Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0104/13
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:SISA
ISENÇÃO
REVENDA
CADUCIDADE
JUSTO IMPEDIMENTO
Sumário:I - Mesmo a admitir-se que, em abstracto, se possa configurar uma situação de “justo impedimento” relativamente ao prazo fixado para a caducidade da isenção de sisa prevista no n.º 3 do art. 11.º do CIMSISD (não ao abrigo do art. 146.º do CPC, mas ao abrigo do princípio geral de direito que lhe está subjacente), a alegação susceptível de a integrar teria que se referir a uma verdadeira impossibilidade de efectuar a venda, não bastando para esse efeito a alegação de dificuldades na venda ou na obtenção do preço pretendido.
II - Fora das situações de “justo impedimento”, a caducidade da isenção dita em I opera independentemente das razões por que se não verificou a revenda dentro do prazo de três anos, razões a que o legislador não quis conferir relevância para esse efeito.
Nº Convencional:JSTA000P15412
Nº do Documento:SA2201303060104
Data de Entrada:01/23/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 545/09.7BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…….., S.A.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) impugnou judicialmente a liquidação de sisa que lhe foi efectuada na sequência da caducidade da isenção que lhe fora concedida ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 11.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) relativamente à aquisição de um imóvel que declarou adquirir com destino à revenda.
Pediu ao Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa a anulação dessa liquidação, invocando como fundamento, no que ora nos interessa considerar (A Impugnante invocou também a falta de fundamentação. Mas, quanto a essa causa de pedir, conformou-se com o decidido na sentença, que a desatendeu. ), a ilegalidade daquele acto tributário por não se ter atendido que a revenda não foi possível enquanto esteve pendente uma acção de impugnação pauliana, primeiro, e, depois, por o promitente comprador, na sequência de doença grave que o impediu de outorgar o contrato definitivo, ter falecido, motivo por que a venda apenas se veio a efectuar com os descendentes deste, já para além do termo do prazo de três anos concedido pelo n.º 1 do art. 16.º do CIMSISD.
Sustentou, em síntese, que a revenda apenas não foi efectuada dentro daquele prazo em virtude da ocorrência dessas «circunstâncias anormais» e «não lhe ser exigível» outra conduta, o que constitui «causa de exclusão da culpa e da ilicitude».

1.2 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial improcedente. Para tanto, pese embora tenha dado como assente a factualidade alegada pela Impugnante, considerou, em resumo:

· por um lado, que não releva o motivo por que a Impugnante não efectuou a revenda dentro do prazo de três anos, designadamente «não releva in casu a existência de eventuais causas de exclusão da culpa (muito menos da ilicitude, que não se está perante um acto ilícito, mas apenas perante uma situação de caducidade de isenção), porquanto não existe na lei qualquer requisito de pendor subjectivista (maxime ausência de culpa) susceptível de influenciar na contagem do prazo de três anos previsto no art. 16.º do CIMSISSD»;

· por outro lado, que não estão previstas causas de suspensão ou de interrupção do prazo fixado pelo art. 16.º do CIMSISD, sendo a única causa impeditiva da caducidade prevista na lei é a efectivação da revenda dentro daquele prazo.

1.3 A Impugnante não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. Ficou provado que a A………, S.A. não revendeu no prazo de três anos por causas anormais e de não lhe ser exigível diferente comportamento.

2. Logo, nos termos do artigo 331.º 1 do C. Civil, não caducou o dever de pagar no prazo previsto no artigo 16.º do CIMSISSD.

3. A decisão violou os normativos invocados, pois julgou como devia a matéria de facto mas não aplicou, em consequência, o direito naquele silogismo jurídico, nem concluiu com uma decisão coerente, lógica e de acordo com a prova produzida, acabando por produzir uma sentença injusta e que, no caso vertente, não serve a realização da justiça.

Em face do exposto, requer a V. Ex.as que a decisão recorrida seja revogada e a agravante absolvida, por ser de justiça»(Apesar da equivocidade da expressão «a agravante absolvida», afigura-se-nos manifesto que a Recorrente pretende que a impugnação judicial seja julgada procedente, com a anulação da liquidação impugnada.).

