Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:074/11.9BELRS
Data do Acordão:05/29/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INEXIGIBILIDADE
TAXA
NOTIFICAÇÃO
RENOVAÇÃO DE LICENÇA
NULIDADE DE SENTENÇA
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - Ainda que a 1.ª instância tenha, indevidamente, tratado a nulidade processual invocada nas alegações de recurso como uma nulidade da sentença, diligenciado pela sua sanação e decidido no sentido de que a mesma estava reparada, se as partes e o representante do Ministério Público, devidamente notificados, não reagiram contra essa decisão, a mesma transitou em julgado.
II - No caso da dívida exequenda ter origem na taxa devida pela renovação automática de uma licença de publicidade – sem que haja notícia de qualquer alteração nos respectivos pressupostos – a exigibilidade da dívida não depende de notificação alguma ao sujeito passivo.
III - A comunicação a que alude o n.º 4 do art. 38.º do CPPT não configura uma notificação tal como a prevê o art. 36.º do CPPT, mas um mero aviso, motivo por que a sua falta (e a prova do seu envio será, se não impossível, muito difícil) não acarreta a inexigibilidade da dívida.
Nº Convencional:JSTA000P24600
Nº do Documento:SA220190529074/11
Data de Entrada:04/09/2019
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA
Recorrido 1:A..........- ..............,SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º Processo n.º 74/11.9BELRS.

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente, discordando da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pela sociedade acima identificada como Recorrida, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações e respectivas conclusões, nos termos de fls. 191 a 215.
Começou por arguir a nulidade processual por falta de notificação para as alegações previstas no art. 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que tem como consequência a anulação dos termos processuais ulteriores a essa omissão, nos termos do disposto no art. 195.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Depois, invocou que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, na medida em que julgou verificada a inexigibilidade da dívida exequenda por falta de notificação da liquidação que deu origem à dívida exequenda. Em síntese, sustenta que, estando em causa a renovação de taxa de publicidade, a notificação foi efectuada, nos termos do n.º 4 do art. 38.º do CPPT, por simples via postal, não sendo exigível, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, a notificação por carta registada. Assim, tendo o Tribunal a quo dado como assente que a carta foi enviada, deve ter-se por cumprida a exigência legal de notificação, recaindo sobre a Oponente o ónus de demonstrar a não recepção da correspondência e, em caso de tal não recepção ser devida à alteração do seu domicílio fiscal, que esta alteração foi oportunamente comunicada à AT, sob pena de não lhe ser oponível, tudo nos termos do disposto no art. 43.º, n.ºs 1 a 3, do CPPT e do art. 19.º da Lei Geral Tributária (LGT).

1.3. A Recorrida contra-alegou, nos termos de fls. 157 a 174.
Começou por afirmar que não se verifica a nulidade processual invocada pela Recorrente.
Quanto ao erro de julgamento invocado pela Recorrente, a Recorrida sustenta que o mesmo se não verifica. Em síntese, considera que bem decidiu a sentença recorrida ao considerar que não ficou demonstrada a notificação da liquidação da taxa que deu origem à dívida exequenda em momento anterior ao da citação no processo de execução fiscal e que a falta de comprovação desse facto tem de ser valorada contra a Exequente. Ademais, que oportunamente fez registar a mudança da sua sede na Conservatória do Registo Comercial, em obediência ao disposto no art. 3.º, n.º 1, alínea o), do Código do Registo Comercial, registo esse que deve ser oficiosamente comunicado à AT, por força do disposto no art. 11.º-A, do Decreto-Lei n.º 128/98, de 13 de Maio, que aprovou o regime do Registo Nacional das Pessoas Colectivas, motivo por que se deve considerar improcedente a alegação da Recorrente, de que não lhe pode ser oposta a não recepção da carta enviada para notificação por falta de oportuna comunicação do novo domicílio fiscal.

