Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0715/16
Data do Acordão:11/16/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
NULIDADE
TÍTULO EXECUTIVO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:I - É de admitir o recurso por oposição de acórdãos quando nestes se tenha decidido, expressamente e em sentido divergente, a mesma questão de direito no âmbito da mesma regulamentação jurídica.
II - A falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do mesmo Código.
Nº Convencional:JSTA00069917
Nº do Documento:SAP201611160715
Data de Entrada:06/07/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCAS DE 2015/12/16.
AC STAPLENO PROC0632/08 DE 2009/05/06
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL / OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB ART151 ART165 ART204 I ART276 ART284.
ETAF ART27.
CPTA ART152.
LGT ART21 ART24 ART97.
CPC ART2.
CONST ART268 N4.
CCIV66 ART8 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC026769 DE 2003/02/19.; AC STAPLENO PROC01234/03 DE 2003/10/29.; AC STAPLENO PROC0360/03 DE 2003/06/24.; AC STAPLENO PROC0574/04 DE 2005/02/23.; AC STAPLENO PROC0430/08 DE 2008/11/19.; AC STAPLENO PROC0364/08 DE 2008/12/17.; AC STAPLENO PROC0705/10 DE 2011/06/15.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG144-146 PAG454-455 VOLIV PAG482.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos

1. RELATÓRIO
1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos (a fls. 175 a 182) em 16 de Dezembro de 2015 pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão proferido no processo n.º 7804/14 do Tribunal Central Administrativo Sul e disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/9011163877d6964c80257f3100462b86.), invocando oposição com o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 632/08 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Setembro de 2009
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32420.pdf), págs. 105 a 109, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d3a50cb2f056cb64802575bc00524098.).
1.2 Admitido o recurso, o Desembargador a quem os autos se encontravam distribuídos no Tribunal Central Administrativo Sul, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, entendeu verificada a oposição de acórdãos e ordenou a notificação das partes para alegarem nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.
1.3 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):
«a) Tendo, o acórdão recorrido (de 2015DEZ16, proferido no processo n.º 07804/14) e o acórdão fundamento (de 2009JUN05, proferido pelo STA no processo n.º 0632/08), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento, porquanto,
b) Se verifica a identidade de situações de facto nos seus contornos essenciais, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento), está em causa a apreciação em sede de processo de oposição, da nulidade do título executivo, quando não possa ser suprida por prova documental.
c) Do mesmo modo, verifica-se também a identidade da questão de direito uma vez que, em ambos os acórdãos, foi, em concreto, decidida a mesma questão de direito e analisadas as mesmas disposições legais [artigos 204.º, n.º 1 al. i) e 165.º, n.º 1 al. b) do CPPT].
d) No acórdão recorrido foi entendido que Como se refere no Acórdãos do TCAS, de 24.06.2003, P. 00360/03, «[n]ada obsta à apreciação, em processo de oposição da nulidade do título executivo, desde que se trate de nulidade insanável, tendo em conta não só a oficiosidade do seu conhecimento por força do disposto no art. 165.º n.º 4 do CPPT mas, sobretudo, o facto de esse tipo de nulidade determinar a inexequibilidade da título (por carência de força executiva) com a consequente extinção da execução que nele se apoia, o que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do art. 204.º do CPPT».
e) Sendo que, para o acórdão fundamento, “o artigo 165.º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”. E estabelece o respectivo regime, e efeitos: a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto anulado dependam absolutamente, sendo (a nulidade) de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão. A lei elegeu, pois, tipicamente o respectivo regime legal: trata-se de uma nulidade. E, como tal estabelece-se igualmente o seu regime de arguição. Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: a extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título
f) Concluindo: “Nada, pois, parece justificar a apontada dualidade – em termos de nulidade processual da execução fiscal e de fundamento de oposição à mesma –, aliás proibida nos termos do referido artigo 2.º do Código de Processo Civil. Conclui-se, assim, que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i)”.
g) Acrescentando ainda: “No sentido exposto, e por mais recentes, cfr. os acórdãos do Pleno do STA de 23 de Fevereiro de 2005 – recurso n.º 0574/04, tirado por unanimidade e da Secção de 23 de Outubro de 2007 – recurso n.º 026762, de 14 de Março de 2007 – recurso n.º 0950/06, de 28 de Fevereiro de 2007 – recurso n.º 01178/06 e de 20 de Novembro de 2002 – recurso n.º 01701/02, expressando forte corrente jurisprudencial no sentido ora proposto”.
h) Face ao exposto, resulta evidente a identidade de situações de facto, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à mesma questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a oposição de acórdãos aqui invocada.
i) Assim, sendo certo que o acórdão recorrido perfilha – perante igual entendimento fáctico e jurídico – entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento [sufragado no acórdão recorrido] não pode prevalecer.
j) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo TCA Sul no processo n.º 07804/14.
k) Desta forma, deve ser proferido Acórdão que decido a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.
Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido acórdão que decida no sentido preconizado no acordão fundamento, […]».
1.4 O Recorrido não contra-alegou.
1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que «[o] acórdão impugnado deve ser revogado e substituído por acórdão que ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para a apreciação dos fundamentos do recurso, prejudicada pela solução da questão da nulidade do título». Para tanto, após referir o quadro normativo e doutrinário do recurso por oposição de acórdãos, deixou dito o seguinte:
«[…] Apreciação do caso concreto
Verifica-se oposição relevante entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento pelos motivos invocados nas alegações de 1.º grau apresentadas pela recorrente (fls. 199/204), corroborados no despacho do juiz relator proferido em 16.03.2016 (fls. 209/210)
2.Conflito de jurisprudência
A doutrina do acórdão fundamento está expressa no respectivo sumário:
A falta de requisitos do título executivo que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. 165.º n.º 1 al. b) do CPPT – não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do n.º 1 do seu art. 204.º.
O conflito de jurisprudência deve ser resolvido no sentido da adesão à doutrina do acórdão fundamento, cuja fundamentação se pode decompor, sinteticamente, nas seguintes premissas argumentativas:
- a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo (art. 2.º n.º 2 CPC ); no domínio do contencioso tributário o princípio exprime-se com a seguinte formulação: a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo (art. 97.º n.º 2 LGT):
- estas soluções normativas apontam no sentido da unidade e não da pluralidade dos meios de reacção processual;
- constituindo a falta de requisitos do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, nulidade insanável do processo de execução fiscal sujeita a específico regime de arguição, resulta claro que foi propósito do legislador desconsiderá-la como fundamento de oposição à execução, ainda que seja idêntica a consequência jurídica: extinção da execução, resultante de nulidade do próprio título executivo;
- a opção pela nulidade confere tutela jurídica mais consistente aos interessados, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final e não apenas no prazo de 30 dias a contar da citação (art. 165.º n.ºs 1 al. b) e 4 CPPT versus art. 203.º n.º 1 al. b) CPPT)
Sem prejuízo do mérito intrínseco da sua fundamentação a doutrina do acórdão fundamento, alinhando com jurisprudência consolidada destilada nos acórdãos STA Pleno SCT 23.02.2005 processo n.º 574/04, 19.11.2008 processo n.º 430/08 e 17.12.2008 processo n.º 364/08, deve ser acolhida, por aplicação do princípio da interpretação e aplicação uniformes do direito em casos que mereçam tratamento análogo (art. 8.º n.º 3 C. Civil)».
