Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0891/16 |
Data do Acordão: | 02/01/2017 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA DISPENSA DO PAGAMENTO |
Sumário: | Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, quer na totalidade, quer numa fracção ou percentagem, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe. |
Nº Convencional: | JSTA000P21407 |
Nº do Documento: | SA2201702010891 |
Data de Entrada: | 07/07/2016 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso da sentença proferida no processo de impugnação judicial proferido no processo n.º 513/11.9BECBR
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A……………., S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrente), notificada da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra o resultado da 2.ª avaliação de um prédio, e após indeferimento do pedido de reforma da mesma quanto a custas, que negou a peticionada dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quanto ao valor que excede € 275.000,00, veio recorrer desta última decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando com o requerimento de interposição do recurso, as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.): «A- O presente recurso visa a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado nos termos do artigo 6.º n.º 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais. B- Nos autos ainda não foi elaborada nem notificada às partes a conta de custas. C- Nada obsta, entende a recorrente, que o pedido de dispensa (ou a redução) do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º n.º 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais seja requerida ao juiz, somente após a elaboração da conta de custas D- Tendo em consideração que o Tribunal antecipou já o seu entendimento quanto a essa questão, e notificou a recorrente, vem já a recorrente, responsável pelo pagamento das custas nestes autos, e portanto parte interessada e directamente lesada com a referida decisão, recorrer do referido despacho judicial na medida em que considera que o mesmo permite que seja fixado o valor global da taxa de justiça no avultado montante estimado de € 104.244,00 (€ 52,122,00 x 2). E- A fixação daquele valor decorrente apenas do valor da acção e da aplicação das tabelas de custas sem qualquer outra ponderação por parte do Tribunal é manifestamente desproporcionado, e inconstitucional violando em nossa opinião frontalmente o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva e o princípio da proporcionalidade decorrentes dos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. F- A recorrente não contesta o valor da acção que decorre do disposto no artigo 97.º-A al. c) do CPPT – Impugnação de fixação de valores patrimoniais – no montante fixado pelo Tribunal de € 4.397.410,00 – (diferença entre o valor apurado pela AT e o valor defendido pela impugnante) despacho n.º 005501590 de 16 de Março de 2012 constante dos autos. G- A recorrente não contesta a sua responsabilidade pelo pagamento das custas atenta a total improcedência da impugnação. H- A decisão de mérito da impugnação não [é] objecto de recurso tendo já transitado em julgado. I- A recorrente entende e está convicta que o Tribunal a quo proferiu um despacho sem ter conhecimento das consequências que o mesmo implica a nível do valor da taxa de justiça a pagar. K- O tribunal a quo, não apreciou como lhe competia se tal montante de taxa de justiça era adequado, necessário e proporcional, errando ao ter decidido indeferir em termos genéricos a dispensa do remanescente da taxa de justiça termos do artigo 6.º n.º 1 e 7 do Regulamento das Custas sem ter demonstrado ter sido feito tal um juízo de adequação ao caso concreto. QUANTO AO PROCESSADO NOS AUTOS L- A impugnação judicial foi intentada em 25-07-2011 num articulado simples com 43 artigos onde apenas se impugna o valor patrimonial tributário de um imóvel constituído por aviários, não estando em causa a liquidação ou pagamento de nenhum imposto. M- Na impugnação invocou-se a falta de fundamentação do acto de avaliação e o excesso no valor de construção considerado na formula (automática) de cálculo do VPT constante do código do IMI, N- A contestação da F.P. tem 31 artigos. O- Foram ouvidas duas testemunhas. P- A impugnante e a FP apresentaram alegações onde reproduzem os argumentos da impugnação e contestação. Q- Os autos constituem um processado com 159 folhas até à sentença, R- A sentença tem apenas 11 páginas, duas páginas de relatório e duas páginas de probatório, com apenas 14 factos. 5- Quanto aos factos e aplicação do direito e decisão (7 páginas) na sentença proferida são exclusivamente convocadas normas do código do IMI, concluindo o Tribunal, resumidamente que a avaliação em causa foi feita nos termos da fórmula transcrita no artigo 38.