esse Estado-Membro».
É certo que, como ficou dito nesse acórdão, «[q]uanto a este ponto [fixação de um prazo ao abrigo do n.º 2 do art. 3.º da Directiva], os Estados-Membros têm a liberdade de, tendo em conta as necessidades da respectiva ordem jurídica, determinar as modalidades pelas quais é garantido o respeito deste período. Efectivamente, a directiva não indica o modo como os Estados-Membros, que utilizaram a faculdade prevista no artigo 3.º, n. 2, da directiva, devem fazer respeitar o período mínimo de participação quando este termine depois do pedido de isenção fiscal», esclarecendo que «a directiva não obriga os Estados-Membros a conceder a isenção desde o início desse período, sem estar garantida a possibilidade de obterem o pagamento posterior do imposto no caso de a sociedade-mãe não respeitar o período mínimo de participação que eles fixaram», bem como «não resulta da directiva que os Estados-Membros estejam obrigados a conceder imediatamente a isenção fiscal quando a sociedade-mãe se comprometa unilateralmente a respeitar o período mínimo de participação».
Mas, como expressamente refere o mesmo acórdão, a Directiva admite que, ainda que um Estado-Membro tenha utilizado a faculdade prevista no art. 3.º, n.º 2, da Directiva, uma sociedade-mãe que respeite o período de detenção da participação adoptado pelo mesmo Estado, possa invocar directamente os direitos conferidos pelo art. 5.º, n.ºs 1 e 3, da mesma directiva nos órgãos jurisdicionais nacionais.
Assim, a legislação portuguesa em vigor à data [art. 69.º, n.º 2, alínea c), do CIRC], na medida em que, ao arrepio da Directiva, veio fazer depender a concessão do benefício previsto no art. 5.º, n.º 1, da Directiva, da condição de, no momento da distribuição dos dividendos, a sociedade-mãe ter detido a participação na afiliada há pelo menos 2 anos, sem previsão de possibilidade de ulterior reembolso, constitui uma transposição errada da Directiva.
Isso mesmo foi já reconhecido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 17 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 265/09 (No Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 940 a 944, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/eec131e67188205b802575e00045e104?OpenDocument.), em que, pese embora a situação se referir a entrada de dividendos, o paralelismo, no ponto, com a presente situação, de saída de dividendos, é manifesto.
Aliás, o próprio legislador, por certo em ordem a assegurar a compatibilidade do direito interno com o direito comunitário, designadamente na interpretação que a este foi dada pelo referido acórdão Denkavit, veio clarificar, quanto ao requisito de tempo de detenção da participação a observar para que investidores residentes na União Europeia possam beneficiar da isenção de retenção na fonte sobre os lucros distribuídos por subsidiárias portuguesas, ao abrigo da Directiva n.º 90/435/CEE, que se a participação no capital (em medida superior a 25%), à data da colocação à disposição dos lucros, for detida há menos de 2 anos, não é impedimento da não sujeição, como resulta do teor do n.º 2 do art. 75.º-A (a que sucedeu o art. 89.º, n.º 2, que corresponde ao actual art. 95.º, n.º 2), aditado ao CIRC pelo art. 6.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro. Ou seja, veio admitir expressamente a possibilidade de ser requerido o reembolso do montante retido nos casos em que a participação mínima de dois anos se verifique depois da colocação à disposição dos rendimentos.
Como salientou o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1458/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/686385977d0f634280257ce7003d4ea1?OpenDocument.), referindo-se ao art. 89.º do CIRC (que hoje corresponde ao art. 95.º do mesmo Código), na redacção que lhe foi dada pelo art. 52.º da Lei n.º 53-A/2006 «[…] nos casos em que tenha havido retenção na fonte até à data em que se complete o período de dois anos de detenção ininterrupta da participação, o mecanismo interno (que passa por reter o imposto no momento da distribuição dos dividendos até que se verifique o requisito da detenção mínima por 2 anos) funciona como um mecanismo de garantia ou de controlo, que visa assegurar que, se a sociedade não residente não conservar a participação por esse período, o imposto não deixa de ser arrecadado. Porém, não se confere ao Estado da retenção o direito a tributar esses dividendos, caso a participação venha a ser conservada pelo menos por 2 anos.