1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.7 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, e porque a decisão de admissão do recurso proferida pelo Desembargador a quem o processo foi distribuído no Tribunal Central Administrativo Sul não faz caso julgado a esse propósito [cfr. art. 641.º, n.º 5 («A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º».) do Código de Processo Civil (CPC)], há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos. Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 No acórdão recorrido, o Tribunal Central Administrativo Sul considerou a seguinte matéria de facto, que é, não só a que vinha provada pela sentença recorrida nos respectivos autos, com mas também a que por ele foi aditada:
«A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A) Em 26-01-2005 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras - 1 contra “B………….., Lda.”, o processo de execução fiscal n.º 1589200501001159 e apensos, para cobrança de dívidas de coima e IVA de 2002, 2003 e 2004, no montante total de € 3.957,30 (cfr. fls. 19 a 24, 31 e 32 dos autos e PEF apenso).
B) Em 13-04-2009 foi proferido despacho de reversão da execução contra o ora oponente, no qual se lê, o seguinte (cfr. despacho a fls. 31 dos autos): “(...) Fundamentos da reversão:
Inexistência de bens penhoráveis da devedora executada. Art. 23.º n.º 2 e art. 24.º n.º 1 b) LGT”
C) Em 21-04-2009 foi assinado por terceiro o A/R que acompanhou o ofício destinado à citação (por reversão) do ora oponente para a execução (cfr. fls. 32 e 32 v.º dos autos).
D) A “B………….., Lda.”, iniciou a sua actividade em 01-10-2001 e cessou a mesma em sede de IVA em 31-03-2003 (cfr. 19, 20, 28, 37, 38 dos autos e fls. 14 do PEF apenso).
E) Em 31-10-2001 aquando do registo de constituição da “B………….., Lda.”, foi nomeado gerente o ora oponente (cfr. cópia de certidão a fls. 14 16 dos autos).
F) Em 01-10-2001, foi entregue nos serviços da AT uma declaração de início de actividade da qual consta a assinatura do oponente (cf. fls. 37 e 38 dos autos).
G) A [petição inicial] da presente oposição deu entrada (via fax) no Serviço de Finanças de Torres Vedras em 21-05-2009 (cfr. fls. 5 dos autos).
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se:
«Com interesse para a decisão apenas se provaram os factos enunciados no probatório supra. // A convicção do tribunal resultou do exame dos documentos e das informações oficiais constantes dos autos».
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
H) A sociedade referida em A), foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Torres Vedras, em 31.10.2001, sendo o registo provisório por dúvidas – fls. 14/16.
I) Em 28.11.2003, foi declarada a caducidade da inscrição referida na alínea anterior – Ibidem».
2.1.2 O acórdão fundamento considerou a seguinte factualidade, que foi a considerada assente no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul aí recorrido:
«O Tribunal Central Administrativo Sul fixou a seguinte matéria de facto:
1- Em 23/03/2004 foi emitida pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a certidão de dívida em nome de C………… referente a quotizações dos meses de Abril de 2002 a Fevereiro de 2003 no montante total de € 13.922,28 como consta da certidão de dívida de fls. 17 dos presentes autos.
2- Na referida certidão consta que o contribuinte é devedor dos montantes ali especificados (pelos períodos a que se referem, indicando-se o valor referente a cada período, a data e termos em que deveriam ser entregues por montantes mensais) e consta, ainda, que a dívida é proveniente de «quotizações» que deveriam ter sido pagas até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitam, (art. 18º do DL 140 -D/86, de 14/7), pelo que se venceram juros de mora nos termos dos diplomas ali mencionados, e que a certidão foi mandada passar com base nas folhas de remunerações dos meses nela indicados (cfr. cópia da certidão a fls. 17 e o documento de fls. 19 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
3- Em 22/04/2004 e com base na certidão referida nos pontos anteriores foi autuado no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - Secção de Processos de Setúbal, o processo de execução fiscal n.º 1501200401003666 como consta de fls. 16.
4- O ora oponente foi citado em 31/05/2004 como consta da informação prestada a fls. 21 e dos documentos de fls. 18/19.
5- A petição de oposição foi apresentada por via electrónica em 28/05/2004 (cfr. fls. 3/9 dos presentes autos).
6- A acção declarativa de recuperação de empresa com processo especial, intentada por C………… junto do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi objecto de decisão no sentido dos autos não poderem prosseguir como processo de recuperação nem como processo de falência, determinando aquele tribunal o arquivamento dos autos, tendo sido dela interposto recurso para a Relação de Lisboa, de cujo acórdão confirmatório foi, por sua vez interposto recurso para o STJ, não tendo transitado em julgado em 20/11/2006 – cfr. doc. de fls. 85/90 e cópia certificada de fls. 179)».
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2.2 DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que considera ter sido decidida em sentido divergente nos acórdãos em confronto e que é a de saber se a nulidade insanável do título executivo, quando não possa ser suprida por prova documental, pode, ou não, ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal, como fundamento subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Enquanto o acórdão recorrido conheceu oficiosamente de uma suposta nulidade insuprível do título executivo em sede de recurso de uma sentença proferida em processo de oposição à execução fiscal, o acórdão fundamento (proferido em sede de recurso por oposição de acórdãos) deixou expressamente consagrado que «[a] falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. 165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do seu art. 204º».
A Recorrente alega que a mesma questão – a da possibilidade da nulidade por falta de requisitos do título executivo, quando esse falta seja insusceptível de ser sanada por prova documental, ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal – foi decidida em sentido divergente por aqueles acórdãos.
Apesar de o Desembargador a quem o processo estava distribuído no Tribunal Central Administrativo Sul ter proferido, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT, despacho em que admite a existência da alegada oposição de acórdãos (No sentido de que o relator a que alude o n.º 5 do art. 284.º do CPPT é o do tribunal recorrido vide, por todos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo o segundo do Pleno da Secção:
- de 19 de Fevereiro de 2003, proferido no processo n.º 26.769, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32210.pdf), págs. 376 a 380, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6e16c69322ac2f6e80256cde0037eb95?OpenDocument;
- de 29 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 1234/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Julho de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32400.pdf), págs. 346 a 349, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b0b6ac6dfb8ee12e80256de9004cc7ae?OpenDocument.), importa verificar se a mesma ocorre (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 15 c) ao art. 284.º, pág. 482.), pois essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o tribunal ad quem de a reapreciar, como deixámos já dito, em conformidade com o disposto no art. 641.º, n.º 5, do CPC.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.
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2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
2.2.2.1 O presente processo iniciou-se em 2009, pelo que é aplicável o regime legal resultante do art. 284.º do CPPT e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, diploma que aprovou o novo ETAF, e do art. 4.º, n.º 2 da Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos arts. 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
2.2.2.2 Indaguemos, prioritariamente, da verificação dos requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
2.2.2.2.1 O acórdão recorrido, começou por anular a sentença, que tinha julgado procedente a oposição à execução fiscal que reverteu contra o Oponente com base em responsabilidade subsidiária, com fundamento em ilegitimidade por falta de demonstração do exercício da gerência de facto da sociedade originária devedora, por ter considerado que a sentença incorrera em excesso de pronúncia, tal como invocado pela Recorrente Fazenda Pública. Isto porque a falta de gerência de facto não fora suscitada pelo Oponente, que apenas invocara como fundamento do pedido de extinção da execução a falta de culpa prevista no art. 24.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária (LGT).
Depois, considerando que a sentença «deve ser substituída por decisão que conheça dos fundamentos invocados na oposição ou que conheça dos fundamentos que sejam do conhecimento oficioso» e louvando-se num acórdão de 2003 do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul (O acórdão de 24 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 360/03, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/8a76d64032e1d43180256d5700382b29.), deixou escrito o seguinte: «[n]ada obsta à apreciação, em processo de oposição, da nulidade do título executivo, desde que se trate de nulidade insanável, tendo em conta não só a oficiosidade do seu conhecimento por força do disposto no art. 165.º n.º 4 do CPPT mas, sobretudo, o facto de esse tipo de nulidade determinar a inexequibilidade do título (por carência de força executiva) com a consequente extinção da execução que nele se apoia, o que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do art. 204º do CPPT».