º do referido código e que não existe portanto qualquer vício na referida avaliação, nem falta de fundamentação do acto. DA COMPLEXIDADE DA QUESTÃO DECIDENDA T- As partes não apresentaram qualquer expediente dilatório, a prova produzida não foi complexa, e a questão apreciada convoca um quadro legal simples condensado num único diploma. U- A simplicidade da questão decidenda resulta espelhada na própria sentença. V- Por comparação com outro tipo de processos e questões, inquestionavelmente mais complexas, tenha de considerar-se que a impugnação em causa reveste manifesta simplicidade, seja pela singeleza dos vícios apontados, seja pelo regime legal convocado. W- Na apreciação de “complexidade da causa” deverá ponderar-se que o processo em apreço consistiu numa impugnação judicial do resultado da segunda avaliação de um imóvel cujo montante, embora seja utilizado para a identificação do valor da respectiva impugnação judicial, não tem uma directa correspondência com o valor ou desvalor económico para a parte, ora Recorrente. X- O impacto económico e fiscal da apreciação do valor patrimonial do mencionado imóvel é infinitamente menor do que o valor que foi apurado como valor da acção, e, consequentemente, que servirá como base de cálculo da conta de custas a final, verificando-se ser claramente desproporcional no caso concreto, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo. Y- O valor da acção não deve ser um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial, sendo necessário um aperfeiçoamento da equivalência da taxa de justiça ao processo judicial em apreço, considerada a sua efectiva complexidade, proibindo-se o seu excesso, por aplicação conjugada do artigo 2.º com o artigo 20.º da CRP. Z- Estando em causa uma taxa, deverá atender à sua natureza bilateral, como contrapartida devida pelo serviço público de justiça prestado, atendendo à relação sinalagmática que a taxa pressupõe, sob pena de perante um manifesto excesso do seu montante se poder considerar que estamos já perante um verdadeiro imposto ou uma sanção. AA- O despacho recorrido limita-se a tecer considerações genéricas sobre a complexidade e sobre a proporcionalidade do montante da taxa para justificar a não dispensa, mas fá-lo sem concretizar nem o quantum da taxa em causa e sem identificar objectivamente ocorrências processuais que fundamentem essa proporcionalidade e legitimem esse indeferimento. BB- A justificação de que o valor é proporcional ao serviço prestado só se perceberá se o tribunal considerou, outro o valor da taxa em causa, caso contrário será de muito difícil compreensão e aceitação que num processo com a tramitação e objecto descritos, seja equivalente e proporcional ao serviço prestado um montante de Taxa superior a € 100.00,00 CC- A distorção é tão mais gravosa quando se verifica que mesmo se procedente, a impugnação apresentada o benefício alcançado seria eventualmente inferior ao da taxa de justiça aplicada. DD- A ser assim não é de uma taxa da que estamos a falar mas sim de um verdadeiro imposto ou sanção pecuniária. EE- Tanto a Fazenda Pública como o Ministério Público se pronunciaram favoravelmente à referida dispensa. FF- Assim, devendo existir correspondência entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, Deve o despacho de que se recorre ser revogado uma vez que a interpretação das normas que o sustentam é materialmente inconstitucional por violar: A) O princípio do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição; B) O princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2, segunda parte, da Constituição; E em consequência ser proferido acórdão que ordene que a conta de custas a elaborar, atento os fundamento invocados desconsidere e dispense do pagamento do remanescente da taxa de justiça acima do montante de € 275.000,00 nos termos do artigo 6.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais». 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou. 1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e indicou como tribunal competente esse efeito este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento da Recorrente. 1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de considerar que a forma de reacção contra a falta de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o recurso, entendeu dever ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença na parte recorrida e determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em medida não inferior a 1/10, com a seguinte fundamentação: «A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a 275 000 € tem um carácter excepcional, sendo de aplicar em face da especificidade da situação e de tal ser fundamentadamente de considerar no caso da complexidade da causa ser inferior à comum e em face da conduta das partes, nomeadamente, que deva ser premiada ou que tenha implicado uma actividade processual inferior à normal – neste sentido tem vindo a pronunciar-se a jurisprudência do S.T.A., nomeadamente, através dos seus acórdãos de 29-10-14, 26-11-14 e 10-12-14, proferidos, respectivamente nos processos n.ºs 166/14, 398/12 e 1374/13, publicados em www.dgsi.pt. 1.6 Com dispensa de vistos, por haver jurisprudência firme a este propósito, cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTOS 2.1 DE FACTO As circunstâncias processuais a atender resultam da consulta dos autos. 2.2 DE DIREITO 2.2.1 DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Nos presentes autos, foi proferida sentença (cfr. fls. 146 a 156) que julgou improcedente a impugnação judicial e condenou a Impugnante nas custas, sendo que o valor da causa foi previamente fixado (cfr. despacho de fls. 82) em € 4.397.410,00, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário fixado em 2.ª avaliação (€ 6.514.490,00) e aquele que a Impugnante sustenta (€ 1.117.080,00). 2.2.2 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA Pediu a Recorrente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP. 2.2 CONCLUSÃO Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão: Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, quer na totalidade, quer numa fracção ou percentagem, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, dispensar o pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa. Sem custas, uma vez que a Recorrida não contra-alegou * |