Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0861/16
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TERCEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO
DUPLA FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Sumário:I - Nos processos de impugnação judicial instaurados antes de 15 de Setembro de 1995, mantém-se a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão de um tribunal central administrativo que tenha conhecido recurso da sentença (cfr. art. 32.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984, n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 229/96 e Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho).
II - Quando a decisão judicial de uma questão se alicerça em dois fundamentos distintos, é inútil apreciar o recurso que dela foi interposto se neste se ataca apenas um deles: ainda que fosse julgado procedente, a decisão sempre se manteria com base no outro.
III - Não faz sentido o Supremo Tribunal Administrativo sindicar a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul que considerou incumprido do ónus previsto no n.º 1 do art. 685.º-B do CPC (na redacção anterior à que foi aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) se a matéria relativamente à qual a Recorrente pretende que foi efectuado erro de julgamento (cuja correcção pediu àquele tribunal central) não é matéria de facto, mas de direito.
IV - Alheando-se a Impugnante na petição inicial da fundamentação do acto impugnado e alheando-se também no recurso que interpôs para o Tribunal Central Administrativo Sul do teor da sentença que lhe assinalou esse lapso, não pode este Supremo Tribunal Administrativo conceder provimento ao recurso do acórdão do Tribunal Central em que a Impugnante insiste nas teses assumidas perante as instâncias.
Nº Convencional:JSTA000P22859
Nº do Documento:SA2201801310861
Data de Entrada:07/04/2016
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Sul, no processo que aí teve o n.º 6387/13, decidiu o recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no processo de impugnação judicial com o n.º 7/98.2.1

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………., Lda.”(doravante também Recorrente ou Impugnante) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso interposto pela mesma sociedade, confirmou a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), derrama e respectivos juros compensatórios, que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1989.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, após o que a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«i. A pretensão da ora Recorrente é a de impugnar o acto de liquidação em si mesmo, por considerar que a Escola Profissional B………… faz parte integrante da A……….

ii. Só fará sentido corrigir a liquidação de acordo com os princípios técnicos exigíveis (diferenciação de taxas).

iii. Que a Escola Profissional B…….. criada ao abrigo do Contrato Programa celebrado nos termos do Decreto-Lei 26/89, de 21/1, é um mero centro de custos da entidade promotora ao caso a A………., Lda., sociedade ora Recorrente.

iv. Existe um erro de julgamento em relação aos factos alegados nos números: 4, 24, 26, 27, 28, 34 e 69, das alegações de recurso da decisão do Tribunal Tributário para o Tribunal ora recorrido – o Central Administrativo, os quais deveriam também ter sido dados como provados em face da prova testemunhal a esse respeito produzida o que a ter acontecido levaria a uma decisão correcta sobre os mesmos, contrária à proferida, que não os deu como provados.

v. A Recorrente especificou, na sua alegação de recurso a matéria de facto indicada no número anterior e bem assim os concretos meios probatórios, com identificação das testemunhas que sobre a mesma prestaram depoimento, indicando estes nos registos das gravações com a referência ao assinalado na acta de inquirição de testemunhas, tendo também transcrito os referidos depoimentos.

vi. A Recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 685.º-B, números 1 e 2 do C.P.C., “ex vi” do artigo 281.º do C.P.P.T, pelo que, na decisão ora recorrida, o Tribunal Central Administrativo, ao entender que a Recorrente não deu cumprimento ao disposto naquela norma, procedeu a uma interpretação e aplicação incorrectas da mesma.

vii. O Tribunal Central Administrativo não apreciou, nesta parte, o erro de julgamento da matéria de facto invocado pela Recorrente.

viii. Donde, nesta parte, deverá ser revogada a decisão do Acórdão ora recorrido, substituindo-se a mesma por outra que considere que a recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 685.º-B, números 1 e 2 do C.P.C., “ex vi” do artigo 281.º do C.P.P.T.

ix. Toda a matéria de facto referida nos números 4, 24, 26, 27, 28, 34 e 69 das alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo, no contexto da pretensão da Impugnante, é essencial à decisão da causa, pois, a vingar a tese da Recorrente baseada naquela matéria de facto a Escola Profissional B………… faz parte integrante da A…………….. sendo um mero centro de custos desta.

x. Dada a pertinência da referida matéria de facto para a boa decisão da causa, deveria o Tribunal Tributário ter-se pronunciado e decidido fundamentadamente sobre a mesma tendo em conta a prova que sobre ela foi produzida, documental e testemunhal, consignando expressamente se a considerava provada ou não.

xi. De qualquer modo, a constatação, demonstração e prova da matéria de facto referida nos números 4, 24, 26, 27, 28, 34 e 69 das alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo, sempre resultaria, em consequência, e sem mais, de uma correcta interpretação e aplicação da lei pelas instâncias.

xii. O Tribunal Tributário e o Tribunal Central Administrativo Sul, ora recorrido, não enquadraram correctamente, do ponto de vista jurídico, a situação da Escola Profissional B……………… no que respeita à natureza jurídica da mesma à data dos factos dos autos.

xiii. As instâncias atrás referidas não fizeram o devido e exigível enquadramento jurídico da figura – Escola Profissional B……….. – ao não a considerarem destituída de personalidade jurídica, actuando desse modo em desconformidade e desrespeito pela lei, nomeadamente pelo Decreto-Lei n.º 26/89 de 21 de Janeiro e Decreto-Lei n.º 553/80 de 21 de Novembro.

xiv. Os referidos diplomas legais, e em particular o primeiro deles, ao abrigo do qual a Escola Profissional B……….. foi criada, não consideram as Escolas Profissionais como pessoas colectivas nem lhes atribuem personalidade jurídica.

xv. Aquelas instâncias ao decidirem as questões submetidas à sua apreciação não o fizeram à luz da lei aplicável, ou seja, o Decreto-Lei n.º 26/89 de 21 de Janeiro e o Decreto-Lei n.º 553/80 de 21 de Novembro, mas antes ao seu arrepio, e ao não fazê-lo violaram o nela disposto, sendo que, ao decidirem, como decidiram, como se a Escola Profissional B……….. tivesse personalidade jurídica, erraram na interpretação e aplicação da Lei.

xvi. Resulta dos factos dados como provados que em 27/09/1989 foi assinado o escrito denominado “Contrato Programa de Criação da Escola Profissional B………..”, constando da cláusula 2 que a Escola é de natureza privada e goza de autonomia pedagógica, administrativa e financeira.

xvii. O artigo 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro estipula que “as escolas profissionais (...) serão criadas segundo um regime de contratos programa com o Estado e mediante a celebração de protocolos que assegurem a colaboração entre as diversas entidades promotoras”, ao caso, a A………… Lda. e o GETAP, o que significa que aquelas escolas não tinham personalidade jurídica.

xviii. Resulta ainda provado que a Recorrente, enquanto entidade promotora, era quem representava a Escola B………… em todas as relações com terceiros.

xix. A criação e funcionamento da identificada Escola Profissional B………. enquadram-se no âmbito e alcance do disposto no Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro, com a alteração introduzida em Declaração publicada no 3.º Suplemento da 1.ª Série do D.R. de 31 de Janeiro de 1989.

xx. Por força do estipulado na cláusula 26 do referido Contrato Programa e em tudo o que nele for omisso aplicar-se-á o disposto no Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro, e ainda, o Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro.

