Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0262/15
Data do Acordão:05/14/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ACÓRDÃO FUNDAMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Não pode ocorrer oposição entre o acórdão recorrido e um acórdão ainda não transitado em julgado à data da interposição do recurso (e, aliás, entretanto revogado).
III - O art. 267.º, n.º 5, da CRP, que assegura o direito de participação efectiva dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes respeitem, não impõe que essa participação seja efectuada exclusivamente através de uma audiência prévia, tal como prevista e regulada pelo art. 60.º da LGT.
IV - Após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, o art. 63.º-B da LGT, que em todas as suas redacções anteriores impunha à AT a audiência prévia do sujeito passivo antes de proferir a decisão da acesso directo a documentação bancária, deixou fazer essa exigência relativamente ao acesso a informações e documentos bancários do próprio sujeito passivo, mantendo-a apenas para as situações em que o acesso se reporta a contas de que são titulares familiares daquele ou terceiros que com ele estejam numa relação especial.
V - Assim, tem de se concluir que, após a entrada em vigor do preceito em referência com aquela nova redacção, deixou de ser exigível que o contribuinte seja ouvido nos termos já mencionados e definidos pelo art. 60.º da LGT (projecto de decisão contendo os fundamentos do sentido da decisão).
VI - A inexigibilidade da audição prévia do contribuinte nos termos formalmente consagrados no art. 60.º da LGT foi um dos grandes objectivos prosseguidos com a reforma introduzida pela Lei n.º 94/2009, como inequivocamente o revelam, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa a essa audição e a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com ele uma relação especial e, por outro, o espírito da norma e as razões históricas subjacentes à alteração do procedimento nos termos da exposição de motivos constante da Proposta de Lei 275/X, que antecedeu a Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro.
Nº Convencional:JSTA00069204
Nº do Documento:SAP201505140262
Data de Entrada:03/11/2015
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCAS PROC262/15 - AC TCAS PROC7606/14.
Decisão:NEGA PROVIMENTO E NÃO ADMITIR RECURSO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - UNIFORM JURISPRUDÊNCIA.
Legislação Nacional:CONST76 ART287 N5.
LGT98 ART63-B ART60 ART58.
L 94/2009 DE 2009/09/01
CPTTRIB99 ART284 N5.
ETAF02 ART27 B.
CPTA02 ART152.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC048417 DE 2002/11/20.; AC STA PROC047953 DE 2003/09/25.; AC STA PROC0816/05 DE 2006/06/29.; AC STAPLENO PROC035338 DE 2004/03/31.; AC STA PROC01218/02 DE 2004/10/13.; AC TC N499/2009 PROC669/08.; AC TC N442/2007 PROC815/2007.
Referência a Doutrina:PEDRO MACHETE - A AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 1995 PÁG551.
SANTOS BOTELHO, PIRES ESTEVES E CÂNDIDO DE PINHO - CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO E COMENTADO 3ED PÁG352.
FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII PÁG323.
SÉRVULO CORREIA - O DIREITO À INFORMAÇÃO E OS DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO DOS PARTICULARES NO PROCEDIMENTO IN CADERNOS DE CIÊNCIA DE LEGISLAÇÃO 9/10 JANEIRO-JUNHO 1994 PÁG156-157.
VASCO PEREIRA DA SILVA - EM BUSCA DO ACTO ADMINISTRATIVO PERDIDO 1996 PÁG426 E SEGS.
DAVID DUARTE - PROCEDIMENTALIZAÇÃO PARTICIPAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO: PARA UMA CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PARÂMETRO DECISÓRIO 1996 PÁG143 E SEGS.
SALDANHA SANCHES - SEGREDO BANCÁRIO E TRIBUTAÇÃO DO LUCRO REAL CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL 377 JANEIRO-MARÇO 1995.
LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LEI ANOTADA E COMENTADA 4ED PÁG572-573.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos

1. RELATÓRIO

1.1 A…………….. e B………………… (adiante Recorrentes) vieram, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 16 de Outubro de 2014 pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, invocando oposição com o acórdão do mesmo Tribunal e Secção, de 10 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 7606/14, quanto à questão do direito de audiência prévia à derrogação do sigilo bancário por decisão administrativa, e com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 492/13.8BEVIS, quanto à questão da falta de fundamentação prevista no n.º 4 do art. 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT).

1.2 Admitido o recurso, o Juiz Desembargador Relator no Tribunal Central Administrativo Sul, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, entendeu verificada a oposição de acórdãos e ordenou a notificação das partes para alegarem nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

1.3 Os Recorrentes apresentaram, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiram em conclusões do seguinte teor:

«1. O Acórdão recorrido encontra-se em oposição ao Acórdão do TCA do Sul, proferido no processo n.º 07606/14, de 10/07/2014, pois entende que, no caso de acesso à informação e documentos bancários de um contribuinte, se encontra dispensada a respectiva audiência prévia

2. O Acórdão recorrido encontra-se em oposição ao Acórdão do TCA do Norte, proferido no processo n.º 00492/13.8BEVIS, de 13/2/2014, já que defende que a determinação presumida de capital, pela aplicação de uma taxa “implícita” de juro, isto é, de referência, uma “hipótese” ou um exemplo, de 4%, aos juros percepcionados, cumpre o dever de fundamentação previsto no n.º 4 do art. 63.º-B da LGT, para considerar a existência de indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT.

3. Não é claro, nem evidente que o objectivo do legislador ao aprovar a Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, fosse o de eliminar o direito de audiência prévia do contribuinte nas situações de derrogação do sigilo bancário.

4. A audiência prévia do contribuinte à derrogação do sigilo bancário é exigida pelos princípios da colaboração e proporcionalidade (arts. 55.º e 59.º da LGT).

5. A audição do contribuinte prévia à derrogação do sigilo bancário, permite a que o mesmo conheça a fundamentação de facto e de direito da AT para a proposta de decisão, e que caso reconheça razão à AT, possa fornecer-lhe elementos que esclareçam a situação e que evitem o sacrifício do direito à intimidade privada.

6. Só com o reconhecimento do direito de audição prévia do contribuinte no caso de derrogação do sigilo bancário é possível conciliar-se, em matéria tributária, o direito à intimidade tributária com o direito do Estado à arrecadação de receitas para realização das actividades a que se propõe.

7. E inexistem motivos de celeridade que justifiquem a dispensa de audiência prévia do contribuinte antes da decisão de derrogação do sigilo bancário, pois o direito de audição é efectuado num prazo muito curto que vai de 15 a 25 dias.

8. Também a preservação de prova não justifica a dispensa de audiência prévia do contribuinte, pois a mesma encontra-se na posse de terceiros que o contribuinte não controla ou domina – instituições bancárias.

9. Logo o Acórdão recorrido deve ser anulado pela aceitação da não concessão de audiência prévia do contribuinte nos casos de derrogação do sigilo bancário.

10. O acórdão recorrido andou mal ao assumir que a presunção de capital, pela aplicação de uma taxa “implícita” de juro, isto é, de referência, uma “hipótese” ou um exemplo, de 4%, aos juros percepcionados, cumpre o dever de fundamentação previsto no n.º 4 do art. 63.º-B da LGT, para considerar a existência de indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT

11.Tal visão viola o dever de fundamentação nas vertentes formal e substantiva.

12. Do ponto de vista formal a AT não justifica como chega à taxa de 4%. Refere que utiliza essa taxa como exemplo, porém fica por perceber porque motivo foi utilizado o exemplo de 4% e não 3%, ou 5%, ou qualquer outro. A AT não justifica sequer porque motivo utiliza essa taxa exemplo para 2010 e para 2011.

13. A fundamentação para a presunção de capital, pela aplicação de uma taxa “implícita” de juro não é congruente, nem lógica, mas especulada, sem qualquer justificação para o exercício especulativo prosseguido.

14. A existência de uma variação dos juros bancários percepcionados por um sujeito passivo não pode considerar-se indício da existência de acréscimo de património não justificado.

15. Se mediante um facto conhecido (montante de juros obtido) for utilizado um elemento aleatório (uma taxa de 4% ou de qualquer outro valor) para se obter o valor do capital, não chegamos a um indício do capital investido, mas a uma mera especulação, uma mera hipótese de capital como qualquer outra.

16. Aí temos a violação do dever de fundamentação substancial.

17. Um aumento dos juros bancários recebidos não significa desde logo, à partida um aumento do capital investido.

18. Um aumento dos juros recebidos pode ter várias causas: aumento das taxas de juro; diferente período de maturidade do depósito; alteração do depósito contratado; pagamento de juros postecipados; etc.

19. A variação do valor absoluto de juros pagos não permite a conclusão, firme, segura e sólida de que houve aumento do capital investido.

20. Se apenas se conhece o valor dos juros anuais, para se chegar ao capital investido é necessário atender a vários factores, tais como: taxa de juro, condições de determinação da taxa de juro (fixa, crescente, etc.), período de depósito do capital, momento da maturidade do depósito; condições do pagamento de juros (ex. postecipados, periódico, capitalizados, etc.); cumprimento do prazo e condições de depósito, para ter direito ao pagamento do valor de juro acordado juros; tipo de produto associado ao depósito bancário (cross selling, etc).

21. Se apenas forem conhecidos os valores de juros anuais, a tentativa de determinar capital investido será meramente especulativa e aleatória, mesmo usando os dados da AT.

22. Veja-se o seguinte exemplo: Juros anuais ano 1 – 2.500,00 €; Juros anuais ano 2 – 6.600,00 €; Taxa de juro: 4%. Qual o capital investido? A AT diria que o capital investido no ano 1 foi de 62.500,00 € (2.500,00 €/4%) e de que no ano 2 foi de 165.000,00 € (6.600,00 €). Logo, caso o beneficiário tivesse declarado rendimentos líquidos de valor inferior a 102.500,00 €, haveria um acréscimo de património não justificado e estava legitimada a inverter o ónus da prova contra o contribuinte, nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 87.º e do art. 89.º-A da LGT. Porém bastava que o depósito tivesse sido contratado em 1 de Setembro do ano 1 e se tivesse mantido os 12 meses do ano 2 para se chegar a um resultado totalmente diverso. Como no ano 1 o empréstimo apenas durou 1/3 do ano e no ano 2 o ano completo, poderia o capital investido ser de 187.500,00 € [(2.500,00 € / 4%) * 12 / 4)] no ano 1 e de 165.000,00 € no ano 2! Nesse caso não haveria incremento mas redução do capital investido.

23. O Acórdão recorrido deve assim ser anulado por vício de fundamentação formal e substancial».

1.4 A Fazenda Pública (a seguir Recorrida) contra alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1. Inconformados com a decisão proferida nos presentes autos de derrogação de sigilo bancário, prevista no art. 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), proferida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16 de Outubro de 2014, A…………… e B……………., ora Recorrentes, interpuseram o presente recurso com fundamento em oposição de acórdãos.

2. Considerando que o decidido naquele Acórdão contraria a doutrina dos Acórdãos de 10/7/2014 do TCA Sul (processo n.º 7606/14) e de 13/02/2014 do TCA Norte (processo n.º 492/13.8BEVIS) quanto às seguintes questões:

2.1. saber se após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009 e a redacção dada ao artigo 63.º-B da LGT deixou de ser exigível que o contribuinte directamente visado no âmbito de um procedimento de derrogação de sigilo bancário seja ouvido nos termos definidos pelo artigo 60.º da LGT; bem como

2.2. saber se em sede de fundamentação do despacho de derrogação de sigilo bancário, a taxa de juro exemplificativa determina necessariamente que o mesmo deva ser considerado como não fundamentado do ponto de vista formal.

3. Segundo os Recorrentes, foi decidido nos acórdãos fundamento, quanto à primeira questão (2.1) que aquela audição prévia se impunha (AC. TCAS, processo n.º 7606/14) e, quanto à segunda questão (2.2) que a mera referência à taxa de juro não era bastante para concluir-se pela fundamentação do despacho de derrogação de sigilo bancário (AC. TCAN, proc. 492/13.8BEVIS).

4. Quanto à questão (2.1) saber se após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009 e a redacção dada ao artigo 63.º-B da LGT deixou de ser exigível que o contribuinte directamente visado no âmbito de um procedimento de derrogação de sigilo bancário seja ouvido nos termos definidos pelo artigo 60.º da LGT.

5. Considera o douto Ac. fundamento que a redacção do artigo 63.º-B da LGT, introduzida pela Lei n.º 94/2009 de 1 Set., eliminou da letra da lei a referência expressa ao exercício do direito de audição quando esteja em causa o acesso a documentação bancária do próprio sujeito passivo, mantendo a expressa à obrigatoriedade do direito de audição relacionada com o acesso aos documentos bancários de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

6. Contudo, sustenta que apesar da evolução/alteração da lei, tal eliminação não equivale à dispensa (legal) daquele direito.
Salvo o devido respeito, não será de acolher a tese vertida no Acórdão fundamento (AC. TCAS, processo n.º 7606/14) porquanto a mesma não faz uma correcta interpretação do direito, e sim de manter o vertido no Acórdão recorrido. Senão vejamos,

7. Dispõe o Ac. Recorrido, e bem no nosso entender, a respeito do n.º 5 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “(...) hoje é inquestionável: todos os cidadãos têm o direito a participarem nos procedimentos que lhes digam respeito e sejam susceptíveis lesar a sua esfera jurídica, constituindo essa participação (direito a participar) um princípio do nosso ordenamento jurídico-constitucional (...) Todavia, é também hoje seguro que essa exigência constitucional não constitui um direito absoluto, pelo menos não no sentido de que sempre e em qualquer circunstância o interessado, in casu, o contribuinte, tenha que ser ouvido no âmbito do procedimento, por não assumir a audiência prévia” Continuando por

8. “O que aquele preceito constitucional exige (...) é que seja assegurada uma participação efectiva dos cidadãos na formação das decisões mas não que essa participação se haja de realizar através de uma audiência prévia nos termos em que a mesma se mostra instituída no artigo 60.° da LGT ou que, da sua não concretização resulte, sempre, a invalidade do acto (decisão) que previamente a não observou

9. Determina também o douto Ac. recorrido que o n.º 5 do artigo 267.º da CRP enquanto princípio estruturante da actividade administrativa é susceptível de ser conformado, por via de limitações ou excepções e “que a observância desse princípio constitucional de participação não passa, necessariamente, como defendido pelos Recorrentes, por uma audição concretizada numa notificação formal, expressa e autónoma do sentido provável da decisão e na concessão de um prazo para que o interessado se pronuncie

10. E será agora que discordamos da posição vertida no Ac. fundamento, porquanto a mesma não faz uma correcta interpretação do artigo 63.º-B da LGT, nomeadamente tendo em conta a sua evolução histórica.

