Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00492/13.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/13/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA; SIGILO; JUROS; FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:i) A fundamentação do acto tributário ou de acto praticado em matéria tributária que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve, nos seus motivos e nos respectivos pressupostos, ser expressa, clara, suficiente e congruente.
ii) Verifica-se falta de fundamentação quando o destinatário perante a decisão de acesso às informações e documentos bancários recorrida, fica sem conseguir perceber quais os motivos pelos quais foi considerado determinado juro bancário para efeitos de aferição de um acréscimo de património não justificado presumido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:T...
Recorrido 1:Diretor Geral dos Impostos
Votação:Maioria
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I. Relatório

T...e Â...(Recorrentes), inconformados com a sentença de 13.12.2013 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente o recurso interposto ao abrigo do artigo 146º-B do CPPT da decisão de 25.09.2013 que autorizou o acesso da Administração Fiscal às suas contas bancárias, dela vieram interpor o presente recurso jurisdicional, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1. Existe falta de fundamentação da taxa de juro de 4% e no tempo das aplicações, pois a Autoridade Tributária jamais demonstrou no procedimento, onde se estribou, para decidir efetuar as suas contas com base na mesma, para assim com base nos rendimentos, presumir, o montante das aplicações financeiras, Art,° 77º da LGT.

2. Existe vício de violação da lei, pois não existem indícios concretos da falta de veracidade do declarado no modelo 3 de IRS, do ano de 2011. Art.° 63°-B, n.° 1, alínea b), da LGT, pois as taxas de juros oscilaram muito, nos exercícios económicos de 2010 e 2011, cfr. factos provados em E) e que só por si isoladamente demonstram o contrário do decidido e depois com a variável do tempo, mais contrariam o sentenciado.

3. Depois, não existem indícios de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea 1), do Art.° 87º da LGT, o que conduz ao vício de violação da lei à alínea c), do n.° 1, do Art.° 63°-B, da LGT, pelo que na sentença, nem na decisão recorrida resultam explicitados os factos (nem os autos os comprovam, ver facto provado em E)), integradores das normas previstas nas alíneas b) e e), do n.° 1, do Art.° 63°-B, da LGT.

Nestes termos, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os erros e vícios alegados, com efeitos na anulação da decisão de derrogação do sigilo bancário, assim se fazendo JUSTIÇA.



A Recorrida, Fazenda, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto Público emitiu douto parecer, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art. 639.º do CPC, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho e art. 282.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

(i) Se o Tribunal a quo efectuou errada valoração da prova produzida, designadamente no que se refere à fundamentação da determinação da taxa de juro de referência; e

(ii) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por ter considerado justificado o levantamento do sigilo bancário no presente caso.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Ao abrigo da ordem de serviço OI201300588 os Serviços de Divisão de Inspeção Tributária da D. F. de Viseu iniciaram ação inspetiva à Recorrente T…, cfr. folha 1 da informação de 3 páginas que, instruída com dois anexos (fls. 5 a 7 destes autos), estribaram a decisão nestes autos recorrida, elementos aqui dada por reproduzida o mesmo se dizendo dos demais documentos infra referidos;

B) Em sede da aludida inspeção apurou-se:

“ As obrigações declarativas do SP em causa mostram-se cumpridas.

2 DESCRIÇÃO DOS MOTIVOS QUE JUSTIFICAM O PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA ACESSO A INFORMAÇÃO BANCÁRIA DO SUJEITO

Nos últimos anos (a título exemplificativo apresentam-se os dados dos últimos 4 anos) os titulares de rendimentos do agregado familiar do SP (T...e Â…) declararam os seguintes rendimentos sujeitos a IRS:
ANO
2008
2009
2010
2011
RENDIMENTOS LIQUIDOS
45 329,30
45 122,82
43 568,75
42 234,78
Além dos rendimentos atrás referenciados, em 2010 e 2011, os titulares de rendimentos do agregado obtiveram os seguintes rendimentos provenientes de juros de depósitos à ordem e a prazo, que foram sujeitos a retenção na fonte a título definitivo.