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido, a requerimento da Recorrente.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, após delimitar a questão a dirimir como sendo a de saber «se é de atender, para efeitos de não caducidade de isenção de sisa, ao disposto nos arts. 11.º n.º 3 e 16.º n.º 1 do CIMSISD, ou se é considerar existirem impeditivas do prazo de 3 anos previsto na última disposição as causas anormais existentes nos caso e se as mesmas tornam inexigível outro comportamento da recorrente, de acordo ainda com o disposto no 331.º n.º 1 do C. Civil», foi no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte fundamentação:

«Não é de acolher esta solução, mostrando-se as referidas causas consubstanciadas na pendência de acção de impugnação pauliana que se manteve por 1 ano e 58 dias após a aquisição que a recorrente efectuou, e bem assim em face do período da doença de promitente-comprador, que se manteve de Janeiro a Junho de 2006, com quem a recorrente tinha celebrado contrato-promessa.
Assim, ao caso são de aplicar os arts. 11.º, n.º 3, 13.º-A e 16.º n.º 1 do C. do Imposto Municipal de Sisa e Imposto Sobre Sucessões e Doações (CIMSISD).
Segundo o primeiro, ficam isentas de imposto municipal de sisa: “(…) 3.º - As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios revenda”.
E, segundo o artigo 13.º-A, “a isenção prevista no n.º 3.º do artigo 11.º não prejudica a liquidação e pagamento da sisa, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda (...)”.
E o art. 16.º n.º 1 do CIMSISD previa que “as transmissões de que tratam os n.ºs 3.º, 8.º, 9.º e 12.º, alínea a), e 21.º, 26.º, 30.º e 31.º do artigo 11.º e n.º 7.º do artigo 12.º, deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente: 1º - Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”- redacção dada pelo Dec.- Lei n.º 91/89, de 27/3.
Ficou então claramente expresso que no caso de ao prédio ser dado um destino diferente ou não ser “revendido” dentro de 3 anos, deixava de funcionar ainda a referida regra da isenção.
E, se dúvidas houvesse quanto ao alcance da alteração introduzida no acima transcrito art. 16.º n.º 1, o preâmbulo do referido Dec.-Lei é esclarecedor quanto a se [ter] querido afastar a possibilidade do prazo ser prorrogável.
Aliás, a isenção de sisa tinha sido concebida, segundo o que resulta do também transcrito art. 11.º n.º 3, com base em ter havido transmissão de imóvel, por pessoa, singular ou colectiva, que exercesse a actividade de revenda de imóveis, e de acordo como que tivesse sido declarado em sede de impostos sobre o rendimento.
Quanto à dita “revenda” dentro de três anos, pressuposto ao caso aplicável para que funcionasse a isenção, tem sido entendido terem de se verificar todos os requisitos legais do contrato de compra e venda - esta é a posição amplamente maioritária da jurisprudência do S.T.A., em que se englobam os Acórdãos de 4/11/1970, rec. n.º 16201, de 16/6/1972, rec. n.º 1981, de 11/3/1981, rec. n.º 1462, de 10/11/1982, Pleno, rec. n.º 1462, de 6/3/1985, rec. n.º 2732, de 13.10.1993 (publicado no Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282), rec. n.º 15334, de 8/11/2006, rec. n.º 642/06 e de 13.05.2009, rec. n.º 234/09, de 16.11.2011, rec. n.º 303/11 e de 21-11-12, rec. 957/11.
Não resulta ser de acolher o invocado com base nas acima referidas causas, que correspondem a um risco assumido pela recorrente, nem o art. 331.º n.º 1 do C. Civil permite que se faça uma aplicação das mesmas em termos de impedir o decurso do dito prazo de caducidade».

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de sisa por considerar, em síntese, que o prazo fixado pelo n.º 1 do art. 16.º do CIMSISD, para que seja efectuada a revenda quando a aquisição do prédio foi efectuada com a isenção prevista no n.º 3 do art. 11.º do mesmo Código, não admite excepção alguma, designadamente que não excepcionam a caducidade aí prevista as circunstâncias que ficaram demonstradas na sentença e que não são imputáveis ao contribuinte.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

A) Através de escritura de compra e venda, datada de 16 de Janeiro de 2002, outorgada no 5.º Cartório Notarial de Lisboa, a impugnante declarou comprar o imóvel sito na freguesia de ………, concelho de Azambuja, distrito de Lisboa, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 5264 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 01195, aquisição registada junto da referida Conservatória, pela inscrição Ap. 15, de 24 de Janeiro de 2002.
(cfr. fls. 15, 21, 34 e 35, do processo administrativo)

B) A impugnante declarou que a compra referida em A) se destinava a revenda, para efeitos de isenção de Imposto Municipal de Sisa, ao abrigo dos arts. 11.º, n.º 3, e 13.º-A, do CIMSISSD.
(cfr. fls. 15 e 21 do processo administrativo)

C) Através da inscrição Ap. 71, de 4 de Março de 2004, relativa ao imóvel referido em A), foi feito o registo, provisório por natureza, de acção, tendo como A. o Banco B………. e RR. C……….. e a impugnante.
(cfr. fls. 35, do processo administrativo)

D) Por sentença, transitada em julgado a 6 de Junho de 2005, foi julgada improcedente a Acção n.º 139/94.3TBMFR, tendo sido emitida a correspondente certidão, para efeitos de cancelamento da inscrição referida em C).
(cfr. fls. 36, do processo administrativo)

E) Na pendência da acção referida em C) e D), a impugnante retirou do mercado o imóvel referido em A).
(do depoimento da testemunha C…….., consultora da impugnante desde 2000, que revelou conhecimento directo dos factos, por ter acompanhado todo o processo relativo ao imóvel, depoimento coerente e convincente, resultou provado que durante tal período a impugnante retirou o móvel do mercado)

F) De contrato de promessa de compra e venda, datado de 5 de Dezembro de 2005, celebrado entre a impugnante e D………, a primeira declarou prometer vender e o segundo declarou prometer comprar móvel referido em A), tendo determinado que o contrato de compra e venda seria celebrado até 31 de Março de 2006.
(cfr. fls. 44 a fls. 46 e fls. 54 do processo administrativo)

G) D…….., desde início de 2006, teve diagnosticada doença grave.
(do depoimento da testemunha C………, consultora da impugnante desde 2000, que revelou conhecimento directo dos factos, por ter acompanhado todo o processo relativo ao imóvel, depoimento coerente e convincente, resultou provado que D……….. sofrera de doença do foro oncológico, situação de que a impugnante teve conhecimento em Fevereiro de 2006)

H) D……… morreu a 20 de Junho de 2006.
(cfr. fls. 56, do processo administrativo)

I) De contrato de compra e venda, datado de 3 de Agosto de 2006, outorgado no Cartório Notarial de ………., celebrado entre a impugnante e E……….. e F………, filhos de D………., tendo a primeira declarado vender e os segundos declarado comprar o imóvel referido em A).
(cfr. fls. 29 a 32, do processo administrativo, e depoimento da testemunha C……….., consultora da impugnante desde 2000, que revelou conhecimento directo dos factos, por ter acompanhado todo o processo relativo ao imóvel)

J) A impugnante foi objecto de acção de fiscalização, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI 200804257, pela Direcção de Finanças de Lisboa.
(cfr. fls. 11, do processo administrativo)

K) Da acção de fiscalização referida em J) resultou um Relatório de Inspecção Tributária, datado de 11 de Novembro de 2008, sobre o qual foi exarado despacho de concordância, a 13 de Novembro de 2008, e do qual consta designadamente o seguinte:

“…Ao abrigo do princípio de colaboração previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributário (LGT), foi notificado o sujeito passivo através do oficio n.º 26855, datado de 07 de Abril de 2008, a que corresponde o registo do CTT n.º RR 482759745 PT, no sentido de apresentar alguma explicação, passível de justificar o não cumprimento, relativamente à liquidação do Imposto Municipal de SISA.

Solicitou-se então, sucintamente, ao Sujeito Passivo que efectuasse prova de:

(anexo III)

a) Ter procedido à venda do referido imóvel, dentro do prazo previsto no n.º 1 do art. 16.º do Código do Imposto Municipal de SISA, ou;

b) No caso de não ter vendido o imóvel dentro do prazo anteriormente referido, situação em que cessa a isenção anteriormente concedido, prova de ter procedido à sua regularização, conforme prevê o n.º 1 do artigo 16.º do referido código.

No decurso do prazo concedido, veio o sujeito passivo proceder, em conformidade, ao envio da seguinte documentação (anexo IV):

1.º Documentação entregue em 15/04/2008, registo de Entrada Geral n.º 34244:

- Cópia da escritura de alienação do imóvel efectuado em 03 de Agosto de 2006, celebrada no Cartório notarial de ………;

2.º Documentação entregue em 18/04/2008, registo de Entrada Geral n.º 35810;

- Cópia do registo n.º 01195/270289, da Conservatória do Registo Predial de Mafra, onde menciona a ap. 71/20040304, referente a acção de impugnação pauliana, efectuada pelo Banco B………, registada em 04.03.2004;

- Cópia da Certidão de Tribunal Judicial de Mafra – 2.º Juízo, certificando que a sentença transitou em julgado no dia 6 de Junho de 2005.

Parecer

Face ao exposto, entende a Administração Tributário, não aceitar os motivos alegados pelo sujeito passivo pelas seguintes razões:

1.º O imóvel anolisado, no caso em apreço, beneficiou de isenção de imposto ao abrigo do n.º 3 do artigo 11.º do CIMSISSD, uma vez que declarou no acto da escritura, (e que terá sido comprovado pelo notório mediante exibição de certidão para esse efeito), que esse imóvel se destinava a revenda;

2.º Ora, vem o n.º 1 do artigo 16.º do mesmo código dizer, taxativamente e sem qualquer excepção, que essa isenção caduca no caso de o prédio não ter sido revendido no prazo de 3 anos, ou seja, não contempla o CIMSISSD qualquer hipótese de suspensão de contagem deste prazo;

Contudo, mesmo que a administração tributária tivesse em consideração o período entre o registo da acção de impugnação pauliana, efectuada pelo Banco B………., e o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, o prazo de isenção concedido de 3 anos, pelo n.º 3 do art. 11.º do referido Código, foi largamente ultrapassado.

Conclusão

Assim, e face ao exposto nos pontos anteriores, impõe o artigo 16.º do CIMSISSD um prazo de 3 (três anos), para se proceder à revenda do imóvel adquirido nestas circunstâncias, findo o qual cessa a isenção do Imposto Municipal de SISA, de que o imóvel beneficiou aquando da sua aquisição.

Esgotados os prazos previstos no artigo 16.º n.º 1, verifica-se que o imóvel em causa e, de acordo com os elementos disponíveis nestes Serviços, continua na posse do sujeito passivo, conforme se comprova do “print” respectivo, o qual constitui o anexo II.

Assim, deveria o sujeito passivo ter solicitado a liquidação do Imposto Municipal de SISA, dentro dos prazos previstos no artigo 91.º do respectivo Código.

Dado não o ter feito até à presente data, propomos a liquidação oficiosa do Imposto Municipal de SISA, em falta, calculado de acordo com os artigos 33.º e 45.º do CIMSISSD...”
(cfr. fls. 11 a 20, do processo administrativo)

L) Foi emitida, pelo Serviço de Finanças de Mafra, em nome da impugnante, liquidação de Sisa, relativa ao contrato referido em B), no valor total de € 46.152,88, respeitando € 39.903,83 a imposto e € 6.249,05 a juros compensatórios.
(cfr. fls. 47, do processo administrativo)

M) A presente Impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Mafra a 13 de Março de 2009.
(carimbo aposto a fls. 3 dos autos)

*
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa».

