Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0387/18.9BELLE
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
II - As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional
III - A falta de conclusões de recurso determina a sua rejeição, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P25675
Nº do Documento:SA2202003040387/18
Data de Entrada:01/22/2020
Recorrente:A...........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 387/18.9BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 17 de Outubro de 2019 (de fls. 232 a 266 do processo físico) – que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a oposição por ela deduzida ao arresto decretado pela Fazenda Pública de três prédios de que é proprietária –, dele interpôs recurso para o Tribunal Constitucional mediante requerimento apresentado em 5 de Novembro de 2019, acompanhado das respectivas alegações (de fls. 275 a 280).

1.2 Pronunciando-se sobre o requerimento de interposição do recurso, a Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul proferiu despacho (a fls. 287 do processo físico) do seguinte teor:

«A Recorrente, notificada do nosso acórdão de 17 de Outubro de 2019, veio dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento no preceituado nos artigos 70.º, al. b) e 78.º, n.º 4 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
Considerando, porém, que o referido acórdão é susceptível de recurso ordinário e que o Tribunal Constitucional, em situações idênticas à presente, vem confirmando as nossas decisões de rejeição liminar, ao abrigo do preceituado nos artigos 70.º, n.º 1, al. b) e 70.º n.º 4 da sua Lei Orgânica, notifica-se a Recorrente para vir aos autos:
- declarar expressamente que aceita que o requerimento de recurso por si apresentado seja convolado em requerimento de interposição de recurso de revista;
- em caso afirmativo, juntar, no mesmo prazo, as respectivas alegações [atenta a natureza urgente dos autos, a data da decisão recorrida e o preceituado no artigo 150.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA – aplicável aos autos atento o preceituado, conjugadamente, nos artigos 13.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro e artigo 1.º n.º 1.º da Lei n.º 74/98, de 11-11 (na redacção a estes dada pela Lei n.º 26/2006, de 30-6)].
Notifique».

1.3 Notificada desse despacho, a Recorrente veio requerer (a fls. 291 do processo físico), em 18 de Novembro de 2019, a convolação do recurso em recurso de revista excepcional e, do mesmo passo, apresentar as alegações de recurso (de fls. 292 a 299 do processo físico).

1.4 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul proferiu então despacho do seguinte teor:

«Requerimento de fls. 291 e de fls. 292-299 (processo em suporte em papel):
Atento a anuência expressamente consignada no requerimento de fls. 291, o teor do requerimento de fls. 292 e as alegações juntas com este, determina-se a convolação do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional em recurso de revista do acórdão que por nós foi proferido e que consta de fls. 232-266.
Tendo o mesmo sido tempestivamente interposto por quem para tanto detém legitimidade, admite-se o mesmo, o qual subirá imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo da decisão (cfr. artigos 140.º, 143.º, 144.º, n.º 1 e 150.º, todos do CPTA conjugado com o artigo 13.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro).
Notifique ambas as partes, enviando cópia do presente despacho».

1.5 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.6 A Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer (fls. 310 do processo físico) no sentido de que, porque a Recorrente «não apresenta conclusões não obedecendo aos requisitos previstos no disposto no artigo 639.º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1.º do CPTA», seja notificada «para os devidos efeitos, com a advertência das consequências legais resultantes de tal omissão».

1.7 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) (Após a alteração introduzida no regime de recursos da jurisdição tributária pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, o recurso de revista excepcional passou a ter previsão no art. 285.º do CPPT, que decalca o regime do art. 150.º do CPTA. No entanto, o novo regime apenas será aplicável «[a]os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes [leia-se depois] de 1 de Janeiro de 2012», nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 13.º da referida Lei.).


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 150.º, n.º 1, do CPTA).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cfr. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).

2.2.1.3 No caso, lidas as alegações de recurso nelas não encontramos qualquer alusão, por mínima que seja, aos requisitos de admissibilidade da revista. Na verdade, a Recorrente limita-se a esgrimir a “inconstitucionalidade/ilegalidade” da interpretação que foi feita pelo acórdão recorrido da norma constante do n.º 2 do art. 147.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Aliás, com meras alterações de pormenor, as alegações apresentadas são uma reprodução das que foram apresentadas no recurso inicialmente interposto para o Tribunal Constitucional.
Ou seja, a Recorrente não demonstra, nem sequer alega (ainda que de modo meramente enunciativo), que estamos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ora, sendo certo que o recurso foi interposto inicialmente pela Recorrente para o Tribunal Constitucional e apenas foi convolado em recurso de revista mediante sugestão de Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, a verdade é que no despacho por que foi formulada a sugestão de que o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional fosse convolado em requerimento de interposição de recurso de revista (Essa sugestão baseou-se na circunstância de o Tribunal Constitucional ter vindo a confirmar despachos por que os tribunais centrais administrativos têm rejeitado liminarmente recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, por falta de esgotamento prévio dos recursos ordinários, atento o disposto no art. 70.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.), a Recorrente foi advertida para a necessidade de apresentar as respectivas alegações e de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 150.º do CPTA.
A falta dessa alegação justifica a não admissão da revista.


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2.2.2 DO OBJECTO DO RECURSO

Mas não é só a falta de alegação respeitante aos requisitos de admissibilidade da revista a determinar a sua não admissão.
A questão que a Recorrente pretende submeter à apreciação deste Supremo Tribunal – que é exclusivamente a da constitucionalidade da interpretação que o acórdão recorrido adoptou relativamente ao n.º 2 do art. 147.º do CSC, como resulta das alegações do recurso – não constitui um objecto próprio do recurso de revista, pois pode ser separadamente colocada junto do Tribunal Constitucional (Vide, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos em apreciação dos requisitos da admissibilidade dos requisitos da revista, nos termos do n.º 1 do art. 150.º do CPTA e pela formação prevista no n.º 6 do mesmo artigo:
- de 10 de Julho de 2019, proferido no processo com o n.º 1468/05.4BELSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/40688ac4597cd8c78025843c004c7dc4;
- de 14 de Outubro de 2019, proferido no processo com o n.º 2780/18.8BEBRG, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d93bf80ebeee8edd8025849c0030ec5f;
- de 6 de Fevereiro de 2020, proferido no processo com o n.º 767/11.0BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0a7f147b5c1f8498025851300581dd5.).
Também esse motivo justifica a não admissão do recurso.


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2.2.3 DA FALTA DE CONCLUSÕES

Existe ainda um outro motivo a determinar a não admissão do recurso: a falta de formulação pela Recorrente de conclusões.
Sendo seguro que as alegações de recurso não contêm conclusões, a questão que se coloca é a de saber se o recurso pode de imediato ser rejeitado com esse fundamento ou se, como sustentou a Procuradora-Geral-Adjunta no seu parecer, a Recorrente deveria ser antes convidada a suprir essa falta, ao abrigo do disposto no art. 639.º do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi do art. 1.º do CPTA.
Salvo o devido respeito, relativamente às conclusões do recurso, a falta determina, sem mais, a rejeição do recurso, atento o disposto no art. 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC, sendo que a possibilidade de completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, prevista no n.º 3 do art. 639.º do mesmo Código só terá lugar quando, existindo as conclusões, as mesmas sejam deficientes, obscuras, complexas ou não cumpram as especificações legais.
No mesmo sentido dispõe a alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA, aplicável ao caso.
Também por este motivo se impõe a rejeição do recurso.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

II - As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional

III - A falta de conclusões de recurso determina a sua rejeição, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, em não admitir o presente recurso.


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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 4 de Março de 2020. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.