11. Aliás, o próprio Ac. fundamento reconhece a “evolução/alteração” da redacção do artigo 63.º-B introduzida pela Lei n.º 94/2009 de 1 Setembro só não a interpreta da forma mais adequada, contrariamente ao que faz, na nossa opinião, o Ac. recorrido, tendo disposto que:

12. “é necessário que tenhamos presente a evolução que o artigo 63.º-B da LGT veio sofrendo nos últimos anos, em especial, a alteração da redacção de que foi objecto pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro. Na verdade, em todas as redacções anteriores desse normativo (...) se encontrava expressamente previsto que antes de proferia a decisão de acesso directo a documentação bancária a Administração tributária tinha o dever de proceder à audição prévia do sujeito passivo (...) Com a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, e a redacção por este imprimida ao artigo 63.º-B da LGT deixou de haver qualquer referência expressa a essa exigência de audição prévia do contribuinte, a qual, tal qual (expressa) se manteve apenas para as situações em que o acesso a informações e documentos bancários se reportava a contas de que eram titulares familiares daquele e/ou terceiros que com o mesmo tivesse numa relação especial”. Continuando por:

13. “A consagração dessa dispensa de audição do contribuinte foi aliás, sem margem para dúvidas, um dos grandes objectivos prosseguidos com esta reforma (...) como inequivocamente revela, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa necessária a essa audição e, por outro lado, o facto de a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com aquele relação especial”.

14. Acompanhamos integralmente a posição adoptada no Ac. recorrido, tanto mais que, num juízo esclarecedor e dissipador de dúvidas, sustentado numa não dispensa (do direito de audição prévio) expressa na letra da lei, convocou os demais elementos interpretativos, conformes ao artigo 9.º do Código Civil, in casu o “espírito da norma e as razões históricas subjacentes a essa alteração”.

15. Para concluir que: “Temos, pois, por seguro, face à letra do artigo 63.º-B da LGT, à evolução da redacção do referido preceito e ao espírito do legislador e razões históricas subjacentes a essa alteração, que o legislador ordinário estabeleceu e quis estabelecer que nos casos de acesso à informação e documentos bancários do contribuinte não era necessário a sua prévia audição nos termos em que a mesma se mostra postulada no artigo 60.º da LGT ou, se preferirmos, de forma mais directa, temos por seguro que o legislador ordinário na regulamentação do procedimento especial de derrogação do dever do sigilo bancário eliminou essa fase procedimental, sendo pois, quanto a nós descabido apurar se esta dispensa cabe ou não nos casos previstos no n.º 1 ou chamar à colação o artigo 60.º da LGT, por o seu regime ter sido afastado por disposição especial”.

16. Salvo o devido respeito, a conclusão vertida no Ac. recorrido parece-nos, a mais apropriada e coerente,

17. tendo em conta as razões históricas subjacentes a esta alteração, constantes na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 275/X/4, que antecedeu a Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, analisada no douto Ac. recorrido e da qual resulta:

18. “A experiência (...) aconselha a que se continue a agilizar o acesso à informação bancária (...) simplificando os procedimentos (...) o acesso directo à informação bancária é indispensável (…)”. E

19. “Na presente proposta de lei reequacionam-se as situações em que, através de decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço, a administração tributária tem acesso directo a informações, ou documentos bancários, sem depender de prévia audição do contribuinte, sem prejuízo dos direitos de reclamação graciosa e de impugnação judicial aplicáveis. (…) Por outro lado, o acesso directo da administração tributária aos documentos bancários, de familiares ou de terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, nas situações em que estes recusem a exibição ou não autorizem a sua consulta, fica condicionada à prévia audição dos interessados (...)”.

20. Face ao exposto, temos pois, salvo o devido respeito, que o douto Ac. recorrido interpretou a questão aqui suscitada da forma mais correcta e conforme ao direito, tendo em conta a letra da lei do artigo 63.º-B da LGT (na redacção objecto da Lei n.º 94/2009 de 1 de Setembro), bem como o espírito da norma e as razões históricas subjacentes a essa alteração (em concreto, a exposição de motivos da Proposta de Lei que antecedeu a Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro) enquanto elementos interpretativos enunciados no artigo 9.º do Código Civil.

21. A este respeito veja-se o recente Acórdão do STA - Pleno da Secção de Contencioso Tributário – no processo n.º 0642/14 de 12-11-2014 (disponível em www.dgsi.pt), no qual por unanimidade os Venerandos Conselheiros em questão idêntica à que se seguida se discutirá, decidiram no que a esta questão importa o seguinte:

22. «O art. 63.º-B da LGT permite o acesso da administração tributária a informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos. Mas o n.º 4 refere que as decisões devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão sendo tal competência cometida ao Director-geral sem possibilidade de delegação. Esta exigência justifica-se desde logo porque o legislador eliminou o direito de audiência prévia do interessado. Mas mais, estando em causa uma compressão do direito à reserva da vida privada, consagrado no art. 26.º n.º 1 da CRP, este direito pode ser comprometido irremediavelmente se para além de não haver lugar a audiência prévia, não for dado cumprimento ao estabelecido no n.º 4 do art. 63.º-B da LGT” (negrito nosso) E

23. “(...) sendo certo que nos n.ºs 1 e 2 do art. 63.º-B da Lei Geral Tributária, na redacção actualmente vigente, se prevêem situações em que a administração tributária pode aceder directamente à totalidade dos documentos cobertos pelo sigilo bancário, independentemente da autorização do tribunal ou do interessado (...)

24. Donde, resulta evidente a conformidade do Ac. recorrido com a melhor interpretação da lei aos factos. SEM PRESCINDIR,

25. Não obstante o alegado, certo é que os Recorrentes participaram efectivamente em todo o procedimento, participação essa na presença dos elementos de facto e de direito que levaram à decisão, já que, como evidencia o douto Ac. Recorrido “pela posição que sistematicamente a Administração Tributária foi adoptando (veja-se o número de vezes que a Administração Tributária comunicou aos sujeitos passivos que a derrogação de sigilo bancário seria o passo subsequente se não ficasse esclarecida e o envio repetido de uma declaração para os sujeitos passivos preencherem e assinarem concedendo a sua autorização de acesso a documentos e informações bancárias de contas de que são titulares).

26. Desta forma concluindo que, pese embora “(...) o legislador ordinário na actual conformação do procedimento especial de derrogação do sigilo bancário eliminou a fase procedimental de audiência prévia (…) e que aos Recorrentes foi dada a oportunidade efectiva de participar no procedimento, o que estes fizeram na medida em que o entenderam constituir sua obrigação fazer, conscientes das razões de facto e de direito que determinavam a AT na sua actuação e decisão (...). (sublinhado nosso)

27. Face ao exposto, salvo melhor opinião, a interpretação dada no Ac. Recorrido é a mais correcta, pelo que deve ser mantida.

28. Quanto à questão (2.2) de saber se em sede de fundamentação do despacho de derrogação de sigilo bancário, a taxa de juro exemplificativa determina necessariamente que o mesmo deva ser considerado como não fundamentado do ponto de vista formal.

29. Os Recorrentes fundamentam haver oposição de acórdãos quanto a esta questão já que o AC. TCA Norte, no proc. 492/13.8BEVIS (Ac. fundamento) entendeu que a mera referenciação de uma taxa de juro de 4% não cumpre o dever de fundamentação formal do acto tributário, não dando o autor do acto a conhecer minimamente as razões em que se fundou para determinar aquele valor e não outro, o que aliás nem sequer ensaiou.

30. Desta forma, entendeu a maioria do colectivo que proferiu o douto Ac. fundamento quando o destinatário perante a decisão de acesso às informações e documentos bancários fica sem conseguir perceber os motivos pelos quais foi considerado determinado juro bancário para efeitos de aferição de um acréscimo de património não justificado presumido, estamos perante uma situação de falta de fundamentação, determinando-se a anulação da decisão do Director-Geral da AT, que autorizou o acesso às conta bancárias dos ali Recorrentes.

31. Porém, a decisão do Ac. fundamento não foi unânime, tendo tido um voto de vencido no qual se dispôs: “Consideraria que a decisão administrativa de derrogação do dever de sigilo bancário está suficientemente fundamentada porque é ali devidamente explicitado que essa taxa é apresentada a título meramente exemplificativo, e para suportar um raciocínio meramente hipotético. A taxa de juro é, como decorre do próprio raciocínio do inspector, uma variável desconhecida. A questão de saber se a derrogação do sigilo bancário pode ser suportada no raciocínio hipotético que a fiscalização construiu já não é uma questão (formal) da existência de fundamentação, mas da validade (substancial) do discurso fundamentador respectivo.

32. Destarte, pela sua relevância importa ainda destacar que foi interposto recurso por oposição de acórdãos do Ac. fundamento invocado pelos Recorrentes.

33. In casu, trata-se do recente Acórdão supra referido proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA no processo n.º 0642/14 de 12-11-2014 (disponível em www.dgsi.pt, no qual por unanimidade os Venerandos Conselheiros resolveram questão idêntica a esta, tendo aí julgado verificado a oposição de acórdãos e revogar o acórdão recorrido que entendeu não fundamentado o despacho recorrido, i.e., o Ac. do TCANorte de 13 de Fevereiro de 2014 (aqui Ac. fundamento).

34. Efectivamente o aludido Ac. do STA considerou que “(...) a taxa de juro indicada pela AT a “titulo meramente exemplificativo” (o que temos de sublinhar e destacar) significa que a Administração tributária recorreu a uma variável desconhecida ou a um raciocínio hipotéticos que temos de aceitar como possível já que não tendo ainda obtido/efectuado o acesso à informação bancária não podia conhecer em concreto a taxa de juro contratualizada pelos contribuintes ou os tipos de produtos depositados, a qual como bem se observa no acórdão recorrido, é variável de cliente para cliente. Trata-se de admitir a demonstração de elementos indiciadores necessários à verificação posterior do facto tributário. Ainda que se corra o risco de este raciocínio hipotético conter alguma margem de indeterminação, por natureza, é de admitir desde que sustentado em regras da experiência comum ou elementos factuais ou técnico-científicos.” (negritos nossos)

35. Concluindo que “(...) emerge clara e expressamente do teor do despacho ora sindicado e informação que suporta que o suporta que o mesmo apresenta a fundamentação formal e substancial exigível (...) Assim, será de julgar verificada a oposição de acórdãos e revogado o acórdão recorrido que entendeu não fundamentado o despacho recorrido.” (negrito nosso) Isto posto,

36. E adiantando caminho, salvo o devido respeito entendemos que o douto Ac. recorrido fez uma correcta interpretação da lei aos factos ao considerar fundamentada a questão aqui em apreço. Senão vejamos,

37. Conforme resulta dos probatório Q), R), S), T), (todos factos não controvertidos juntos pelos Recorrentes) o Ac. recorrido considerou que os Recorrentes foram esclarecidos dos fundamentos que levaram à aplicação de uma taxa implícita estimada pela AT.

38. Aliás, já a douta sentença recorrida tinha considerando o mesmo, concluindo por “a AT esclareceu os Recorrentes, outra coisa diferente é se estes concordam ou não com tais esclarecimentos.

39. Também o douto acórdão recorrido considerou “(...) salientar que os Recorrentes perceberam perfeitamente que a consideração pela Administração Fiscal de uma taxa de juros de 4% não se mostrava assente em nenhum dado seguro e objectivo, mas sim que constituía uma taxa “implícita”, isto é, de referencia, uma “hipótese” ou “exemplo” de que partia na construção do seu raciocínio para cálculo do valor de capital que seria necessário investir para obter os rendimentos de juros concretamente apurados ou determinados. É, aliás, por terem percebido perfeitamente as circunstâncias concretas dessa utilização que os Recorrentes alegam que tal taxa não parte de qualquer facto conhecido, antes constituindo um valor absolutamente aleatório, contraditório e incongruente com os dados do Banco de Portugal

40. Questão similar, de facto e de direito, já havia sido apreciada pelo TCA Norte, que o douto acórdão aderiu, onde se concluiu não conceder que o legislador impeça a Recorrida de utilizar raciocínios hipotéticos ou considerar variáveis desconhecidas no seu discurso fundamentador.

41. Tal seria, pois, um desiderato impossível já que a verificação a posteriori do facto tributário não pode deixar de comportar alguma margem de indeterminação e recurso a raciocínios lógicos e hipotéticos em situações onde a Recorrida não teve, nem podia ter conhecimentos exactos.

42. Assim: “Essa margem de indeterminação será ainda maior num procedimento de natureza preparatória e instrumental (como é o procedimento de derrogação de sigilo bancário), visto que a sua finalidade é precisamente o apuramento de factos desconhecidos e a sua necessidade é aferida numa fase recuada do procedimento de que depende, quando a administração tributária ainda não está na posse de todos os dados concretos de que necessita. O que decorre das exigências legais de notificação não é, por isso, que a administração tributária não possa formular raciocínios abstractos, mas que saia perceptível ao destinatário que o raciocínio é formulado nesses moldes, não havendo qualquer ambiguidade quanto ao facto de esses raciocínios não terem suporte em dados concretos” (sublinhado nosso)

43. Tendo demonstrado que os Recorrentes perceberam perfeitamente tratar-se de uma taxa de juro meramente hipotética, considerou o douto acórdão recorrido encontrar-se devidamente verificada a exigência formal de fundamentação, estando, aliás de acordo com a recente jurisprudência vertida no AC do STA.

44. Donde, salvo o devido respeito, entende a Recorrida ser de manter o douto acórdão recorrido, porquanto o mesmo fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve decidir-se no sentido de que o douto acórdão recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que deve o mesmo ser mantido, fazendo-se assim a douta e costumada Justiça!».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto, após identificar as questões a apreciar como sendo as da «aplicação de audição prévia antes da A.T. proceder à derrogação do sigilo bancário e [se] do entendimento contrário resulta inconstitucionalidade» e a de saber «se não é de conhecer da segunda questão invocada pelos recorrentes por falta de trânsito do acórdão do T.C.A. Norte de 13/2/14 no proc. 492/13.8BEVIS», emitiu parecer nos seguintes termos:

«[…] 2.1. Quanto à dita questão da aplicação do direito de audição prévia, o acórdão indicado em fundamento, proferido pelo T.C.A. Sul a 10-07-14 no proc. 7606/14, do qual se encontra junta cópia a fls. 512 e ss., decidiu em sentido favorável à aplicação do direito de audição mesmo no casos previstos no art. 63.º-B da L.G.T.
Não sendo conhecido jurisprudência que se possa considerar consolidada relativamente à dita questão, e pese embora o S.T.A. se tenha já pronunciado por acórdão proferido a 25-2-15 no proc. 1398/14, acessível em www.dgsi.pt em sentido desfavorável à sua aplicação, nada obsta a que se conheça ainda da mesma.
Ora, no acórdão fundamento fez-se aplicação do art. 60.º da L.G.T., mesmo no caso do art. 63.º-B da L.G.T.
No entanto, o previsto nesta disposição assume carácter excepcional, razão pela qual não é da fazer aplicação do previsto naquela disposição geral:
Com efeito, com o previsto no dito art. 63.º-B, na redacção dada pela Lei n.º 94/09, de 1/9, pretendeu-se pretendeu agilizar o acesso directo a informação bancária por parte da A.T., e em termos de excluir a aplicação do dito direito de audição prévia, salvo quanto a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial. Conforme resulta da exposição de motivos dessa lei, reproduzida na sentença proferida em 1.ª instância, o mesmo é apenas ainda de aplicar “nas situações em que estes recusem a exibição ou não autorizem a sua consulta, fica condicionada à prévia audição e a respectiva decisão é susceptível de recurso com efeito suspensivo”.
Acresce que a redacção dada ao art. 63.º-B da L.G.T. era já a aplicável já à data dos factos.
Por outro lado, aos recorrentes foram solicitados esclarecimentos anteriormente à decisão proferida a determinar o acesso.
Tendo os mesmos tido, assim, oportunidade de participar na decisão a proferir, não resulta inconstitucionalidade com a aplicação do dito art. 63.º-B e o entendimento tido.
Embora noutro contexto, o Tribunal Constitucional decidiu também, pelo seu acórdão n.º 499/09, tal como está acessível em www.tribunalconstitucional.pt, não resultar inconstitucionalidade por não ter sido assegurado o direito a uma audiência formal quando no caso resulte outra possibilidade de participação no procedimento.

