Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01438/16
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PAGAMENTO POR CONTA
FALTA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE
CASO JULGADO
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Sumário:I - Atento o disposto no art. 20.º, n.º 2, do CIRS e por força do disposto no art. 102.º do mesmo Código (não se demonstrando a ocorrência de nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 4 do mesmo artigo), eram devidos pagamentos por conta do IRS respeitante ao ano de 2013 relativamente aos rendimentos imputados na esfera do sócio pela sociedade em regime de transparência fiscal, que se inserem na categoria B para efeitos de IRS.
II - A falta de consciência da ilicitude, se baseada em anterior comportamento da AT, exige que as situações anteriormente objecto de apreciação pela AT sejam factualmente idênticas à situação sub judice.
III - Em sede de recurso da decisão que aplicou uma coima, o caso julgado pressupõe a identidade do objecto do processo, tendo por referência os poderes de cognição do tribunal e os factos que constituem a mesma infracção, na acepção contra-ordenacional.
IV - Em sede de RGIT e atento o disposto no seu art. 32.º (que constitui um regime especial em face do n.º 3 do art. 18.º do RGCO), a atenuação especial da coima depende sempre da regularização da situação tributária na pendência do processo administrativo.
Nº Convencional:JSTA00070563
Nº do Documento:SA22018022801438
Data de Entrada:12/19/2016
Recorrente:A....
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRA ORDENAÇÃO TRIB
Legislação Nacional:CIRS ART102 ART20.
RGIT ART114 ART80 ART3.
CIRC ART6.
RGCO ART32 ART41 ART9 ART18.
CPP ART17.
CPC ART673.
CONST ART29.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0797/15 DE 2016/10/02.; AC STA PROC052/17 DE 2017/03/15.; AC STA PROC01187/16 DE 2017/03/22.; AC STA PROC01279/16 DE 2017/05/10.; AC STA PROC01193/16 DE 2017/05/17.; AC STA PROC0152/17 DE 2017/06/28.
Referência a Doutrina:GERMANO MARQUES DA SILVA - CONTRAORDENAÇÕES TRIBUTÁRIAS 2016.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 2367/15.7BEPRT

1 RELATÓRIO

1.1 A………………. (doravante Arguido ou Recorrente), recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente o recurso judicial interposto da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por considerar que incorreu em infracção ao disposto no art. 102.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), punida pelo art. 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por não ter efectuado os pagamento por conta que a Administração tributária (AT) entendeu serem devidos com referência ao ano de 2013, apresentando para o efeito alegações com o seguinte quadro conclusivo:

«1.º Até 2004, o recorrente exerceu a sua actividade de advogado em nome individual, como trabalhador independente.

2.º Em 30/06/2004 o recorrente cessou aquela actividade, nos termos do preceituado no art. 114.º do CIRS e do art. 33.º do CIVA, passando a exercer a sua actividade como Sócio da Sociedade de advogados B………………….

3.º O recorrente encontra-se, assim, ao abrigo da isenção prevista no art. 102.º n.º 4 al. b) do CIRS, uma vez que auferiu exclusivamente no ano de 2013 rendimentos da categoria D, tendo deixado de auferir rendimentos da categoria B.

4.º Os rendimentos declarados no anexo D respeitam à imputação na esfera dos sócios dos rendimentos de empresa com regime de transparência fiscal – art. 6.º do CIRC.

5.º Os rendimentos destas sociedades são determinados segundo as regras do IRC, efectuando-se a tributação na pessoa dos sócios.

6.º Estes rendimentos integram-se como rendimento líquido na categoria B, não havendo lugar a qualquer dedução ou restituição – art. 20.º do CIRS, n.º 4.

7.º Consequentemente, não há lugar a pagamento por conta de rendimentos imputados a sujeito individual de imposto em resultado de actividade exercida em sociedade com regime de transparência fiscal.

8.º A sentença recorrida interpretou mal a lei e aplicou-a erradamente ao caso concreto.

9.º Verificou-se, pois, a cessação da obrigatoriedade de pagamentos por conta referentes ao ano fiscal de 2013, não podendo o recorrente ser obrigado a pagar a coima por falta de pagamento por conta de um imposto que só é devido a final.