xxi. A Escola Profissional B………….. (EPB…………) é tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência.

xxii. A Escola Profissional B…………… é de natureza privada e goza de autonomia pedagógica, administrativa e financeira, como consta da cláusula 2.ª do Contrato Programa de Criação da Escola Profissional B…………… mas não gozava, à data da assinatura do referido contrato programa – 27/09/1989 –, de autonomia própria de quem é detentor de personalidade jurídica.

xxiii. A autonomia pedagógica, administrativa e financeira é aquela que diz respeito, tão-só, ao projecto educativo, ao estabelecimento de ensino em função das competências e dos meios que lhe estão afectados, tratando-se de uma autonomia inserida num processo educativo por parte de um estabelecimento de ensino, autonomia que se circunscreve única e exclusivamente ao projecto educativo do mesmo.

xxiv. A Escola Profissional B…………. à data da sua criação e do nascimento das obrigações tributárias dos autos, não tinha personalidade jurídica, não sendo um ente autónomo a quem a ordem [jurídica] reconhecesse a susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações.

xxv. Não existe qualquer norma, legal ou contratual, de atribuição de personalidade jurídica à Escola Profissional B………. ou de atribuição a esta ou reconhecimento em relação à mesma da qualidade de pessoa colectiva.

xxvi. Apenas a partir de Março de 1993, as Escolas Profissionais passaram a ter personalidade jurídica, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 70/93, de 10 de Março – que revogou o anterior Decreto-Lei n.º 26/89 –, definindo-as como “pessoas colectivas de fim não lucrativo”, gozando “das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública”, conforme se alcança do artigo 2.º daquele Decreto-Lei.

xxvii. As Escolas Profissionais, resultantes da celebração de Contratos Programas com outras entidades, não tendo personalidade jurídica, terão que ser consideradas parte integrante destas últimas, estando-lhes, em conformidade, vedada a prática de qualquer acto jurídico e/ou a celebração de quaisquer contratos mormente os de arrendamento, de aluguer, de contratação de pessoal, de prestação de serviços, etc., como acontece com a Escola Profissional B…………..

xxviii. Como consequência do facto de a Escola Profissional B……….. ser destituída de personalidade jurídica à data da sua criação e do nascimento da obrigação tributária dos autos, torna-se imprescindível e inevitável reconhecer como notória a ocorrência dos factos constantes dos números 4, 24, 26, 27, 28, 34 e 69.º das alegações de recurso da decisão do Tribunal Tributário para o Tribunal ora recorrido – o Central Administrativo –, apresentadas pela ora Recorrente.

xxix. A Escola Profissional B……….. não tinha cadastro fiscal, e porque assim era a liquidação dos Autos relativa ao funcionamento da referida Escola, foi processada pela então DGCI, na esfera jurídica da ora Recorrente.

XXX. Os custos de funcionamento da Escola Profissional B………., no montante de 28.576.025$00, não deveriam ter sido corrigidos, mas sim considerados como custo na esfera jurídica da Promotora, ora Recorrente.

xxxi. Aqueles custos foram auditados e aceites pelo GETAP – a quem foram entregues os documentos originais –, no âmbito da prestação de contas a este, nos termos do Contrato Programa mormente nas suas cláusulas 11.ª, n.º 3, da 17.ª e 18.ª.

xxxii. As Escolas Profissionais – entre elas a Escola Profissional B……….. –, criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro, estavam obrigadas a prestar contas mensais ao GETAP estando o pagamento das tranches subsequentes e a final, subordinadas à conformidade da documentação (documentos emitidos sobre a forma legal) e da orçamentação (verificação por parte daquele organismo se a despesa apresentada dizia, ou não, respeito ao funcionamento das Escolas Profissionais e se tinham sido previamente orçamentadas).

xxxiii. Neste contexto, ou seja, a inexistência de personalidade jurídica no que tange à Escola Profissional B……, e o facto de a mesma ser um mero centro de custos da Promotora, ora Impugnante/Recorrente leva a que esta exerça duas actividades, a principal, que faz parte do seu objecto social, ao caso a consultadoria na área de gestão e uma acessória, ao caso a gestão da Escola Profissional B………..

xxxiv. “Escola Profissional B……….” é uma mera designação do estabelecimento de ensino – a fim de evitar confusão com outros estabelecimentos –, que faz parte integrante da Promotora e cuja representação perante [terceiros] a esta cabe.

xxxv. A verba de 7.235.000$00 que não foi considerada como custo pela DGCI deverá como tal ser aceite.

xxxvi. Esta verba foi assumida pela própria DGCI, no Mapa de Apuramento DC-22, como dizendo respeito a “Despesas da Escola P. B………….”.

xxxvii. Constituem receitas das Escolas Profissionais, atento o previsto nas alíneas c) e d) do n.º 1, do artigo 17.º do Decreto-Lei 26/89, de 21 de Janeiro, os financiamentos (subvenções) derivados da CEE e as datações concedidas pelo Estado (subsídios);

xxxviii. Foi atribuído – no ano de 1989 –, um subsídio à Escola Profissional B……., pelo GETAP no montante de 24.250.658$00, o qual foi pago através do cheque 5519250868, emitido à ordem de “Escola Profissional B……….”, o qual foi pela DGCI considerado como proveito da ora Recorrente.

xxxix. A DGCI não aceitou os custos referidos no número 49, deste documento, no montante de 28.576.025$00, como gastos da Promotora, os quais estão inequivocamente relacionados com a receita atrás referida.

xl. A DGCI deveria – ao considerar, para efeitos de liquidação em sede de IRC a receita/proveito referida no número 58 do presente recurso –, no montante de 24.250.658$00, também considerar, por maioria de razão, a despesa/custo atrás referida.

xli. Em caso algum, poderão ser ignoradas na contabilidade da empresa promotora, ao caso a A……….., Lda., ora Recorrente, quer as receitas, quer as despesas inerentes ao funcionamento da Escola, as quais deverão ser, sem excepção, consideradas na esfera jurídico-fiscal da promotora, ora Recorrente.

xlii. Os resultados (matéria colectável em sede de IRC) deverão ser tributados a taxas diferentes.

xliii. Os resultados derivados do exercício da actividade principal deverão ser tributados mediante a aplicação da taxa de 36%, atento o previsto e prescrito no artigo 69.º, do Código do IRC, com a redacção ao tempo.

xliv. Os resultados derivados da actividade acessória deverão ser tributados mediante a aplicação da taxa de 20%, conforme resulta do teor do artigo 47.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), com a redacção ao tempo.

xlv. Deverá ser apurada, não só a matéria global da entidade promotora, ao caso a A…………, Lda., mas também a referente ao exercício da actividade acessória esta a ser tributada com uma taxa diferente, ao caso 20%.

xlvi. As receitas e despesas inerentes ao funcionamento da Escola Profissional deverão ser separadas, por duas ordens de razão: i) permitir a prestação de contas nos termos do Contrato Programa; e, ii) possibilitar o apuramento da matéria colectável a tributar à taxa de 20%.

xlvii. A DCCI aplicou erroneamente à globalidade da matéria colectável a taxa de 36%, a qual deveria ter sido aplicada exclusivamente aos resultados derivados da sua actividade principal e não à globalidade dos mesmos.