2.2. Os recorrentes vêm ainda colocar outra questão à apreciação para a qual invocam em fundamento o acórdão proferido pelo do T.C.A. Norte a 13-2-14 no proc. 492/13.8BEVIS do qual se encontra junta cópia também a fls. 526 e 55.
O recorrido invoca que o trânsito em julgado desse acórdão não tinha ocorrido à data do recurso interposto nos autos, a 5-11-04 (fls. 507), identificando ainda ter sido proferido outro acórdão, pelo S.T.A., a 12-11-14 no proc. 0642/14, em recurso que referem ter sido interposto daquele acórdão proferido pelo T.C.A. Norte.
Não sendo possível confirmar-se tal pela simples consulta do texto deste acórdão, é ainda de solicitar à secção que informe se quanto ao recurso a que foi atribuído o n.º 0624/14 no S.T.A., consta ter sido proferido acórdão do Pleno da S.C.T. a 5-11-14, e se o mesmo foi interposto do acórdão proferido no proc. 492/13.8BEVIS do T.C.A. Norte.
Com efeito, a oposição de acórdãos depende não só de ter sido interposto recurso com fundamento em quanto a idêntica ou idênticas questão ou questões fundamentais de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e de idênticas situações de facto, e de decisão proferida não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada.
Assim, e apenas no caso do acórdão fundamento ter transitado em julgado, é de decidir no sentido de estarem reunidos todos os ditos requisitos de que depende a oposição também quanto a essa questão - arts. 284.º do C.P.P.T., 27.º, n.º 1, al. b) do E.T.A.F. vigente, 152.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do C.P.T.A. e ainda 688.º, n.º 2 do C.P.C. subsidiariamente aplicável; nesse sentido, acórdão do Pleno da S.C.T. de 15-10-14, proferido no proc. 1374/13, acessível em www.dgsi.pt.
3. Concluindo:
É ainda de solicitar à secção que informe se, quanto ao recurso a que foi atribuído o n.º 0624/14 no S.T.A., consta ter sido proferido acórdão do Pleno da S.C.T. a 5-11-14, e se o mesmo foi interposto do acórdão proferido a 13-2-14 no proc. 492/13.8BEVIS do TCA Norte.
A confirmar-se tal, é de julgar o recurso improcedente quanto à primeira questão por não ser de acolher o entendimento, nem resultar inconstitucionalidade com o entendimento tido, e no mais é de julgar o recurso como findo por não verificação do requisito relativo ao trânsito em julgado do acórdão indicado em fundamento da oposição».

1.6 Dando cumprimento ao que lhe foi solicitado, a Secretaria informou que «relativamente ao recurso a que foi atribuído o n.º 0642/14 neste S.T.A., foi proferido acórdão pelo Pleno de Contencioso Tributário em 12-11-20114. Conforme consta na base de dados, o recurso foi interposto do acórdão de 13-02-2014 do TCA Norte – proc. n.º 492/13.8BEVIS».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, por se tratar de processo urgente.

1.8 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos. Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Embora este preceito legal se refira à «infracção imputada à sentença», é manifesto o lapso, que aliás perpassa também os n.ºs 3, 5 e 6 do mesmo art. 152.º do CPTA, onde se alude a sentença quando se deveria dizer acórdão, que é a denominação legal das decisões dos tribunais colegiais (cfr. art. 152.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na versão aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, nota de rodapé n.º 3 na anotação 44 c) ao art. 279.º, pág. 402.)].

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) Em 21-12-2009, foi celebrado um documento designado de “Contrato de Compra e Venda Particular de Acções Nominais”, cujo conteúdo se extrai: “Entre os seguintes outorgantes: Primeiro: A………….....……., (...)
Segundo: C………….., S.A., (...)
Terceiro: D…………., S.A., (...)
Quarto: E………….., S.A., (...)
Quinto: B…………., (…) É celebrado o presente contrato de compra e venda de acções nominais, nos termos das seguintes cláusulas:
1.ª
O Primeiro Outorgante é dono e legítimo possuidor:
1.1. de 40.000 acções nominativos de valor nominal de cinco euros cada (...)
1.2. de 1.500 acções nominativas, de valor nominal de cinco euros (...)
1.3. de 6.500 acções nominativas, de valor nominal de cinco euros cada (...)
2.ª
2.1. Pelo valor de 6.000.000,00 € (seis milhões de euros) o Primeiro Outorgante declara vender à Quarta Outorgante, E…………….., S.A. que declara comprar, 40.000 acções da sociedade F………………, S.A., identificadas no cláusula um (1.1.).
2.2. O preço será pago pela Quarta Outorgante em três prestações, nos seguintes prazos e condições:
2.2.1. A primeira prestação de 3.000.000,00€ (três milhões de euros) será paga em 30/06/2010.
2.2.2. A segunda prestação de 1.500.000,00€ (um milhão e quinhentos mil euros) em 31/12/2010.
2.2.3. A terceira prestação de 1.500.000,00 € (um milhão e quinhentos mil euros) será paga em 31/12/2011.
3.ª
3.1. Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante declara vender à Segunda Outorgante, C…………… S.A. que declara comprar, 1.500 acções da sociedade E…………., S.A., identificadas na cláusula um (1.2.) pelo valor de 4.500.000,00€ (quatro milhões e quinhentos mil euros).
3.2. O preço será pago pela Segunda Outorgante em três prestações, nos seguintes prazos e condições:
3.2.1. A primeira prestação de 1.000.000,00€ (um milhão de euros), será paga em 31/12/2011.
3.2.2. A segunda prestação de 2.500.000,00 € (dois milhões e quinhentos mil euros) será paga em 31/12/2012.
3.2.3, A terceira e última prestação de 1.000.000,00 € (um milhão de euros) será paga em 31/12/2013.
4.ª
4.1. Pelo valor de 1.500000,00 € (um milhão e quinhentos mil euros) o Primeiro Outorgante declara vender à Terceira Outorgante, D……………… S.A. que declara comprar, 6.500 acções da sociedade G……………., S.A., identificadas na cláusula um (1.3.).
4.2. A totalidade do preço de 1.500.000,00€, será pago pela Terceira Outorgante em 31/12/2013. (cf. fls. 49/52 do processo administrativo em apenso)

B) Em 30-8-2010 foi emitido pelo ora Recorrente o seguinte documento dirigido ao “Exmo. Sr. Director de Finanças de Leiria”, que se transcreve: “(...) A…………….. (...) tendo sido notificado, para prestar informação variada sobre a alienação de participações sociais nos exercidos de 2008 e 2009 (...) vem, para efeitos de dar cumprimento ao solicitado, requerer a V. Exa. que se digne a esclarecer:
a. no âmbito de que procedimento se encontram a ser solicitados os elementos supra;
b. se foi determinada a inspecção ao Requerente e dar-lhe conhecimento da respectiva ordem, âmbito, incidência e norma habilitante da entidade que a houver emitido.” Cf. fls. 124 dos autos.

C) Em 22-10-2010, foi emitida a Informação pela Direcção de Finanças de Leiria - Serviços de Inspecção Tributária, cujo teor se transcreve:

“1 - Origem
O sujeito passivo identificado na capa da presente proposta requereu informação sobre pedido de esclarecimentos efectuado ao abrigo do art. 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 29.º n.º 3 al. b) do Regime Complementar da Inspecção Tributária (RCPIT).
Foi solicitado ao sujeito passivo, através de carta registada, o envio de elementos relativos a dados declarados no anexo G1 da Mod. 3 de IRS do ano de 2008, ao abrigo da legislação acima indicada.
Para o efeito foi emitido o Despacho n.º DI201002992, em 27 de Agosto de 2010, destinado à consulta, recolha e cruzamento de elementos, nomeadamente relativos a transmissões de acções, e aos anos de 2007, 2008 e 2009.
2 - Informação a prestar
O requerimento, enviado pelo sujeito passivo solicitava as seguintes informações:
“no âmbito de que procedimento se encontram a ser solicitados os elementos supra”
No tocante a este ponto, cumpre-me informar que foi para o efeito emitido Despacho com os dados acima referidos, para os anos de 2007, 2008 e 2009;
«se foi determinada a inspecção ao Requerente e dar-lhe conhecimento das respectiva ordem, âmbito, incidência e norma habilitante da entidade que a houver emitido.”
No tocante ao ponto, cumpre-me informar que apenas foi emitido Despacho para consulta e recolha e cruzamento de elementos, de que se anexa cópia, e foi ao abrigo deste Despacho que foram solicitados os elementos referidos.
Cumpre-me ainda informar que o sujeito passivo tem, no âmbito do art. 128.º do CIRS, a obrigação de prestar os esclarecimentos referidos, conforme prescreve o artigo: (…)
Art. 59.º da LGT prescreve o principio da colaboração recíproca entre a administração tributária e os contribuintes: (...)
Propõe-se o envio da presente informação ao sujeito passivo, para esclarecimentos das dúvidas levantadas e de forma a este proceder ao envio dos elementos solicitados.” Cf. fls. 129/131 dos autos.

D) Sobre a informação que antecede foi preferido o seguinte Despacho pelo Chefe de Divisão em 25-10-2010 “Concordo com o teor da presente informação. Notifique do teor o requerente (...)” cf. fls. 128 dos autos.

E) Em 26-10-2010, foi emitido pelo ora Recorrente o seguinte documento dirigido ao “Exmo. Sr. Director de Finanças de Leiria”, que se transcreve: “A……………. (...) tendo sido notificado, através do (...) se reporta a cruzamento recolha de dados, sendo que lhe é remetida cópia do despacho em anexo, vem ao abrigo do dever de colaboração (...) indicar que, ao contrário do referido na Informação remetida ao contribuinte, não lhe foi remetida cópia do despacho para consulta recolha e cruzamento de elementos, pelo que se solicita, assim, o seu envio.” Cf. fls. 132 dos autos.

F) Em 11-11-2010, foi emitida a seguinte Informação pela Direcção de Finanças de Leiria - Serviços de Inspecção Tributária:
“(...) 1-Origem
O sujeito passivo identificado na capa da presente proposta, requereu informação sobre pedido de esclarecimentos efectuado ao abrigo do art. 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 29.º n.º 3 al. b) do Regime Complementar da Inspecção Tributaria (RCPIT).
Foi solicitado ao sujeito passivo, através de carta registada, o envio de elementos relativos a dados declarados no anexo G1 da Mod. 3 de IRS do ano de 2008, ao abrigo da legislação acima indicada.
Para o efeito foi emitido o Despacho n.º DI201002992, em 27 de Agosto de 2010, destinado, à consulta, recolha e cruzamento de elementos, nomeadamente relativos a transmissões de acções, e aos anos de 2007, 2008 e 2009.
As informações solicitadas pelo sujeito passivo, foram ao mesmo notificadas através de carta registada, enviada em 26 de Outubro de 2010.
Entretanto o sujeito passivo solicitou mais esclarecimentos.
2- Informação a prestar
O requerimento entretanto enviado pelo sujeito passivo solicitava as seguintes informações:
- Informava resumidamente, que não teria sido remetida cópia do despacho para consulta recolha e cruzamento de informação, conforme teria sido referido na informação enviada.
Solicitava assim o seu envio.
No tocante a este ponto, cumpre-me informar que não foi referido em nenhum ponto da informação que teria ou iria ser enviado cópia do despacho referido.
No ofício que enviou a referida informação, é apenas referido o despacho exarado, que corresponde ao despacho dado na informação anexa, pelo superior hierárquico.
No entanto, propõe-se o envio de cópia do despacho emitido para recolha dos elementos, e da presente informação ao sujeito passivo, para esclarecimentos das dúvidas levantadas e de forma a este proceder ao envio dos elementos solicitados.
Direcção de Finanças de Leiria
Serviços de inspecção Tributária
Processo: Desp. n.º OI201002992
Entrada Geral:
N.º Identificação Fiscal (NIF): …………….
Técnico: H………….……..
Data 30-09-2010
Exmo(s) Senhor(es)
A……………….
………….. LT ……
……………….
…………….. – LEIRIA
Carta Registada c/ Aviso Recepção
ASSUNTO: Colaboração com os Serviços de Inspecção Tributária
(Art. 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 29.º n.º 3 al. b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT))
Verificou-se pela análise dos anexos G1 das Mod. 3 de IRS apresentadas por V Exa., que terá efectuado alienações de acções detidas durante mais de 12 meses, nos seguintes anos e montantes:
Anexo G1 de 2008: 350.000,00
Anexo G1 de 2009: 15.153.964,50
De harmonia com o disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 29.º do RCPIT e artigo 59.º da LGT, solicita-se a V. Ex.a se digne providenciar no sentido de serem enviados a estes serviços, com menção dos dados constantes na N/ Referência (processo e técnico) e no prazo de 15 (quinze) dias, os seguintes elementos:
- Indicação do número de identificação fiscal (NIF) e firma da(s) sociedade(s) cujas acções foram transmitidas por V. Exa., caso tais acções tenham sido transmitidas sem intervenção de notários, conservadores, oficiais de justiça ou intermediários financeiros, bem como indicação da entidade (NIF e nome) para quem tais acções foram transmitidas;
- Cópia do(s) contrato(s), escritura(s) ou outro(s) documento(s) celebrado(s), referente(s) à aquisição e/ou alienação das referidas acções que suportem e comprovem os valores a datas indicados no(s) atrás referido(s) anexo(s) G1 da Mod. 3 de IRS, caso tais operações tenham sido efectuadas sem intervenção de notários, conservadores, oficiais de justiça ou intermediários financeiros;
- Cópia(s) ou comprovativo(s) da entrega da declaração de modelo oficial, prevista no art. 138.º n.º 1 do CIRS, referente à alienação ou aquisição das acções acima referidas, quando tais operações tenham sido efectuadas sem intervenção de notários, conservadores, oficiais de justiça ou intermediários financeiros;
- Telefone de contacto para eventuais esclarecimentos posteriores.
Estes elementos poderão ser enviados por via electrónica para o endereço de correio electrónico………………@dgci.min-financas.pt, ou para a morada e/ou n.º de fax indicadas em rodapé.
Alerta-se V. Ex.a para o facto de que a falta de envio da informação solicitada, dentro do prazo fixado, ser considerada contra-ordenação fiscal punível com coima, nos termos do artigo 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT). (...)” Cf. fls. 137/142 dos autos.

G) Em 01-02-2013 foi emitido o Ofício n.º 581 dirigido aos ora recorrentes com o seguinte conteúdo: “(...) Assunto: Pedido de informações e esclarecimentos (Artigo 59.º da LGT e artigos 28.º e 48.º do RCPIT)
1- Na sequência da análise de elementos e informações disponíveis nesta Direcção de Finanças, verificou-se que o v/ agregado familiar obteve, para além de outros, rendimentos de capitais no(s) ano(s) de 2010 e 2011.
Em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 28.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT). Solicita-se a remessa a este Serviço, por escrito, no prazo máximo de dez dias, dos elementos ou esclarecimentos a seguir indicados, fazendo menção dos dados constantes na N/ Referência:
- Documentos comprovativos dos rendimentos de capitais auferidos, discriminados por natureza;
- Cópia dos extractos bancários e outros documentos comprovativos que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros investidos;
- Justificação e comprovativos do acréscimo de património (capital investido) que implicou os investimentos financeiros;
2- Sem prejuízo dos esclarecimentos e da informação que deve prestar no âmbito deste procedimento e na eventualidade de tal se mostrar necessário, solicita-se a V. Ex.a que manifeste, expressamente, em declaração escrita que se anexa, se autoriza ou não a Administração Tributária, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários de todas as contas que seja titular. (...)” Cf. fls. 57/58 dos autos e 314 do processo administrativo em apenso (adiante designado por P.A.).

H) Foram, apresentados pelo Recorrente, os seguintes documentos (facto que se extrai do art. 13.º do recurso, não controvertido):
- E-mail do Banco I………….., referente a um aviso de cupão de 15.000,00€, de juros pagos em 2011, com a indicação de juro bruto de 7,5% (cf. fls. 8/9 do PA);
- Declaração do J……………… onde são indicados os juros pagos em 2011 (cf. fls. 11 do PA);
- Cópia dos talões de depósito numa conta no Banco L……………, sendo um de 1.490.000,00€, de 28-1-2011 e outro de 250.000,00€, de 16-12-2011 (cf. fls. 12/13 do PA);
- Extractos de duas contas no Banco L……………, de 2009/12, 2010/12, e 2011/12 (cf. fls. 14/23 do PA.);
- Notas de Lançamento para constituição de depósitos a prazo, aquisição de obrigações e pagamentos de juros (cf. fls. 26/40 do PA).

I) Em 07-10-2013, foi emitido Ofício pela Divisão de Inspecção Tributária 1, sob registo com aviso de recepção, com o seguinte conteúdo:
“(...) Assunto: PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS E ACESSO A INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS BANCÁRIOS No âmbito da acção de controlo de manifestações de fortuna, após consulta às bases de dados da Autoridade Tributaria, verifica-se que:
Foram por vós apresentadas as declarações anuais de rendimentos de IRS - Mod. 3. relativas a 2010 e 2011, declarando, em cada ano, rendimentos de trabalho dependente e prediais.
Relativamente a 2010 declararam ainda rendimentos de mais valias (anexo G) com origem na alienação de valores mobiliários. De cada uma das declarações referidas resultou um “rendimento colectável anual conforme se indica na tabela seguinte:

Quadro I (valores em euros)

Ano
2010
2011
Rendimento colectável
45.697,71
46.88,19

Consta das declarações modelo 39 (rendimentos e retenções a taxas liberatórias), como tendo auferido rendimentos de aplicações de capitais com o código de rendimentos tipo 03 juros, nos anos de 2010 e 2011 incluindo, fundamentalmente, juros de depósitos à ordem ou a prazo nos seguintes montantes, discriminados por entidade pagadora:

Quadro II (valores em euros)

N.º Ordem
Cod. Rendimento
Nome Titular
NIF (entidade declarante)
Nome entidade declarante
2010
2011
Variante 2010-2011
B………..
……
BANCO M….., S.A.
……..
N………………, S.A.
32,52
……
BANCO , O…………, S.A.568,61
…….
BANCO P…………….. , S.A.47.931,99
……
BANCO J………….., S.A.
4.168,53
7.666,18
…….
BANCO Q………………, S.A.687,50
…..
BANCO R…………….., S.A – SUC. PORT..39.712,50
B…….. Total
4.200,85
96.562,72
A…………
……….
BANCO S………… , S.A.
212,32
153,95
………….
BANCO O………… S.A.558,61
……….
BANCO P……………., S.A.
4.303,55
54.355,60
…………..
BANCO J……………. S.A.
8.536,21
17.194,55
……………
BANCO T……….., S.A.
2.542,51
3.280,72
………….
BANCO Q……………,, S.A.
……….
U………………… PLC
502,77
305,43
…..
V………………… , S.A.
6.026,16
A……. Total
22.625,62
75.858,86
03 DP Total Agregado Familiar
26.826,47
172.421,58
145,595,11

Considerando que para o montante de rendimentos constantes nas modelos 39, declarados com o código 03 nos anos de 2010 e de 2011, se utilizou uma taxa de juro implícita de 4%, foi estimado um capital investido para cada ano, que quando comparados, apresentam um acréscimo significativo de valor, indiciando um correspondente aumento do capital investido no seguinte montante:

Quadro 3 (valores em euros)
TitularNIF titular
Nome titular
2010
2011
Acréscimo de juros
Acréscimo de património (estimado)
Juros do titular
Capital investido
Juros do titular
Capital investido
1
……A……
22.625,63
565.640,50
75.858,86
1.896.471,50
53.233,24
1.330.831,00
2
……B…..
4.200,85
105.021,25
96.562,72
2.414.068,00
92.361,87
2.309.046,75
Total do agregado familiar
26.826,47
670.661,75
172.421,58
4.310.539,50
145.595,11
3.639.877,75

Situação esta, que se pode subsumir na existência de acréscimo de património de valor superior a 100.000,00, verificando-se simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação 2010 /2011, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, de acordo com a alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da Lei Geral Tributária (LGT).
- Sendo certo que já foram notificados com carta registada com aviso de recepção no sentido de esclarecer a sua situação, nomeadamente para apresentar: (...)
- Dado que os elementos apresentados na V/ resposta não justificam, nem comprovam todos os rendimentos de capitais auferidos, quer no ano de 2010, quer em 2011, dado que por consulta aos elementos constantes na Mod. 39 - Rendimentos e Retenções a taxas liberatórias, se verificou que os elementos do agregado familiar auferiram rendimentos obtidos através de várias instituições financeiras, conforme quadro 2 acima apresentado.
Para além disso também não justificaram o acréscimo de capital investido (investimentos financeiros), nem a origem e mobilização dos mesmos, indiciando um acréscimo de património não justificado.
Vimos, assim solicitar, ficando por este meio notificados para apresentar os elementos e esclarecimentos abaixo descritos, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do arts. 9.º e alínea b) do n.º 3 do arts 29.º do Regime Complementar do Procedimento de inspecção Tributária (RCPIT), republicado pela Lei 50/2005 de 30/08, do n.º 4 do art 59.º da LGT e do n.º 2 do art. 48.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT):
- Documentos justificativos e comprovativos da origem do acréscimo de património (capital investido) que implicou os investimentos financeiros, bem como identificação das aplicações que geraram os rendimentos descritos no quadro 2;
(…)
Sem prejuízo dos esclarecimentos e da informação que devem prestar no âmbito deste procedimento e na eventualidade de tal se mostrar necessário, (quando se trate da verificação de indícios de falta de veracidade do declarado e/ou da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT) nos termos e para efeito do disposto no n.º 11 do art. 89-A e da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B ambos da LGT, solicita-se que manifestem, expressamente, em declaração escrita que se anexa, se autorizam ou não a Administração Tributária, a acedera informações e documentos bancários de todas as contas que seja titular (…)” cf. fls. 60/62 dos autos e 41/44 do P.A.

J) Em 8-10-2013, foi recepcionado o Ofício mencionado na alínea anterior (cf. fls. 64 dos autos e 46 do P.A.),

K) Em 16-10-2013, foi emitida resposta pelos ora recorrentes, ao Ofício mencionado em I), nos termos que se segue:
“(...) 1. Antes de prosseguir esclareça-se que, ao contrário do referido na notificação remetida aos ora Exponentes, os elementos pelos mesmos já facultados são mais que suficientes para os esclarecimentos a que legalmente a AT tem direito, ao abrigo do dever de colaboração.
2. Mais, encontram-se já em poder da AT por motivos de anteriores inspecções DI201002992 -elementos que evitavam as especulações apresentadas no presente procedimento.
3. Logo é incompreensível o teor da notificação remetida pela AT aos ora Exponentes, medida em que possui informação que ultrapassa as questões que se encontram presentemente a ser levantadas.
4. Inexiste qualquer base legal para a AT proceder a especulações de rendimentos dos contribuintes, Com base taxas de juros aleatórias de 4%, sem qualquer justificação factual compreensível.
5. Donde, é totalmente ilegítimo o pedido de informação que se encontra o ser requerido aos Exponentes.
6. Contudo, para ultrapassar definitivamente a presente questão, junto se remete a essa Direcção de Finanças, mais uma vez, contrato de transmissão de participações sociais, celebrado em 2009, e, como tal, constante da declaração de rendimentos do mencionado ano, com pagamento faseado do preço de venda - em 2010/2011/2012 e 2013, do qual derivam valores obtidos pelos requerentes nos mencionados anos.
Junta: contrato de alienação de participações sociais (...)” Cf. fls. 65/66 dos autos e 47/48 do PA.

L) Em 2-12-2013, foi elaborada a seguinte Informação pela Direcção de Finanças de Leiria, cujo teor se extrai:
“1. Factos relevantes no âmbito da acção
Na sequência do despacho do Sr. Subdirector-Geral da Inspecção Tributária e Aduaneira, exarado na informação n.º 278/2012, iniciámos o presente procedimento inspectivo da acção de controlo de manifestações de fortuna em sede de IRS, ao abrigo das ordens de serviço internas 01201300180 e 01201300181 para 2010 e 2011 respectivamente.
1.1. Elementos constantes nas bases de dados da AT
1.1.1. Declarações de rendimentos
(…)
Apurou-se um rendimento colectável de 45.697,71 euros para 2010 e 46.884,19 euros em 2011.
1.1.2. Informação de cadastro
(…)
1.1.3. Informação das declarações modelo 39
Os sujeitos passivos constam das declarações modelo 39 (rendimentos e retenções a taxas liberatórias), como tendo auferido rendimentos de aplicações de capitais com o código de rendimentos tipo 03 - Juros, nos anos de 2010 e 2011 incluindo, fundamentalmente, juros de depósitos à ordem ou a prazo nos seguintes montantes, discriminados por entidade pagadora:

Quadro 3 (valores em euros)
Cod. Rendimento
Nome Titular
NIF (entidade declarante)
Nome entidade declarante
2010
2011
Variante 2010-2011
B…………
…..
BANCO M……………. S.A.
……
N………….. S.A.
32,52
…..
BANCO O…………, S.A.
568,61
……
BANCO P…………. , S.A.
47.931,99
……
BANCO J………………, S.A.
4.168,53
7.666,18
……
BANCO Q……………... S.A.
687,50
……
BANCO R………………… , S.A – SUC. PORT..
39.712,50
B…….. Total
4.200,85
96.562,72
A…………
……
BANCO S………….. , S.A.
212,32
153,95
……
BANCO O……………, S.A.
558,61
…………
BANCO P………….. S.A.
4.303,55
54.355,60
……
BANCO J………….., S.A.
8.536,21
17.194,55
……
BANCO T…………., S.A.
2.542,51
3.280,72
……
BANCO Q………… , S.A.
…..
U………………….
502,77
305,43
....
X…………. S.A.
6.026,16
A……… Total
22.625,62
75.858,86
03 DP Total Agregado Familiar
26.826,47
172.421,58
145,595,11

Considerando que para o montante de rendimentos constantes nas modelos 39, declarados com o código 03 nos anos de 2010 e de 2011, se utilizou uma taxa de juro implícita de 4% 1 [1 De referir que, por, consulta ao endereço http://rjl.euribor-rates.eu/. verifica-se que a taxa máxima da Euribor entre 2010 e 2011 não excedeu 2,2%. Caso se tivesse aplicado essa taxa para estimar os capitais aplicados, os valores obtidos seriam substancialmente superiores, bem como os respectivos acréscimos] foi estimado um capital investido para cada ano, que quando comparados, apresentam um acréscimo significativo de valor, indiciando um correspondente aumento do capital investido no montante de € 3.639.877,75, conforme quadro seguinte:

Quadro 4 – Acréscimo de património estimado (valores em euros)
TitularNIF titular
Nome titular
2010
2011
Acréscimo de juros
Acréscimo de património (estimado)
Juros do titular
Capital investido
Juros do titular
Capital investido
1
…….A……
22.625,63
565.640,50
75.858,86
1.896.471,50
53.233,24
1.330.831,00
2
……..B…...
4.200,85
105.021,25
96.562,72
2.414.068,00
92.361,87
2.309.046,75
Total do agregado familiar
26.826,47
670.661,75
172.421,58
4.310.539,50
145.595,11
3.639.877,75
Situação esta, que se pode subsumir na existência de acréscimo de património de valor superior a 100.000,00€, verificando-as e simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação 2010/2011 de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, de acordo com a alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da Lei Geral Tributária (LGT).
1.2. Pedido de esclarecimentos e acesso a informação e documentos bancários. Começámos por notificar os sujeitos passivos, em 2013-02-05 (anexo 1) com carta registada com aviso de recepção no sentido de esclarecer a sua situação, nomeadamente, apresentar:
- Documentos comprovativos dos rendimentos de capitais auferidos, discriminados por natureza;
- Cópia dos extractos bancários e outros documentos comprovativos que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros investidos;
- Justificação e comprovativos do acréscimo de património (capital investido) que implicou os investimentos financeiros;
- Na sequência dessa notificação, os sujeitos passivos vieram apresentar os seguintes elementos:
1- E-mail reenviado do Banco I………….. referente a um aviso de cupão no montante de 1.125,00 euros de Juros/pagos em 2011, referentes ao valor nominal de 15.000,00 euros, com a indicação “Juro Bruto (Alemanha) 7.5%”. O referido valor coincide com o declarado pelo banco na declaração modelo 39 com o código de rendimento 02 para o sujeito passivo A………….. para o mesmo ano, ficando ainda por comprovar o montante de 687,50 euros que o banco declarou com o código de rendimento 03, em nome de A………………..
2- Declaração do Banco J……………, em que este declara ter pago ao sujeito A…………….., em 2011, rendimentos (ilíquidos) de juros no valor de 6.464,05 euros, tendo efectuado a retenção devida. De acordo com a declaração modelo 39 do mesmo banco este declara ter pago 17.194,55 euros de juros, no mesmo período, ao sujeito passivo A…………. e 7.662,18 euros à mulher B……………
3- Cópia de dois talões de depósito na conta DO n.º 269975057 do L…………… de que o sujeito passivo é titular.
- Depósito em 2011-01-28 de cheque “O……………” no valor de 1.490.000,00 (um milhão quatrocentos e noventa mil) euros.
- Depósito em 2011-12-16 de cheque “L………….” no valor de 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil) euros.
4- Extractos combinados dos períodos de 2009/12, 2010/12 e 2011/12; de duas contas à ordem tituladas pelo sujeito passivo A…………….. junto do Banco L………….. com os n.ºs 269975057 6223872994.
5- Nota resumo, aparentemente extraída do sistema informático do Banco L……………. em 2013-02-06, relativamente aos rendimentos do código 03 (código de tipo de rendimentos da declaração modelo 39) pagos ao sujeito passivo em 2011. O valor global de rendimentos de capitais constante da nota coincide com o valor declarado pelo Banco na declaração modelo 39 para o sujeito passivo A…………… para o código de rendimento 03 no mesmo ano.
6- Dez notas de lançamento emitidas pelo Banco L………….. referentes a operações efectuadas nas contas do sujeito passivo (sete na conta 269975057 e três na conta 223872004), nomeadamente constituição de depósitos a prazo, aquisição de obrigações pagamentos de juros.
Com os elementos apresentados, os sujeitos passivos não justificam, nem comprovam todos os rendimentos de capitais auferidos, quer no ano de 2010, quer em 2011, dado que por consulta aos elementos constantes na Mod. 39 - Rendimentos e Retenções a taxas liberatórias, verificou-se que os elementos do agregado familiar auferiram rendimentos obtidos através de várias instituições financeiras, conforme quadro 3 acima apresentado, não tendo sido apresentados comprovativos, de grande parte dos rendimentos declarados por essas instituições, especialmente os que foram declarados em nome de B…………, designadamente pelo Banco P…………. (47.931,93 euros) e pelo Banque R……………. SA - sucursal em Portugal (39.712,50 euros).
Para, além disso também não justificaram o acréscimo de capital investido (investimentos financeiros), nem a origem e mobilização dos mesmos, indiciando um acréscimo de património não justificado.
Não tendo sido possível esclarecer cabalmente as dúvidas que motivaram a notificação referida, quer pela resposta do sujeitos passivos quer através de outros elementos disponíveis nesta Direcção de Finanças, foram os sujeitos passivos notificados em 2013-10-08 (anexo 2) para, no prazo de dez dias apresentar.
- Documentos justificativos e comprovativos da origem do acréscimo de património (capital investido) que implicou os investimentos financeiros, bem como identificação das aplicações que geraram os rendimentos descritos no quadro 3.
Em resposta a esta última notificação, o sujeito passivo A…………..: através de petição escrita recebida nesta Direcção de Finanças, em 18/10/2013 (anexo 3) vem argumentar essencialmente que:
Os elementos já facultados são “mais que suficientes para os esclarecimentos a que legalmente a AT tem direito, ao abrigo do dever de colaboração”
- Por motivos de anteriores inspecções - DI201002992, entende que a AT já tem em seu poder “elementos que evitam as especulações apresentadas no presente procedimento”, pelo [que] não compreende o teor da notificação remetida;
- É totalmente ilegítimo o pedido de Informação efectuado, pois considera também que não existe qualquer base legal para a “AT proceder a especulações de rendimentos dos contribuintes, com base em taxas de juro aleatórias de 4% sem qualquer justificação factual compreensível”
- No entanto e para ultrapassar esta questão em definitivo, remete ainda o contrato de transmissão de participações sociais, celebrado em 2009, prevendo o pagamento faseado do preço de venda em 2010, 2011, 2012 e 2013, do qual derivam os valores obtidos nos mencionados anos. Para além disso, refere ainda que tais operações constam na declaração de rendimentos relativa a 2009. Analisada a resposta do SP verifica-se que o mesmo apresenta como justificação do que esteve na origem do capital investido, o resultado da transmissão de participações sociais ocorrida em 2009, anexando o contrato relativo à transmissão de participações sociais de três empresas (F…………….., SA, E……………, S.A. G…………., S.A.).
(...)
Relativamente à transmissão das participações sociais previstas no referido contrato, foram analisados os dados apresentadas pelo SP conjuntamente com outra informação disponível internamente e recolhida junto das empresas adquirentes, tendo-se concluído que em termos financeiros, foram emitidos faseadamente cheques em nome do SP A…………. e debitados na conta bancária das adquirentes, sendo que relativamente aos períodos em análise, se verificaram dois débitos em conta:
- em 01/0712010 - montante de 3.000.000,00 euros;
- em 2010112011 - montante de 1.500000,00 euros.
No quadro seguinte, apresenta-se o resumo da informação recolhida.

Quadro 5 - Transmissão de participações sociais.

NIF SP
(Partes sociais transmitidas)
SP Participações Sociais transmitidasNIF AdquirenteAdquirenteValor realizaçãoN.º PrestData de pag. Previstas (Contrato)
Valor
Cheque Banc. N.ºDébito conta bancária adquirente
…….F……..…….E.…., S.A.6.000.000,00
1
30-06-2010
3.000.000,00
M.…- 21845710
01-07-2010
2
31-12-2010
1.500.000,00
M…. 21845744
20-01-2011
3
31-12-2011
1.500.000,00
M…. – 458553
06-01-2012
………E……, S.A.….…C...., S.A.4.500.000,00
1
31-12-2011
1.000.000,00
V……. 9557985848
06-01-2012
2
31-12-2012
2.500.000,00
M…. -1643791817
07-01-2013
3
31-12-2013
1.000.000,00
-
-
………G…., S.A.…….D.....,S.A.1.500.000,00
1
31-12-2013
1.500.000,00
-
-

Embora, o SP apresente o contrato como justificação da proveniência dos seus rendimentos, o mesmo não apresentou qualquer documento bancário que comprove os fluxos financeiros referidos, não esclarecendo de forma inequívoca a origem dos seus rendimentos, nem mesmo a obtenção dos próprios rendimentos nas diversas instituições bancárias.
1.2.1. Acesso e Informação e documentos bancários
Através da carta registada referida anteriormente, notificaram-se ainda o sujeitos passivos, no sentido de explicitarem se autorizavam a Autoridade Tributária a aceder a informações e documentos bancários relativos às contas de que são titulares, informando-os que deveria, para o efeito, ser remetida/entregue nesta Direcção de Finanças, a declaração escrita devidamente assinada, que lhes tinha sido enviada.
Apesar de notificados, os sujeitos passivos não apresentaram a referida declaração, considerando-se assim que não autorizam o acesso às informações ou documentos bancários.
1.2.2. Outra informação disponível internamente - Declaração Modelo 13
Relativamente às operações efectuadas sobre valores mobiliários nos exercícios de 2010 e 2011, constantes das declarações modelo 13 (operações com valores mobiliários, warrants autónomos e instrumentos financeiros derivados) entregues, verificou-se, em 2010, que a diferença entre as aquisições e alienações deste tipo de aplicações financeiras, se cifra no montante de 2.784.943,47 euros, o que em termos financeiros implica a disponibilização deste capital, desconhecendo-se em pormenor a origem dos montantes aplicados.
Relativamente a 2011, apura-se uma diferença negativa no montante de 110.908,70 euros, o que significa que financeiramente o SP tenha encaixado este montante
1.3. Conclusões
Face à informação disponível, nomeadamente a descrita no ponto 1.1.3. relativa aos juros recebidos em 2010 e 2011 e respectivo acréscimo no valor de 145.595,11 (cento e quarenta e cinco mil, quinhentos e noventa e cinco euros e onze cêntimos], que pressupunha um acréscimo de capital aplicado, estimado em 3.639.877,75 (três milhões, seiscentos e trinta e nove mil. Oitocentos e setenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos), conjugada com a informação referida no ponto 1.1.1 relativa aos rendimentos mencionados na declaração modelo 3 de IRS, observa-se uma desproporção entre o acréscimo de capital aplicado e os rendimentos declarados para efeitos de IRS, o que se afigura uma situação enquadrável no artigo 87.º alínea f) da Lei Geral Tributária (LGT).
Os sujeitos passivos não justificaram na totalidade, o acréscimo patrimonial que lhes permitiram obter o acréscimo de rendimentos (de capitais) indicados no quadro 3, nem justificaram a totalidade a origem do mesmo, constatando-se que não fizeram prova inequívoca de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte do acréscimo de património, conforme prevê o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT.
Assim, por força no disposto do n.ºs 11 do artigo 89.º-A da LGT, que obriga à investigação das contas bancárias dos sujeitos passivos nos casos de aplicação da alínea f) do artigo 87.º do mesmo diploma, dado que, conforme se refere no ponto 1.2.1, os sujeitos passivos não assentiram no acesso às contas bancárias de que são titulares e que não é possível saber a origem dos rendimentos que não seja através do acesso a todas as informações e documentos com origem em contas bancárias tituladas pelos sujeitos passivos A…………… e B………….
Considerando que a Administração Tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos quando se verificar a situação prevista na alínea f) do artigo 87.º.
Vimos assim, com vista à descoberta da verdade material da situação tributária, consagrada no art. 6.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), dos aqui sujeitos passivos, A…………… e B……………… propor que seja solicitado ao Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, a derrogação do sigilo bancário para o exercício de 2010 e 2011, relativamente aos documentos e demais informação bancária prevista no n.º 10 do art. 63.º-B da LGT, no que respeita às contas bancárias que os aqui sujeitos passivos sejam titulares ou co-titulares. (…)” fls. 47 e segs. dos autos e 54/62 do P.A.

M) Pelo Chefe de Divisão foi emitido o seguinte Parecer em 02-12-2013, na Informação que antecede: “(...) Visto. A confirmarem-se os indícios da existência de falta de veracidade do declarado e de existência de acréscimo de património não justificado, nos termos da al. f) do n.º 1 do art 87.º da LGT, estarão reunidos os pressupostos que fundamentam o pedido de acesso a Informação Bancária, com base na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, relativa aos exercícios de 2010 e 2011.” Cf. fls. 47 dos autos e 54 do PA.

N) Em 02-12-2013 foi exarado na Informação o seguinte despacho pelo Director de Finanças “Concordo. À consideração do Exmo. Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de eventual autorização.” Cf. fls. 47 dos autos e 54 do P.A.

O) Em 04-12-2013 foi preferida a seguinte decisão pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira “1. Nos termos e com os fundamentos constantes da presente informação da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, bem como com o parecer e despacho nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º- B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que sejam titulares os sujeito passivos A…………., com o NIF …………, e B……….., com o NIF ……………., relativamente aos anos de 2010 e 2011
2. Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Leiria para efeitos do prosseguimento do procedimento de levantamento do segredo bancário.” cf. fls. 46 dos autos e 78 do P.A.

P) Em 19-12-2013, foi emitido o Ofício n.º 6401 pela Divisão de Inspecção Tributária 1, dirigido aos ora Recorrentes para efeitos de notificação da decisão que autorizou o acesso directo a documentos bancários (cf. fls. 45 dos autos e 79 do PA).

Q) No site da Federação Europeia de Bancos, as Euribor variam entre o mínimo de 0,336% e o valor máximo de 1,546%, sendo que em 2011 variaram entre 0,552% e 2,201% e em 2013 entre 0,078% e 0,622% (cf. facto não controvertido que se extrai do Doc. N.º 4 junto pelos Recorrentes).

R) Em 11-07-2011, o Banco de Portugal informa que as médias das taxas de juros bancárias para novos depósitos a prazo, para particulares, em Maio de 2010 situava-se em 1,26%, em Abril de 2011 situava-se em 3,33% e em Maio de 2011 em 3,54% (cf. facto não controvertido que se extrai do Doc. N.º 5 junto pelos Recorrentes e art. 27.º do recurso).

S) Em 31-5-2010, a média das taxas de juro para novos depósitos de particulares, a prazo até um ano, oferecidas pelos Bancos Nacionais a residentes situava-se em 1,13 % ao passo que em 31-10-2011 ascendeu a 4,57% (cf. facto não controvertido que se extrai do Doc. N.º 6 junto pelos Recorrentes e art. 28.º do recurso).

T) Em Outubro de 2011, foram emitidos pelo Banco de Portugal os avisos n.ºs 7/2011 e 5/2011, com regras que penalizam os capitais próprios dos bancos sempre que estes ofereçam depósitos que tenham uma taxa de juro considerada elevada, devido à escalada dos juros no referido ano (cf. facto não controvertido que se extrai dos Docs. N.ºs 7 e 8 juntos pelos Recorrentes e art. 29.º do recurso).

U) Em 31-12-2013, deu entrada neste Tribunal [Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria] o presente recurso (cf. fls. 1 dos autos)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Pretendem os Recorrentes a uniformização da jurisprudência relativamente a duas alegadas questões fundamentais de direito que consideram que foram decididas em sentido divergente nos acórdãos em confronto; são elas:

1.ª- a de saber se após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, que deu nova redacção ao art. 63.º-B da LGT, deixou de ser exigível a audiência prévia, a efectuar nos termos definidos pelo art. 60.º da LGT, do contribuinte directamente visado no âmbito de um procedimento de derrogação de sigilo bancário;

2.ª- a de saber se, em sede de fundamentação do despacho de derrogação de sigilo bancário, a utilização de uma taxa de juro exemplificativa determina necessariamente que o mesmo deva ser considerado como não fundamentado.

Alegam os Recorrentes que a primeira questão foi decidida no acórdão recorrido em contradição com o decidido pelo acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 7606/14, que indicou como acórdão fundamento (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/2759ac69a780187680257d1d00351331?OpenDocument.).
Quanto à segunda questão, alegam os Recorrentes que a mesma foi decidida em sentido contrário ao sufragado pelo Tribunal Central Administrativo Norte no acórdão de 13 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 00492/13.8BEVIS (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/3bdb11698a3e2c9c80257c97003cd3b3?OpenDocument.).
Apesar de a Juíza Desembargadora que relatou o acórdão recorrido ter proferido, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT, despacho em que admite a existência das alegadas oposições de acórdãos (No sentido de que o relator a que alude o n.º 5 do art. 284.º do CPPT é o do tribunal recorrido vide, por todos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo o segundo do Pleno da Secção:
- de 19 de Fevereiro de 2003, proferido no processo n.º 26.769, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32210.pdf), págs. 376 a 380, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6e16c69322ac2f6e80256cde0037eb95?OpenDocument;
- de 29 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 1234/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Julho de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32400.pdf), págs. 346 a 349, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b0b6ac6dfb8ee12e80256de9004cc7ae?OpenDocument.), importa verificar se as mesmas ocorrem ( Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, nota 15 c) ao art. 284.º do CPPT, pág. 482.), pois essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal ad quem de a reapreciar, em conformidade com o disposto no art. 641.º, n.º 5 («A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º».) do Código de Processo Civil (Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.) (CPC).
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 O presente recurso judicial da decisão de acesso a informações e documentos bancários foi instaurado (ao abrigo do disposto no art. 63.º-B da LGT e 146.º-B do CPPT) no ano de 2013, pelo que é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que a data da entrada em vigor do novo Estatuto ocorreu em 1 de Janeiro de 2004.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos arts. 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Antes do mais, diremos que o acórdão invocado pelos Recorrentes como fundamento relativamente à segunda questão – o acórdão de 13 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 492/13.8BEVIS – não serve aquele propósito, pela razão de que, não só não estava transitado em julgado (Nos termos do art. 628.º do CPC, «A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».) na data em que foi interposto o recurso (No sentido de que é com referência a esta data que deve aferir-se a verificação do trânsito em julgado do acórdão fundamento, decidiu já este Supremo Tribunal Administrativo, em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, nos seguintes acórdãos:
- de 13 de Abril de 2005, proferido no processo n.º 1243/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Novembro de 2005 (https://dre.pt/application/dir/pdfgratisac/2005/32420.pdf), págs. 65 a 67, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b92363c068891d7480256fef0046e447?OpenDocument;
- de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29e75cff6637cdef80257d7800526d92?OpenDocument.), nem na data em que foi proferido pela Juíza Desembargadora relatora o despacho a que alude o n.º 5 do art. 284.º do CPPT (A Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em Pleno, admitiu já que se o trânsito se verificar antes dessa data, se deve admitir o recurso, no acórdão de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 728/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Setembro de 2014, (https://dre.pt/application/dir/pdfgratisac/2013/32440.pdf), págs. 387 a 392, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3a208c4bbf5ce0e180257c2a0038516d?OpenDocument.), como inclusive foi revogado pelo acórdão de 12 de Novembro de 2014, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 642/14 (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/71201fe1ebb1beee80257d95004c2bdd?OpenDocument.).
Não há, pois, oposição alguma que possa sustentar o recurso quanto à questão de saber se, em sede de fundamentação do despacho de derrogação de sigilo bancário, a utilização de uma taxa de juro exemplificativa determina necessariamente que o mesmo deva ser considerado como não fundamentado.
Assim, é manifesto que este recurso, no que àquela segunda questão suscitada respeita, não podia ter sido admitido e, tendo-o sido indevidamente, deve agora ser julgado findo.
Diz JORGE LOPES DE SOUSA, citando abundante jurisprudência:
«O acórdão invocado como fundamento tem de ser uma decisão transitada em julgado.
Este requisito constava do n.º 4 do art. 763.º do CPC, na redacção do DL n.º 44129, de 28-12-1967, que estabelecia uma presunção de trânsito em julgado, se o recorrido não alegasse que o trânsito não havia ocorrido. O mesmo sucede com o art. 763.º, n.º 2, do CPC, reintroduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Esta exigência, independentemente daquela norma, decorre da própria finalidade primacial dos recursos por oposição de acórdãos no âmbito do contencioso administrativo e fiscal que é a de assegurar a igualdade de tratamento de situações iguais. A questão da existência de uma desigualdade de tratamento só se coloca, naturalmente, perante uma decisão anterior definitiva, pois, se a decisão anterior estiver dependente de apreciação em recurso, poderá vir a ser alterada no sentido da decisão recorrida.
Assim, deve entender-se que o trânsito em julgado do acórdão invocado como fundamento do recurso é um dos requisitos de admissibilidade do recurso com fundamento em oposição de acórdãos no domínio dos recursos a que se aplica este art. 284.º» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 14 b) ao art. 284.º, págs. 475/476.).
No caso dos autos, o acórdão que os Recorrentes indicaram como fundamento relativamente à referida segunda questão – da suficiência da fundamentação da decisão de acesso administrativo a informações ou documentos bancários sem o consentimento do seu titular – ainda não estava transitado em julgado nem à data da interposição do recurso nem na data da admissão do mesmo e, ulteriormente, foi revogado por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo.
É quanto basta para que, independentemente da verificação ou não dos demais requisitos de admissibilidade do recurso – de que não importa já cuidar pois que a falta de qualquer dos requisitos de admissibilidade do recurso tem por si só o efeito de o tornar inadmissível –, o recurso não possa ser admitido no que àquela questão se refere.
A final, proferiremos decisão em conformidade com o exposto.

2.2.2.3 Passemos agora a apreciar a primeira questão suscitada, começando por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que os acórdãos em confronto decidiram.

2.2.2.3.1 O acórdão recorrido, na parte que ora nos interessa considerar, que é a que se refere à questão de saber se, apesar de o art. 63.º-B da LGT após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, não conter disposição relativa à audiência dos interessados, previamente à decisão de derrogação do sigilo bancário, se deve considerar que se mantém da exigibilidade da mesma, subscreveu o entendimento que a Juíza relatora resumiu no sumário nos seguintes termos:

«I - O princípio da participação consagrado no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa exige que seja assegurado ao cidadão uma participação efectiva na formação das decisões que lhe respeitem, mas não que essa participação seja realizada através de uma audiência prévia nos termos em que a mesma se mostra instituída e regulamentada no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

II - Em todas as redacções do artigo 63.º-B da LGT anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, encontrava-se expressamente previsto o dever da Administração Tributária proceder à audição prévia do sujeito passivo antes de proferir a decisão da acesso directo a documentação bancária.

III - Com a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009 e a redacção por esta dada ao artigo 63.º-B da LGT, deixou de haver qualquer referência expressa a essa exigência de audição prévia do contribuinte, a qual se manteve apenas para as situações em que o acesso a informações e documentos bancários se reporta a contas de que são titulares familiares daquele e/ou de terceiros que com o ele estejam numa relação especial, tem de concluir-se que, após a entrada em vigor do preceito em referência com aquela nova redacção, deixou de ser exigível que o contribuinte seja ouvido nos termos já mencionados e definidos pelo artigo 60.º da LGT (projecto de decisão contendo os fundamentos do sentido da decisão).

IV - A inexigibilidade da audição prévia do contribuinte nos termos formalmente consagrados no artigo 60.º da LGT foi um dos grandes objectivos prosseguidos com a reforma introduzida pela Lei n.º 94/2009, como inequivocamente o revelam, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa a essa audição e a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com ele uma relação especial e, por outro, o espírito da norma e as razões históricas subjacentes à alteração do procedimento nos termos que podem ser acolhidas na exposição de motivos constante da Proposta de Lei que antecedeu a Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro.

V - O princípio do inquisitório, consagrado fundamentalmente no artigo 58.º da LGT, impõe que a Administração Tributária, no âmbito dos procedimentos, realize todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, independentemente de essas diligências lhe terem sido requeridas pelas partes ou de a sua concretização resultar do juízo que realiza nesses procedimentos.

VI - Se a compreensão da realidade em apreciação num determinado procedimento está dependente do seu integral esclarecimento pelo sujeito passivo ou de informação bancária, não viola o princípio do inquisitório uma decisão de derrogação do sigilo bancário tomada pela Administração Tributária se antes o contribuinte assumira formalmente, depois de sucessivas notificações, nada mais ter a esclarecer e serem os documentos juntos mais do que suficientes para a efectiva compreensão da situação».

2.2.2.3.2 Por seu turno, no acórdão fundamento, com referência à mesma questão, o entendimento perfilhado foi o que a Juíza relatora resumiu no sumário nos seguintes termos:

«[…]

III. Com a redacção introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro (no que para aqui importa, a redacção é a acolhida no artigo 63.º-B na versão aqui aplicável), deixou de se fazer referência expressa à audição prévia nas situações referidas no n.º 1 [alíneas a) a g)], ou seja, quando está em causa o acesso a documentação bancária do próprio sujeito passivo. Na verdade, de acordo com o n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT, a referência expressa ao direito de audição surge relacionada com o acesso aos documentos bancários de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

IV. Apesar desta evolução/alteração da lei, a eliminação da referência ao exercício do direito de audição, no caso das situações contempladas no n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, não equivale à dispensa (legal) deste direito. Dito por outras palavras, e recorrendo à terminologia acolhida no artigo 60.º, n.º 1 da LGT, há que concluir que no caso concreto a lei não prescreve em sentido contrário, no sentido de expressamente dispensar o direito de audição, pois não resulta da letra da lei nem do seu espírito uma vontade clara e inequívoca do legislador no sentido da eliminação do direito de audição.

V. E, não prescrevendo a lei no sentido de dispensar o direito de audição, no caso concreto, a necessidade de assegurar o exercício de tal direito decorre, desde logo, da CRP, concretamente do artigo 267.º, do n.º 5 do artigo 60.º da LGT, do artigo 45.º do CPPT e do artigo 100.º do CPA.

VI. Deste modo, o artigo 63.º-B da LGT não afasta o direito de audição nas situações em que, como no caso sub judice, a AT pretende aceder a documentos bancários do próprio sujeito passivo, nem a sua dispensa está contemplada no artigo 60.º da LGT (de resto, importa realçar que, no procedimento em causa, nem a AT ensaiou qualquer tentativa de justificar a dispensa do direito de audição)».

2.2.2.3.3 Do que vimos de dizer resulta, sem necessidade de mais considerandos, que se verifica divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito – qual seja a de saber se, após a redacção que foi dada pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, ao art. 63.º-B da LGT, deve continuar a considerar-se exigível a audiência dos interessados nos termos do art. 60.º da LGT, previamente à decisão de derrogação do sigilo bancário relativa ao próprio sujeito passivo, como único modo de assegurar o direito de participação consagrado no n.º 5 do art. 267.º do CPPT – divergência a requerer a actuação deste Supremo Tribunal Administrativo em sede do presente recurso que, reiteramos, visa essencialmente garantir a uniformidade da interpretação e da aplicação do direito.
Impõe-se, pois, conhecendo do mérito do recurso, verificar qual a melhor solução para a questão em causa e daí retirar as pertinentes conclusões relativamente ao acórdão recorrido.

2.2.3 DO MÉRITO – DA AUDIÊNCIA PRÉVIA À DECISÃO ADMINISTRATIVA DE ACESSO À INFORMAÇÃO E DOCUMENTOS BANCÁRIOS DO PRÓPRIO SUJEITO PASSIVO

A nosso ver, adiantamo-lo desde já, foi o acórdão recorrido que deu melhor resposta à questão sub judice.
Por isso, no essencial, vamos limitar-nos a seguir a fundamentação nele expendida. Passamos a citar:

«[…] Apreciemos, deixando, porém, desde já firmadas três notas delimitadoras desta concreta questão posta em recurso.
A primeira, é a de que os Recorrentes não questionam que tiveram intervenção no procedimento, isto é, os Recorrentes não negam que participaram no procedimento, descrevendo, aliás, ao longo da sua petição e de forma pormenorizada, essa participação. O que os Recorrentes não aceitam, como se colhe claramente dos artigos 30.º a 45.º sua petição inicial, em especial do artigo 34.º, é que a Administração Tributária, antes de proferida a decisão de autorização de acesso às contas e documentos bancários de que são titulares, os não tenha formalmente notificado do projecto decisório, isto é, do sentido da decisão que iria ser tomada e não os tenha “convidado” a pronunciar-se sobre a mesma, tanto mais que, afirmam, tendo apenas com a notificação daquela decisão tomado conhecimento dos fundamentos (explicação) do valor da taxa considerada e dos concretos motivos pelos quais a Administração Fiscal não considerou os elementos e esclarecimentos entregues e adiantados pelos Recorrentes como suficientes para justificar os rendimentos de juros obtidos.
A segunda nota que importa salientar é a de que, em recurso, o dissentimento dos Recorrentes quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada se encontra, no essencial, assente no entendimento que professam de que o artigo 63.º-B n.º 5 da LGT, se interpretado no sentido de excluir a audição prévia do directamente interessado nos termos em que a mesma se encontra regulada no artigo 60.º da mesma Lei, viola o princípio fundamental de participação dos administrados nos termos em que este se mostra consagrado no artigo 267.º n.º 5 da CRP e, só indirectamente, numa eventual violação do seu direito fundamental de reserva da intimidade da sua vida privada e da igualdade.
A terceira é a de que a Administração Tributária reconhece que não procedeu à audição prévia dos Recorrentes nos termos em que essa audição se mostra regulada no artigo 60.º da LGT, sustentando a legalidade de tal actuação, por um lado, na inexigibilidade dessa audição na actual redacção do artigo 63.º-B da LGT e, por outro lado, defendendo que a participação dos Recorrentes foi assegurada através da sua intervenção ao longo do procedimento tendo em vista a prestação dos esclarecimentos devidos, que os Recorrentes foram sucessivamente advertidos de que se os esclarecimentos prestados não fossem julgados suficientes, determinaria a derrogação do sigilo bancário, para o que, inclusive, teria sido pedida, também várias vezes, a sua autorização.
Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, começando por afirmar o que hoje é inquestionável: todos os cidadãos têm direito a participarem nos procedimentos que lhe digam directamente respeito e sejam susceptíveis de lesar a sua esfera jurídica, constituindo essa participação (direito a participar) um princípio do nosso ordenamento jurídico-constitucional
É isso que claramente resulta do artigo 267.º n.º 5 da CRP, no qual se mostra estipulado que «O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (sublinhado de nossa autoria).
Todavia, é também hoje seguro que essa exigência constitucional não constitui um direito absoluto, pelo menos não no sentido de que sempre e em qualquer circunstância o interessado, in casu, o contribuinte, tenha que ser ouvido no âmbito do procedimento, por não assumir a audiência prévia, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, natureza jusfundamental 4 [4 Vide, na doutrina, Pedro Machete, “A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo”, Universidade Católica Editora, 1995, pp. 511 e segs.; José Manuel da S. Santos Botelho, Américo J. Pires Esteves e José Cândido de Pinho, “Código do Procedimento Administrativo, Anotado, Comentado” 3.ª edição actualizada e aumentada, p. 352; Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, volume II, p. 323.. Na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos da Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2002 (recurso n.º 48417), 25.09.2003 (recurso n.º 47953), 29.06.2006 (recurso n.º 816/05) e do Pleno de 31.03.2004 (recurso n.º 35338) e de 13.10.2004 (recurso n.º 1218/02). Ainda com interesse sobre a questão da natureza constitucional desta imposição constitucional, mas defendendo essa participação como um direito análogo aos direitos fundamentais, vide, Sérvulo Correia, «O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento», in Cadernos de Ciência de Legislação, 9/10, Janeiro-Junho de 1994, pp. 156-157; Vasco Pereira da Silva, “Em Busca do Acto Administrativo Perdido”, 1996, pp. 426 e segs. e David Duarte, “Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório”, 1996, pp. 143 e segs.]
O que aquele princípio constitucional exige, como a interpretação do mesmo revela, é que seja assegurada uma participação efectiva dos cidadãos na formação das decisões mas não que essa participação se haja de realizar através de uma audiência prévia nos termos em que a mesma se mostra instituída no artigo 60.º da LGT ou que da sua não concretização resulte, sempre, a invalidade do acto (decisão) que previamente a não observou.
Daí que, sendo certo, como insistentemente vem sendo repetido, que o direito à audiência que o artigo 60.º da Lei Geral Tributária consagra sob a epígrafe de “Princípio da participação” 5 (5 «1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal; d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária. 2- É dispensada a audição: a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável; b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito. 3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado. 4- O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte. 5- Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação. 6- O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria. 7- Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.» - cfr. artigo 60.º da LGT.) constitui uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões proferidas em procedimentos tributários que lhes digam respeito, garantido pelo artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República, e através da qual se visa assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses legítimos, isto é, constitui «um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, assumindo-se como uma manifestação do princípio do contraditório e “uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 8.º do CPA” (…) já que é através dela que o Administrado pode confrontar os seus argumentos com os argumentos da Administração e se lhe dá a oportunidade de produzir novas provas que invalidem, ou pelo menos, ponham em causa as certezas que justificam a projectada decisão. (…) e visa, o cumprimento da directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (art. 267.º, n.º 5 da CRP) e representa a obrigação de associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final através da concessão do direito de a influenciar» 6 [6 Cfr. Ac. do STA de 31-3-2004, proferido no recurso n.º 35338, disponível em www.dgsi.pt, No mesmo sentido, Botelho, José Manuel Santos, Esteves, Américo J. Pires e Pinho, José Cândido de, “Código de Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado», 5ª Edição (2002) Almedina, pags.378 e 383 e Andrade, José Manuel Vieira de, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», 5ª Edição, Almedina, p. e segs.], não é menos certo que o mesmo constitui, “tão só”, um princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da actividade administrativa, susceptível de ser conformado, designadamente pela introdução de excepções ou limitações (desde que estas, nas especificas circunstâncias em que são tipificadas ou consagradas não traduzam a postergação desse princípio constitucional à participação na decisão ou, postergando-o, se mostrem justificadas pela consideração de outros princípios ou valores fundamentais que sobre esse direito à participação devam prevalecer) e que a observância desse princípio constitucional de participação não passa, necessariamente, como defendido pelos Recorrentes, por uma audição concretizada numa notificação formal, expressa e autónoma do sentido provável da decisão e na concessão de um prazo para que o interessado se pronuncie.
Por isso, a resposta à questão posta em recurso pelos Recorrentes, passa, antes de mais, por apurar se: (i) não contendo o artigo 63.º-B da LGT uma referência expressa à audição do directamente interessado (mas apenas a audição prévia quando se tratar de aceder a documentos bancários de familiares ou terceiros que com aquele se encontrem numa relação especial) a Administração Tributária está legalmente legitimada a tomar a decisão de aceder a informações e documentos bancários sem ouvir previamente os Recorrentes nos termos em que essa audição se mostra plasmada no artigo 60.º da LGT; (ii) em caso afirmativo, se essa não audição “legalmente permitida” constitui, só por si, uma violação do princípio constitucional de participação do cidadão nas decisões que o afectem e (iii) em caso negativo, se no caso concreto, a intervenção dos Recorrentes, nos termos em que ocorreu e pela forma como lhes foi permitida a sua participação, nos permite concluir pela observância do princípio constitucional convocado.
Assentemos, desde já, que a resposta à primeira e terceira subquestões é positiva. A resposta à segunda é, para nós, manifestamente negativa.
Vejamos, então, porque assim o afirmámos.
[…]
Da admissibilidade legal da Administração Tributária aceder directamente a documentos e informações bancárias sem a prévia audição do contribuinte nos termos do artigo 60.º da LGT.
Para responder à primeira subquestão é necessário que tenhamos presente a evolução que o artigo 63.º-B da LGT veio sofrendo nos últimos anos, em especial a alteração de redacção de que foi objecto pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro.
Na verdade, em todas as redacções desse normativo anteriores à introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, se encontrava expressamente previsto que antes de proferir a decisão da acesso directo a documentação bancária a Administração Tributária tinha o dever de proceder à audição prévia do sujeito passivo, isto é, com comunicação do projecto de decisão e sua fundamentação nos moldes em que a mesma se mostra concretizada no artigo 60.º n.ºs 3 e 5 da LGT e 45.º n.ºs 2 e 3 do CPPT (cf. artigo 63.º-B na redacção a este aposta pelas Leis n.ºs 30-G/2000, de 29-12, 55-B/2004 de 30-12, respectivamente no n.º 3 e no n.º 5.).
Com a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, e a redacção por este imprimida ao artigo 63.º-B da LGT, deixou de haver qualquer referência expressa a essa exigência de audição prévia do contribuinte, a qual, tal qual (expressa) se manteve apenas para as situações em que o acesso a informações e documentos bancários se reporta a contas de que são titulares familiares daquele e/ou terceiros que com o mesmo estejam uma relação especial.
O que significa que, após a entrada em vigor do preceito com esta nova redacção, deixou, à luz do artigo 63.º-B da LGT, de ser necessário que a Administração ouça o contribuinte antes de tomar a decisão final de acesso à informação e documentos detidos pelas instituições bancárias, isto é, deixou de ser exigível que o contribuinte seja ouvido nos termos já mencionados e definidos pelo artigo 60.º da LGT (projecto de decisão contendo os fundamentos do sentido da decisão).
A consagração dessa dispensa de audição do contribuinte foi, aliás, sem margem para dúvidas, uma dos grandes objectivos prosseguidos com esta reforma (para realização de outros valores, como infra melhor analisaremos), como inequivocamente o revela, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa a essa necessária audição e, por outro, o facto de a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com aquele uma relação especial.
E, se dúvidas ainda subsistissem, sustentadas numa não expressa dispensa daquela audição na letra da lei, sempre as mesmas seriam ultrapassadas pela convocação dos demais elementos interpretativos de que o aplicador do direito não pode deixar de lançar mão, enunciados no artigo 9.º do Código Civil, como o sejam o espírito da norma e as razões históricas subjacentes a essa alteração.
Na verdade, na exposição de motivos constante da Proposta de Lei que antecedeu a Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro 7 [7 Cfr. Proposta de Lei n.º 275/X/4, consultável em www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar] afirmou-se de forma inequívoca que: «A experiência adquirida nos últimos anos através da derrogação do sigilo bancário aconselha a que se continue a agilizar o acesso à informação bancária, ampliando os dados a fornecer automaticamente pelas instituições financeiras e simplificando os procedimentos para acesso aos documentos e informação de natureza bancária no âmbito da acção inspectiva desenvolvida pela administração tributária,
O acesso directo à informação bancária é indispensável para garantir um eficaz controlo da veracidade da declaração dos contribuintes e, em caso de verificação de divergências, proporcionar a imediata intervenção dos serviços competentes, quer para assegurar a tributação dos rendimentos, quer para accionar os mecanismos de sancionamento e, concomitantemente, reforçar a capacidade de intervenção da administração tributária na detecção de comportamentos ilícitos e potenciadores da prática de fraude e evasão fiscais.
Na presente proposta de lei reequacionam-se as situações em que, através de decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço, a administração tributária tem acesso directo a informações, ou documentos bancários sem depender de prévia audição do contribuinte, sem prejuízo dos direitos de reclamação graciosa e de impugnação judicial aplicáveis.
(…)
Por outro lado, o acesso directo da administração tributária aos documentos bancários, de familiares ou de terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, nas situações em que estes recusem a exibição ou não autorizem a sua consulta, fica condicionada à prévia audição dos interessados e a respectiva decisão é susceptível de recurso com efeito suspensivo» 8 [8As restantes Propostas de Lei sobre a matéria também alertavam para a necessidade de maior cooperação entre as administrações tributárias dos diferentes países, em especial no seio dos países da OCDE, afirmando-se como indispensável reforçar o poder de derrogação do sigilo bancário por parte das administrações tributárias, desta forma se harmonizando, dentro do possível, a legislação e as práticas já assumidas por outros países da Europa e dos próprios Estados Unidos da América. Tudo, de resto, no sentido de reconhecimento pela via legal de posições doutrinárias que há muito clamavam no sentido de que o próprio princípio constitucional da igualdade entre contribuintes e da tributação pelo lucro real não podia ser posto em causa por uma legislação e interpretação restritiva da possibilidade de derrogação de sigilo bancário. Neste último sentido, vide, por todos e precursoramente, SALDANHA SANCHES, José Luís – “Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real”, Ciência e Técnica Fiscal 377, Janeiro-Março, 1995].
Temos, pois, por seguro, face à letra do artigo 63.º-B da LGT, à evolução da redacção do referido preceito e ao espírito do legislador e razões históricas subjacentes a essa alteração, que o legislador ordinário estabeleceu e quis estabelecer que nos casos de acesso à informação e documentos bancários do contribuinte não é necessário a sua prévia audição nos termos em que a mesma se mostra postulada no artigo 60.º da LGT ou, se preferirmos, de forma mais directa, temos por seguro que o legislador ordinário na regulamentação do procedimento especial de derrogação do dever do sigilo bancário eliminou essa fase procedimental, sendo, pois, quanto a nós, descabido apurar se esta dispensa cabe ou não nos casos previstos no n.º 1 ou chamar à colação o artigo 60.º da LGT, por o seu regime ter sido afastado por disposição especial.
[…]
A questão que tem vindo a ser colocado, e que neste recurso os Recorrentes também suscitam, é a de saber se a norma constante do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT, desta forma interpretado, é conforme a Constituição.
É este o tema ou objecto da segunda subquestão que enunciámos: ao estabelecer pelo normativo ínsito no n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT o acesso directo pela Administração Tributária a informações e documentação bancária do contribuinte sem a sua audição prévia, designadamente nos termos em que a mesma se encontra conformada no artigo 60.º da mesma Lei, violou o legislador ordinário o princípio constitucional daquele a participar no procedimento?
Ainda que a questão da constitucionalidade deste normativo não tenha, até hoje, sido directamente submetida a apreciação do Tribunal Constitucional, a mesma não deixou de ser objecto de discussão, antes e depois da sua entrada em vigor, em especial por parte da doutrina que, analisando o preceito nessa perspectiva ou dimensão, concluiu no sentido de que essa constitucionalidade é duvidosa por “o direito de audição prévia estar garantido pelo artigo 267.º n.º 5, da CRP, assegurado de modo geral pelo artigo 100.º do CPA e 60.º da LGT e não haver, em regra, nestes procedimentos, razões de celeridade ou de conveniência que possam justificar a sua eliminação” 9 [9 Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.ª Edição (2012), pp. 572-573].
Também a jurisprudência deste Tribunal Central, apreciando a presente questão em processo em tudo similar ao presente, propendeu no sentido de que a interpretação deste preceito nos termos equacionados seria inconstitucional, havendo, pois, que interpretar o mesmo no sentido de que a mera eliminação da anterior previsão da audiência prévia não traduzia, só por si, a ideia de “dispensa” dessa audição por tal dispensa se não mostrar subsumível aos casos plasmados no n.º 1 do artigo 60.º da LGT 10 [10 Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Secção de Contencioso Tributário, proferido a 10-7-2014 no processo n.º 7606/14].
Não cremos, porém, com o devido respeito por todos, que assim seja.
Como supra deixamos consignado a propósito do recorte constitucional do princípio de participação consagrado no artigo 267.º n.º 5 da CRP e do recorte legal do direito de audição prévia consagrado nos artigos 100.º a 103.º do CPA e 60.º da LGT, o que a Lei Fundamental reconhece é o direito a uma participação, remetendo para o legislador ordinário o modo de concretização dessa participação, o que este veio a fazer, de um modo geral, através da consagração do direito de audiência prévia.
Porém, não só não existe fundamento algum para que se entenda que ao legislador está vedada a possibilidade de em determinados procedimentos especiais, como é o caso do procedimento tendente à derrogação do sigilo bancário, afastar a audiência prévia, como não há razão para se entender que por causa do afastamento ou limitação dessa audição o princípio constitucional de participação, garantido pelo artigo 267.º, n.º 5 da CRP, se não mostra observado.
Aliás, que esse princípio fundamental de participação efectiva não passa necessariamente por uma notificação formal do sentido da decisão e das razões que a determinam resulta claro, desde logo, de a própria Constituição o não ter erigido em exigência fundamental da sua concretização.
Como afirmou já o Tribunal Constitucional 11 [11 Cfr. Acórdão nº 499/2009 do Tribunal Constitucional, proferido no processo n.º 669/08, consultável em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos], o artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa “não vincula a um modo necessário e único de organização do procedimento administrativo para assegurar a participação dos administrados, não impondo que, em todos os tipos de procedimento administrativo, o princípio geral da participação dos interessados seja maximizado com a consagração de uma audiência formal”.
E que o legislador ordinário, a quem foi cometida a regulamentação do princípio constitucional de participação do interessado na formação da decisão, também o não entendeu como absolutamente fundamental evidencia-o o facto de aquele mesmo legislador, na regulamentação dessa audição prévia, ter previsto nos artigos 60.º da LGT e 103.º do CPA, diversas situações em que essa audição não se realiza na forma plasmada no artigo 60.º da LGT.
Relembrando e adaptando aqui o discurso do já citado do Acórdão do STA de 31-3-2004, o direito de audiência é um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, porque constitui “manifestação do princípio do contraditório” e “dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 8.º do CPA” pelo que só nos casos em que essa audiência prévia (fase procedimental) não tenha sido legalmente eliminada ou admitida a sua dispensa, o seu não cumprimento constitui violação de uma “formalidade essencial” determinante, “atenta a interdependência e conexão sequencial entre os diversos actos procedimentais, da ilegalidade do próprio acto final”».
Aliás, não podemos deixar de fazer notar que, embora seja dominante o entendimento de que direito de audição tem, no procedimento tributário, a função de assegurar a participação no procedimento (essa sim, constitucionalmente assegurada), há autores que defendem que a intervenção procedimental do contribuinte no procedimento tributário serve a ideia do contraditório. Ou seja, para parte (minoritária) da doutrina, a audição prévia não tem em vista assegurar que os interessados intervenham no procedimento para conformar o interesse público e formar a vontade da Administração (direito de participação), mas, sim, tem em vista assegurar que o contribuinte visado no procedimento se defenda antecipadamente da acção administrativa (direito ao contraditório) 12 [12 Machete, Pedro - «A Audição Prévia do Contribuinte - Problemas Fundamentais do Direito Tributário», 1999, pp. 317-319].
O que significa que, a aceitar-se essa posição, ficaria de imediato arredada a possibilidade ou sustentação de um qualquer juízo conclusivo de inconstitucionalidade da norma por não assegurar a audição (prévia) no procedimento tributário, ainda que o pudesse ser a coberto de outra norma constitucional que assegurasse o contraditório (prévio) no procedimento tributário.
[…]
Mas, mesmo não sendo esta última a posição por nós perfilhada, antes a primeira que deixamos expressa, isto é, a posição de que a audiência prévia se assume primordialmente, como dimensão qualificada do princípio da participação mas que este, tal como se encontra constitucionalmente consagrado não exige necessariamente a realização de uma audiência prévia (e, consequentemente, ao legislador ordinário não está constitucionalmente vedada a possibilidade de restringir ou eliminar essa audição em certas situações ou especiais procedimentos, designadamente quando ela se revela desnecessária pelo modo como o procedimento se desenvolveu, tendo em consideração os fundamentos que estão na base da decisão administrativa-tributária ou porque outros valores se entendem como se sobrepondo aos valores prosseguidos pela exigência de audição prévia), a questão que cumprirá, por último, enfrentar, é a de saber se, no caso concreto o princípio constitucional de participação na formação da decisão foi posto em causa.
Isto é, importa apurar se independentemente de o legislador ter eliminado a fase procedimental de audiência prévia no procedimento especial de derrogação do sigilo bancário, a Administração Tributária, pela forma como conduziu este concreto procedimento, obstaculizou à participação efectiva do contribuinte na formação da decisão que constitucionalmente está consagrada.
Apuramento que se mostra absolutamente imprescindível por não poder confundir-se a possibilidade legal de a Administração poder tomar a decisão de derrogar o sigilo bancário sem cumprir a audição prévia enquanto fase procedimental e nos termos em que a mesma se mostra regulamentada no artigo 60.º da LGT (legalmente autorizada pelo artigo 63.º-B n.º 5 da LGT) com a hipótese ou situação de a Administração Tributária se arrogar o direito de tomar essa decisão no final de um procedimento sem permitir que o contribuinte participe de forma efectiva na formação dessa decisão.
Uma coisa é a Administração poder, sem ou contra o consentimento do titular das contas bancárias, aceder a toda a informação ou documentação que lhe respeitem; outra, é a Administração poder actuar dessa forma sem o contribuinte ser chamado de forma efectiva a demonstrar a inutilidade dessa actuação (decisão) e afastar a potencial e desnecessária lesão dos seus direitos constitucionais, designadamente de reserva da intimidade da sua vida privada, os quais apenas devem submergir verificada que esteja a existência de um efectivo conflito entre o interesse prosseguido pelo Estado (obtenção de receitas necessárias à realização das despesas públicas que devem ser suportadas por cada indivíduo segundo a sua capacidade contributiva; regulação da actividade económica, sempre que o imposto seja utilizado como instrumento de políticas económicas conjunturais e repartição da carga fiscal em harmonia com os princípios da equidade horizontal e da progressividade) e o interesse e direito fundamental do cidadão à reserva da sua vida privada 13 [13 Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007 (processo n.º 815/2007), consultável em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos].
Ora, no caso concreto, e se bem entendemos a decisão recorrida, ainda que o Tribunal a quo não tenha assumido, pelo menos não o fez de forma inequívoca, uma leitura de constitucionalidade do preceito em questão à luz da eliminação da fase procedimental de audição prévia, que era a questão nuclear suscitada pelos Recorrentes, não deixou de concluir, por um lado, pela afirmação de que a derrogação do sigilo bancário não era incompatível com o direito constitucional de reserva da vida privada ou com a restrição deste e, por outro lado, que mesmo não se tendo realizado a audiência prévia (parecendo implícito que o Tribunal partilha, apesar de tudo, o entendimento de que seria exigível), “era evidente” a “intervenção do sujeito passivo em todo o procedimento», negando, assim, e com este concreto fundamento, o reconhecimento de inconstitucionalidade pretendido (e, consequentemente, não afastou a aplicação do preceituado no artigo 63.º-B n.º 5 da LGT.).
Concordamos.
Não porque seja “evidente” a “intervenção do sujeito passivo” [que, repita-se, os próprios sujeitos passivos não negaram e o probatório evidencia – vide, em especial, factualidade vertida nas alíneas B), E), H) e K)] mas porque essa participação se efectivou no condicionalismo mínimo em que constitucionalmente é exigível que ela se concretize. Isto é, porque essa participação ou intervenção se processou estando os Recorrentes na presença e conhecimento de todos os elementos essenciais de facto e direito determinantes da decisão 14 [14 Como se disse no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/2009 já citado «o n.º 5 do artigo 267.º da Constituição não impõe ao legislador ordinário, como mínimo necessário de realização do princípio de participação, a notificação de uma pré-decisão. Para satisfazer a exigência constitucional, mesmo na dimensão garantística da participação que é mais exigente (…), é suficiente (embora também necessário) que o interessado tenha sido colocado em posição de fazer valer perante o órgão decisor a sua perspectiva sobre todos os elementos do procedimento (de direito ou de facto) que sejam relevantes para a decisão»].
Do que vimos dizendo resulta óbvio que não somos sensíveis à alegação dos Recorrentes de que só com a notificação da decisão ficaram a perceber as razões ou fundamentos da taxa de 4% que constituiu a taxa de referência para o cálculo do capital necessário ao percebimento dos lucros nos montantes apurados, nem à alegação de que só com a decisão ficaram a perceber porque é que a Administração Tributária se não julgava esclarecida pelos documentos juntos e, por último, que não somos sensíveis ao argumento de que a decisão de derrogação do sigilo bancário constituiu para os Recorrentes uma total surpresa.
E esta nossa insensibilidade ou, com mais rigor, não acolhimento do alegado assenta, estruturalmente, no facto de o probatório revelar claramente a falta de aderência do alegado com a realidade apurada nos autos.
Aliás, relativamente às alegações expendidas no sentido de demonstrar a “surpresa” sentida, nem sequer chega este Tribunal a compreendê-las por ser “evidente” (apropriando-nos, agora, da terminologia da Meritíssima Juiz a quo) da forma como o procedimento foi conduzido e pela posição que sistematicamente a Administração Tributária foi adoptando (veja-se o número de vezes que a Administração Tributária comunicou aos sujeitos passivos que a derrogação do sigilo bancário seria o passo subsequente se não ficasse esclarecida, as sucessivas comunicações afirmando-se não esclarecida e o envio repetido de uma declaração para os sujeitos passivos preencherem e assinarem concedendo a sua autorização de acesso a documentos e informações bancárias de contas de que são titulares) que era, no mínimo, muitíssimo provável que a decisão que iria ser tomada era a de derrogação do sigilo bancário (com ou sem fundamento não importa agora relevar).
Afastada, pois, cremos que sem surpresa, a “surpresa da decisão”, resta-nos fundamentar a decisão por nós adiantada quanto à qualificação, in casu, da participação dos Recorrentes como participação efectiva, isto é, porque afirmámos que essa participação foi realizada na presença dos elementos de facto e direito relevantes à decisão.
O que fazemos convocando, em especial, a factualidade vertida nas alíneas I), J), K), L), M), N) e O) do ponto III supra.
Efectivamente, confrontando essa factualidade entre si, não se nos afigura que outra conclusão seja possível de extrair senão a de que os elementos de facto e de direito que suportaram a decisão [alíneas K), L), M), N) e O)], foram, pelo menos na parte essencial, dados a conhecer aos Recorrentes antes da decisão [alíneas I) e J)]: detecção de um valor de rendimentos de capital (juros) incompatível com os rendimentos declarados nos anos de 2010 e 2011; não apresentação de justificação bastante para esse “acréscimo patrimonial” e integração desta situação de facto na alínea f) do artigo 87.º-A da LGT; necessidade de aceder a informação e documentos relativos a contas de que os Recorrentes são titulares, nos termos do artigo 63.º-B da LGT e para cuja operatividade se solicitava autorização expressa daqueles.
Não há, repita-se, elementos de facto e de direito relevantes que tenham sido considerados na decisão e não tenham sido, ainda que de forma sumária, adiantados no ofício de 7-10-2013 enviado aos Recorrentes e por estes recebido, sendo, salvo o devido respeito, irrelevante para este efeito, que só com a decisão tenha sido explicado que a taxa de 4% utilizada radicava na consideração da evolução das taxas da Euribor (o que, aliás, também não é verdade, bastando atentar com rigor no que vem afirmado a este propósito na nota de rodapé da decisão), falso que tenha sido solicitado qualquer esclarecimento expresso sobre a aplicação dessa taxa (mas sim argumentado que a consideração dessa taxa era aleatória e sem qualquer justificação factual) e uma inverdade que apenas na mesma decisão os Recorrentes tenham ficado a saber que a Administração Tributária se não mostrava esclarecida e das razões desse não esclarecimento.
Na verdade, se bem atentarmos no teor do ofício datado de 7-10-2013 [alínea I)] constamos, sem dificuldade, que do mesmo já constava a utilização de uma taxa “implícita” (de “referência ou hipotética”) de 4%: “Considerando que para o montante de rendimentos constantes nas modelos 39, declarados com o código 03 nos anos 2010 e de 2011, se utilizou uma taxa de juros implícita de 4%, foi estimado um capital investido para cada ano, que quando comparados, apresentam um acréscimo significativo de valor, indiciando um correspondente aumento do capital investido no seguinte montante:» seguindo-se um quadro de cálculo em tudo idêntico ao que viria a constar da decisão final (cfr. fls. 61 dos autos).
Também a análise atenta do mesmo ofício e da decisão final nos permite concluir que os motivos que levaram a Administração Tributária a comunicar aos Recorrentes que não se encontrava esclarecida ou entendia como “não justificada” a “manifestação de fortuna” evidenciada [os documentos apresentados não “justificavam, nem comprovavam todos os rendimentos de capitais auferidos, quer no ano de 2010, quer em 2011, dado que por consulta aos elementos constantes na Mod. 39 - Rendimentos e Retenções a taxas liberatórias, se verificou que os elementos do agregado familiar auferiram rendimentos obtidos através de várias instituições financeiras conforme quadro 2 acima apresentado” e «Para além disso também não justificaram o acréscimo de capital investido (investimentos financeiros) nem a origem e mobilização dos mesmos, indicando um acréscimo de património não justificado») são, no essencial, os mesmos que determinaram a manutenção dessa falta de esclarecimento e a decisão de derrogação do sigilo bancário (cfr., em especial, fls. 54 dos autos).
Ou seja, resulta claramente do probatório que houve uma participação efectiva dos Recorrentes no procedimento e que se uma participação acrescida ou “mais efectiva” por parte daqueles não houve não foi porque os Recorrentes não tivessem “conhecimento” antes da decisão das razões de facto e de direito determinantes daquela, não foi porque não lhes tenha sido dada sucessivamente a oportunidade de as contradizerem ou afastarem, mas por os mesmos sujeitos passivos terem entendido numa dada fase do procedimento, mais concretamente após o recebimento do ofício de 7-10-2013, que os esclarecimentos e documentos já apresentados eram “mais do que suficientes para os esclarecimentos a que a AT legalmente tem direito ao abrigo do dever de colaboração”, para evitar “especulações apresentadas no presente procedimento”, “ser ilegítimo o pedido de informação requerido aos Exponentes”, tendo-se limitado a apresentar, de novo, “os contratos de transmissão de participações sociais”, anteriormente apresentados, e que em seu entender, pelos valores envolvidos e datas de pagamento realizadas, justificavam o alegado incremento patrimonial [cfr. fls. 65-66 dos autos, acolhido no probatório sob a alínea K)].
Concluímos, pois, face a todo o exposto, e em resumo, que o legislador ordinário na actual conformação do procedimento especial de derrogação do sigilo bancário eliminou a fase procedimental de audiência prévia tal como a mesma se encontra regulada no artigo 60.º da LGT e que aos Recorrentes foi dada a oportunidade efectiva de participar no procedimento, o que estes fizeram na medida em que o entenderam constituir sua obrigação fazer, conscientes das razões de facto e direito que determinavam a AT na sua actuação e decisão, não havendo, por isso, fundamento algum para que julgue violado nem o referido artigo 63.º-B da LGT, nem o artigo 267.º, n.º 5 da CRP».

Foi com esta fundamentação, com a qual concordamos integralmente, que o acórdão recorrido decidiu a questão.
Na verdade, do n.º 5 do art. 287.º da CRP não decorre a exigência de que o direito de participação haja de se concretizar através da audiência prévia tal como configurada no art. 60.º da LGT.
Assim, no que respeita ao procedimento de acesso a informações e documentos bancários (de derrogação do sigilo bancário), tal como previsto no art. 63.º-B, da LGT, a menos que a lei estabeleça nesse sentido, não é de considerar indispensável que o direito de participação se concretize em conformidade com o disposto no art. 60.º da LGT, designadamente, através da comunicação ao interessado (titular dos elementos protegidos pelo segredo bancário) do projecto de decisão e sua fundamentação.
É certo que, até à entrada em vigor da Lei n.º 94/2004, de 1 de Setembro, o art. 63.º-B da LGT exigia a audiência prévia em todas as situações de acesso directo da AT a documentação bancária. Mas, após a entrada em vigor daquela lei, tal exigência passou a estar prevista apenas para os casos de acesso a documentação relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte (situações em que, anteriormente, o acesso estava condicionado a prévia decisão judicial) e já não para os casos de acesso a informação do próprio sujeito passivo.
Para estes casos, ponto é que esteja garantida a participação no procedimento de derrogação do sigilo bancário, permitindo-se ao sujeito passivo nele intervir, designadamente, demonstrando a desnecessidade da actuação da AT e, assim, afastar a potencial lesão dos seus direitos constitucionais, designadamente de reserva da intimidade da sua vida privada. Mas essa participação não tem necessariamente que concretizar-se através da audiência prévia, como bem decidiu o acórdão recorrido (Esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se já neste sentido pelo seu acórdão de 25 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 1398/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/916b684fd665b49e80257dfc00425cbe?OpenDocument.).
Assim, o recurso, no que a esta questão respeita, não merece provimento.
2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Não pode ocorrer oposição entre o acórdão recorrido e um acórdão ainda não transitado em julgado à data da interposição do recurso (e, aliás, entretanto revogado).
III - O art. 267.º, n.º 5, da CRP, que assegura o direito de participação efectiva dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes respeitem, não impõe que essa participação seja efectuada exclusivamente através de uma audiência prévia, tal como prevista e regulada pelo art. 60.º da LGT.
IV - Após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, o art. 63.º-B da LGT, que em todas as suas redacções anteriores impunha à AT a audiência prévia do sujeito passivo antes de proferir a decisão da acesso directo a documentação bancária, deixou fazer essa exigência relativamente ao acesso a informações e documentos bancários do próprio sujeito passivo, mantendo-a apenas para as situações em que o acesso se reporta a contas de que são titulares familiares daquele ou terceiros que com ele estejam numa relação especial.
V - Assim, tem de se concluir que, após a entrada em vigor do preceito em referência com aquela nova redacção, deixou de ser exigível que o contribuinte seja ouvido nos termos já mencionados e definidos pelo art. 60.º da LGT (projecto de decisão contendo os fundamentos do sentido da decisão).
VI - A inexigibilidade da audição prévia do contribuinte nos termos formalmente consagrados no art. 60.º da LGT foi um dos grandes objectivos prosseguidos com a reforma introduzida pela Lei n.º 94/2009, como inequivocamente o revelam, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa a essa audição e a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com ele uma relação especial e, por outro, o espírito da norma e as razões históricas subjacentes à alteração do procedimento nos termos da exposição de motivos constante da Proposta de Lei 275/X, que antecedeu a Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro.

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em
- negar provimento ao recurso quanto à primeira questão suscitada;
- não admitir o recurso quanto à segunda questão suscitada.

Custas pelos Recorrentes.

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Lisboa, 14 de Maio de 2015. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Pedro Manuel Dias Delgado Ana Paula Fonseca LoboJorge Miguel Barroso de Aragão SeiaJosé Maria da Fonseca CarvalhoDulce Manuel da Conceição NetoJoaquim Casimiro GonçalvesIsabel Cristina Mota Marques da SilvaJosé da Ascensão Nunes Lopes.