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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente efectuou a compra de um imóvel com isenção de sisa ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 11.º do CIMSISD em 16 de Janeiro de 2002. Porque não comprovou a realização da revenda do mesmo imóvel dentro do prazo de 3 anos fixado pelo n.º 1 do art. 16.º do mesmo Código, a AT procedeu à liquidação da sisa devida por aquela aquisição.
Na verdade, nos termos do n.º 3 do art. 11.º do CIMSISD, estavam isentas de sisa as aquisições de prédios para revenda, efectuadas por sujeito passivo cuja actividade fosse a compra e venda de prédios para revenda. Mas, nos termos do art. 16.º, n.º 1, do CIMSISD, essa isenção encontrava-se sujeita a uma condição resolutiva que o legislador entendeu fixar com referência ao tempo decorrido: a isenção caducava se a revenda não fosse efectuada dentro do prazo de três anos.
A ora Recorrente nunca pôs em causa que a revenda, em 3 de Agosto de 2006, foi efectuada para além do termo daquele prazo de três anos. O que pretendia, na petição inicial como agora em sede de recurso, é que ocorreram circunstâncias que não lhe são imputáveis e que obstaram à revenda dentro do prazo de três anos após a aquisição: primeiro, porque em 4 de Março de 2004 foi registada uma acção pauliana sobre o imóvel, acção cuja sentença apenas transitou em julgado em 6 de Junho de 2005, data em que foi emitida a correspondente certidão para cancelamento da inscrição registral daquela acção, sendo que no tempo que mediou entre essas duas datas retirou o imóvel do mercado; depois, porque, tendo celebrado contrato promessa de compra e venda do imóvel em 5 de Dezembro de 2005, o promitente comprador foi acometido de doença grave no início de 2006, que o impediu de outorgar o contrato definitivo até ao termo do prazo acordado para o efeito – 31 de Março de 2006 –, e faleceu em 20 de Junho de 2006, motivo por que a venda apenas se veio a efectuar com os descendentes deste, em 3 de Agosto de 2006.
Toda esta factualidade alegada em ordem a demonstrar a impossibilidade da revenda dentro do prazo de três anos, a contar da aquisição, foi dada como assente pela Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa.
No entanto, a sentença recusou qualquer relevância a essas circunstâncias sobre o prazo da caducidade da isenção. É desse julgamento que a Recorrente discorda.
Segundo a ora Recorrente, que insiste na tese sustentada na petição inicial, «[o] não cumprimento do prazo de 3 anos para a revenda do imóvel deveu-se a circunstâncias anormais, fora do controlo da A………, S.A. e por não se lhe ser possível exigir diferente comportamento, face ao quadro fáctico apresentado», sendo que «ficou impossibilitada objectivamente de cumprir com o prescrito no artigo 16.º do CIMSISSD, logo a reprovabilidade da sua conduta desapareceu».
Assim, como deixámos dito em 1.8, a questão que importa dirimir é a de saber se, para efeitos de operatividade da condição resolutiva prevista no n.º 3 do art. 11.º do CIMSISD, pode e deve relevar-se a circunstância da revenda não ter sido efectuada dentro do prazo de três anos aí fixado por motivo não imputável ao sujeito passivo.