Respetivamente, num total de € 58 216,11 e € 148 683,37, ambos rendimentos brutos, sendo que de 2010 para 2011 se verificou um acréscimo total de € 90 467,16.

O acréscimo de rendimentos de capitais obtidos em 2011 relativamente a 2010 representa, a uma taxa de juro meramente exemplificativa de 4%, um acréscimo do montante de capital investido de € 2 261 679,00 (€ 90 467,16/4%).

Não obstante o descrito os rendimentos declarados nos últimos anos pelos SPs não justificam o aparente acréscimo de património evidenciado em 2011.

Para apurar da eventual existência de acréscimos injustificados o SP foi questionado sobre se autorizava a AT a consultar/aceder às suas contas respondeu negativamente argumentando que não lhe foi explicada em termos legais a razão da devassa.

Face ao anteriormente exposto…

2.1 Existência de indícios concretos da falta de veracidade do declarado no modelo 3 de IRS…

….

O aparente acréscimo do património não é justificado pelos rendimentos declarados pelos SPs em 2011 (rendimentos líquidos de €41 234,78), o que indicia falta de veracidade do declarado.

2.2.Existência de indícios de acréscimos de património não justificados, nos termos da al. f) do artigo 87º da LGT, na medida em que o aparente acréscimo de património, de valor superior a € 100 000,00, se verifica simultaneamente com uma divergência com os rendimentos declarados.

E com base em tais fatos conclui a AT existir fundamento para a derrogação do sigilo bancário, nos termos das als. b) e c) do nº 1 do art 63º B da LGT, vide fls. 1 e 2 da já aludida informação, informação das modelo 39 a fls. 7; fatos que não foram contrariados pelos Recorrentes;

C) A Recorrente, sendo esclarecida de que a diligência em causa se inseria no âmbito do processo inspetivo OI201300588, foi inquirida, em 10-09-2013, sobre se autorizava a Aut. Tributária a consultar/aceder a todas as contas bancárias existentes na C. E. Montepio Geral e Banco BPI SA, tendo dito que não autorizava “porque é legítimo não dar acesso às contas bancária e jamais lhe foi explicada em termos legais a razão da devassa”, cfr. doc. De fls. 7 verso;

D) cinco meses antes os Recorrentes foram notificados do “dever de cooperação e de apresentação de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos “, ao que responderam dizendo, para além do mais, que as aplicações financeiras têm origens em exercícios económicos anteriores a 2009 pelo que não se apura direta ou indiretamente acréscimo patrimonial superior a € 100 000,00 em 2011, vide fls. 8 a 11;

E) As taxas de juro bancários – Empréstimos e depósitos entre Agosto de 2008 e Agosto de 2013, de acordo com fonte do Banco de Portugal apresentaram a expressão constante dos gráficos que constituem fls. 12;

F) A decisão de que estes autos constituem o recurso foi proferida pelo Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 25 09 2013 e comunicada aos Recorrentes através de carta registada expedida em 2013-10-08, cfr. doc. de fls. 4;

G) O recurso que deu origem aos presentes autos foi apresentado em 17 de outubro de 2013, vide carimbo aposto a fls. 2.

II II Factos não provados

Inexistem.

O tribunal a quo alicerçou a motivação da decisão da matéria de facto nos seguintes termos:

A convicção do tribunal formou-se com base no teor e apreciação crítica dos documentos identificados em cada uma das alíneas.



II.2. De direito

Considerada a factualidade dada por assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

Alegam os Recorrentes que a sentença recorrida não valorou correctamente a prova produzida no que se refere à fundamentação da taxa de juro de 4% aplicada, uma vez nada é dito para a justificar. Para além de que as médias das taxas de juro, embora inferiores a 4%, são muito diferentes nos exercícios económicos e que com base na fonte do Banco de Portugal, demonstra-se que a taxa constante de 4% aplicada a 2010 e 2011 é contraditória e incongruente, sendo que as taxas de juro em 2011 são superiores às de 2010. Consequentemente existe falta de fundamentação quanto à aplicação da taxa de juro de 4% e no tempo das aplicações.

Neste ponto, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:

“(…) Existe falta de fundamentação da taxa de juro de 4% pois não se demonstrou onde a AT se estribou para efetuar as suas constas com base na mesma:

A presente questão é de resposta fácil pois resulta claramente dos fundamentos da decisão recorrida o porquê de se mencionar a taxa de 4% “taxa de juro meramente exemplificativa". Ela resultou de um mero exercício de aplicação aritmética entre o volume do acréscimo apurado (€90 467,16/4%) para apurar o acréscimo do montante de capital investido. O referido exercício não perde a sua substancialidade com a alteração “volatibilidade das taxas de juro” variando apenas, consequentemente o montante do capital investido. De acordo com os elementos com fonte no Banco de Portugal pode até dizer-se que a média das taxas de juros foram inferiores a 4% o que determinaria um aumento do capital investido.

Em suma, sem necessidade de mais considerações, a presente questão é uma pseudoquestão.”

Vejamos então, estando em causa neste ponto apurar se perante a factualidade apurada a sentença errou na valoração que efectuou para concluir que o despacho recorrido se encontrava fundamentado quanto à adopção de uma taxa de juro de 4%.

Perante o que vem provado e lidos na sua integralidade o despacho recorrido e a informação de suporte que lhe serve de fundamento (doc.s a fls. 28 e 29-32), temos que a Administração Tributária considerou como critério aferidor da existência de indícios da falta de veracidade do declarado, bem como de acréscimos de património não justificado, a aplicação de uma taxa de juro anual de 4% sobre os depósitos que os Recorrentes detêm em instituições bancárias e tomando por referência os anos de 2010 e 2011 (comparação dos rendimentos brutos de juros de depósitos à ordem e a prazo obtidos em cada um desses anos).

Isto é, a Administração Tributária aplicando uma taxa de juro, que classificou de “meramente exemplificativa”, de 4%, alcançou a conclusão de que se verificava um acréscimo de rendimentos de EUR 90.467,16, a correspondia um aumento do capital investido de EUR 2.261.679,00. Dito de outro modo, de acordo com a informação que sustentou a decisão, o fundamento do acesso à informação bancária, ancorado nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, prendeu-se com a verificação de um acréscimo patrimonial não justificado, comprovado pela comparação entre os valores declarados e os juros auferidos, levando em consideração uma taxa de juro de 4%. Ou seja, a AT comparou os juros obtidos, considerando uma taxa de 4%, com os rendimentos declarados e concluiu haver uma desproporção não justificada.

É contra a aplicação desta taxa de juro nominal de 4% que os Recorrentes desde logo se insurgem, alegando que a opção por uma taxa com este valor não está fundamentada.

E, atalhando caminho, a razão está do lado dos Recorrentes. Como estes alegam no recurso interposto não tem razão de ciência ou técnica, a taxa constante de juro de 4%, aplicada a 2010 e 2011, nem a sua escolha está minimamente explicitada.

Com efeito, a Administração Tributária nada diz para justificar a aplicada taxa de juro constante de 4%, senão que se trata de uma taxa de juro “meramente exemplificativa” (sic). Perguntar-se-á: exemplificativa porquê e do quê? Na verdade, a questão aqui e neste momento em discussão não é o resultado obtido com a aplicação de um determinado divisor (como assumiu o Tribunal a quo), pois que não oferece dúvida matemática que 90.467,16/0.04=2.261.679,00; a questão está colocada a montante e é a da opção pelo valor do próprio divisor (não do dividendo, nem do quociente) e sua justificação.

É sabido que, no que concerne à fundamentação, a Constituição no seu artigo 268.º, n.º 3, garante aos administrados o direito à fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos e o artigo 77.º da LGT estende o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários (como é o caso). Esta exigência compreende-se em face das pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, as quais vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 3.ª ed., 2003, p. 382).

Como ensina aquele Autor (idem, pp. 384-385): “Da conjugação dos n.ºs 3 e 4 do art . 268.º da C.R.P., conclui-se que o direito de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos é reconhecido em condições de plena eficácia, o que exige que seja proporcionada aos seus destinatários a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram.

Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (art. 125.º, n.º 2, do CPA).

Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu.

Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros.

A fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão”.

Por outro lado, e fazendo uma aproximação ao caso que nos ocupa, referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e João Pacheco de Amorim, o seguinte:

Num sentido estrito – tirado por confronto entre a alínea d) do n.º 2 do art. 123.º, por um lado, e a sua alínea c) bem como o n.º 1 do mesmo artigo, por outro lado – a fundamentação do acto administrativo abrangeria apenas a indicação dos motivos do conteúdo ou sentido da decisão e não já a determinação das razões respeitantes à determinação dos pressupostos do acto.

Começa por assinalar-se que a distinção é inócua em sede de conteúdo (extensão) e de validade do acto administrativo, por a lei (art. 123.º, n.º 1) exigir que se mencionem obrigatoriamente, nos actos administrativos, não apenas os seus motivos, mas também os respectivos pressupostos, e o n.º 2 do mesmo preceito assacar à falta destes (ou à sua obscuridade, imprecisão ou incompletude) sanção igual à cominada no art. 125.º para a falta ou vícios da motivação do acto. [sublinhado nosso].

Assente isso, podemos então dizer, com Rogério Soares e Vieira de Andrade, que sob o conceito de fundamentação, se encobrem duas exigências de natureza diferente: por um lado, está em causa a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real (ou de facto) ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência; por outro lado, nas decisões discricionárias está em causa a motivação, ou seja, a exposição do processo de escolha da medida adoptada, que permita compreender quais foram os interesses e os factores que o agente considerou nessa opção (cfr. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed. revista e aumentada, 1997, p. 591).

Em síntese, o dever formal de fundamentação cumpre-se “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo (cfr. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, p. 239). “O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão” (cfr. o Ac. do STA de 11.12.2002, proc. n.º 1486/02).

Seguro é igualmente que o dever de fundamentação constitui não só um importante sustentáculo da legalidade administrativa e tributária, mas também um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de elemento fundamental da sua interpretação.

Ora, olhando para a decisão de autorização para acesso a informação bancária nos termos do art. 63.º-B, n.º 4, da LGT, aqui em causa, o que vemos é que a Administração Tributária se limitou a erigir um pressuposto/factor para determinar um acréscimo patrimonial presumido (a partir dos montantes aplicados em depósitos bancários e sujeitos à respectiva taxa liberatória nos anos de 2010 e 2011): a taxa de juro de 4%. Porém, para além de referir que se trata de uma taxa “meramente exemplificativa”, nada mais disse.

Mais, nada se diz para “justificar” a aplicação dessa taxa de 4% em 2010 e em 2011 (para efeitos de comparação), sendo que, por um lado, como alegam os Recorrentes, num exercício abstracto, se num dado ano, as taxas de juro médias forem de 2% e noutro ano de 4%, é por demais evidente, que o rendimento antes do efeito fiscal, duplica, sem variar o capital investido. E, por outro lado, a experiência demonstra à abundância que a estrutura dos produtos bancários é complexa, com existência de períodos temporais, mais ou menos curtos, remunerados a taxas de juro diferentes e em regra crescentes, dependendo a taxa de juro contratada não só do montante aplicado (capital), mas também de outros factores como o prazo, a periodicidade e tipo de remuneração (fixa ou indexada), a modalidade de vencimento dos juros (capitalização ou não), bem como do perfil do cliente.

Subsiste, pois, a dúvida, para os Recorrentes, e também para este tribunal, que não alcança a razão de assim se ter procedido, sendo essencial que tal se entendesse sob pena de frustrar-se a finalidade, pelo menos a “endógena”, pela qual a Constituição e a lei tributária impõem à Administração Pública o dever de fundamentação das suas decisões.

E o provado em E) supra, independentemente, sublinha-se, de o despacho recorrido em momento algum remeter para quaisquer taxas médias ou ponderadas extraídas de elementos estatísticos oficiais, não colide com a conclusão acabada de alcançar. Com efeito, as taxas de juro referenciadas nesse facto (por remissão para o mapa extraído do site do Banco de Portugal), respeitam a taxas de juro bancárias sobre novas operações de empréstimos e depósitos, nada aí se adiantado sobre rendibilidades históricas (taxas anualizadas).

Em suma, a mera referenciação de uma taxa de juro de 4% não cumpre o dever de fundamentação formal do acto tributário, não dando o autor do acto a conhecer minimamente as razões em que se fundou para determinar aquele valor e não outro, o que, aliás, nem sequer ensaiou. Pelo que não estão os Recorrentes – e o tribunal – em condições de saber se tais razões são ou não válidas e aptas a suportar a decisão proferida (o que já se colocaria ao nível do eventual erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito).

Nestes termos, procedendo as conclusões de recurso nesta parte, terá que julgar-se o mesmo procedente e anular-se a decisão da Administração Tributária recorrida por falta de fundamentação. Com o que fica prejudica o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.


III. Conclusões

Sumariando:

i) A fundamentação do acto tributário ou de acto praticado em matéria tributária que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve, nos seus motivos e nos respectivos pressupostos, ser expressa, clara, suficiente e congruente.

ii) Verifica-se falta de fundamentação quando o destinatário perante a decisão de acesso às informações e documentos bancários recorrida, fica sem conseguir perceber quais os motivos pelos quais foi considerado determinado juro bancário para efeitos de aferição de um acréscimo de património não justificado presumido.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e, em substituição,

- Anular a decisão do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 25.09.2013, que autorizou o acesso às contas bancárias identificadas nos autos e de que são titulares os ora Recorrentes.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Porto, 13 de Fevereiro de 2014

Ass. Pedro Marques

Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos ("Vencido, cfr. declaração que junto:

Consideraria que a decisão administrativa de derrogação do dever de sigilo bancário está suficientemente fundamentada porque é ali devidamente explicitado que essa taxa é apresentada a título meramente exemplificativo, e para suportar um raciocínio meramente hipotético. A taxa de juro é, como decorre do próprio raciocínio do inspetor, uma variável desconhecida. A questão de saber se a derrogação do sigilo bancário pode ser suportada no raciocínio hipotético que a fiscalização construiu já não é uma questão (formal) da existência de fundamentação, mas da validade (substancial) do discurso fundamentador respetivo.
Consideraria também que a decisão administrativa padece de erro sobre a verificação do pressuposto de derrogação do dever de sigilo bancário previsto na alínea c) do n.° 1 do artigo 63.-B da Lei Geral Tributária. Porque só constituem indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados nos termos da alínea f) do n.° 1 do artigo 87.° da mesma Lei os acréscimos de património ou despesa manifestados de valor superior a € 100.000,00. Sendo que o facto manifestado (o único que se poderia defender ser suscetível de indiciar novos rendimentos aplicados em produtos financeiros geradores de novos ou acrescidos ganhos) é, aqui, a variação positiva dos rendimentos de capitais de um ano para o outro. Ou seja, o acréscimo total de € 90.467,16, que é (mesmo em valores brutos) inferior a € 100.000,00.
Entenderia, no entanto, que a expressão dos ganhos em rendimentos de capital, pela sua grandeza, indicia suficientemente a aplicação, no ano de 2011, de montantes que não podem ser explicados nem com os rendimentos declarados, nem com os capitais investidos em anos anteriores. Que só poderiam suportar esse acréscimo pressupondo uma variação positiva na taxa de juro, de um ano para o outro, de cerca de 255%, que é manifestamente irreal.
Assim, consideraria que existia o fundamento da alínea b) do n.° 1 do artigo 63.°-B, da LGT (indícios de falta de veracidade do declarado na declaração modelo 3 de 2011) para a derrogação do sigilo bancário e, com tal fundamentação, confirmaria a douta decisão recorrida."