Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01803/13
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
II - Não obstante, este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir que a verdadeira pretensão de tutela jurídica é diversa da formulada.
III - As questões da responsabilidade do revertido – quer se pretenda discutir a legalidade do despacho de reversão, ainda que por falta de fundamentação, violação do direito de audiência prévia e preterição de formalidade essencial, quer a ilegitimidade pelo não exercício da gerência de facto – e da prescrição da obrigação tributária correspondente à dívida exequenda devem ser discutidas no processo de oposição e não podem erigir-se em fundamentos do processo de impugnação judicial regulado nos arts. 99.º e segs. do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00068581
Nº do Documento:SA22014020501803
Data de Entrada:11/25/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART97 ART99 ART125 ART204 N1 B D I ART276 ART98 N4 ART203 N1 A
CPC013 ART615
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0705/11 DE 2011/10/19; AC STA PROC0332/10 DE 2010/05/26; AC STA PROC0814/09 DE 2010/01/20
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLII 3ED PAG288/289.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG107-108 PAG274-276 PAG91-92.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho de indeferimento liminar proferido no processo de impugnação judicial com o n.º 47/13.7BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 O Serviço de Finanças de Santarém fez prosseguir, mediante reversão, contra A………… (adiante Impugnante, Executado por reversão ou Recorrente), que considerou responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros compensatórios do ano de 2003 uma execução fiscal instaurada contra uma sociedade.

1.2 Na sequência da citação que lhe foi efectuada, o Executada por reversão apresentou uma petição, endereçada ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na qual, dizendo vir deduzir «IMPUGNAÇÃO JUDICIAL», concluiu formulando o pedido de que «deve a presente Impugnação Judicial ser recebida, julgada procedente por provada e, em consequência, julgar-se extinta a execução fiscal».
Como fundamentos desse pedido, invocou:
i) a falta de fundamentação do despacho de reversão, por aí não terem sido ponderadas os elementos novos por ele suscitados na audição prévia (artigos 2.º a 6.º da petição inicial);
ii) a prescrição da dívida exequenda, porquanto a mesma se reporta a IVA de 2003 e a sua citação ocorreu após o quinto ano posterior à liquidação, o que impede o funcionamento quanto a ele de eventuais causas de interrupção (artigos 7.º a 11.º da petição inicial);
iii) a ilegalidade da reversão por ausência dos respectivos pressupostos materiais e formais, designadamente:
não figurar no título executivo como devedor (artigos 18.º a 21.º da petição inicial);
não ter gerido a sociedade devedora originária no período de tempo em que se constituiu a dívida, porquanto, apesar de gerente de direito, não desempenhava de facto funções de gerência nessa (artigos 23.º a 36.º da petição inicial);
preterição de formalidades legais, falta de fundamentação e outros vícios formais do despacho que ordena a reversão (artigos 37.º a 53.º da petição inicial).

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, conhecendo do erro na forma do processo, julgou verificada esta nulidade e inviável o aproveitamento dos autos para prosseguirem sob a forma processual adequada – que considerou ser a oposição à execução fiscal –, por na data em que foi apresentada a petição inicial estar já ultrapassado o prazo para o efeito, motivo por que indeferiu liminarmente a impugnação judicial.

1.4 O Executado por reversão não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 O Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A) O Tribunal a quo não deveria ter indeferido liminarmente a referida impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente com o fundamento no erro na forma processual empregue;

B) O recorrente alegou diversas questões, nomeadamente a prescrição, que o Tribunal deveria obrigatoriamente que [sic] conhecer e pronunciar-se sobre as mesmas;

C) Não decorre do artigo 99.º do CPPT nem do artigo 97.º do mesmo diploma que a impugnação judicial apenas tenha de versar sobre liquidação de tributos;

D) Refere-se incompetência no mencionado artigo 99.º, que é uma excepção e nada tem a ver com liquidação de tributos, logo seguindo a mesma interpretação, a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais não podem apenas estar relacionadas com a liquidação dos tributos.

E) A excepção da prescrição teria que ser sempre apreciada.