2.2.2 DA CADUCIDADE DA ISENÇÃO DE SISA

A bem fundamentada sentença recorrida deu resposta cabal à questão suscitada e em termos que merecem a nossa concordância. Na verdade, como bem ficou dito na sentença recorrida, o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do art. 16.º do CIMSISD não prevê quaisquer excepções, nem admite interrupções ou suspensões.
Admitimos, no entanto, que possam configurar-se situações em que devam relevar-se os motivos por que a revenda não foi possível. Não em virtude de poderem integrar causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, hipótese que a sentença bem postergou, mas pela aplicação de um princípio geral de direito, de que não deve perder o direito aquele que, por motivo que lhe não seja imputável, se veja colocado na impossibilidade de o exercer em tempo útil, princípio esse que tem no instituto do justo impedimento, consagrado no art. 146.º, n.º 1 ( Diz o n.º 1 do art. 146.º do CPC: «Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto».), do Código de Processo Civil (CPC), a sua manifestação mais visível.
É certo que o art. 146.º do CPC – disposição que, como resulta da sua inserção sistemática (O art. 146.º inclui-se no Livro III, título I, capítulo I, do CPC, que têm por epígrafes, respectivamente «Do Processo», «Das disposições gerais» e «Dos actos processuais».), se refere à prática de actos processuais – não logra aplicação no âmbito substantivo da relação jurídica tributária, pelo que está de todo afastada a possibilidade o aplicar ao prazo do art. 16.º, n.º 1, do CIMSISD. Mas, o princípio que subjaz a este preceito legal logra também aplicação relativamente a prazos de caducidade.
Na verdade, como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «[e]sta regra do justo impedimento que, como transparece da sua própria designação, é reclamada por exigências evidentes de justiça, deve ser considerada de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no art. 2.º da CRP, mas também do próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20.º, n.º 1, e 268º, n.º 4, da CRP) que não pode deixar de exigir para a sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Aliás deve entender-se que vigora no nosso direito uma regra básica de que não deve perder direitos pelo decurso do tempo quem esteve impossibilitado de exercê-los, regra essa que tem vários afloramentos, um dos quais é a regra do justo impedimento» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 7 a) ao art. 20.º, págs. 273 a 276.).
Assim o reconheceu há muito a jurisprudência e a doutrina no que se refere aos prazos para a interposição de recurso contencioso ou de impugnação judicial (Vide, com numerosa indicação de doutrina e exaustivo tratamento da questão, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Novembro de 1998, proferido no processo com o n.º 34.284, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Junho de 2002 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32142.pdf), págs. 7390 a 7407;
- de 31 de Maio de 2005, proferido no processo com o n.º 46544, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27 de Janeiro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2005/32122.pdf), págs. 4203 a 4212, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29cf3ee02b7d5dde80257020004e16d1?OpenDocument.) e até no âmbito do procedimento tributário (Vide, os, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 20 de Setembro de 2006, proferido no processo com o n.º 1075/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Abril de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32230.pdf), págs. 1312 a 1325;
- de 16 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 539/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4c83d848b12e066080257951004feec6?OpenDocument.).
Caso se admita essa posição, o que não é consensual, poderia relevar-se para efeitos da caducidade da isenção a ocorrência de facto que impeça o contribuinte de respeitar o prazo de três anos para a revenda do prédio e que lhe não seja imputável.
No entanto, no caso sub judice os factos alegados pela Impugnante e que ficaram demonstrados nunca poderiam consubstanciar o “justo impedimento” porque não se referem a uma verdadeira impossibilidade de proceder à venda (No mesmo sentido, o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 706/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7c532e042f089bd9802579a5005c0e75?OpenDocument.), como procuraremos demonstrar.
Quanto à primeira das invocadas circunstâncias – o registo de acção de impugnação pauliana tendo como objecto o bem objecto da aquisição –, a mesma não impede, de todo, a venda. Vejamos:
É certo que a acção de impugnação pauliana está sujeita a registo art. 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial. Mas, esse registo, não é impeditivo da venda do prédio.