Em seguida, considerando, em síntese, que a responsabilidade dos sócios e gerentes das sociedades irregulares é solidária com a da própria sociedade, atento o disposto no art. 21.º, n.º 2, da LGT («No caso de liquidação de sociedades de responsabilidade ilimitada ou de outras entidades sujeitas ao mesmo regime de responsabilidade, os sócios ou membros são solidariamente responsáveis, com aquelas e entre si, pelos impostos em dívida».), motivo por que da certidão de dívida a emitir devem constar todos como devedores, entendeu que, como ficou dito num acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul (O acórdão de 8 de Março de 2005, proferido no processo n.º 428/05, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/af432ea15e79befb80256fbf0060c06f.), «[s]e a AT extraiu a certidão de dívida exclusivamente em nome daquela [sociedade], não pode o chefe do serviço de finanças em que corre a execução “reverter” a execução contra aqueles que considera serem os responsáveis solidários pela dívida, pois a reversão só é possível nos casos previstos na lei, que são os dos arts. 157.º a 161.º do CPPT e do art. 23.º da LGT, entre os quais não se conta a efectivação da responsabilidade solidária».
E prosseguiu, extraindo a conclusão de que o facto de o órgão da execução fiscal ter revertido a execução fiscal contra o aí oponente constitui nulidade do título executivo, por falta de requisitos, não suprível por prova documental, afirmando:
«Trata-se de nulidade do título que não é suprível por prova documental, porquanto do erro quanto ao modo de efectivação da responsabilidade tributária do sócio da sociedade irregular decorre, não apenas a necessidade de repetição do acto de citação, mas também do próprio acto de instauração da execução, tendo em conta que os responsáveis directos pelas dívidas fiscais da sociedade irregular são, não apenas esta última, como também os sócios e os gerentes da mesma. Donde se infere que a falta de requisitos do título executivo, em particular dos responsáveis directos pela dívida exequenda, constitui nulidade insanável do título, a qual, não podendo ser suprida por prova documental, constitui fundamento da oposição à execução fiscal (artigo 204.º/1/i), do CPPT)».
Ou seja, o Tribunal Central Administrativo Sul – bem ou mal, ora não importa sindicar (A latere, diremos que se nos afigura que a situação, tal como a configura o acórdão recorrido, não é de nulidade do título executivo por falta de requisitos, mas de indevida reversão da execução fiscal contra o Oponente. Na verdade, o que o Tribunal Central Administrativo Sul considerou é que não podia o órgão da execução fiscal ter revertido a execução fiscal contra o aí Recorrido, sendo que o único modo como se poderia concretizar a sua responsabilidade enquanto devedor solidário era o mesmo constar do título executivo como devedor solidário. Mas, salvo o devido respeito, quando a execução seja instaurada contra alguém que não consta do título executivo como devedor ou prossiga mediante reversão contra alguém que não pode ser chamado à execução fiscal, o que se verifica é a ilegitimidade substantiva do executado, o que constitui fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. Em todo o caso, também se deverá ter em conta que não é inequívoco que a reversão não possa ser utilizada para chamar à execução responsáveis solidários. Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 14 ao art. 204.º, págs. 454/455.) – considerou que se verifica a nulidade insanável do título executivo, que não pode ser suprida por prova documental, o que constitui o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
2.2.2.2.2 Por seu turno, o acórdão fundamento, proferido em sede de recurso de oposição de julgados, depois de ter considerado verificada a oposição, que considerou respeitar à questão de «saber se a nulidade do título executivo, por falta dos requisitos essenciais e quando não puder ser suprida por prova documental, constitui fundamento legal admissível de oposição à execução fiscal», pronunciando-se sobre o mérito do recurso, e após tecer diversos considerandos sobre a questão deixou escrito, em conclusão: «a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i)».
2.2.2.2.3 É inequívoca a verificação de oposição, pois ambos os acórdãos em confronto se pronunciaram em sentido divergente sobre a mesma questão de direito, qual seja a de saber se a nulidade insanável do processo de execução por falta de requisitos essenciais do título executivo, insusceptível de ser suprida por prova documental, constitui ou não fundamento de oposição, pronúncias essas expressas e no âmbito da mesma regulamentação jurídica.
Cumpre, pois, passar a apreciar o mérito do recurso.
2.2.2.3 DO MÉRITO DO RECURSO
A questão não é isenta de dificuldades, havendo bons argumentos num e noutro sentido e tendo havido uma longa controvérsia jurisprudencial a esse respeito, em ordem à resolução da qual foi prolatado, não só o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo aqui invocado como fundamento, como outros, antes e depois dele (Vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Fevereiro de 2005, proferido no processo n.º 574/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 10 de Novembro de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2005/32410.pdf), págs. 36 a 38, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/811cd756e9527e4b80256fbe0040a38e;
- de 19 de Novembro de 2008, proferido no processo n.º 430/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27 de Janeiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32440.pdf), págs. 141 a 145, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d13a3595a6c545e28025751b003a2873;
- de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 364/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27 de Janeiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32440.pdf), págs. 167 a 171, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d31aa8283a494f0080257538005173d9;
- de 15 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 705/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Novembro de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32420.pdf), págs. 76 a 80, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/869f9ddae7c232d8802578b5003a6281.), que o acórdão recorrido não ponderou, antes se louvando num acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 2003, ou seja, anterior a essa jurisprudência. Recordamos aqui a argumentação expendida no acórdão do Pleno de 19 de Novembro de 2008, proferido no processo n.º 430/08 (Publicado nos locais indicados na nota supra.) que, referindo-se à questão de saber se a nulidade do título executivo, por falta dos seus requisitos essenciais, e quando não puder ser suprida por prova documental, é, ou não, fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, deixou dito o seguinte:
«[…] há que reconhecer que tal fundamento cabe na literalidade da referida norma pois que patentemente não envolve a apreciação da legalidade da liquidação – desde logo, é-lhe posterior – nem interfere em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título.
Por outro lado, tal nulidade conduz à extinção da execução pelo que, sendo esta o fim primacial da oposição, não haverá, por aí, obstáculo à predita resposta afirmativa.
Cfr. JORGE DE SOUSA, CPPT anotado, 2.º volume, nota 16 ao artigo 165.º.
Todavia, outros parâmetros há a considerar.
Dispõe o artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “a todo o direito (…) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”.
E, em termos semelhantes, preceitua o artigo 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”. Assim, a cada direito corresponde uma só acção: unidade, que não pluralidade.
Cfr. o acórdão do STJ, de 28 de Janeiro de 2003, in Colectânea, 166, p. 61.
Ora, o artigo 165.º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.
E estabelece o respectivo regime, e efeitos: a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto anulado dependam absolutamente, sendo (a nulidade) de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão.
A lei elegeu, pois, tipicamente, o respectivo regime legal: trata-se de uma nulidade.
E, como tal, estabelece-se igualmente o seu regime de arguição.
Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: a extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título.
Por outro lado, a tutela jurídica concedida à nulidade é, até, mais consistente do que a resultante da oposição, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, que não apenas no prazo de 30 dias contados da citação – cfr. artigo 203.º, n.º 1, do CPPT.