xlviii. Tendo em atenção a especificidade da actividade acessória deveria a DGCI, ter dado cumprimento do legalmente prescrito no artigo 47.º do EBF, com a redacção ao tempo.

xlix. As receitas das Escolas Profissionais, nas quais se inclui a Escola Profissional B………… estão elencadas no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro.

l. O Tribunal recorrido não fez uma correcta interpretação e aplicação da Lei aos factos, violando, entre outros: o disposto no artigo 685.º-B, números 1 e 2, do CPC ao entender que a Recorrente não deu cumprimento ao mesmo; o disposto no Decreto-Lei 26/89, de 21 de Janeiro ao não considerar que a Escola Profissional B……….. não tem personalidade jurídica, o que implicou a não consideração do exercício de duas actividades distintas na esfera jurídica da Promotora; o disposto no artigo 47.º do EBF ao não aplicar a taxa de 20% na actividade acessória; errónea aplicação do artigo 69.º do Código do IRC, na medida em que a taxa de 36% apenas deveria ter sido aplicada nos resultados derivados da actividade principal, e não, como aconteceu, à globalidade da matéria colectável
TERMOS EM QUE
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-se a mesma por outra que, acolhendo as razões da Recorrente, julgue procedente a Impugnação, com as legais consequências.
Assim se fará a costumeira justiça».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e devolvidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, a fim de aí ser formulado convite para que a Recorrente corrija as alegações de recurso, com a seguinte fundamentação:

«Resultam invocadas, em resumo, as seguintes as questões a apreciar:
- se não ocorreu uma correcta interpretação e aplicação da Lei aos factos por falta de cumprimento do disposto no art. 685.º-B n.ºs 1 e 2 do C.P.C.;
- se o disposto no Decreto-Lei n.º 26/89, de 21/1, de que resulta que a Escola Profissional B………… não tinha personalidade jurídica, implica que sejam consideradas duas actividades distintas na esfera jurídica da “Promotora”;
- se o disposto no art. 47.º do E.B.F. implicava que tivesse sido considerada a taxa de 20% na actividade acessória desenvolvida pela recorrente e não a taxa de 36%, a qual apenas devia ter sido aplicada à sua actividade principal.
Emitindo parecer:
Crê-se ser de decidir a primeira referida questão a favor da recorrente.
É certo no recurso que interpôs para o T.C.A. a recorrente não identificou os concretos pontos em que divergiu do decidido quanto à matéria de facto, o que apenas agora efectuou no recurso que interpôs para o S.T.A.
No entanto, embora no n.º 2 do dito art. 685.º-B se tenha previsto que tivesse lugar a rejeição [ (Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se remissão onde queria dizer-se rejeição.)] imediata do recurso, no caso de não se indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, estas constavam inequivocamente nas alegações de recurso que apresentou e tal convite impõe-se para que supra a omissão de tais pontos, sendo abranger ainda as passagens que cumpre apresentar em rigor em sede de conclusões, convite que se impõe, nomeadamente, dos princípios da cooperação, do poder de direcção do processo pelo juiz – neste sentido, entendimento dominante vertido nos acórdãos do S.T.J. de 17-4-08 no proc. 08P481 e de 26-5-15 no proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 [(Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita: omitiu-se T antes de CSNT.)], acessíveis em www.dgsi.pt.
A tal não obsta a omissão de receitas por parte da recorrente, relacionadas com escola profissional que a recorrente promoveu.
Com o devido respeito pelo decidido quer na 1.ª instância quer no T.C.A. Sul, a omissão de receitas por parte da recorrente, que é ainda relacionada com a escola profissional que a recorrente promoveu, não obsta a que se conheça da existência de custos dedutíveis – neste sentido, acórdãos do T.C.A. Sul de 25-9-07, no proc. 01911/77 [(Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se /77 onde queria dizer-se /07.)] e do T.C.A. Norte de 11-4-14, no proc. 02257/04.9BEPRT [(Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita: omitiu-se 9 antes de BEPRT.)], acessíveis na mesma base de dados informatizada.
É certo ainda ter sido decidido, aliás, de acordo com parecer oportunamente proferido em 1.ª instância, que, de acordo com o regime legal ao tempo aplicável à escola profissional, tais receitas e custos não tinham de ser integrados na recorrente, promotora da dita escola.
No entanto, tendo sido celebrado contrato de promoção entre o Estado, representado pelo GETAP - Gabinete de Educação Tecnológica Artística e Profissional e a entidade promotora, e a dita escola profissional constituída num património autónomo, sem personalidade jurídica, melhor parece ser de entender abrangida a mesma na recorrente, enquanto sujeito passivo de I.R.C.
E a sua tributação como actividade acessória da recorrente, para efeitos do art. 47.º do E.B.F., na versão ao tempo aplicável, depende ainda da relevância relativa dessa actividade, em face de outra que se possa considerar como principal.
Concluindo:
Parece que o recurso é de proceder quanto à primeira questão.
Assim se entendendo, é de revogar o decidido e reenviar os autos, a fim de que seja dirigido convite à recorrente para que aperfeiçoe as conclusões apresentadas, incluindo os pontos de facto mal julgados e as passagens em que se sustenta, e se conheça a seguir de novo do recurso interposto, reapreciando a matéria de facto impugnada.
As receitas obtidas e custos suportados com a escola profissional eram tributáveis em sede de I.R.C. da recorrente, dependendo a mesma do enquadramento de tal em actividade principal ou acessória, de acordo com a sua relevância relativa.
Tais os termos em que melhor será de apreciar a existência de custos dedutíveis, para efeitos do art. 47.º do E.B.F., na versão ao tempo aplicável».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Tribunal Central Administrativo Sul Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1- Em 31/07/1989, a sociedade impugnante, “A…………., L.da.”, com o n.i.p.c. …………., efectuou o pagamento de 4.851.988$00 na Tesouraria da Fazenda Pública da IP. Repartição de Finanças de Lisboa, através da guia de pagamento de IRC com o n°1890088287, aí sendo indicada a natureza de pagamento por conta referente ao mês de Julho de 1989 (cfr. documento junto a fls. 24 dos presentes autos):

2- Em 27/09/1989, representante do “GETAP - Gabinete de Educação Tecnológica Artística e Profissional” e representante da sociedade impugnante assinaram o escrito denominado “Contrato Programa de Criação da Escola Profissional B…………”, constando da cláusula 2 que a Escola é de natureza privada e goza de autonomia pedagógica, administrativa e financeira (cfr. documento junto a fls. 10 a 21 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido);

3- Em 28/07/1993, foi elaborado o Mapa de Apuramento Mod. DC-22, relativo ao ano de 1989 da sociedade impugnante, com a indicação de que a sua origem foi uma análise externa, constando do quadro 10 respeitante ao “Apuramento de resultado para efeitos fiscais” os valores a acrescer no montante total de 102.249.318$00, quantitativo que igualmente constitui o valor do lucro tributável corrigido (cfr. documento junto a fls. 23 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);

4- No documento mencionado no número anterior consta o seguinte no quadro 17 com o título “Fundamentação das correcções efectuadas”:
(…)
- Foi acrescido ao valor dos Resultados Líquidos apurados no exercício de 41.165.842$00, o valor de 571.500$00 respeitante às facturas n.ºs 135, 136, 137 e 138 todas de 30/12/89, que se encontram omitidas na escrita.
- De salientar que não foi apresentada a decl. m/22 IRC de 1989.
- Custos não aceites fiscalmente de 32.941.530$00 respeitam aos seguintes docs. da contabilidade:
- Doc. 897 de 30/12/89 - 28.576.025$00 - Despesas da Escola P. B………….
- Doc. 734.5 de 30/12/89 - 372.104$00 - Depósito de caução de viatura
- Doc. 444.1 de 30/9/89 - 435.362$00 - Depósito de caução de viatura
- Doc. 442.1 e 443.1 de 30/9/89 - Contratos de Promessa de Compra de Viaturas alugadas nos valores de 341.155$00 e 384.639$00
- Doc. 362.5 de 31/8/89 - 489.810$00 - Depósito de caução de viatura
- Doc. 662.5 de 30/11/89 de 196.923$00 custos com alcatifas
- Encargos com pessoal alheio à firma no valor de 2.145.512$00.
(...)
(cfr. documento junto a fls. 23 e verso dos autos);

5- Em 4/10/1993 foi emitida a liquidação de IRC do exercício de 1989 com o n.º 8310009739 na importância a pagar de 41.053.101$00, não constando qualquer valor pago a título de pagamento por conta (cfr. documento junto a fls. 25 dos presentes autos);

6- Em 11/04/1994, o Chefe da Repartição de Finanças do 11.º Bairro Fiscal de Lisboa proferiu despacho requisitando ao Serviço de Fiscalização Tributária informação sobre a matéria de facto considerada pertinente com o pedido formulado na presente impugnação (cfr. documento junto a fls. 27 dos presentes autos);

7- Através do ofício n.º 6060 de 15/12/1995, os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa remeteram ao 8.º Bairro Fiscal de Lisboa informação elaborada em 7/09/1995, da qual consta o seguinte:
(…)
FUNDAMENTOS DA CORRECÇÃO
Em exame à escrita ao ano de 1989, com base na participação para efeitos fiscais efectuada pela Inspecção-Geral de Finanças, foram efectuadas correcções em sede de IVA e IRC, e como a seguir se indica:
(...)
1.2 - IRC
A declaração de rendimentos referente ao ano de 1989, não foi apresentada pelo sujeito passivo, tendo sido corrigido o resultado líquido por ele apurado no valor de 41.165.842 para 41.737.342$00, por omissão à escrita do valor de 571.500$00 respeitante a facturas de prestação de serviços que não foram contabilizadas. De seguida foram efectuadas correcções ao resultado líquido tendo sido apurado pela fiscalização um lucro tributável de 102.249.318$00, em virtude de terem sido acrescidas as seguintes verbas:
1.2.1- Custos não aceites fiscalmente, no valor de 33.068.098$00, sendo:
1.2.1.1- O valor de 28.576.025$00, de despesas com a Escola B……………., sendo o documento de suporte um boletim de lançamento indevidamente documentado;
1.2.1.2- O valor de 372.104$00 e 435.362$00, contabilizado pelo contrato de aluguer e referente a caução de veículo, estando o 2.º valor contabilizado em duplicado e com o Iva incluído;
1.2.1.3- O valor de 341.145$00 e 384.639$00, indevidamente contabilizado e relativo a contrato de promessa de compra e venda de veículos;
1.2.1.4- O valor de 489.810$00, referente ao depósito de caução do contrato de aluguer de uma viatura;
1.2.1.5- O valor de 126.568$00, referente a despesas do exercício anterior, cujo documento é de 7/9/88;
1.2.1.6- O valor de 196.923$00, referente à aquisição de uma alcatifa cujo documento se encontra emitido em nome de outro sujeito passivo;
1.2.1.7- O valor de 2.145.512$00, referente a encargos com pessoal alheio à firma;
1.2.2- Provisões não aceites fiscalmente, no valor de 713.343$00, sendo os créditos objecto da provisão não evidenciados na contabilidade, como créditos de cobrança duvidosa (art. 33.º do CIRC);
1.2.3- Amortizações não aceites fiscalmente, o valor de 356.000$00, referente a amortização de um terreno (art. 11.º do Dec. Reg. 2/90, de 12/01);
1.2.4- Provisões não dedutíveis, no valor de 26.374.535$00 e referente a provisão para imposto sobre o rendimento (art. 33.º do CIRC);
02- ARGUMENTOS INVOCADOS NA IMPUGNAÇÃO
(…)
03- APRECIAÇÃO DA IMPUGNAÇÃO
Tendo-me deslocado à sede da firma com vista à informação do presente processo de impugnação, procedeu-se à análise da contabilidade e dos respectivos documentos da A……., Lda., assim como da contabilidade específica e de todos os documentos apresentados da Escola B……….., cuja impugnante é promotora, pelo que foi efectuado e observado o seguinte:
3.1- Omissão à escrita do valor total de 571.500$00, devido à não contabilização de algumas facturas de prestação de serviços efectuados pelo sujeito passivo, e conforme o referido na introdução ao ponto 1.2. deste relatório;
3.2- Quanto aos valores de 372.104$00 e 435.362$00, 341.145$00 e 384.639$00, e ainda de 489.810$00 referidos respectivamente nos pontos 1.2.1.2., 1.2.1.3., 1.2.1.4. do relatório, depósitos de caução e contratos de promessa de compra e venda de veículos, levados a custos pelo sujeito passivo, são meras operações financeiras, dado que os custos ocorreram com o pagamento das prestações que foram contabilizadas nesse ano e seguintes, com base em documentos passados para esse fim, pelo que tais valores não são aceites fiscalmente como custos;
3.3- Quanto ao valor de 126.568$00 referido no ponto 1.2.1.5. do relatório, despesas de exercícios anteriores, não provisionado, deveria ter sido contabilizado no exercício a que diz respeito (art. 18.º do CIRC);
3.4- O valor de 196.923$00, referido no ponto 1.2.1.6. deste relatório, resultante da aquisição de uma alcatifa, tem como base um documento passado em nome de um terceiro;
3.5- Quanto ao valor de 2.145.512$00, referido no ponto 1.2.1.7. do relatório, compreende vários encargos com alimentação, estadias, portagens e outras despesas com viaturas de profissionais livres, não considerados como custos da empresa;