Nestes casos, o facto tributário como que fica sujeito a uma condição resolutiva, que, a verificar-se, impede a produção dos efeitos da norma de incidência e despoleta a obrigação de reembolso do pagamento indevido (resultante do anterior acto de retenção).
Além de que também não se vê que a lei, ao estabelecer que o reembolso seja solicitado pela entidade beneficiária dos rendimentos, haja pretendido fazer depender o reembolso de um qualquer procedimento prévio de reconhecimento à isenção por parte da AT, mas tão só de exigir da entidade beneficiária o impulso para tal reembolso (e junção da correspondente prova sobre os requisitos). E sendo certo que o regime regra imposto pela Directiva se reconduz a um regime de isenção, também é certo que a mesma Directiva optou por atribuir aos Estados-membros a prerrogativa de não isentarem os dividendos pagos em situações de detenção de participação por curtos períodos temporais (ou seja, em situações em que potencialmente pudesse estar em causa uma utilização abusiva do regime, em que uma sociedade adquirisse uma participação numa sociedade de um outro Estado-membro tendo em vista apenas a distribuição de dividendos, desfazendo-se em seguida dessa participação).
Daí que tenha sido introduzida na redacção inicial da Directiva uma disposição que conferia aos Estados-membros a faculdade de não isentarem os dividendos que fossem detidos por um período inferior a dois anos. Todavia, de acordo com a interpretação defendida pelo TJUE (nos casos Denkavit, VITIC e Voormeer, relativos a três afiliadas Alemãs de três sociedades-mãe Holandesas às quais foi recusada a isenção de retenção na fonte na Alemanha – cfr. casos conjuntos C-283/94, C-291/94 e C-292/94, em http://curia.europa.eu), tal faculdade circunscreve-se apenas à de excluir da isenção os dividendos pagos a sociedades-mãe que alienem a participação social antes de decorridos 2 anos.
Reconhecendo-se, aliás, que compete aos Estados Membros elaborar as regras destinadas a fazer respeitar o período mínimo, em conformidade com os procedimentos previstos no direito interno (cfr. o parágrafo 36 do mencionado acórdão conjunto) e salientando-se que tais procedimentos, por se traduzirem na concretização de uma excepção ao regime geral da Directiva e constituírem um obstáculo à liberdade de estabelecimento e de livre circulação de capitais, deverão limitar-se ao que for necessário e proporcional à garantia dos direitos dos Estados-membros, não podendo essas medidas, sejam elas a exigência de prestação de garantia (caminho seguido pela Holanda) ou a retenção na fonte provisória (caminho adoptado por Portugal) transformar-se na imposição de uma tributação efectiva em desrespeito pelo regime imposto da Directiva e que é o da isenção dos dividendos distribuídos entre sociedades afiliadas e sociedades-mãe que cumpram os requisitos da Directiva, e que, a final, hajam conservado as participações sociais pelo período mínimo de 2 anos».
De tudo o que vimos de dizer resulta que a interpretação feita pelo Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão recorrido viola a legislação comunitária e a doutrina firmada pelo TJCE no referido acórdão Denkavit.
Assim, e sem necessidade de outros considerando, entendemos que aquele acórdão não pode manter-se na ordem jurídica, motivo por que o revogaremos, mantendo o decidido pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a impugnação judicial, anulou o acto de retenção na parte em que neste foi excedida a taxa de 10%.


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2.2.3 DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O Tribunal Central Administrativo Sul, porque julgou procedente o recurso da Fazenda Pública, deu como prejudicado o conhecimento do recurso da Impugnante, que discordou da sentença na parte em que nesta se julgou improcedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até ao trânsito em julgado da decisão que vier a reconhecer razão à Impugnante.
Revogado que ficou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, cumpre-nos agora conhecer daquele recurso, ao abrigo do disposto no art. 715.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, que é a anterior à aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu o pedido de juros indemnizatórios com o fundamento de que «no caso dos autos, embora a Administração Fiscal defenda a legalidade da liquidação, tratando-se de retenção na fonte, não pode ser-lhe imputada a responsabilidade por tal liquidação. Não foi a Administração Fiscal que procedeu à liquidação impugnada, nem nada vem alegado que permita concluir que a liquidação foi efectuada com base em orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, antes resultando que a liquidação se ficou a dever ao facto de, à data, não terem ainda decorrido dois anos sobre o início da participação da impugnante na sociedade distribuidora dos dividendos».
A este entendimento opôs a Impugnante em sede de recurso que o erro da AT que a fez incorrer em responsabilidade indemnizatória ao abrigo do disposto no art. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) não se refere, como erradamente considerou a sentença recorrida, à retenção do imposto na fonte, mas ao indeferimento da reclamação graciosa que fez retardar a reposição da legalidade e a restituição do montante retido em excesso, indeferimento este que teve por fundamento a aplicação de uma norma que viola o direito comunitário.
É manifesto que a Impugnante tem razão. Na verdade, a sentença recorrida, salvo o devido respeito, incorreu em lapso ao referir o erro à retenção, quando o erro invocado pela Impugnante se refere à decisão da reclamação graciosa.
Na verdade, como decorre do que deixámos já dito, a Impugnante não questionou a legalidade da retenção à data em que esta foi efectuada; questionou, isso sim, a legalidade da decisão da reclamação graciosa, que lhe indeferiu o pedido de restituição do montante que, entretanto, pelo decurso do prazo de dois anos de detenção da participação, se veio a demonstrar retido em excesso.
Ora, constituindo esse indeferimento um erro de direito imputável aos serviços – pois como tal tem que ser encarada a violação do direito comunitário ínsita àquela decisão –, tem a Impugnante direito aos peticionados juros indemnizatórios desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até ao trânsito em julgado da decisão que lhos reconhecer. Neste sentido, tem vindo a decidir esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos acórdãos de 29 de Maio de 2002, proferido no processo n.º114/02 (No Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004 (http://dre.pt/pdfgratisac/2002/32220.pdf), págs. 1651 a 1652, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5a8d38586459c4bd80256bcf0052d188?OpenDocument.), de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo n.º 26.807 (No Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004 (http://dre.pt/pdfgratisac/2002/32240.pdf), págs. 2259 a 2263.) e de 28 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 601/09 (No Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1638 a 1641, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8921e8ddb977c7e78025766400327b9d?OpenDocument.).
Concluímos, pois, que a sentença incorreu em erro de julgamento na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante, motivo por que a revogaremos, nessa parte, e, em substituição, julgaremos procedente esse pedido, assim logrando a impugnação judicial total procedência.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos pelas afiliadas às suas sociedades-mães residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos.
II - Tal Directiva veio impor aos Estados-Membros que a distribuição de lucros não se encontra sujeita à retenção na fonte (art. 5.º, n.º 1) e estabeleceu um regime transitório a três países, entre os quais Portugal, permitindo a retenção por razões orçamentais, por oito anos, com a taxa máxima de 15% nos primeiros cinco e de 10% nos restantes três anos (art. 5.º, n.º 4).
III - A fim de combater os abusos que resultem de participações adquiridas no capital de sociedades com o único objectivo de aproveitar os benefícios fiscais previstos, e que não se destinam a manter-se, a Directiva também permitiu que os Estados-Membros fixassem um período mínimo (não superior a dois anos) de detenção da participação (art. 3.º, n.º 2).
IV - A legislação nacional ao transpor para a ordem interna tal Directiva, tem de respeitar o seu texto e o seu espírito, não lhe podendo ser contrária, sob pena da sua violação e não poder ser aplicada, tendo em conta a primazia na ordem constitucional do direito comunitário sobre o direito interno (art. 8.º, n.º 4, da CRP).
V - Assim, os Estados-Membros não podem fazer depender a concessão do benefício fiscal previsto no art. 5.º, n.º 1, da Directiva (isenção de retenção na fonte) da condição de, no momento da distribuição dos lucros, a sociedade-mãe ter detido uma participação na sociedade filial durante o período mínimo, fixado ao abrigo do art. 3.º, n.º 2, desde que esse prazo seja subsequentemente respeitado.
VI - A legislação portuguesa em vigor à data [art. 69.º, n.º 2, alínea c), do CIRC], na medida em que, ao arrepio da Directiva, veio fazer depender a concessão do benefício previsto no art. 5.º, n.º 1, da Directiva, da condição de, no momento da distribuição dos dividendos, a sociedade-mãe ter detido a participação na afiliada há pelo menos 2 anos, sem previsão de possibilidade de ulterior reembolso, constitui uma transposição errada da Directiva.
VII - Nos termos do disposto no art. 43.º do CPPT, são devidos juros indemnizatórios pelo montante indevidamente retido, contados desde o momento em que a AT indeferiu o pedido de restituição desse montante, efectuado mediante reclamação graciosa, constituindo este indeferimento o erro imputável aos serviços previsto naquele preceito.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência,

a) conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e confirmar a sentença na parte em que, julgando procedente a impugnação judicial, anulou o acto de retenção na parte em que neste foi excedida a taxa de 10%;

b) conhecendo também do recurso interposto da sentença na parte em que indeferiu o pedido de juros indemnizatórios, conceder-lhe provimento e, em consequência, revogar a sentença nessa parte e julgar procedente a impugnação judicial também quanto a esse pedido.

Sem custas (uma vez que a Fazenda Pública delas está isenta nos processos de natureza tributária no regime aplicável, que é o anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).


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Lisboa, 29 de Outubro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Pedro DelgadoCasimiro Gonçalves.