1.4 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, em face da arguição da nulidade processual por incumprimento do disposto no art. 120.º do CPPT, proferiu despacho do seguinte teor:

«Invoca a recorrente a nulidade da sentença por não terem as partes sido notificadas para alegações.
Atendendo a que vem sendo jurisprudência que (Ver Ac do STA de 17-05-2017)
I- No processo de oposição à execução fiscal, tendo havido junção ao processo de informação e documentos (documentos juntos e informação prestada pelo órgão da execução fiscal e cópia certificada do processo de execução fiscal junta pelo tribunal) que relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se a notificação das partes para alegarem sobre esta matéria ao abrigo do disposto no art. 120.º do CPPT, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 211.º do mesmo Código. II- Omitida essa notificação, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, determinante de anulação dos pertinentes termos do processo (art. 195.º do CPC e art. 98.º, n.º 3, do CPPT), inclusive a sentença.
E, uma vez que tal nulidade è passível de reparação, impõem que se:
Notifique para alegarem, querendo, no prazo de 10 dias.».

1.5 Feita a notificação ordenada, a Recorrente e a Recorrida apresentaram as alegações previstas no art. 120.º do CPPT.

1.6 De seguida, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, proferiu despacho do seguinte teor: «Reparada que foi a nulidade invocada.// Passa a constar da sentença proferida: “Foram as partes notificadas para alegar, vindo as partes exercer esse direito, mantendo a posição assumida nos respectivos articulados, que aqui se dá por reproduzido”.// Notifique.// Oportunamente subam os autos para apreciação do recurso interposto».
Desse despacho foram notificados a Recorrente, a Recorrida e o Representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de Lisboa.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:

«[…] Análise do Recurso.
O Recorrente suscita a apreciação de duas questões: (i) A primeira consiste em saber se se verifica a nulidade processual por falta de notificação para alegações; (ii) A segunda consiste em saber se se verifica a falta de notificação das liquidações que deram origem à dívida exequenda e à consequente inexigibilidade da dívida.
1. No que respeita à falta de notificação para apresentação de alegações, nos termos do artigo 120.º do CPPT, não oferece dúvidas que tal notificação não ocorreu. Já depois de proferida a sentença e apresentação do recurso a Mma. Juíza [do Tribunal] “a quo” constatando essa falta determinou que se procedesse a essa formalidade legal, tendo as partes apresentado alegações. Todavia e segundo percebemos, a Mma. Juíza não retirou quaisquer consequências da preterição dessa formalidade, designadamente a anulação dos actos posteriores ao momento em que devia ter sido cumprida essa formalidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tendo de seguida determinado a subida do recurso.
Ora, afigura-se-nos que a referida tramitação e cumprimento de tal formalidade só releva se os actos posteriores forem anulados e novamente praticados, pois doutro modo a produção de alegações escritas pelas partes não assumiria qualquer sentido, já que as mesmas se destinam a influenciar e delimitar os termos da decisão judicial.
Assim sendo, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, e em contrário do aparente entendimento vertido no despacho da Mma. Juíza [do Tribunal] “a quo”, datado de 04/12/2018 (fls. 217), que a reparação de tal nulidade processual não só impõe o cumprimento da referida formalidade, como a anulação dos actos posteriores ao momento em que devia ter sido cumprida, motivo pelo qual se impõe a abertura de nova “Vista” ao Ministério Público para parecer e à prolação de nova sentença. Doutro modo ficaria esvaziado e sem qualquer sentido o cumprimento de tal formalidade, pois as alegações não são dirigidas ao tribunal de recurso, mas sim ao tribunal “a quo”.
Entendemos, assim, que se impõe a anulação dos actos processuais posteriores à omissão da notificação para alegações escritas e à prática de novos actos, devendo os autos baixar à 1.ª instância para esse efeito».

1.8 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) À A……… - ……………………, SA (ora oponente) foi instaurada a execução fiscal n.º 1106201001208297, para cobrança coerciva das taxas de licenciamentos publicitários, relativas ao ano de 2010, no montante de € 120.930,32, acrescido de juros de mora e custas (PEF apenso);

B) De acordo com a INF/254/DMF/DOC/DR/11, do Departamento de Contabilidade, Divisão de Receitas a notificação das taxas de licenciamento publicitário foi enviada por intermédio da Relação Valorizada n.º 700000055531, endereçada para a morada: ……………………………., ………..(doc n.º 1 da contestação);

C) A correspondência referida no ponto anterior foi enviada, por simples via postal (aceite por confissão);

D) Em Maio de 2009 a oponente registou a mudança da sua sede na Conservatória do Registo Comercial, fazendo constar como sendo a sua sede a …………, ………, n.º……., ……,……..;

E) Em 1 de Outubro de 2010 deu entrada a presente oposição».

2.2.2 Com interesse para a decisão a proferir, cumpre ainda ter presente o que ficou dito na parte final da fundamentação da sentença, que ora reproduzimos:

«Resulta do probatório que a liquidação terá sido remetida para a oponente para a morada sita na…………., ….., em……….., não havendo sido feita prova de registo.
Essa alegação apenas decorre do que consta na Informação (ponto B) do probatório) de que a notificação foi enviada, mas não foi provado o registo de envio e, desde logo o Município não logrou comprovar, nos autos ter remetido a notificação da liquidação das taxas para aquela morada.
E, por via disso não podemos dar como provado sequer o envio da notificação ainda que para a morada sita………….., …., em………., que a oponente invoca não ser a sua sede, por ter mudado de sede e cujo registo na Conservatória do Registo Comercial, foi efectuado em Maio de 2009».

2.2.3 Com interesse para a decisão a proferir, designadamente em relação à questão da nulidade processual arguida pela Recorrente, cumpre também ter presente o circunstancialismo processual acima descrito nos pontos 1.1 a 1.6.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Os presentes autos respeitam a oposição deduzida à execução fiscal que foi instaurada contra a ora Recorrida para cobrança de uma dívida proveniente de taxas devidas pela renovação de licenças de publicidade no ano de 2010.
A ora Recorrida alegou como fundamento da oposição, no que ora nos interessa considerar, que não foi notificada da liquidação dessas taxas, da qual apenas veio a ter conhecimento quando da citação.
Como bem salientou a sentença recorrida, é há muito jurisprudência consolidada que a falta de notificação da liquidação, nos casos em que a lei a impõe, determina a inexigibilidade da dívida e, por isso, a sua insusceptibilidade de cobrança coerciva, constituindo um fundamento de oposição subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
A esse respeito, não existe divergência nos autos. Onde surge a divergência é no que respeita ao modo como, no caso, deveria ter sido feita a notificação e, mais concretamente, sobre quem recai o ónus de demonstrar os factos que a integram.
A sentença, apesar do modo algo equívoco como lavrou a matéria de facto dada como provada, considerou que não podia dar como provado o envio da carta alguma para notificação da liquidação à ora Recorrida. Embora nos factos provados tenha referido que « [d]e acordo com a INF/254/DMF/DOC/DR/11, do Departamento de Contabilidade, Divisão de Receitas a notificação das taxas de licenciamento publicitário foi enviada por intermédio da Relação Valorizada n.º 700000055531, endereçada para a morada:…………, …..-..... ……..» por «simples via postal», o que poderia levar a que considerássemos que foi remetida carta simples em ordem à notificação da liquidação das taxas ora em cobrança coerciva, a verdade é que a leitura integral da sentença e a interpretação (Tenha-se presente que a sentença judicial constitui um acto jurídico a que se aplica, ex vi do art. 295.º do Código Civil (CC), as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1, daquele Código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto. Daí que na interpretação da sentença haja de observar-se esses cânones, tendo em conta não só a parte decisória da mesma como toda a sua fundamentação.
Neste sentido, entre muitos outros, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 14 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 946/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b395d330930e5e4d80258030004c15cb;
- de 8 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 933/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/da4dc8c2a9a388cf802581d7003f11ab;
- de 22 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 564/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/864bb101f8019591802581e5004ea896.) que dela fazemos conduz a uma diferente conclusão, nela também expressa, qual seja a de que «não podemos dar como provado sequer o envio da notificação [leia-se, da carta para notificação] ainda que para a morada sita ……………., …., em ……….».
Ou seja, quando na matéria de facto a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deixou registado que «a notificação das taxas de licenciamento publicitário foi enviada» e «por simples via postal», não estava a dar como provado que a ora Recorrente remeteu carta para notificação, mas, de um modo que nos afigura tecnicamente menos feliz ( Não devem confundir-se os meios de prova com os factos provados, sendo que na indicação destes últimos, que é obrigatória na sentença – onde deve ser discriminada a matéria de facto provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT) – o juiz não deve limitar-se a remeter ou até a transcrever os meios de prova, antes se lhe impondo que enuncie os actos provados e não provados e que justifique o seu julgamento, através da apreciação crítica dos meios de prova. Assim, uma coisa é limitar-se o julgador a dar como reproduzidos documentos ou o seu conteúdo e, outra bem diferente, é dizer quais os concretos factos que considera provados e os que considera não provados.), tão-só a dar como provado que dos elementos constantes dos Serviços da ora Recorrente consta que foi remetida carta simples, endereçada para a ……………, n.º…, em………, para notificar a sociedade ora Recorrida da liquidação das taxas que estão na origem da dívida exequenda.
No entanto, como resulta da fundamentação da sentença, designadamente do trecho da mesma que deixámos transcrito em 2.1.2, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa considerou que essa informação, por si só, na ausência de documento comprovativo do registo postal, não era bastante para que se desse como provada a remessa de carta para notificação. É o que resulta, com meridiana clareza, da passagem em que afirmou: «Essa alegação apenas decorre do que consta na Informação (ponto B) do probatório) de que a notificação foi enviada, mas não foi provado o registo de envio e, desde logo o Município não logrou comprovar, nos autos ter remetido a notificação da liquidação das taxas para aquela morada.// E, por via disso não podemos dar como provado sequer o envio da notificação ainda que para a morada sita…………, …., em ………..» (sublinhado nosso).
Ou seja, a nosso ver, a sentença recorrida não deu como provado o envio de carta para notificação da liquidação das taxas que deram origem à dívida exequenda. Sendo assim, não releva a alegação de saber se a carta foi ou não remetida para a sede da sociedade ora Recorrida e se esta comunicou ou não oportunamente a mudança da mesma. Perde, pois, utilidade boa parte da alegação do recurso. Isto, sem prejuízo de saber se se impunha ou não aquela notificação, questão de que nos ocuparemos adiante.
A outra questão suscitada pela Recorrente é a que respeita à nulidade processual por falta de notificação da Oponente e da Exequente para alegações, ao abrigo do disposto no art. 120.º do CPPT, norma que, apesar de prevista para a impugnação judicial, é aplicável em sede de oposição à execução fiscal ex vi do n.º 1 do art. 211.º do mesmo Código.
Começaremos, a apreciação do recurso por esta questão.
Depois, se for caso disso, passaremos a sindicar o invocado erro de julgamento, mas tendo presente a interpretação que fizemos da sentença, designadamente no que respeita à matéria de facto provada e, mais concretamente, que não ficou provada a remessa de carta alguma para notificação à ora Recorrida da liquidação das taxas que estão na origem da dívida exequenda.

2.2.2 DA NULIDADE PROCESSUAL POR FALTA DE NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES PREVISTAS NO ART. 120.º DO CPPT

Como deixámos dito, a Recorrente, nas alegações de interposição de recurso da sentença, arguiu a nulidade processual decorrente da falta de notificação para apresentação das alegações prévias à prolação da sentença, previstas no art. 120.º do CPPT.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, considerando – a nosso ver, mal ( Sobre a distinção entre nulidades da sentença e nulidades processuais, vide, por todos, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 2 ao art. 98.º, págs. 79/80 e anotação 2 ao art. 125.º, págs. 353/354. ) – que se estava perante nulidade da sentença, entendeu que a mesma podia ser sanada ( Ou seja, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deu à nulidade processual invocada o tratamento previsto para as nulidades da sentença, previsto no art. 615.º do Código de Processo Civil, ao invés de lhe aplicar o regime jurídico consagrado no art. 195.º e segs. do mesmo Código. ) pela mera prática do acto omitido, ou seja, pela mera notificação das partes para, querendo, apresentarem essas alegações. A nosso ver, o procedimento correcto não era esse. Deveria a Juíza do Tribunal a quo, cujo poder jurisdicional estava esgotado (cfr. art. 613.º do CPC), ter remetido o processo ao Tribunal de recurso. Seria este o competente para apreciar a verificação da invocada nulidade processual (e não da sentença).
Seja como for, como também salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, o reconhecimento da nulidade processual deveria ter levado à anulação de todo o processado ulterior à omissão da notificação para alegações ao abrigo do art. 120.º do CPPT, o que incluiria a anulação da sentença recorrida.
Sucede que não foi essa a tramitação seguida. A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa entendeu tratar a nulidade processual invocada como uma nulidade da sentença, entendeu poder saná-la e, a final, deu-a como sanada depois de ter notificado as partes para apresentarem as alegações previstas no art. 120.º do CPPT.
Ora, esse despacho por que a nulidade foi dada como “reparada” foi notificado à Recorrente, à Recorrida e ao Representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de Lisboa, sendo que todos se conformaram com ele, motivo por que transitou em julgado essa decisão.
Assim, não obstante concordarmos com o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal no que respeita ao errado tratamento que o Tribunal a quo deu à questão, a verdade é que a respectiva decisão transitou em julgado, motivo por que não podemos agora reabrir a discussão sobre a mesma e, muito menos, alterar o que a esse propósito ficou decidido.
Em conformidade, fica prejudicado o conhecimento da nulidade processual invocada pela Recorrente.

2.2.3 DO ERRO DE JULGAMENTO

Passemos, pois, a apreciar se a sentença fez ou não correcto julgamento quando julgou procedente a oposição à execução fiscal com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda, por ter considerado que não ficou demonstrado que a Câmara de Lisboa, ora Recorrente, tenha notificado a sociedade ora Recorrida da liquidação das taxas que estão em cobrança coerciva.
Como resulta do que deixámos já dito, tendo a sentença dado como não provado o envio da carta para notificação, é espúria a discussão de saber se esse envio foi ou não enviado para a sede da Recorrida e se esta comunicou ou não oportunamente a mudança da sede.
A discussão deve centrar-se, a nosso ver, em torno da necessidade ou não dessa notificação, atenta a natureza do tributo que está na origem da dívida exequenda. Vejamos, começando por recordar o texto do art. 38.º do CPPT – que tem como epígrafe «Avisos e notificações por via postal ou telecomunicações endereçadas» –, na parte que nos interessa:
«1- As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
2- Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.
3- As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.
4- As notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efectuadas por simples via postal».
Do texto da lei, maxime do n.º 4 do art. 38.º do CPPT, resulta que no caso de tributos periódicos cujas liquidações sejam efectuadas nos prazos previstos na lei, a notificação é feita por simples via postal.
Este preceito requer a leitura conjugada com o n.º 1 do mesmo artigo: «em face da regra do n.º 1 deste artigo, em que se prevê a obrigatoriedade de utilização de carta registada com aviso de recepção quanto a actos susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, será de concluir que n.º 4 se reporta apenas aos casos em que o acto de liquidação não envolve uma alteração da situação tributária dos contribuintes» ( JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., I volume, anotação 9 ao art. 38.º, págs. 375/378.). Exemplo desses casos é o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que, em regra, é liquidado oficiosamente e com base em elementos já existentes (cfr. art. 113.º, n.º 1, do respectivo Código).
Ou seja, nessas situações, não se trata de uma verdadeira notificação, tal como a define o art. 36.º do CPPT, que sempre exigiria a prova da remessa da carta, a efectuar através do registo postal, e da respectiva recepção, presumida ou efectiva; esses actos de comunicação «não têm subjacentes qualquer decisão procedimental da administração tributária, qualquer acto em matéria tributária, antes são emitidos mecanicamente pelos serviços»(Ibidem.). Ou seja, constituem um mero aviso e
não uma verdadeira notificação.
É, a nosso ver, o que sucede no caso sub judice, em que estamos perante taxas respeitantes à mera renovação das licenças de publicidade. A menos que se demonstrasse qualquer alteração nos pressupostos da tributação, esta é efectuada de acordo com os elementos já existentes na Câmara Municipal de Lisboa. Na verdade, sem prejuízo da possibilidade de a autarquia decidir em sentido contrário à renovação (decisão de que deverá notificar o titular da licença com antecedência mínima de 20 dias relativamente ao termo do prazo) ou de o titular da licença comunicar à autarquia a intenção contrária à renovação (o que deverá fazer por escrito e com a antecedência mínima de 10 dias relativamente ao termo do prazo), a renovação da licença cujo prazo seja igual ou superior a 30 dias, opera automática e sucessivamente (cfr. art. 20.º do Regulamento de Publicidade anexo ao Edital n.º 35/92, do Município de Lisboa).
Estando prevista no art. 17.º do referido Regulamento a notificação da decisão que recair sobre o pedido de licenciamento, que deve obedecer aos requisitos do art. 18.º do mesmo diploma legal, não está aí prevista qualquer notificação para pagamento da taxa devida pela renovação da licença. Nem faria muito sentido essa previsão, uma vez que na situação de renovação da licença, a liquidação da taxa não constitui uma alteração da situação tributária do sujeito passivo, pois assenta em pressupostos que já foram estabelecidos, com base nos elementos já existentes e que o sujeito passivo bem conhece.
Por isso, bem se compreende que, para estas situações, o n.º 4 do art. 38.º do CPPT não exija a notificação do sujeito passivo por carta registada e que o art. 36.º do mesmo Código não estabeleça a notificação como requisito da exigibilidade da liquidação.
Assim, como tem vindo a afirmar a jurisprudência – se bem que a propósito da Contribuição Autárquica e do IMI – a não comprovação do envio desse aviso não determina a inexigibilidade da dívida
(Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 18 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 300/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4ba6c30dce3010e5802574ce00522722;
- de 20 de Outubro de 2010, proferido no processo n.º 1089/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b808eb98b29863c7802577c8004b3f9f;
- de 3 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1672/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9dba3b9d857df312802580680037fd0c.) e até impõe ao sujeito passivo, caso não receba a nota de cobrança e queira exercer qualquer direito que se refira à liquidação, que solicite ao serviço de finanças da área dos prédios uma 2.ª via ( Ver nota 5 supra.).
É certo que o n.º 4 do art. 38.º do CPPT se refere apenas aos impostos periódicos e no caso estão em causa taxas, ou seja, espécies tributárias de outra natureza (cfr. art. 3.º da LGT). No entanto, não há razão alguma para se não aplicar o referido regime às taxas e, pelo contrário, o disposto na alínea e) do art. 2.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, até o impõe.
Podemos, pois, concluir que a notificação do tributo em causa não constitui condição de eficácia da relação jurídica-tributária e que recai sobre o sujeito passivo o ónus de prover pelo cumprimento da respectiva obrigação tributária, não podendo, face ao regime substantivo de liquidação e cobrança do tributo em apreço, justificar o incumprimento daquela obrigação com a falta de notificação da liquidação.
A sentença recorrida, que entendeu em sentido contrário, não pode manter-se.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Ainda que a 1.ª instância tenha, indevidamente, tratado a nulidade processual invocada nas alegações de recurso como uma nulidade da sentença, diligenciado pela sua sanação e decidido no sentido de que a mesma estava reparada, se as partes e o representante do Ministério Público, devidamente notificados, não reagiram contra essa decisão, a mesma transitou em julgado.

II - No caso da dívida exequenda ter origem na taxa devida pela renovação automática de uma licença de publicidade – sem que haja notícia de qualquer alteração nos respectivos pressupostos – a exigibilidade da dívida não depende de notificação alguma ao sujeito passivo.

III - A comunicação a que alude o n.º 4 do art. 38.º do CPPT não configura uma notificação tal como a prevê o art. 36.º do CPPT, mas um mero aviso, motivo por que a sua falta (e a prova do seu envio será, se não impossível, muito difícil) não acarreta a inexigibilidade da dívida.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição à execução fiscal.


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Custas pela Recorrida, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal (cfr. art. 527.º do CPC).

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Lisboa, 29 de Maio de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.