3.6- Quanto às provisões no valor de 713.343$00, não se encontram evidenciados na contabilidade como créditos de cobrança duvidosa, pelo que não são aceites como custo;
3.7- O valor de 356.000$00, conforme o ponto 1.2.3. do relatório, refere-se à amortização de um terreno, não sendo aceite fiscalmente;
3.8- A provisão para o imposto sobre o rendimento, no valor de 26.374.585$00, não é fiscalmente dedutível dado ao exposto no art. 33.º do CIRC;
3.9- Por fim e para verificar se o valor de 28.576.025$00, conforme o ponto 1.2.1.1. do relatório, se refere a despesas com a Escola B……… devidamente documentadas, foi solicitada ao sujeito passivo na qualidade de promotora da Escola, a contabilidade específica e todos os documentos da B………. (em anexo XI juntam-se alguns documentos) e em seguida feita a análise da mesma, tendo verificado que:
3.9.1-
(...)
3.9.2- Existe uma listagem das despesas (Anexo VIII) apresentada à GETAP-Gabinete de Educação Tecnológica, referente ao período de Setembro a Dezembro de 1989, que inclui as rendas das suas instalações no valor total de 5.450.000$00 (identificadas na relação como documento 1, 2, 11, 61 e 173, cada uma no valor de 1.090.000$00), cujo proprietário do prédio é a A………, Lda. e ainda honorários pagos a esta no valor de 1.785.000$00, conforme doc. 308 da relação. Estes valores no total de 7.235.000$00 não constam como receitas na contabilidade da A………….., Lda. Junta-se em anexo X, uma listagem das despesas efectuadas em Setembro de 1989 assim como o respectivo balancete, que corresponde aos dez primeiros lançamentos da listagem acima referida (Anexo VII)
3.9.3- Existe uma outra listagem (Anexo IX), que foi apresentada à fiscalização e que não constam enumerados os valores atrás referidos;
3.9.4- Comparadas as listagens e verificadas essas diferenças, houve necessidade de elaborar duas listagens (Anexo I e Anexo II), que se complementam, com base nos documentos apresentados e numerados de 1 a 313 que se encontram arquivados numa pasta em nome da escola B……….., referente quer a despesas como a receitas do ano de 1989. Para a elaboração das mesmas, além do n.º do documento contabilístico, tipo de documento e respectivo número, data, entidade emissora, tipo de transacção, teve-se em conta a quem os documentos foram emitidos pelo que foi analisado documento a documento.
3.9.5- Efectuadas as listagens elaborou-se um resumo das receitas e despesas documentadas da escola, conforme anexo VII do relatório, com um total de receitas no valor de 46.477.562$00 e de despesas no valor de 54.188.187$00, valor este de despesas diferente do apurado pelo sujeito passivo na listagem por ele efectuada e apresentada à GETAP (Anexo VIII). Essa diferença de 7.119.250$00 (61.307.437$00- 54.188.187$00), aproxima-se do valor referido no ponto 3.8.1 deste relatório, rendas e honorários à A…………., Lda., que, embora constem da listagem do sujeito passivo à GETAP, não aparecem na pasta de documentos da escola e/ou foram substituídos por documentos de receitas (ver as anotações a alguns documentos do Anexo I);
3.9.6- Embora conste da relação agora efectuada (Anexo 1), dois recibos correspondentes aos subsídios recebidos e passados à GETAP, em 09/10/89 e outro em 30/12/89 (Anexos IV e V), pode ser confirmado pela fotocópia do cheque emitido por esta entidade (Anexo IV 2), pelo extracto bancário da escola (Anexo IV 3) e ainda pela declaração processada pela GETAP (Anexo IV 4) que em 1989 como subsídio para despesas de funcionamento da escola, apenas foi efectivamente pago por aquela entidade em 07/11/89 o valor de 24.250.658$00.
3.9.7. - Será importante de referir que quer os valores referidos no ponto 3.9.2. como os subsídios recebidos para o funcionamento da escola B…….. de que a A……….. é a promotora, e outras receitas que constam do Anexo 1 não foram levadas à contabilidade da empresa, e que da contabilidade da empresa promotora deve constar registadas não só as despesas como as receitas inerentes ao funcionamento da escola;
3.10- Foi confirmado o pagamento por conta de IRC do ano de 1989 no valor de 4.851.988$00 referido no ponto 2.6 do relatório, quer através da entrega da guia de pagamento registada na contabilidade com o n.º 269 como do lançamento em 30/07/89 daquele valor, a débito da subconta 2418 e a crédito da subconta 111.
04- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo averiguado e exposto nos pontos anteriores será de referir resumidamente que:
4.1- Todas as receitas inerentes ao funcionamento da escola não foram registadas na contabilidade da sua promotora A…….., Lda. conforme o referido no ponto 3.9.7. do relatório;
4.2- Não existem quaisquer outros documentos que levem a considerar fiscalmente aceites todos os custos referidos nos pontos 3.2. a 3.8. do presente relatório;
4.3- Quanto ao valor de 28.576.025$00 referido no ponto 3.9. do relatório e que consta num boletim de lançamento sem documento de suporte, como despesas com equipamento, comparticipação e funcionamento da escola B………., cujo resumo dessas entregas apresentado pelo sujeito passivo se encontra em anexo IX (10 e 11) do relatório, e pela análise efectuada ao resumo das receitas e despesas documentadas da escola B……….. (Anexo VII) baseado nas relações agora efectuadas e que constituem os anexos I e II deste relatório, apenas encontram-se como despesas documentadas com a escola em nome da A………….., Lda., a comparticipação desta à escola no valor de 4.000.000$00, a aquisição de equipamento no valor de 6.478.790$00 e ainda outras despesas de funcionamento no valor de 2.825.728$00.
4.4- O valor do lucro tributável corrigido referente ao exercício do ano de 1989 é de 102.249.318$00, conforme o referido na introdução ao ponto 1.2. do presente relatório.
(…)” (cfr. documentos juntos a fls.29 a 110 dos presentes autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos);

8- A impugnante, enquanto entidade promotora, era quem representava a Escola B……….. em todas as relações com terceiros (cfr. depoimentos das testemunhas);

9- As receitas da Escola B………… eram constituídas pelas matrículas e propinas pagas pelos alunos, pelos subsídios europeus e estatais que recebia e por alguns serviços prestados a terceiros (cfr. depoimentos das testemunhas).

A sentença recorrida considerou como factual não provada a seguinte: “... Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa...”».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A sociedade ora Recorrente, discordando da liquidação oficiosa de IRC que lhe foi efectuada na sequência de uma acção de fiscalização com referência ao ano de 1989, apresentou impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa, pedindo a anulação daquele acto. Sustentou, em síntese, que
a) a Administração tributária (AT) incorreu em erro na determinação da matéria colectável, por dois motivos:
a.1) a “Escola Profissional B……….” foi por ela, Impugnante, criada no âmbito de um contrato programa que celebrou com o Estado (representado pelo GETAP - Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional); nos termos da legislação em vigor à data – Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro –, não era conferida personalidade jurídica às escolas profissionais, que também não podiam ser tributadas autonomamente, devendo por isso a “B………..” ser considerada parte integrante da sociedade promotora para efeitos de tributação, não sendo mais do que um seu “centro de custos”; assim, não podia a AT, na determinação do lucro tributável da Impugnante, desconsiderar-lhe como custo fiscal a parte remanescente dos custos de funcionamento da escola profissional, i.e., a diferença entre o total dos custos respeitantes a esse funcionamento e o montante das receitas da escola profissional;
a.2) porque não levou em conta que a sociedade exercia duas actividades, sendo uma delas, com carácter acessório, a que respeita ao funcionamento da escola profissional e, consequentemente, que os rendimentos a esta imputáveis deveriam ser tributados à taxa de 20%, nos termos do art. 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e não à taxa de 36%, à qual, nos termos do art. 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Na redacção aplicável, que é a inicial.) (CIRC), eram tributados os rendimentos da sua actividade principal;
b) foi mal quantificado o valor de imposto a pagar, porque não relevou o montante do pagamento por conta por ela já efectuado, que ascende a Esc. 4.851.908$00.
O Tribunal Tributário de Lisboa (Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa foi extinto, tendo-lhe sucedido nas respectivas competências o Tribunal Tributário de Lisboa.) julgou procedente apenas o fundamento supra referido em b), motivo por que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação apenas na parte em que não relevou o pagamento por conta efectuado pela Impugnante antes da prática daquele acto.
No demais, julgou improcedente a impugnação.
Porque tal importa, sobremaneira, à decisão a proferir, passemos a considerar, resumidamente, a fundamentação expendida na sentença em ordem a esse julgamento.
Começou a sentença por realçar que, apesar de a argumentação esgrimida pela Impugnante se situar exclusivamente em torno do modo como deveria ser organizada a sua contabilidade «em função da existência do que qualifica como “centro de custo” referente à Escola B…………, de que é promotora», das correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, num total de Esc. 60.511.976$00, as que respeitam a despesas com a “B…………” ascendem a 28.576.025$00, não questionando a Impugnante as demais. Assim, no que a estas respeita, nunca a impugnação judicial poderia ser julgada procedente.
Depois, quanto às correcções efectuadas pela AT relativas a despesas com a “Escola profissional B……….”, salientou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que tiveram como «exclusivo fundamento o facto do custo ter como documento de suporte um boletim de lançamento indevidamente documentado» e «[p]or outro lado, conforme resulta da informação prestada pelos serviços da Inspecção Tributária nos presentes autos, existem documentos da B……….., processados pela Impugnante, que não foram contabilizados como receitas nesta, pelo que nunca poderia a Impugnante obter a consideração desse valor de 7.235.000$00 referente a rendas e honorários, como despesas suportadas pela Escola B………. sem a sua correspondente contabilização como seus próprios proveitos».
Assim, prosseguiu a sentença, tendo presente que na situação sub judice estamos perante liquidação oficiosa, pelo que existe declaração apresentada pela Impugnante que possa beneficiar da presunção de veracidade do declarado e porque não decorre dos autos que a correcção do montante de Esc. 28.5676.025$00 tenha sido efectuada por a AT «ter desconsiderado como custos fiscais a diferença entre o total dos custos referentes ao funcionamento da escola e os subsídios recebidos, nos termos do contrato programa celebrado com o GETAP, nem porque a A.T. perfilhasse o entendimento diverso do exposto pela Impugnante na sua p.i., no que respeita à forma de tratamento da actividade relacionada com a Escola, cabia à Impugnante alegar e demonstrar que aqueles custos se encontram devidamente documentados, ao contrário do que defende a A.T., o que não fez nos presentes autos.//Com efeito, limita-se a Impugnante a tomar uma posição quanto à forma como devem ser contabilística e fiscalmente tratadas as operações das Escolas Profissionais constituídas por empresas privadas, ao abrigo de contratos programa estabelecidos com o Estado ou entidades estatais nos termos do Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro, bem como quanto à natureza das despesas e receitas que tais Escolas obtêm no decurso da sua actividade, sem que, no entanto tivesse cumprido com as suas obrigações legais de declaração de rendimentos para efeitos de tributação nem demonstrado nos autos qual seria a matéria colectável do exercício de 1989 que entende ser a correcta em função do enquadramento contabilístico fiscal que descreve.//Assim sendo, tendo a A.T. fundamentado a correcção no montante 28.576.025$00 com a documentação de suporte ao custo contabilizado pela Impugnante, e não tendo esta colocado em crise tal fundamentação, a impugnação terá também de improceder quanto a esta parte».
Por isso, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa considerou que a impugnação judicial também improcedia nesta parte.

2.2.2 Inconformada com a sentença na parte em que não atendeu o seu pedido, a Impugnante dela recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida.
Entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul que a Recorrente invocou como primeiro fundamento de recurso que o Tribunal Tributário de Lisboa «desconsiderou e não valorou convenientemente a prova testemunhal fazendo deste modo um errado julgamento da matéria de facto. Que desprezou, igualmente, a vasta prova documental produzida constante dos anexos do relatório da inspecção».
Assim, depois de tecer diversos considerandos em torno do julgamento da matéria de facto e ao âmbito dos poderes que lhe assistem em sede da sindicância do mesmo, entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul que não podia conceder provimento ao recurso com base no invocado erro nesse julgamento, por dois motivos:
i) tendo presente o ónus que era imposto à Recorrente, à data, pelo art. 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) (No Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto, corresponde-lhe o art. 640.º, n.º 1.), «não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios (tanto relativos à prova testemunhal como à prova documental), constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre a matéria de facto, diversa da adoptada pela decisão recorrida»;
ii) «[p]or outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção».
Quanto ao invocado erro de julgamento de direito, o Tribunal Central Administrativo Sul, após tecer diversos considerandos em torno da determinação do lucro tributável para efeitos de tributação em IRC e do conceito de custo fiscal e de referir que a Recorrente não apresentou declaração de rendimentos relativamente ao ano de 1989, salientou, como tinha também já salientado a sentença recorrida, que a maioria das correcções que a AT efectuou à contabilidade da Recorrente nada têm a ver com a “Escola Profissional B……….” Nessa parte, porque a Impugnante não pôs em causa a legalidade da actuação da AT, o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou o julgamento da sentença, no sentido da improcedência da impugnação quanto a essas correcções.
Quanto às correcções que a AT efectuou na contabilidade da Recorrente porque não aceitou custos do montante de Esc. 28.576.025$00 respeitantes a despesas da “Escola Profissional B………….”, considerou o Tribunal Central Administrativo Sul que, «[c]omo resulta dos autos, a correcção efectuada a este respeito teve como fundamento o facto do custo ter como documento de suporte um boletim de lançamento indevidamente documentado. Por outro lado, conforme resulta da informação prestada pelos serviços da Inspecção Tributária nos presentes autos, existem documentos de despesas da “Escola B………….”, processados pela impugnante / recorrente, que não foram contabilizados como suas receitas, em virtude do que nunca poderia o apelante obter a consideração do valor de 7.235.000$00 / € 36.088,03 referente a rendas e honorários, como despesas suportadas pela “Escola B………..”, sem a sua correspondente contabilização, como seus próprios proveitos, das receitas inerentes ao funcionamento da mesma escola (cfr. n.º 7 do probatório)»; e concluiu: «Nestes termos, não decorrendo dos autos que a correcção efectuada pela Fazenda Pública à contabilidade do recorrente, no montante de 28.576.025$00, tenha sido realizada devido ao facto da A. Fiscal ter desconsiderado como custos fiscais a diferença entre o total dos custos referentes ao funcionamento da escola e os subsídios recebidos, nos termos do contrato programa celebrado com o GETAP, nem porque a Fazenda Pública perfilhasse entendimento diverso do exposto pelo apelante, no que respeita à forma de tratamento da actividade relacionada com a escola, cabia ao recorrente, antes de mais, alegar e demonstrar que aqueles custos se encontram devidamente documentados, ao contrário do que defende a A. Fiscal, o que não fez». Por isso, julgou também improcedente este fundamento de recurso.
A Recorrente não se conformou com o assim decidido e interpôs recurso desse acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul para o Supremo Tribunal Administrativo.

2.2.3 O presente recurso vem, pois, interposto em 3.º grau de jurisdição, possibilidade que à data em que foi instaurada a impugnação judicial era concedida pelo art. 32.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, e que se manteve para os processos pendentes quando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro. Este diploma legal, que criou o Tribunal Central Administrativo, introduziu alterações profundas nas competências dos tribunais em sede tributária, modificando, entre outros preceitos do ETAF, o referido art. 32.º, pelo que ficaram reduzidos a dois os graus jurisdição nesta matéria, mas alterou também o art. 120.º do ETAF, consagrando, na nova redacção: «A extinção do anterior 3.º grau de jurisdição no contencioso tributário operada pelo presente diploma apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor».
Nos termos do n.º 1 do art. 5.º do referido Decreto-Lei n.º 229/96, este entrou em vigor em 15 de Setembro de 1997, com a instalação e entrada em funcionamento do Tribunal Central Administrativo, determinadas pela Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho.
O que significa que, tendo a presente impugnação judicial sido instaurada em 24 de Agosto de 1994 (cfr. o carimbo de entrada que foi aposto na petição inicial) é ainda admissível o terceiro grau de jurisdição.
Convém, no entanto, ter presente que os poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito deste recurso estão limitados à matéria de direito, como resulta do art. 21.º, n.º 4, do ETAF de 1984 («A secção de contencioso tributário [do Supremo Tribunal Administrativo] apenas conhece de matéria de direito nos processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários de 1.ª instância».). Tem vindo este Supremo Tribunal a entender que tal limitação dos seus poderes de cognição tem o mesmo alcance que a restrição que a lei processual civil estabelece para o Supremo Tribunal de Justiça em recurso de revista, pelo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só poderá ser conhecido pelo Supremo quando haja ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova [art. 722.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto, que corresponde ao n.º 3 após essa alteração («O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».) e que, no novo CPC tem correspondência no art. 674.º, n.º 3] (Quanto aos poderes de cognição da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo nos processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 23 i) ao art. 279.º, págs. 370/371.).

2.2.4 As questões suscitadas pela Recorrente são as de saber se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento
i) quando não deu como provados os factos alegados sob os n.ºs 4, 24, 26, 27, 28, 34 e 69 das alegações que apresentou no recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, o que deveria ter feito em face da prova testemunhal produzida (conclusão iv.) e, aliás, resultam como facto notórios atenta a natureza jurídica da “Escola Profissional B………….” (conclusão xxviii.);
ii) quando considerou que a Recorrente não cumpriu o ónus que, à data, era previsto pelo n.º 1 do art. 685.º-B do CPC e, por isso, não conheceu do recurso na parte que lhe foi imputado erro de julgamento da matéria de facto (conclusões iv. a x. e l.);
iii) quando fez o enquadramento jurídico da “Escola Profissional B…………..” (conclusões xii. a xxix.) e, em consequência, não aceitou como custos na esfera da Impugnante os respeitantes ao funcionamento da mesma (conclusões xxx. a xli. e l.);
iv) quando não relevou a existência de duas actividades exercidas pela Impugnante a tributar a taxas diferente (conclusões xlii. a l.).

2.2.5 Quanto à questão que supra referimos sob o n.º i), este Supremo Tribunal dela não pode conhecer pelos motivos que deixámos enunciados em 2.2.3, ou seja, porque nesta sede o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só poderá ser conhecido pelo Supremo quando haja ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso.

2.2.6 Quanto à invocada violação do disposto no art. 685.º-B, n.ºs 1 e 2, do CPC, na redacção aplicável, apesar de o conhecimento da questão caber inequivocamente dentro dos poderes deste Supremo Tribunal, também dela não conheceremos pelos motivos que passaremos a expor.
O acórdão recorrido, como deixámos dito, entendeu não sindicar o julgamento da matéria de facto efectuada pelo Tribunal Tributário de Lisboa com uma dupla fundamentação: quer por incumprimento do ónus a cargo da Recorrente em ordem à impugnação do julgamento da matéria de facto, quer por considerar que, no que respeita à prova testemunhal, a decisão da Juíza da 1.ª instância está devidamente fundamentada e constitui uma das soluções plausíveis, à luz das regras da lógica, da ciência e da experiência, motivo por que é inatacável, sob pena de se pôr em causa o julgamento segundo a livre convicção.
Independentemente de qual seja o nosso juízo sobre qualquer desses fundamentos, a verdade é que a Recorrente não atacou o segundo. Assim, como temos vindo a dizer noutras ocasiões, quando uma decisão judicial se alicerça em dois fundamentos distintos, torna-se inútil e, por isso, não faz sentido (cfr. art. 130.º do CPC) apreciar o recurso que dela foi interposto se neste se ataca apenas um deles pois, ainda que fosse julgado procedente, a decisão sempre se manteria com base no outro (Cfr., entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 583/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f4ccd5a4dc9034880257aa10033483b;
- de 24 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 696/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3434984cdb89a15f80257aa8003b5358;
- de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo com o n.º 1020/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/caec64fb82bc19fd80257c29004adb24;
- de 14 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 973/13 disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/389cbe6519571b1e80257dd2003e725f.-(Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 12 ao art. 279.º, pág. 337. ).
Ou seja, porque o Tribunal Central Administrativo Sul alicerçou a decisão de não sindicar o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa com um duplo fundamento e a Recorrente só atacou o primeiro desses fundamentos, ainda que viéssemos a decidir que incorreu em erro ao considerar que a Recorrente não observou o ónus do art. 685.º-B, sempre a decisão haveria de manter-se com suporte no segundo fundamento.
Mas existem ainda outros motivos que cada um por si só justificaria o não conhecimento do recurso.
Desde logo, porque é a própria Recorrente quem admite que a matéria que alegou sob os n.ºs 4, 24, 26, 27, 28, 34 e 69 das alegações que apresentou no recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul não constitui matéria de facto, na medida em que afirma expressamente, na conclusão xi. do presente recurso que «a constatação, demonstração e prova da matéria de facto referida nos números 4, 24, 26, 27, 28, 34 e 69 das alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, sempre resultaria, em consequência, e sem mais, de uma correcta interpretação e aplicação da lei pelas instâncias» (sublinhado nosso).
Ou seja, a Recorrente parece reconhecer que a matéria aí alegada não é matéria de facto, na medida em que a mesma resultaria, sem mais, da simples interpretação e aplicação da lei. Ora, sabidas que são as dificuldades na distinção da matéria de facto da matéria de direito, sobretudo em certos domínios de fronteira, afigura-se-nos que a matéria em causa dificilmente poderá ser configurada como sendo de facto. Vejamos o teor daquelas alegações:
- no n.º 4, a Recorrente alega que as escolas profissionais resultantes da celebração de contratos programas entre o Estado e as empresas «não eram mais do que “centros de custos” das mesmas [empresas], em virtude de resultarem da celebração de contratos programa, ao caso entre uma empresa, a Impugnante, e o estado representado pelo GETAP, os quais não lhes conferiam personalidade jurídica, aliás em consonância com a legislação em vigor e atrás identificada»;
- no n.º 24, a Recorrente dizia: «Resulta inequivocamente e demonstrado à saciedade, que as Escolas Profissionais privadas resultantes de Contratos Programa celebrados ao abrigo do DL 26/89, de 21/1, como é o caso da Impugnante, estão destituídas de personalidade jurídica, e do cotejo dos depoimentos das testemunhas atrás identificadas resulta que aquelas escolas são autênticos “centros de custos” das entidades promotoras, não tendo por isso receitas próprias, devendo concomitantemente os respectivos custos de funcionamento ser considerados como tal na esfera jurídica das entidades promotoras»;
- no n.º 25, afirmava a Recorrente que «[e]stas Escolas Profissionais não podem, por isso, ser tributadas autonomamente, mas como fazendo parte integrante dos promotores»;
- nos n.ºs 26.º, 27.º e 28.º, a Recorrente alegava que «a promotora da Escola Profissional B……….. [ou seja, a Impugnante], desenvolvia duas actividades, a saber: [a] principal de consultadoria no ramo têxtil, e a acessória a resultante da celebração do contrato programa atrás referido; acrescendo referir que, [a]quelas actividades, como atrás foi aludido pela testemunha …………., são tributadas a taxas diferentes, sendo a primeira, a principal, a 36% e a segunda, a acessória a 20%»;
- no n.º 34, a Recorrente insistia na afirmação de que «[n]ão tendo a Escola Profissional B……….. personalidade jurídica autónoma, mais não era de que um apêndice (centro de custo) da impugnante, não era mister a sua tributação autónoma, tanto mais que a mesma nem sequer fazia parte do cadastro da Administração Fiscal – nem podia fazer, pelas razões atrás aduzidas –, não podendo ser, por isso, “sujeito tributário”»;
- finalmente, no n.º 69, a Recorrente sustentava, em jeito de conclusão, que «[a]o não dar como provado a existência de duas actividades, uma principal e outra acessória, da ora Recorrente, nem que as Escolas Profissionais criadas ao abrigo dos Contratos Programa celebrados nos termos do Decreto-Lei n.º 26/89, de 21/1, são meros centros de custos das entidades promotoras, nem quer as receitas quer os custos derivados do funcionamento das Escolas Profissionais atrás referidas deverão ser contabilizadas na esfera jurídica dos promotores, o Tribunal recorrido está a desconsiderar e a não valorar convenientemente a prova testemunhal atrás referida fazendo deste modo um errado julgamento da matéria de facto, que a ser correcto, levaria à prova dos factos atrás descritos e à obtenção de decisão contrária àquela que foi proferida».
Como resulta dessa alegação, a mesma refere-se essencialmente ao regime jurídico das escolas profissionais criadas ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro: saber se as mesmas são dotadas de personalidade jurídica e mesmo de personalidade tributária ou, ao invés, se devem considerar-se integradas no promotor para efeitos de tributação são questões de direito, como também o é a questão de saber qual a taxa ou taxas de imposto a aplicar ao promotor no âmbito da sua actividade principal e no âmbito da actividade de escola profissional.
Assim, porque a matéria que a Recorrente considera ter sido objecto de erro de julgamento não se refere a factualidade, mas antes ao direito aplicável, sua interpretação e aplicação, seria também de todo inútil indagar sobre o cumprimento pela Recorrente do ónus previsto à data no art. 685.º-B do CPC, pois nenhum sentido faria ordenar ao Tribunal Central Administrativo Sul que sindicasse um eventual erro de julgamento de matéria de facto, quando a matéria que se pretende seja objecto dessa sindicância manifestamente não é matéria de facto.
Acresce que, ainda que se assim não fosse, i.e., ainda que tal matéria pudesse ser configurada como matéria de facto (o que não concedemos), a verdade é que a mesma não é objecto de controvérsia, como melhor veremos adiante em 2.2.7.
Por tudo o que deixámos exposto, o recurso não pode ser provido com fundamento em erro de julgamento do Tribunal Central Administrativo Sul ao considerar que não foi observado pela Recorrente o ónus em causa.

2.2.7 Restar-nos-ia analisar as questões acima referidas (no ponto 2.2.4) sob os n.ºs iii) e iv).
Há, no entanto, que ter presente que, data venia, a Recorrente alheia-se do sentido das decisões judiciais anteriormente proferidas no processo e insiste em apresentar como questões controvertidas questões que não foram as que motivaram o sentido daquelas decisões.
Como ficou dito pelas instâncias, a questão que cumpria dirimir nos presentes autos não se joga em torno da natureza jurídica da “Escola Profissional B……….”, nem do modo como devem ser tratadas contabilística e fiscalmente as escolas profissionais constituídas nos termos do Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro, nem sequer das relações entre estas e as suas promotoras. A questão joga-se, isso sim, em torno dos custos que a AT desconsiderou com o fundamento em “indevida documentação”. Na verdade, relativamente às únicas correcções em discussão (do valor de Esc. 28.576.025$00, respeitantes a despesa com a “escola Profissional B…………..”), o fundamento por que a AT as não aceitou como custo fiscal da ora Recorrente não foi nenhum daqueles que esta pretendeu rebater na petição inicial; foi o facto de as mesmas estarem indevidamente documentadas que motivou a sua não aceitação e, relativamente a esse fundamento, a Impugnante nada disse. E apesar de a sentença lhe ter assinalado esse lapso, a Recorrente continuou a persistir no mesmo no recurso que apresentou junto do Tribunal Central Administrativo Sul. Como ficou dito no acórdão proferido por esse Tribunal Central, ora recorrido, «não decorrendo dos autos que a correcção efectuada pela Fazenda Pública à contabilidade do recorrente, no montante de 28.576.025$00, tenha sido realizada devido ao facto da A. Fiscal ter desconsiderado como custos fiscais a diferença entre o total dos custos referentes ao funcionamento da escola e os subsídios recebidos, nos termos do contrato programa celebrado com o GETAP, nem porque a Fazenda Pública perfilhasse entendimento diverso do exposto pelo apelante, no que respeita à forma de tratamento da actividade relacionada com a escola, cabia ao recorrente, antes de mais, alegar e demonstrar que aqueles custos se encontram devidamente documentados, ao contrário do que defende a A. Fiscal, o que não fez».
Continua a Recorrente, agora perante este Supremo Tribunal a alhear-se da verdadeira fundamentação da referida correcção e do teor das decisões judiciais proferidas nos presentes autos e, ao invés, continua a argumentar relativamente a aspectos relativamente aos quais inexiste controvérsia.
Não pode, pois, o recurso ser provido.

2.2.8 Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos processos de impugnação judicial instaurados antes de 15 de Setembro de 1995, mantém-se a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão de um tribunal central administrativo que tenha conhecido recurso da sentença (cfr. art. 32.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984, n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 229/96 e Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho).
II - Quando a decisão judicial de uma questão se alicerça em dois fundamentos distintos, é inútil apreciar o recurso que dela foi interposto se neste se ataca apenas um deles: ainda que fosse julgado procedente, a decisão sempre se manteria com base no outro.
III - Não faz sentido o Supremo Tribunal Administrativo sindicar a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul que considerou incumprido do ónus previsto no n.º 1 do art. 685.º-B do CPC (na redacção anterior à que foi aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) se a matéria relativamente à qual a Recorrente pretende que foi efectuado erro de julgamento (cuja correcção pediu àquele tribunal central) não é matéria de facto, mas de direito.
IV - Alheando-se a Impugnante na petição inicial da fundamentação do acto impugnado e alheando-se também no recurso que interpôs para o Tribunal Central Administrativo Sul do teor da sentença que lhe assinalou esse lapso, não pode este Supremo Tribunal Administrativo conceder provimento ao recurso do acórdão do Tribunal Central em que a Impugnante insiste nas teses assumidas perante as instâncias.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Ana Paula Lobo – Casimiro Gonçalves.