Aliás, a entender-se dever ser conhecida pelo Chefe do Serviço de Finanças (ou, porventura, pelo juiz – cfr. o artigo 151.º, n.º 1, do CPPT), sempre o respectivo processo seria urgente – artigo 278.º, n.º 5 – o que é mais consentâneo com a celeridade querida para o processo de execução fiscal, atenta essencialmente a sua finalidade de cobrança de impostos que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento – artigo 5.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Nada, pois, parece justificar a apontada dualidade – em termos de nulidade processual da execução fiscal e de fundamento de oposição à mesma –, aliás proibida nos termos do referido artigo 2.º do Código de Processo Civil. Conclui-se, assim, que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i)».
É certo que a solução adoptada por esta jurisprudência tem merecido críticas (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144 a 146.). Essencialmente, motivadas pelo facto de a nulidade insanável por falta de requisitos do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, determinar a extinção da execução fiscal (finalidade típica da oposição à execução fiscal), implicar a inexequibilidade do título executivo (fundamento típico da oposição à execução) e caber na previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 214.º do CPPT, pois é a provar por documento, não contende com a legalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda e não representa matéria da exclusiva competência do órgão da entidade que emitiu o título; mas também alicerçadas nos princípios da economia processual e do anti-formalismo.
Reconhecemos a pertinência da algumas das objecções à tese que fez vencimento na jurisprudência, maxime a do prejuízo para a economia processual e a do excessivo formalismo. Mas, salvo o devido respeito, fica por rebater aquele que será o argumento mais convincente da tese adoptada pelos referidos sucessivos acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e em muitos outros acórdãos da mesma Secção, qual seja o de que a lei para cada pretensão susceptível de ser deduzida em juízo faz corresponder um e um único meio processual adequado.
Por outro lado, como bem salienta JORGE LOPES DE SOUSA, é «aconselhável o acatamento desta última jurisprudência uniforme mais recente para evitar mais tergiversações jurisprudenciais sobre esta matéria, por a estabilidade jurisprudencial e a confiança que ela gera nos cidadãos serem valores a prosseguir pelos tribunais que, quando não estão em causa reflexos substantivos, se devem sobrepor à adequação dos meios processuais» (Ibidem.). Neste sentido, com invocação expressa do n.º 3 do art. 8.º do Código Civil – segundo o qual se deve procurar «obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito» – também se pronuncia o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
Acresce que a tese que ora subscrevemos não constitui restrição alguma do direito de acesso dos executados ao tribunal para garantia da defesa dos seus direitos e interesses legítimos ou controlo dos órgãos da Administração (designadamente do órgão da execução fiscal), em eventual violação do disposto no n.º 4 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, esse direito não fica prejudicado pelo facto de a lei ordinária impor ao executado uma determinada forma processual, com exclusão de outras. Tal só sucederia se, proibida a aplicação de determinada forma processual – no caso a oposição à execução fiscal – lhe ficasse vedado o acesso a qualquer outra.
Não é o caso, pois o executado que entenda que o título executivo enferma de nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo, não susceptível de ser suprida por prova documental, poderá argui-la até ao trânsito em julgado da decisão final (n.º 4 do art. 165.º do CPPT) junto do órgão da execução fiscal, com reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.º do CPPT).
Não pode, pois, manter-se a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, na parte em que entendeu conhecer da nulidade do título executivo como fundamento de oposição à execução fiscal.
Perante a revogação do acórdão recorrido nessa parte, resta-nos ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, a fim de que aí, tendo-se em conta o ora decidido, seja proferido novo acórdão.
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2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - É de admitir o recurso por oposição de acórdãos quando nestes se tenha decidido, expressamente e em sentido divergente, a mesma questão de direito no âmbito da mesma regulamentação jurídica.
II - A falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do mesmo Código.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em Pleno, em julgar verificada a oposição e, dela conhecendo, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, a fim de aí prosseguirem os autos com respeito pelo ora decidido.
Sem custas, uma vez que o Recorrido não contra alegou.
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Lisboa, 16 de Novembro de 2016. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Pedro Manuel Dias Delgado – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Maria da Fonseca Carvalho – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes.