Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0243/16
Data do Acordão:04/20/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT, só as decisões arbitrais que conheçam de mérito são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - Tal opção legislativa, de limitar a possibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo às decisões que conheçam do mérito da pretensão deduzida, resulta inequívoca da letra da lei (que constitui o princípio e o limite da tarefa hermenêutica, nos termos do art. 9.º, n.º 2, do CC).
Nº Convencional:JSTA000P20415
Nº do Documento:SAP201604200243
Data de Entrada:03/02/2016
Recorrente:MUNICÍPIO DE MONTALEGRE
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 427/2015-T

1. RELATÓRIO
1.1 O Município de Montalegre (adiante Recorrente) recorre ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, da decisão arbitral proferida em 26 de Janeiro de 2016 pelo Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD no processo n.º 427/2015-T (Decisão que pode ser consultada em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=427%2F2015-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=1679.), que, julgando procedente a excepção de incompetência material, absolveu da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O Recorrente invoca que a decisão arbitral recorrida se encontra em contradição com os seguintes acórdãos (fundamento) e relativamente às seguintes questões:
– do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Outubro de 2005, proferido no processo n.º 653/05, relativamente à necessidade de reclamação graciosa prévia, prevista no art. 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
– do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 1958/13, no que concerne à questão de saber se estamos perante a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.
1.2 Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Relator, prefigurando-se-lhe a inadmissibilidade do recurso, em face do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT e por a decisão recorrida não ter conhecido do mérito, ordenou (despacho de fls. 83) a notificação do Recorrente para, querendo, se pronunciar sobre a questão.
1.3 Notificado desse despacho, veio o Requerente sustentar a admissibilidade do recurso (cfr. 85 a 92). No essencial, defende que «o Tribunal Arbitral, ao aderir à posição da autoridade tributária, decidiu, forçosamente, sobre o mérito da pretensão em causa»; depois de salientar que «quer o pedido de revisão oficiosa quer o pedido de pronúncia arbitral apresentados visam a apreciação da (i)legalidade de actos de autoliquidação», refere que, «ainda que erradamente, a verdade é que o Tribunal Arbitral decidiu quanto ao mérito da pretensão do Requerente, tendo concluído haver intempestividade do direito à dedução»; salienta ainda que já o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido no processo n.º 793/14, «proferido no âmbito de um recurso por oposição de acórdãos com semelhanças com o caso sub judice», «apreciou o recurso […], que considerou admissível, e ordenou a remessa dos autos ao CAAD para prolação de uma nova decisão», considerando, pois, «que estavam preenchidos os requisitos para ser admissível o recurso por oposição de acórdãos», pelo que concluiu que «mesmo no caso em que o CAAD não tome conhecimento das questões suscitadas no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral os Venerandos juízes do STA entendem (e bem, refira-se) que há lugar ao recurso por oposição de acórdãos» e, por isso, «aderindo à posição plasmada no processo n.º 0793/14, o Requerente entende que o n.º 2 do artigo 25.º do RJAT deve ser interpretado no sentido de que, mesmo num caso em que o CAAD decide declarar-se incompetente, há lugar a recurso por oposição de acórdãos para o STA».
A final formulou “Conclusões”, que ora se transcrevem na íntegra, mantendo a numeração original:
«40) O Tribunal Arbitral apreciou o mérito da pretensão, na medida em que concluiu (ainda que erradamente) que, no caso sub judice se verificou a intempestividade do direito à dedução.
41) Em todo o caso, ainda que o Tribunal Arbitral não tome conhecimento de questões suscitadas no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral, os Venerandos juízes do STA já entenderam que há lugar ao recurso por oposição de acórdãos.
42) Pelo exposto, verificam-se in casu todos os requisitos formais e substanciais exigíveis para a interposição do recurso da decisão arbitral, previsto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT.
43) Assim, tendo o Tribunal Arbitral analisado a questão de mérito e sendo materialmente competente para decidir e apreciar o pedido objecto do litígio, devera ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida com a prolação de decisão que, ao pronunciar-se sobre o mérito da causa, declare a ilegalidade dos actos de autoliquidação em apreço, com a consequente condenação da autoridade tributária a restituir ao Recorrente o valor do IVA suportado em excesso no total de € 52.056,45».
1.4 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, cumpre conhecer a questão da admissibilidade do presente recurso, suscitada oficiosamente nos termos acima referidos.
1.5 Dispensam-se os vistos dos Conselheiros adjuntos, por se tratar de questão já várias vezes tratada por este Supremo Tribunal.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DO RECURSO DA DECISÃO ARBITRAL PARA O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Diz o n.º 2 do art. 25.º do RJAT: «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo». Ou seja, só há recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo quando aquela decisão seja sobre o mérito da pretensão deduzida.
É o que resulta inequivocamente da letra da lei que, não sendo o único elemento a considerar na tarefa hermenêutica, é o que constitui o seu ponto de partida e «[c]omo tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182. O mesmo Autor, na pág. 189, explicita: «A letra (o enunciado linguístico) é, assim o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação».), como resulta do disposto no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
Aliás, o próprio RJAT, no artigo imediatamente anterior – o 24.º, que tem como epígrafe “Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação” – prevê a possibilidade da decisão arbitral pôr termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão (cfr. n.º 3) e estipula os efeitos dessa decisão, conforme o não conhecimento do mérito seja ou não imputável ao sujeito passivo (Sobre esses efeitos, vide CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2015, pág. 444.).
Cumpre aqui recordar que a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em sede de arbitragem tributária não estava sequer prevista na autorização legislativa constante da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e apenas foi introduzida no RJAT para os casos de contradição entre as decisões arbitrais e acórdãos proferidos por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo, na sequência do debate na Assembleia da República (Sobre a questão, desenvolvidamente, CARLA CASTELO TRINDADE, ob. cit., pág. 483. ).
Pode concordar-se ou não com a opção legislativa (Opção que se nos afigura particularmente polémica no que se refere às decisões, como a sub judice, em que o tribunal arbitral decide pela sua incompetência. Mas sempre se poderá argumentar que se trata de um risco inerente à opção pela jurisdição arbitral que, recorde-se, é sempre voluntária.), mas, a nosso ver, não há dúvida de que, como resulta do seu art. 25.º, n.º 2, do RJAT, só as decisões arbitrais que conheçam de mérito são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (Neste sentido, também JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág. 227. ). É neste sentido que tem vindo a pronunciar-se este Supremo Tribunal nas diversas vezes que tem sido confrontado com a questão (Vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 180/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8f5455db06aad09180257f17004d5164;
- de 20 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 726/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3ea5bfcf33ebc94f80257f4e004b963e;
- de 16 de Março de 2016, proferido no processo n.º 275/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8d253facda5da0b880257f8b003d6842.).
2.2 AS OBJECÇÕES DO RECORRENTE
2.2.1 Começa o Recorrente por considerar que a decisão arbitral apreciou e decidiu o mérito da pretensão, na medida em que, aderindo à posição da AT, concluiu pela intempestividade do direito à dedução do IVA que o ora Recorrente alegou ter suportado em excesso.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar. A decisão arbitral recorrida é bem explícita: nela se julgou que o CAAD é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido que lhe foi formulado e, por isso, a AT foi absolvida de instância; mais decidiu, como consequência desse julgamento e de modo expresso, que ficava prejudicado o conhecimento da questão de mérito suscitada.
Na verdade, a absolvição da instância implica necessariamente o não conhecimento do mérito da acção: é esse precisamente o seu alcance. E foi isso que foi decidido na parte dispositiva da decisão arbitral, que é do seguinte teor: «Ponderando a fundamentação exposta, este Tribunal decide: a) Julgar procedente e excepção de incompetência material deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, absolver a Requerida da instância; b) Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais excepções e da questão de mérito invocadas. […]».
Ou seja, é inequívoco que a decisão do CAAD não conheceu do mérito. Salvo o devido respeito, não faz sentido pretender agora, de modo a abrir a via do recurso, que a decisão recorrida é de mérito, quando é manifesto que a mesma é uma decisão meramente de forma.
Não cumpre sequer a este Supremo Tribunal Administrativo, em ordem a verificar da admissibilidade do recurso, sindicar o julgamento do CAAD. Na verdade, ainda que eventualmente a decisão que declarou o CAAD incompetente em razão da matéria não fosse correcta, a mesma não é susceptível de ser apreciada quando está em causa apenas aferir da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT.
2.2.2 Sustenta ainda o Recorrente que este Supremo Tribunal Administrativo, em situação idêntica, tratada no acórdão proferido no processo n.º 793/14 (Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 3 de Junho de 2015, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1ac7262259ee80ae80257e67003a5e89.), conheceu do recurso.
Salvo o devido respeito, a situação a que se refere aquele aresto não logra paralelismo com a ora sub judice para os efeitos pretendidos (de admissibilidade do recurso): é que aí a decisão arbitral recorrida – a decisão do CAAD de 12 de Abril de 2014, proferida no processo n.º 210/13-T (Decisão que pode ser consultada em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=210%2F2013-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=350.) – julgou, expressamente, improcedente a invocada excepção da incompetência do tribunal, enquanto na decisão arbitral ora recorrida essa excepção foi julgada procedente. O que significa que, enquanto naquela se passou a conhecer do mérito da causa (para «Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral», como consta da mesma), nesta o tribunal arbitral se absteve de conhecer do mérito.
2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT, só as decisões arbitrais que conheçam de mérito são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - Tal opção legislativa, de limitar a possibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo às decisões que conheçam do mérito da pretensão deduzida, resulta inequívoca da letra da lei (que constitui o princípio e o limite da tarefa hermenêutica, nos termos do art. 9.º, n.º 2, do CC).
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3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o presente recurso.
Custas pelo Recorrente.
Comunique-se ao CAAD.
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Lisboa, 20 de Abril de 2016. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula Fonseca Lobo - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Maria da Fonseca Carvalho – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes.