Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0891/16
Data do Acordão:02/01/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO
Sumário:Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, quer na totalidade, quer numa fracção ou percentagem, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.
Nº Convencional:JSTA000P21407
Nº do Documento:SA2201702010891
Data de Entrada:07/07/2016
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso da sentença proferida no processo de impugnação judicial proferido no processo n.º 513/11.9BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……………., S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrente), notificada da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra o resultado da 2.ª avaliação de um prédio, e após indeferimento do pedido de reforma da mesma quanto a custas, que negou a peticionada dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quanto ao valor que excede € 275.000,00, veio recorrer desta última decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando com o requerimento de interposição do recurso, as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A- O presente recurso visa a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado nos termos do artigo 6.º n.º 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais.

B- Nos autos ainda não foi elaborada nem notificada às partes a conta de custas.

C- Nada obsta, entende a recorrente, que o pedido de dispensa (ou a redução) do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º n.º 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais seja requerida ao juiz, somente após a elaboração da conta de custas

D- Tendo em consideração que o Tribunal antecipou já o seu entendimento quanto a essa questão, e notificou a recorrente, vem já a recorrente, responsável pelo pagamento das custas nestes autos, e portanto parte interessada e directamente lesada com a referida decisão, recorrer do referido despacho judicial na medida em que considera que o mesmo permite que seja fixado o valor global da taxa de justiça no avultado montante estimado de € 104.244,00 (€ 52,122,00 x 2).

E- A fixação daquele valor decorrente apenas do valor da acção e da aplicação das tabelas de custas sem qualquer outra ponderação por parte do Tribunal é manifestamente desproporcionado, e inconstitucional violando em nossa opinião frontalmente o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva e o princípio da proporcionalidade decorrentes dos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

F- A recorrente não contesta o valor da acção que decorre do disposto no artigo 97.º-A al. c) do CPPT – Impugnação de fixação de valores patrimoniais – no montante fixado pelo Tribunal de € 4.397.410,00 – (diferença entre o valor apurado pela AT e o valor defendido pela impugnante) despacho n.º 005501590 de 16 de Março de 2012 constante dos autos.

G- A recorrente não contesta a sua responsabilidade pelo pagamento das custas atenta a total improcedência da impugnação.

H- A decisão de mérito da impugnação não [é] objecto de recurso tendo já transitado em julgado.

I- A recorrente entende e está convicta que o Tribunal a quo proferiu um despacho sem ter conhecimento das consequências que o mesmo implica a nível do valor da taxa de justiça a pagar.

K- O tribunal a quo, não apreciou como lhe competia se tal montante de taxa de justiça era adequado, necessário e proporcional, errando ao ter decidido indeferir em termos genéricos a dispensa do remanescente da taxa de justiça termos do artigo 6.º n.º 1 e 7 do Regulamento das Custas sem ter demonstrado ter sido feito tal um juízo de adequação ao caso concreto.

QUANTO AO PROCESSADO NOS AUTOS

L- A impugnação judicial foi intentada em 25-07-2011 num articulado simples com 43 artigos onde apenas se impugna o valor patrimonial tributário de um imóvel constituído por aviários, não estando em causa a liquidação ou pagamento de nenhum imposto.

M- Na impugnação invocou-se a falta de fundamentação do acto de avaliação e o excesso no valor de construção considerado na formula (automática) de cálculo do VPT constante do código do IMI,

N- A contestação da F.P. tem 31 artigos.

O- Foram ouvidas duas testemunhas.

P- A impugnante e a FP apresentaram alegações onde reproduzem os argumentos da impugnação e contestação.

Q- Os autos constituem um processado com 159 folhas até à sentença,

R- A sentença tem apenas 11 páginas, duas páginas de relatório e duas páginas de probatório, com apenas 14 factos.

5- Quanto aos factos e aplicação do direito e decisão (7 páginas) na sentença proferida são exclusivamente convocadas normas do código do IMI, concluindo o Tribunal, resumidamente que a avaliação em causa foi feita nos termos da fórmula transcrita no artigo 38.º do referido código e que não existe portanto qualquer vício na referida avaliação, nem falta de fundamentação do acto.

DA COMPLEXIDADE DA QUESTÃO DECIDENDA

T- As partes não apresentaram qualquer expediente dilatório, a prova produzida não foi complexa, e a questão apreciada convoca um quadro legal simples condensado num único diploma.

U- A simplicidade da questão decidenda resulta espelhada na própria sentença.

V- Por comparação com outro tipo de processos e questões, inquestionavelmente mais complexas, tenha de considerar-se que a impugnação em causa reveste manifesta simplicidade, seja pela singeleza dos vícios apontados, seja pelo regime legal convocado.

W- Na apreciação de “complexidade da causa” deverá ponderar-se que o processo em apreço consistiu numa impugnação judicial do resultado da segunda avaliação de um imóvel cujo montante, embora seja utilizado para a identificação do valor da respectiva impugnação judicial, não tem uma directa correspondência com o valor ou desvalor económico para a parte, ora Recorrente.

X- O impacto económico e fiscal da apreciação do valor patrimonial do mencionado imóvel é infinitamente menor do que o valor que foi apurado como valor da acção, e, consequentemente, que servirá como base de cálculo da conta de custas a final, verificando-se ser claramente desproporcional no caso concreto, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo.

Y- O valor da acção não deve ser um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial, sendo necessário um aperfeiçoamento da equivalência da taxa de justiça ao processo judicial em apreço, considerada a sua efectiva complexidade, proibindo-se o seu excesso, por aplicação conjugada do artigo 2.º com o artigo 20.º da CRP.

Z- Estando em causa uma taxa, deverá atender à sua natureza bilateral, como contrapartida devida pelo serviço público de justiça prestado, atendendo à relação sinalagmática que a taxa pressupõe, sob pena de perante um manifesto excesso do seu montante se poder considerar que estamos já perante um verdadeiro imposto ou uma sanção.

AA- O despacho recorrido limita-se a tecer considerações genéricas sobre a complexidade e sobre a proporcionalidade do montante da taxa para justificar a não dispensa, mas fá-lo sem concretizar nem o quantum da taxa em causa e sem identificar objectivamente ocorrências processuais que fundamentem essa proporcionalidade e legitimem esse indeferimento.

BB- A justificação de que o valor é proporcional ao serviço prestado só se perceberá se o tribunal considerou, outro o valor da taxa em causa, caso contrário será de muito difícil compreensão e aceitação que num processo com a tramitação e objecto descritos, seja equivalente e proporcional ao serviço prestado um montante de Taxa superior a € 100.00,00

CC- A distorção é tão mais gravosa quando se verifica que mesmo se procedente, a impugnação apresentada o benefício alcançado seria eventualmente inferior ao da taxa de justiça aplicada.

DD- A ser assim não é de uma taxa da que estamos a falar mas sim de um verdadeiro imposto ou sanção pecuniária.

EE- Tanto a Fazenda Pública como o Ministério Público se pronunciaram favoravelmente à referida dispensa.

FF- Assim, devendo existir correspondência entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP,

Deve o despacho de que se recorre ser revogado uma vez que a interpretação das normas que o sustentam é materialmente inconstitucional por violar:

A) O princípio do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição;

B) O princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2, segunda parte, da Constituição;

E em consequência ser proferido acórdão que ordene que a conta de custas a elaborar, atento os fundamento invocados desconsidere e dispense do pagamento do remanescente da taxa de justiça acima do montante de € 275.000,00 nos termos do artigo 6.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais».

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e indicou como tribunal competente esse efeito este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento da Recorrente.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de considerar que a forma de reacção contra a falta de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o recurso, entendeu dever ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença na parte recorrida e determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em medida não inferior a 1/10, com a seguinte fundamentação:

«A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a 275 000 € tem um carácter excepcional, sendo de aplicar em face da especificidade da situação e de tal ser fundamentadamente de considerar no caso da complexidade da causa ser inferior à comum e em face da conduta das partes, nomeadamente, que deva ser premiada ou que tenha implicado uma actividade processual inferior à normal – neste sentido tem vindo a pronunciar-se a jurisprudência do S.T.A., nomeadamente, através dos seus acórdãos de 29-10-14, 26-11-14 e 10-12-14, proferidos, respectivamente nos processos n.ºs 166/14, 398/12 e 1374/13, publicados em www.dgsi.pt.
Ora, a causa era relativa a impugnação de V.P.T. de imóvel da requerente.
E esta invoca circunstâncias de menor complexidade.
Sendo ainda de atentar que não foi posto em causa o decidido, quer quanto à matéria de facto quer quanto à demais decisão que julgou a impugnação improcedente, parece ser de deferir ao requerido, ainda que não dispensando totalmente a recorrente do remanescente da taxa de justiça tal como previsto na parte final da tabela 1 em anexo ao Regulamento das Custas Judiciais.
Antes será em prudente arbítrio de reduzir esse remanescente a percentagem mais compatível com um valor de custas justo e proporcional, o qual se estima não dever ser superior a 1/10».

1.6 Com dispensa de vistos, por haver jurisprudência firme a este propósito, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

As circunstâncias processuais a atender resultam da consulta dos autos.

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Nos presentes autos, foi proferida sentença (cfr. fls. 146 a 156) que julgou improcedente a impugnação judicial e condenou a Impugnante nas custas, sendo que o valor da causa foi previamente fixado (cfr. despacho de fls. 82) em € 4.397.410,00, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário fixado em 2.ª avaliação (€ 6.514.490,00) e aquele que a Impugnante sustenta (€ 1.117.080,00).
Notificada dessa sentença, a Fazenda Pública veio pedir a reforma quanto a custas, requerendo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Esse pedido foi indeferido (cfr. decisão fls. 170).
Inconformada com essa decisão, a Impugnante dela veio recorrer, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações. Nos termos dessas alegações, a Impugnante sustenta que o valor da taxa de justiça em 1.ª instância ascenderia a € 104.244,00, valor que, em seu entender, o Tribunal a quo não ponderou, não tendo apreciado se esse concreto montante, no caso concreto, «era adequado, necessário e proporcional», sendo que essa apreciação, atentando no processado dos autos e na complexidade da questão decidida, não pode ser senão no sentido de que tal montante é claramente desproporcional ao serviço público de justiça prestado, violando os princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade, quebrando a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, pelo que passaria a constituir um verdadeiro imposto ou sanção, não previstos na lei.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se (a decisão recorrida fez correcto julgamento ao considerar que não) deve dispensar-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

2.2.2 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Pediu a Recorrente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, afigura-se-nos insustentável a defesa da menor complexidade da causa. A presente impugnação judicial assume-se como de complexidade média: não exigiu esforço superior à média no julgamento da matéria de facto provada (14 factos provados com recurso a prova documental e testemunhal) nem no tratamento das questões jurídicas – que se reconduziram à apreciação dos vícios de falta de fundamentação da avaliação e de violação de lei –, que não podem considerar-se de complexidade inferior ou superior à média.
Também no que respeita à simplificação da tramitação processual, seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, que se limitou ao que lhes é exigível e legalmente devido, também não descortinamos motivo para a requerida dispensa.
No entanto, há que ter em conta que o valor do remanescente da taxa de justiça em 1.ª instância. Na verdade, porque o valor fixado à causa foi de € 4.397.410,00, o remanescente da taxa da justiça totaliza € 50.490,00 (€ 4.397.410,00 – € 275.000,00 = € 4.122.410,00; € 4.122.410,00 / 25.000,00 = 164,8964; 165 x (3 x € 102) = € 50.490,00).
A esse valor haverá de somar o devido inicialmente (Não cuidamos aqui de saber da correcção do valor já pago a titulo de taxa de justiça, calculado sobre o valor indicado à causa na petição inicial – que foi de € 30.000,01 – e, por isso, de acordo com o disposto nos arts. 6.º, n.ºs 1 e 6, do RCP, do montante de 6 UC, ou seja, € 612,00 (cfr. fls. 18 e 22).).
Ora, esse total afigura-se-nos desproporcionado em face do serviço prestado. Na verdade, não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
É certo que, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar (Nesse sentido, a título exemplificativo e com citação de numerosa jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 221/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3183 a 3188, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/251bdf3381d62ed580257d730037ac0d.), não se exige uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço, que, as mais das vezes, nem seria viável apurar com rigor. Assim, como afirmou já o Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»; mas, como logo advertiu o mesmo Tribunal, é necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- de 28 de Março de 2007, com o n.º 227/2007, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 98, de 22 de Maio de 2007 (https://dre.pt/application/file/2065744), págs. 13633 a 13641, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070227.html;
- de 15 de Julho de 2013, com o n.º 421/2013, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 200, de 16 de Outubro de 2013 (https://dre.pt/application/file/1457219), págs. 31096 a 31098, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130421.html.).
Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
Note-se, aliás, que foi para obviar à violação desses princípios constitucionais que o art. 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aditou ao art. 6.º do RCP o n.º 7, que veio permitir (poder-dever) que se atenda ao referido limite máximo de € 275.000,00 e a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas situações também já referidas (Para maior desenvolvimento, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32230.pdf), págs. 2591 a 2593, também disponível http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9dbbe59c0cd923880257d16002f0290.
Como nesse aresto ficou dito, «No acórdão n.º 421/2013, de 15/7/2013, processo n.º 907/2012, in DR, 2.ª série - n.º 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. n.ºs 0819/12 e 0768/11, respectivamente».).
É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.
Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a simplicidade formal da tramitação dos autos (A tramitação da impugnação judicial seguiu a seguinte marcha: petição inicial, contestação, produção da prova testemunhal oferecida, alegações escritas, parecer do Ministério Público, sentença, pedido de reforma, indeferimento desse pedido, requerimento de interposição do recurso dessa decisão, admissão do recurso e sua remessa ao tribunal ad quem.) e o comportamento processual da ora Recorrente, mas também o elevado valor da causa (mais de 4 milhões de euros) e a utilidade económica dos interesses a ela associados (não podemos ignorar que quando, como na situação sub judice, se discute o valor da matéria tributável, o valor económico associado será apenas o resultante da repercussão desse valor na liquidação do imposto), a complexidade da relação material controvertida – que, vimos já, se situa na média –, considera-se adequado dispensar a Recorrente do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000, apenas sendo, deste modo, devido pela Recorrente, para além do inicialmente devido, o valor de 10% do dito remanescente.
Note-se, finalmente e justificando a dispensa parcial, que a norma do citado n.º 7 do art. 6.º do RCP, referindo apenas a dispensa, deve ser interpretada no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (Sobre a questão, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/548e998f5426206780257c4500596f1c.
Admitindo a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça e também decidindo nesse sentido, respectivamente, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1953/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1635 a 1643, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/08669054164750cc80257cd600455a0e;
- de 3 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1351/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 4117 a 4126, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/928de9796124623280257dc8004e1289;
- de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 923/16, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4512fb7b603617a5802580760051cb4e.).
Assim, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP, e deferindo parcialmente a pretensão da ora Recorrente, reduziremos em 90% o montante do remanescente da taxa de justiça a pagar.

2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, quer na totalidade, quer numa fracção ou percentagem, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, dispensar o pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa.

Sem custas, uma vez que a Recorrida não contra-alegou


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Lisboa, 1 de Fevereiro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.