Poderá, isso sim, dificultá-la ou obviar à venda nas condições pretendidas pela vendedora (O que nem sequer é líquido, uma vez que tendo a acção pauliana natureza pessoal, a sentença nela proferida não valerá contra os subadquirentes do bem objecto do negócio impugnado (cfr. art. 271.º, n.º 3, do CPC), não sendo certo que o subadquirente, em face do registo da acção, haja de ser considerado terceiro de má fé, pois esta não se basta com o conhecimento do registo, exigindo também consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (cfr. art. 612.º, n.º 2, do Código Civil).), mas isso constitui um risco inerente à actividade por ela exercida e não uma impossibilidade da venda.
Ora, para que pudesse considerar-se verificado o “justo impedimento” era necessário que houvesse uma verdadeira impossibilidade de realizar a venda, ainda que com perdas, não sendo suficiente a dificuldade ou, eventualmente, a impossibilidade de a efectuar nos termos desejados em virtude das circunstâncias não imputáveis ao vendedor. A alegação em causa não suporta tal impossibilidade.
Aliás, a invocada “impossibilidade” de venda cobre apenas um período de cerca de 15 dos 36 meses que a lei concede ao sujeito passivo para efectuar a revenda.
Salvo o devido respeito, a factualidade alegada pela Impugnante como primeira circunstância susceptível de excepcionar o prazo da caducidade da isenção poderá apenas configurar uma situação de dificuldade em efectuar a revenda – risco associado ao negócio –, mas não de impossibilidade de efectuar a revenda.
Quanto à segunda circunstância invocada pela Impugnante – a doença do promitente comprador, que o terá impedido de celebrar o contrato prometido dentro do prazo convencionado –, ela tem o seu início já para além do termo do prazo da três anos fixado pelo n.º 1 do art. 16.º do CIMSISD. Na verdade, a doença foi diagnosticada no «início de 2006» [cfr. alínea G) dos factos provados], quando aquele prazo de três anos estava já findo há quase um ano, desde 17 de Janeiro de 2005. Por esse motivo, tal circunstância nunca poderia relevar.
Em conclusão, nos termos dos arts. 11.º, n.º 3 e 16.º, 1.º, do CIMSISD, a isenção de imposto de sisa de que goza a aquisição de prédios para revenda caduca no caso dos mesmos não serem revendidos no prazo de três anos. Isso significa que, como bem ficou dito na sentença recorrida, essa isenção se encontra sujeita a uma condição resolutiva que o legislador entendeu fixar apenas com referência ao tempo decorrido e já não aos motivos subjacentes à falta de revenda.
Fora das situações de “justo impedimento”, é seguro que o legislador não quis relevar os motivos por que a revenda não ocorreu dentro do prazo aí fixado. Se o tivesse querido, por certo teria dado ao preceito uma redacção que traduzisse essa intenção [cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil (Diz o n.º 3 do art. 9.º do Código Civil: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».)]. Daí que na tarefa hermenêutica não possam distinguir-se situações que o legislador não distinguiu (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). O intérprete não pode relevar distinções que o legislador não estabeleceu, a menos que pudesse concluir com certeza que o pensamento do legislador fora atraiçoado na redacção da norma e, assim, que se impunha uma interpretação restritiva, o que, manifestamente, não é o caso, pois inexistem indícios no sentido de que o legislador tenha dito mais do que aquilo que queria dizer (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 186, que refere ainda que «[o] argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessant ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)».).
Assim, porque a alegação aduzida pela ora Recorrente não pode suportar a invocação do “justo impedimento” nem há qualquer outra razão legal para relevar os motivos por que a revenda não foi efectuada dentro do prazo de três anos, bem andou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa ao julgar improcedente a impugnação judicial.
O recurso não merece, pois, provimento, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Mesmo a admitir-se que, em abstracto, se possa configurar uma situação de “justo impedimento” relativamente ao prazo fixado para a caducidade da isenção de sisa prevista no n.º 3 do art. 11.º do CIMSISD (não ao abrigo do art. 146.º do CPC, mas ao abrigo do princípio geral de direito que lhe está subjacente), a alegação susceptível de a integrar teria que se referir a uma verdadeira impossibilidade de efectuar a venda, não bastando para esse efeito a alegação de dificuldades na venda ou na obtenção do preço pretendido.
II - Fora das situações de “justo impedimento”, a caducidade da isenção dita em I opera independentemente das razões por que se não verificou a revenda dentro do prazo de três anos, razões a que o legislador não quis conferir relevância para esse efeito.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 6 de Março de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.