F) Bem como, as ausências ou vícios da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais.

G) Nomeadamente, a questão prévia referida na impugnação judicial, da falta de fundamentação do despacho de reversão e a inobservância do disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, dado que os elementos novos suscitados na audição do contribuinte não foram tidos em conta na referida fundamentação, que deveria ter sido apreciada tendo em conta o Princípio Pro Actione do Tribunal.

H) Quanto à prescrição, consideramos que o Tribunal deveria ter conhecido oficiosamente da prescrição (Cfr. Artigo 175.º CPPT), sendo que aquela pode ser conhecida em qualquer momento do processo;

I) As dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 anos contados, nos impostos de obrigação única (IVA), a partir da data em que o facto tributário ocorreu;

J) No caso em apreço, poder-se-á constatar que os montantes de imposto (IVA) relativos aos períodos de tributação indicados, já prescreveram;

K) Os efeitos da interrupção da prescrição em relação ao devedor principal não produzem efeitos relativamente ao responsável subsidiário, uma vez que o ora recorrente, só foi notificado após o 5.º ano posterior ao da liquidação, pelo que, a divida encontra-se prescrita na esfera do revertido, ora recorrente - Cfr. n.º 3 do artigo 48.º da LGT

L) O Tribunal ao não apreciar e não pronunciar-se sobre diversas questões em sede de sentença, violou, salvo melhor opinião, o artigo 125.º, n.º 1 e artigo 124.º do CPPT, constituindo tal circunstância uma causa de nulidade da sentença;

M) Questões relacionadas com a falta de requisitos essenciais do título executivo e diversos vícios da citação;

N) Por todas estas razões, podia e devia o Tribunal recorrido ter decidido pela procedência da nulidade da citação e/ou prescrição do imposto, invocada pelo recorrente na Impugnação, com todas as legais consequências.

Nestes termos e nos melhores de Direito, com o douto suprimento de V/ Ex.as, Sr. Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue procedente a impugnação, declarando-se a prescrição do imposto e/ou Nulidade da citação e/ou nulidade da sentença».

1.6 Não foram apresentadas contra alegações.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso com a seguinte fundamentação (Por razões de ordem prática, as notas de rodapé serão transcritas no próprio texto, entre parêntesis rectos. ).

«Além do mais o recorrente sustenta a nulidade da decisão recorrida por alegada omissão de pronúncia.
Existe omissão de pronúncia quando se verifica violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito 1 [1Acórdão do STA, de 29 de Abril de 2008, recurso n.º 18150, AP-DR, de 2001.11.30, página, 1311].
Nos termos do disposto no artigo 660.º/1 a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sendo certo que nos termos do número 2 o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, no caso em análise, verificando-se os pressupostos de indeferimento liminar da pretensão e tendo sido liminarmente rejeitada a PI não tinha o Tribunal recorrido, como parece lógico, de conhecer do mérito da causa, ainda que tenham sido suscitadas questões de conhecimento oficioso, como é o caso da prescrição 2 [2 Acórdão do STA, de 2012.07.05-P. 0328/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
Não ocorre, pois, nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
Como resulta evidente dos autos, o recorrente em momento algum invoca qualquer fundamento de impugnação judicial (artigo 99.º do CPPT).
Na verdade não imputa qualquer vício formal ou substancial à liquidação exequenda de IVA de 2003.
Assim, a recorrente invoca como fundamentos da impugnação a ilegitimidade e a prescrição, que são fundamentos de oposição (artigo 204.º/1/ b) e d) do CPPT), embora seja certo que a prescrição, não constituindo fundamento de impugnação, pode ser conhecida nesse meio processual, tendo em vista a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Invoca, ainda, o recorrente, como fundamento da sua pretensão, vícios do despacho de reversão, fundamento enquadrável na alínea i) do artigo 204.º do CPPT.
Ora, o meio processual adequado para impugnar o despacho de reversão é a oposição judicial e não a impugnação judicial, conforme jurisprudência consolidada do STA 3 [3 Acórdão do STA de 2012.07.05 já referido. Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, III volume, páginas 499/500, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa].
Em sede de recurso vem o recorrente alegar que deveria o Tribunal recorrido conhecer da nulidade da citação.
Em primeiro lugar dir-se-á que, como já se referiu, verificando-se os pressupostos do indeferimento liminar, não podia o Tribunal recorrido conhecer do mérito da causa.
Em segundo lugar, da leitura da PI resulta que o recorrente não invocou a nulidade citação, pelo que o Tribunal não poderia conhecer da mesma, pois não é questão de conhecimento oficioso, salvo o caso de citação edital ou falta de indicação do prazo para deduzir oposição 4[4 Obra citada, III volume].
Em terceiro lugar, a nulidade da citação, por omissão de formalidades legais, também, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do estatuído no artigo 204.º do CPPT e deve ser arguida perante o órgão de execução fiscal (OEF) e não perante o Tribunal Fiscal 5[5 Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, volume III, páginas 144/145. Acórdão do STA, de 25 de Maio de 2011, proferido no recurso n.º 187/2011, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
Efectivamente, o processo de oposição tem por escopo a extinção ou suspensão da execução fiscal, o que tem como consequência que na oposição apenas sejam aceites fundamentos que conduzam a esses objectivos, o que não é o caso da nulidade de citação que, a verificar-se justificaria a anulação dos actos subsequentes do processo.
Por último, diga-se que o recorrente não formulou pedido compatível com a impugnação judicial (declaração de inexistência, nulidade ou anulação das liquidações exequendas) mas antes com a oposição judicial (extinção da execução).
É certo que a petição é intempestiva, nos termos do disposto no artigo 203.º/1/a) do CPPT (a citação foi feita em 20 12.09.20 e a PI deu entrada no SLF em 2012.11.30), pelo que não é viável a convolação judicial, nos termos do disposto nos artigos 97.º/3 da LGT e 98.º/4 do CPPT.
Bem decidiu, pois, a decisão recorrida ao rejeitar liminarmente a impugnação por erro na forma de forma de processo, insusceptível de convolação na forma processual adequada por, manifesta extemporaneidade, com consequente nulidade de todo o processo».

1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a decisão recorrida

1) enferma de nulidade por omissão de pronúncia, por não ter conhecido das questões que foram suscitadas na petição inicial, designadamente a da prescrição [cfr. conclusões B) a E), H), L) e N)] – que o Recorrente entende estar verificada [cfr. conclusões I) a K)] –, a das «ausências ou vícios da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais», designadamente a decorrente da não consideração dos elementos novos suscitados em sede de audição prévia à reversão [cfr. conclusões F) e G)] e de «questões relacionadas com a falta de requisitos essenciais do título executivo e diversos vícios da citação» [cfr. conclusão M)];

2) fez errado julgamento quando indeferiu liminarmente a petição inicial por considerar verificado o erro na forma do processo [cfr. conclusões C) e D)] o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar

· se o pedido formulado é adequado à forma processual escolhida;

· se a prescrição da dívida exequenda, a ilegalidade do acto de reversão e os vícios assacados à execução fiscal podem ser fundamento no processo de impugnação judicial.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Para proferir o despacho, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria entendeu deixar consignado o circunstancialismo processual a considerar, nos seguintes termos:
«
A) Corre termos no Serviço de Finanças de Santarém, o processo de execução fiscal n.º 2089200501083414, instaurado contra a sociedade a “B…………, Lda.”, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e juros de mora, referente aos períodos de 2003-01 a 2003-03, 2003-04 a 2003-06, 2003-07 a 2003-09 e 2003-10 a 2003-12, no valor global de € 14.627,74 – cf. certidões de dívida a fls. 45 a 50 e Citação (Reversão) a fls. 16.

B) Por despacho de reversão, datado de 17 de Agosto de 2012, a dívida exequenda no processo de execução fiscal referido em A), reverteu contra o Impugnante – cf. despacho de reversão a fls. 16 e 17.

C) O Impugnante foi citado da reversão referida na alínea antecedente, em 20 de Setembro de 2012 – facto confessado nos artigos 1.º e 37.º da PI.

D) Do despacho de reversão a que se referem as duas alíneas precedentes consta, além do mais, o seguinte:

“Pelo presente fica citado(a) (...) para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, pagar a quantia exequenda (...).
Mais fica citado de que no mesmo prazo poderá requerer o pagamento em regime prestacional (...) e/ou a dação em pagamento (...) ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Informa-se ainda que, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º da Lei Geral Tributária (...), poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no art. 99.º e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do C.P.P.T.”. - cf. despacho de reversão a fls. 16

E) A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada no dia 30 de Novembro de 2012, junto do Serviço de Finanças de Santarém – cf. carimbo aposto na PI, a fls. 5».

2.2 DE DIREITO

2.1.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, perante uma petição apresentada como impugnação judicial, considerou verificada a nulidade por erro na forma do processo, uma vez que o pedido formulado pelo Executado por reversão – de extinção da execução fiscal – não se adequa à forma processual escolhida, assim como os fundamentos invocados não são próprios da impugnação judicial, mas da oposição à execução fiscal, uma vez que o impetrante não questiona a legalidade das liquidações que estiveram na origem das dívidas exequendas, mas a reversão da execução contra ele e outras ilegalidades do processo executivo. Mais ponderou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a possibilidade de convolar a petição inicial para o meio processual adequado, que entendeu ser a oposição à execução fiscal, mas concluiu pela negativa, uma vez que na data em que a petição inicial foi apresentada estava já esgotado o prazo para deduzir oposição à execução fiscal. Por tudo isso, decidiu-se pelo indeferimento liminar da petição inicial.
Inconformado com a decisão, o Impugnante dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo. Sustenta, em síntese, se bem interpretamos a motivação do recurso e respectivas conclusões, (i) que a decisão enferma de omissão de pronúncia, na medida em que não conheceu das questões que foram suscitadas na petição inicial e (ii) que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria decidiu mal quanto à matéria do erro na forma do processo, pois «[n]ão decorre do artigo 99.º do CPPT nem do artigo 97.º do mesmo diploma que a impugnação judicial apenas tenha de versar sobre liquidação de tributos», sendo que o referido art. 99.º contempla também a incompetência, a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais. Ademais, sempre poderia conhecer, ainda que oficiosamente, da prescrição, que «pode ser conhecida em qualquer momento do processo», de acordo com o disposto no art. 175.º do CPPT.
Cumpre, pois, apreciar e decidir, sendo as questões a dirimir as que deixámos enunciadas em 1.8.

2.2.2 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

O Recorrente sustenta que na decisão recorrida não foram apreciadas as diversas questões que foram por ele suscitadas na petição inicial o que, a seu ver, inquina aquela decisão de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. art. 125.º do CPPT e art. 615.º do novo Código de Processo Civil (Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.)).
Essa nulidade da decisão não se verifica, pois, como bem ficou dito no despacho proferido pela Juíza do Tribunal a quo a fls. 117/118, o despacho recorrido, indeferindo liminarmente a petição, por considerar verificada a nulidade de todo o processo por erro na forma processual não susceptível de correcção mediante convolação para a forma de processo adequada, não poderia, consequentemente, apreciar e decidir as questões suscitadas na petição inicial, nem quaisquer outras questões de mérito, ainda que do conhecimento oficioso.
Salvo o devido respeito, o Recorrente não atentou ou, pelo menos, não relevou a circunstância de a decisão recorrida ser de indeferimento liminar da petição inicial e, consequentemente, não poder apreciar-se qualquer questão respeitante ao mérito da acção, ainda que do conhecimento oficioso, pelo que improcede a invocada nulidade da sentença.

2.2.3 DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO

A sentença decidiu no sentido da verificação do erro na forma do processo que, como é sabido, se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
No caso sub judice, o pedido formulado em juízo – que transcrevemos em 1.2 – é de que seja declarada extinta a execução fiscal.
Tal pedido é típico do processo de oposição à execução fiscal, não do processo de impugnação judicial. Neste último, o pedido será de anulação, declaração de inexistência ou de nulidade de um acto de liquidação, ou de um acto administrativo que comporte a apreciação de um acto de liquidação (acto de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que aprecie reclamação graciosa, acto de apreciação do pedido de revisão oficiosa), ou ainda de um acto de outro tipo, mas para o qual a lei utilize o termo impugnação para aludir ao meio processual a utilizar na respectiva reacção contenciosa (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 2 ao art. 99.º, págs. 107/108.).
É certo que este Supremo Tribunal Administrativo tem usado um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.
No entanto, no caso sub judice as causas de pedir invocadas também não são próprias do processo de impugnação judicial.
É hoje jurisprudência consolidada que a ilegalidade do despacho de reversão, ainda que por falta de fundamentação, violação do direito de audiência prévia e preterição de formalidade essencial, quer a prescrição da dívida exequenda, quer a ilegitimidade pelo não exercício da gerência de facto, são fundamentos de oposição à execução fiscal, enquadrando-se as referidas situações na previsão das alíneas b), d) e i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; a ilegalidade e os vícios da decisão de reversão não constituem fundamento do processo de impugnação judicial regulado nos arts. 99.º e segs. do CPPT (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 814/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 83 a 86, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/84365f9731e90311802576b7003bbba3?OpenDocument;
– de 26 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 332/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 918 a 922, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/23856e74e466bf0880257738004fef8d?OpenDocument;
– 19 de Outubro de 2011 proferido no processo com o n.º 705/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Julho de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32240.pdf), págs. 1857 a 1859, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2fee22e92a06220880257935002f7df5?OpenDocument.
É também essa a doutrina sustentada por JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 28 ao art. 204.º, págs. 479/480 e IV volume, anotação 5 ao art. 276.º, págs. 274 a 276.).
Argumenta o Recorrente com o conhecimento oficioso da prescrição em qualquer fase do processo, mas não relevando que esse processo há-de ser o de execução fiscal, que não o de impugnação judicial. Apesar de a jurisprudência ter vindo a admitir o conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial, desde que o processo forneça todos os elementos indispensáveis para apreciar a questão, esse conhecimento só pode ser feito a título incidental, como pressuposto do julgamento sobre a manutenção da utilidade na prossecução da lide (Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 5 ao art. 99.º, pág. 109/111.), e nunca como causa de pedir.
O Recorrente esgrime também em sede de recurso que o Tribunal a quo deveria ter conhecida da nulidade da citação.
Mas, como bem salientou o Procurador-Geral adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, não só não invocou a questão na petição inicial, como também a mesma deveria ser arguida perante o órgão de execução fiscal e a intervenção do tribunal só teria lugar em sede da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT de uma eventual decisão negativa.
Por outro lado, bem andou a sentença ao considerar inviável a sanação da nulidade por erro na forma do processo, imposta pelo art. 98.º, n.º 4, do CPPT, uma vez que na data em que a petição inicial deu entrada em juízo estava já precludido o prazo para deduzir oposição (A doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que, para efectuar a convolação, é necessário que seja viável o prosseguimento do processo na forma processual adequada, designadamente que a petição inicial tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual. Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume II, anotação 10 d) ao art. 98.º, págs. 91/92.), como decorre inequivocamente das circunstâncias factuais referidos em 2.1 e do disposto no art. 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.
Concluímos, pois, que a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa e, pelo contrário, fez correcta interpretação e aplicação da lei.

2.2.4 CONCLUSÕES

Por tudo o que ficou dito, o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.

II - Não obstante, este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir que a verdadeira pretensão de tutela jurídica é diversa da formulada.

III - As questões da responsabilidade do revertido – quer se pretenda discutir a legalidade do despacho de reversão, ainda que por falta de fundamentação, violação do direito de audiência prévia e preterição de formalidade essencial, quer a ilegitimidade pelo não exercício da gerência de facto – e da prescrição da obrigação tributária correspondente à dívida exequenda devem ser discutidas no processo de oposição e não podem erigir-se em fundamentos do processo de impugnação judicial regulado nos arts. 99.º e segs. do CPPT.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

*
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Casimiro Gonçalves – Pedro Delgado.