10.º Estamos, pois, perante a inexistência total do facto tributário, insusceptível de gerar qualquer coima.

11.º A Administração Fiscal deu razão ao recorrente em situações absolutamente idênticas, e relativas aos pagamentos por conta dos anos 2005, 2006, 2007 e 2008, considerando que, tendo o recorrente cessado a actividade de trabalhador independente, não é obrigado a efectuar pagamentos por conta, decisão recentemente confirmada em processos exactamente idênticos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

12.º O recorrente orienta-se pela lei, mas também pelas directrizes emanadas pela Administração Fiscal.

13.º Assim, a Administração Fiscal não pode exigir do recorrente o pagamento de qualquer coima, já que foi ela própria que lhe deu razão nesta questão.

14.º Estando assim informado pela Administração Fiscal que está a interpretar a lei correctamente, como ela própria a interpreta.

15.º Face a sucessivas notificações da A.T. para pagamento de coimas, resultantes do não pagamento por conta, o recorrente viu-se obrigado a impugnar judicialmente tais decisões, tendo os Tribunais sempre dado ao recorrente e aos seus sócios razão.

16.º Os tribunais fiscais consideraram que os pagamentos por conta não eram devidos e, tendo a A.T. sancionado o comportamento do recorrente, não podia haver condenação em coimas.

17.º Face à posição da A.T. e às decisões dos Tribunais não seria lógico nem exigível que o recorrente procedesse a pagamentos por conta de IRS.

18.º O recorrente não foi negligente nem a sua conduta é censurável.

19.º Pelo menos até ao corrente ano não pode ser assacada ao recorrente qualquer responsabilidade contraordenacional.

20.º O recorrente não preencheu o tipo legal da contra-ordenação, isto é, o facto tipificado como contra-ordenação na lei.

21.º Conforme previsto pelo n.º 1 do art. 17.º do C. Penal ex vi arts. 32.º do RGCO e 3.º al. b) do RGIT, “age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável”,

22.º O que é o caso dos autos, pelo que terá o recorrente de ser absolvido.

23.º Os tribunais fiscais já se pronunciaram cinco vezes sobre esta questão, sempre no mesmo sentido, dando razão ao recorrente.

24.º Estão verificados os requisitos para a existência de caso julgado, sendo que a(s) sentença(s) constitui(em) caso julgado nos precisos termos e limites em que julga – art. 673.º C.P.C.

25.º O que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância.

26.º A presente contra-ordenação, para além de ser ilegal, configura um verdadeiro abuso do direito – art. 334.º Código Civil.

27.º O recorrente não poderá, portanto, ser objecto de qualquer sanção.

Nestes termos e nos mais de direitos que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se o recorrente da condenação no pagamento da coima.

Ou, se assim se entender, deve ser verificada a existência de caso julgado, absolvendo-se o recorrente da instância».

1.2 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a decisão recorrida não enferma dos erros de julgamento que o Recorrente lhe assaca, motivo por que o recurso não merece provimento, sem prejuízo de haver lugar à atenuação especial da coima. Isto, após enunciar os termos em que vem deduzido o recurso e o teor da decisão recorrida, com os seguintes fundamentos:
«[…]

3. A questão que vem colocada pelo Recorrente a este tribunal consiste em saber se a falta do pagamento por conta no ano de 2013 lhe pode ser censurada e nessa medida ser tal conduta sancionada com coima, tal como foi entendido na sentença recorrida pelo tribunal “a quo”.
Desde logo importa saber se a conduta adoptada pelo arguido e aqui Recorrente, ou seja, a falta do pagamento por conta, configura ou não a prática da contra-ordenação prevista no artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do RGIT.
Alega o Recorrente a este propósito que no ano em curso não havia lugar a qualquer pagamento por conta dos rendimentos imputados pela sociedade de advogados através da qual exercia a sua actividade. Subjacente a tal alegação está o entendimento do Recorrente no sentido de que tais rendimentos não são qualificados como rendimentos da categoria “B” e só estes dão lugar ao pagamento por conta em sede de IRS.
Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão.
Com efeito e como se sabe, no regime de transparência fiscal relativo a sociedades de profissionais, como é o caso das sociedades de advogados, a matéria tributável apurada nos termos do CIRC é imputada aos sócios nos termos que resultarem do acto constitutivo da sociedade – artigo 6.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC. E nos termos do artigo 20.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, tal importância constitui rendimento do sócio que é integrado como rendimento líquido na categoria “B”.
Não oferece dúvidas que no ano de 2013 foi imputado pela sociedade de advogados ao arguido/Recorrente determinado montante de rendimentos, os quais são tributados na sua esfera jurídica. Ora, sendo tais rendimentos integrados na categoria “B”, a questão que se coloca é a de saber se recai sobre o seu beneficiário a obrigatoriedade de realizar pagamentos por conta do imposto devido a final.
Ora, o facto de o artigo 3.º do CIRS não fazer referência nos seus diversos números e alíneas a este tipo de rendimento não permite concluir que o mesmo não seja qualificado como tal, ou seja, como rendimento da categoria “B”. Não oferece dúvidas que o artigo 20.º do CIRS assim o qualifica, de modo tal que o mesmo fica sujeito ao regime que se aplica a tal categoria de rendimentos.
E como se sabe, a categoria “B” de rendimentos sujeitos a IRS reveste características de “predominância” ou “preponderância” na qualificação dos rendimentos. Como refere José Guilherme Xavier de Basto (in “IRS, incidência real …”, Coimbra Editora, 2007), «uma característica especial desta categoria é o do seu “carácter predominante” relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria», exercendo sobre os demais rendimentos uma espécie de atracção.
Também Rui Duarte Morais (in “Sobre o IRS”, Almedina, 2008, pág. 217) refere a este propósito que “a obrigação de proceder a tais pagamentos cabe a cada um dos sócios, na medida em que são titulares de rendimentos da categoria B em resultado, pelo menos, da imputação, nessa cédula, da respectiva quota-parte dos lucros da sociedade».
E nessa medida o seu titular ficará igualmente sujeito à obrigatoriedade de efectuar três pagamentos por conta do imposto devido a final, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 102.º do CIRS.

3.1 Outra questão que vem colocada a este tribunal consiste em saber se tendo o arguido/Recorrente obtido vencimento em algumas reclamações apresentadas no Serviço de Finanças em que era posta em causa a obrigatoriedade da realização desses pagamentos por conta, assim como tendo sido julgados procedentes recursos apresentados contra decisões de aplicação de coima, o arguido/Recorrente incorreu em erro relevante sobre o carácter ilícito da sua conduta e que exclua a culpa.
Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Regime Geral das Contra-ordenações, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 433/99, «o erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo». Prescreve, contudo, o n.º 3 do mesmo preceito legal que «fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais».
No caso do erro sobre a ilicitude, há que diferenciar entre o erro não censurável e o erro censurável. No primeiro caso o facto não é punível, por falta de culpa; No segundo caso o facto é punível, mas a coima pode ser especialmente atenuada – artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral de Contra-ordenações.
No caso concreto dos autos o arguido tem conhecimento da norma típica, mas fez dela uma interpretação no sentido de os rendimentos recebidos não serem qualificados como rendimentos da categoria “B”, mas sim da categoria “D” e nessa medida não resultar a obrigatoriedade do pagamento por conta.
Todavia tal interpretação não é a mais correcta e nessa medida não deixa de lhe ser censurada. Até porque como advogado lhe é mais exigível que esteja em melhores condições para obter uma interpretação mais correcta da lei ou esclarecer-se devidamente junto dos Serviços de Finanças dessa obrigação tributária.
Desde logo porque desde a Reforma de 2000 que o CIRS não prevê a categoria de rendimentos “D”, a qual respeitava a rendimentos da actividade agrícola, sendo que o arguido/Recorrente associa essa qualificação ao anexo “D” onde inscreveu os rendimentos imputados pela sociedade de advogados.
Sucede que essa sua interpretação teve algum acolhimento no Serviço de Finanças que lhe deferiu as reclamações, facto este que serviu de fundamento para o TAF do Porto julgar procedente o recurso que apresentou de uma outra decisão de aplicação de coima.
Mas será que esses factos são bastantes para concluir que no caso dos autos o arguido se convenceu da licitude da sua conduta?
Como decorre das decisões da reclamação graciosa documentadas nos autos as mesmas referem-se aos anos de 2005 e 2006 e foram proferidas em 2007. Por outro lado e como se refere na sentença recorrida, do teor das referidas decisões resulta “que o único elemento de facto ponderado foi a circunstância de o Recorrente ter cessado a sua actividade como trabalhador independente em 30/06/2004”. Ou seja, não consta desses procedimentos que o ali Reclamante tivesse auferido rendimentos imputados pela sociedade de advogados e que nessa medida tal questão fosse abordada pelo Serviço de Finanças.
Do mesmo modo a decisão do TAF do Porto proferida em processo de contra-ordenação e junta pelo arguido como doc. 5 (fls.72), que julgou procedente o recurso interposto de decisão de aplicação de coima, em que é arguido outro senhor advogado, não apurou qualquer elemento sobre a origem dos rendimentos no ano em causa e assentou o sentido da decisão na relevância que deu ao facto de o arguido ter deixado de exercer a actividade como trabalhador independente e nessa medida ter deixado de auferir rendimentos da categoria “B”.
Já a decisão proferida pelo TAF do Porto e junta como doc. n.º 6 (fls. 79), o tribunal apreciou a questão da existência da obrigação do pagamento por conta no caso dos rendimentos imputados por sociedade de advogados, tendo concluído pela inexistência dessa obrigação e pela não verificação da infracção que era imputada ao arguido.
E, por último, na decisão junta como doc. n.º 7 (fls. 90) o TAF do Porto não chega a pronunciar-se sobre essa questão, uma vez que anulou a decisão de aplicação de coima por vício formal.
Os referidos documentos juntos pelo arguido respeitam a decisões judiciais cujo trânsito em julgado não está certificado, motivo pelo qual se podia questionar o valor das mesmas. Todavia e uma vez que dizem respeito a decisões proferidas pelo mesmo tribunal que proferiu a decisão recorrida (TAF do Porto) e não foram juntos quaisquer outros elementos por parte do Ministério Público ou oficiosamente pelo próprio tribunal “a quo” em sentido contrario, permite-nos inferir, com alguma probabilidade, que as mesmas transitaram em julgado.
Todavia a única decisão que aprecia a questão da qualificação dos rendimentos e a obrigatoriedade do pagamento por conta foi proferida em 2015, pelo que não podia ter sido em consideração pelo arguido em 2013.
Afigura-se-nos, assim, que o arguido e aqui recorrente não tinha motivos para se convencer da licitude da conduta que lhe é imputada. E nessa medida o erro é lhe censurável.
Entendemos, assim, que a conduta que lhe foi imputada na decisão de aplicação de coima é punível a título de negligência, mas beneficiando de atenuação especial, nos termos dos artigos 9.º n e 1 8 n ambos do Regime Geral das Contra-ordenações, aplicáveis subsidiariamente ao RGIT (art. 32.º al. b)).
Assim e nesta parte impõe-se a revogação da sentença recorrida.

3.2 Por último invoca o Recorrente que sobre a questão em causa nos autos já se pronunciaram os tribunais por cinco vezes, pelo que se formou caso julgado.
Invoca a este respeito o Recorrente que tendo sido proferidas diversas decisões do TAF do Porto a anular decisões de aplicação de coima, tendo por objecto a imputação de idêntica infracção pelo cometimento de semelhante conduta por parte de outros advogados do mesmo escritório, se deve considerar que se formou caso julgado.
Como se referiu no ponto anterior as decisões do TAF do Porto que foram juntas aos autos embora tenham apreciado situações similares não apreciaram a mesma questão jurídica. Por outro lado estamos perante decisões proferidas em processo contra-ordenacional em que está em causa a responsabilidade contra-ordenacional de outras pessoas e pela prática de outros factos.
Assim e ainda que as situações analisadas tenham pontos de contacto e conexão com os factos objecto de apreciação nestes autos é manifesto que não se verifica a excepção do caso julgado tal e qual esta figura é definida no artigo 580.º do CPC e respectivo alcance – art. 621.º do CPC.
Entendemos que nesta parte o recurso é manifestamente improcedente.

4. Em face do exposto, entendemos que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados pelo Recorrente, motivo pelo qual deve a mesma ser confirmada no que à verificação da infracção imputada ao arguido respeita, devendo apenas a coima aplicada ser especialmente atenuada ao abrigo do disposto nos artigos 9.º, n.º 2 e 18.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-ordenações».

1.5 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade:

«1) O Recorrente exerceu, como trabalhador independente (categoria B), a actividade com o CAE 6010 – Advogados, tendo cessado a mesma em 30.06.2004 – fls. 5-6 e 34 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

2) A partir de 30.06.2004, o Recorrente passou a exercer a sua actividade profissional como sócio na sociedade de advogados B……………. - Sociedade de Advogados, R.L. – facto admitido no artigo 2.º da petição inicial;

3) Por ofício da Direcção de Finanças do Porto datado de 08.05.2007, foi comunicado ao Recorrente que, por despacho proferido em 04.05.2007, foi deferida a reclamação n.º 3182-06/400483 3 – IRS 2005 (38330), constando de tal despacho, para além do mais, o seguinte:
Em 12/10/2005, veio o contribuinte deduzir reclamação graciosa contra a liquidação em referência, nos termos do art. 58.º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Em 30/06/2004 o contribuinte cessou a actividade de trabalhador independente nos termos do preceituado no art. 114.º do Código do IRS e art. 33.º do Código do IVA, cfr. docs. de fls. 5 e 8 dos autos.
No entanto, a Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento emitiu o documento n.º 2005 00000102612, referente ao primeiro pagamento por conta no montante de € 10.018,00, cuja data limite de pagamento terminava em 20-07-2006.
O Reclamante efectuou o pagamento da importância supra em 19-07-2005, cfr. docs. de fls. 3 e 12 dos autos.
O reclamante tem legitimidade, o pedido é o meio próprio, a reclamação é tempestiva, nos termos dos arts. 9.º, 58.º e 70.º, n.º 2, porque estamos em face de inexistência total de facto tributário.
Face ao exposto e em concordância com a proposta de decisão de fls. 5, DEFIRO o pedido sendo de restituir a importância indevidamente paga.
- fls. 64 e 65 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

4) Por ofício do Serviço de Finanças do Porto-2 com o n.º 2007 10-10, foi comunicado ao Recorrente, no âmbito da Reclamação Graciosa n.º 3182200604001443 – IRC 2005 – JC de Pag. Conta, que por despacho de 3 de Agosto de 2007, foi deferida a reclamação graciosa acima mencionada. Assim, este Serviço de Finanças vai encetar as diligências necessárias ao cumprimento da decisão, pelo que deverá V. Exa. aguardar nova liquidação – fls. 66 do processo físico, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida;

5) Do ofício do Serviço de Finanças de Porto-6, datado de 23.08.2007 e remetido à Divisão de Liquidação Imposto sobre o Rendimento, da Direcção de Finanças do Porto, consta o seguinte:
Assunto: PAGAMENTOS POR CONTA
c/cº ao contribuinte
Exm.º Senhor:
O s. p. A………………. - NIF ………….., residente na …………. ……. ………… PORTO, cessou a actividade em 30/6/2004, conforme se pode verificar pelos prints que se anexam.
Contudo tem vindo a receber sistemática e indevidamente, liquidações para efectuar pagamentos por conta, dirigindo-se a este Serviço frequentemente no sentido de solucionar este assunto.
Uma vez que esta situação, não só causa ao contribuinte incómodos relacionados com as frequentes deslocações, como pode inclusive originar processos executivos, solicita-se a V. Ex.ªs as diligências que entender convenientes, no sentido da resolução do assunto exposto.
– fls. 67 e 68 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

6) Por ofício do serviço de Finanças do Porto-2 datado de 18.12.2008, foi remetido ao Recorrente despacho de deferimento da reclamação graciosa n.º 3182 2008 04002903 – IRS/2005 e 2006, de cuja fundamentação consta, para além do mais, o seguinte:

DESCRIÇÃO DOS FACTOS
O S.P. A cessou a sua actividade como trabalhador independente a 30/06/2004 tendo informado a Administração Fiscal dentro do prazo estipulou no art. 32.º do CIVA.
O contribuinte recebeu Notas de Cobrança para efectuar Pagamentos por Conta (PPC) em 2005 no montante de 10.018 euros cada e em 2006 de 11.654 euros cada.
O S.P. efectuou o primeiro Pagamento Por Conta de 2005 dentro do prazo mas não pagou mais nenhum.
As Notas de Cobrança de IRS referentes aos anos de 2005 e de 2006 enviadas aos contribuintes incluíam Juros Compensatórios, que estes agora reclamam, por não terem efectuado os PPC. A nota de cobrança de 2005 está por regularizar e com processo executivo instaurado. A de 2006 está regularizada
APRECIAÇÃO DO PEDIDO
O pedido é legal, tempestivo e os reclamantes, têm legitimidade.
Nos termos da alínea b) do n.º 4 do art. 102.º do CIRS, cessa a obrigatoriedade de serem efectuados os pagamentos por conta quando deixem de ser auferidos rendimentos da categoria B.
Uma vez que o S.P. A cessou a actividade como trabalhador independente e informou a Administração Fiscal atempadamente parece-me estarem reunidos os pressupostos para deferimento da pretensão dos reclamantes.
Porém, V. Ex.ª melhor decidirá.
- fls. 69 a 71 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

7) Em 19.05.2014 o Recorrente apresentou Declaração de Rendimentos-IRS, modelo 3, referente ao ano de 2013, apresentando o Anexo B - Rendimentos da Categoria B Regime Simplificado/Acto Isolado, assim como o Anexo D - Imputação de Rendimentos Categoria B, identificando como entidade imputadora sociedade em regime de transparência fiscal com o número de pessoa colectiva ……….. e declarando como rendimentos líquidos imputados € 81.871,92 – fls. 36 a 41 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

8) Em 11.07.2014, no Serviço de Finanças de Porto-2, foi instaurado contra o aqui Recorrente o processo de contra-ordenação n.º 31822014060000215459, constando do respectivo auto de notícia o seguinte, quanto aos Elementos que caracterizam a infracção e à Identificação do autuante, data e local da verificação da infracção:
02. ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO
1. Valor da prestação tributária exigível: 19.354,53
2 Valor da prestação tributária entregue: 0,00
3. Valor da prestação tributária em falta: 19.354,53
4. Período a que respeita a infracção: 2013
5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2013-12-20
6. Normas infringidas: Art. 102.º CIRS – Falta de pagamento por conta do imposto devido a final
7. Normas punitivas: Art. 114.º nºs 2 e 5 f) do RGIT – Falta do pagamento por conta do imposto devido a final, total ou parcial.
03. IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRACÇÃO
(...) Verifiquei pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou nos cofres do Estado, para o período e até ao termo do prazo referido, respectivamente em 4 e 5 do quadro 02, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, fazendo-o, somente, pelos valores referidos em 2 do quadro 02, o que constitui infracção às normas previstas em 6, punível pelas disposições referidas em 7, do mesmo quadro. (...)
– fls. 7 a 9 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

9) No âmbito do processo de contra-ordenação mencionado no ponto anterior foi remetido ao Recorrente ofício datado de 11.07.2014, tendo em vista a Notificação de Defesa/Pagamento c/redução Art. 70.º RGIT, com o teor constante de fls. 10 do processo físico, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida;

10) Em 28.08.2014, o Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Porto-2 resposta à notificação mencionada no ponto anterior, com o teor constante de fls. 13 a 33 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas – fls. 6 e 13-33 do processo físico;

11) Por despacho da Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, proferido em 27.07.2015, foi indeferida a defesa a que alude o ponto anterior, com a fundamentação constante de fls. 44 e 45 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas, da qual consta para além do mais o seguinte:
5. 1 – Da obrigatoriedade dos Pagamentos por Conta
.Circunscreve o n.º 1 do artigo 102.º do C/RS, que: “A titularidade de rendimentos da categoria B determina, para os respectivos sujeitos passivos, a obrigatoriedade de efectuarem três pagamentos por conta do imposto devido a final, até ao dia 20 de cada um dos meses de Julho, Setembro e Dezembro;
. Não subsistirão dúvidas que o arguido por exercer a profissão liberal de advocacia, em sociedade, está imperativamente sujeito a uma tipologia fechada na sua forma de organização, e que por consequência está obrigatoriamente sujeito ao regime de transparência fiscal;
. Em consequência, a imputação aos sócios, e a consequente tributação na esfera dos sócios, abrange todos os lucros, toda a matéria tributável, da sociedade transparente, independentemente da sua efectiva distribuição;
. Tal imputação é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais (cf. n.º 3 do art. 6.º do CIRC);
. Os rendimentos imputados, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IRS, aos sócios ou membros de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, a que se refere o artigo 6.º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 28.º do CIRS, são englobados, para efeitos de tributação em sede de IRS na categoria B, como rendimentos líquidos, tal como se encontra previsto no n.º 2 do artigo 20.º do CIRS;
. Como é sabido, as sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal não procedem a quaisquer pagamentos por conta. O que se compreende, uma vez que estas sociedades não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas (cf. art. 12.º do CIRC);
. A obrigação de proceder a tais pagamentos cabe a cada um dos sócios, na medida em que são titulares de rendimentos da categoria B em resultado da imputação da respectiva quota parte dos lucros da sociedade;
. Já em comentário no Código do IRC, editado em 1990 pela DGCI, pág. 99/100, se dizia que «beneficiando as entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal de um estatuto de isenção (nos termos do art. 12.º do CIRC), não impende sobre elas qualquer obrigação de efectuarem pagamentos por conta. Tal obrigação incumbe assim em sede de IRS aos sócios enquanto titulares de rendimentos da categoria B, porquanto os pagamentos por conta, constituindo um mecanismo em que se faculta o desdobramento do pagamento do imposto em parcelas escalonadas no tempo, só poderão reportar-se ao imposto que é efectivamente devido, ou seja ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares»;
. Também a DGCI, através do n.º 6 da Circular n.º 8/90, de 16/02/90, esclareceu que «as referidas sociedades (em princípio) não têm de efectuar pagamentos por conta, obrigação que incumbe em sede de IRS aos respectivos sócios enquanto titulares de rendimentos da categoria B».
5.2 – Do arquivamento dos autos pela anulação da coima
. Uma vez que o sujeito passivo não efectuou os três pagamentos por conta no valor global de € 19.354,00, calculado nos termos do n.º 2 do art. 102.º do CIRS, infringiu o que dispõe o n.º 1, sendo, por isso, punido pelo art. 114.º n.º 2 e 5, al. f), do RGIT. (...) – fls. 44 e 45 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

12) Em 13.08.2015 foi proferida, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Porto-2, decisão de fixação da coima relativa ao processo de contra-ordenação em causa nestes autos, a qual foi fixada em € 3.353,16, da qual consta, para além do mais, o seguinte:

- fls. 48 e 49 do processo físico, as quais se dão aqui por reproduzidas;

13) O despacho mencionado no ponto anterior foi remetido ao Recorrente através de ofício datado de 13.08.2015, por via postal registada – fls. 50 e 51 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

14) Em 26.08.2015 deu entrada no Serviço de Finanças de Porto-2 o presente recurso judicial da decisão de aplicação de coima – fls. 5/verso e 56-97 do processo físico, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas.

15) O recorrente não efectuou pagamento por conta do imposto devido a final, no montante de € 19.354,53, no ano de 2013 até 20.12.2013.

16) O recorrente não agiu com o cuidado que podia e devia».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O Chefe do Serviço de Finanças do Porto-2 aplicou ao ora Recorrente uma coima de € 3.353,16, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista no art. 102.º, n.º 2, do CIRS e punida pelo art. 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do RGIT, por não ter efectuado os pagamento por conta que a AT entendeu serem devidos com referência ao ano de 2013.
O Arguido impugnou judicialmente a decisão administrativa de aplicação da coima, ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT e, em face da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente essa impugnação, dela veio recorrer para este Supremo Tribunal. Sustentou, em síntese,
i) desde 2004, cessou a sua actividade como trabalhador independente – advogado em nome individual – e passou a exercer a actividade como sócio de uma sociedade de advogados, motivo por que em 2013 «encontra-se […] ao abrigo da isenção prevista no art. 102.º n.º 4 alínea b) do CIRS, uma vez que auferiu exclusivamente no ano de 2013 rendimentos da categoria D, tendo deixado de auferir rendimentos da categoria B» (cfr. conclusões 1.ª a 3.ª), não havendo, pois, lugar ao pagamento por conta com referência ao ano de 2013, pois os seus rendimentos desse ano provêm da imputação na esfera dos sócios dos rendimentos de sociedade de advogados de que é sócio, que se encontra submetida ao regime de transparência fiscal, pelo que integram rendimento líquido da categoria B e não estão sujeitos a qualquer dedução ou retenção (art. 20.º, n.º 4, do CIRS), contrariamente ao que considerou a sentença recorrida (cfr. conclusões 4.ª a 8.ª), sendo que, em face da «inexistência total de facto tributário», a AT não podia aplicar-lhe coima alguma (cfr. conclusões 9.ª e 10.ª), pois «não preencheu o tipo legal de contra-ordenação, isto é, o facto tipificado como contra-ordenação na lei» (cfr. conclusão 20.ª);
ii) a AT e os tribunais sempre deram deu razão ao Arguido quando, com referência a anos anteriores, se insurgiu contra idêntico entendimento, motivo por que a sua conduta – de não proceder a pagamentos por conta – não é censurável, pois sempre foi sua convicção estar a agir de acordo com a lei, e «age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável» (cfr. conclusões 11.ª a 22.ª);
iii) porque os tribunais já se pronunciaram 5 vezes sobre esta questão, «[e]stão verificados os requisitos para a existência de caso julgado», pelo que o Tribunal deve absolver o Arguido da instância e abster-se de apreciar o mérito da causa (cfr. conclusões 23.ª a 25.ª).
Ou seja, o Recorrente discorda da decisão recorrido por esta não ter aceitado a argumentação que aduziu em sede de recurso judicial da decisão de aplicação da coima e que, por isso, ora reitera em sede de recurso jurisdicional.
Diremos, desde já, que concordamos totalmente com a decisão recorrida que, a nosso ver, se encontra bem estruturada e bem fundamentada.
Assim, e porque o Recorrente não indica os motivos por que discorda da decisão proferida pela Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, antes se limitando a renovar a argumentação que expendeu junto desse tribunal quando aí apresentou o recurso da decisão administrativa da aplicação da coima, entendemos que pouco mais há a acrescentar ao que ficou dito na decisão recorrida (É certo que, como temos dito noutras ocasiões, em sede de recurso jurisdicional é admissível, como forma de atacar a decisão recorrida que se pronunciou sobre o mérito da causa, a defesa das razões que, no entender do recorrente, devem levar à sua procedência, ainda que nas conclusões de recurso não se contenham referências explícitas à decisão recorrida; mas não o é menos que, se o recorrente não refuta os argumentos aduzidos pela decisão de que recorre, essa carência de argumentação não deixará de repercutir-se no nível de fundamentação exigível ao tribunal de recurso, quando este concorde plenamente com os fundamentos já expendidos na decisão recorrida. Na verdade, ainda que em matéria da interpretação das regras de direito os tribunais não estejam sujeitos à alegação das partes (art. 5.º, n.º 3, do CPC), também não lhes é exigível que, perante a inércia da parte, se esforcem para além do razoável na fundamentação das soluções que esta se dispensou de refutar. Vide, entre outros, o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 12 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 797/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e8d43d06d1eb000c8025804f003d58cb.).
Vejamos, uma por uma, as questões por ele suscitadas, consignando, desde já, que também seguiremos de perto a posição assumida pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, acima transcrita, e que merece a nossa concordância.
A somar a essas questões, na eventualidade da improcedência das mesmas, haverá ainda que averiguar da possibilidade da atenuação especial da coima, proposta pelo Representante do Ministério Público.

2.2.2 DO ILÍCITO CONTRA-ORDENACIONAL

Começa o Recorrente por sustentar que o comportamento por que foi condenado nos presentes autos nunca poderia constituir uma contra-ordenação, designadamente aquela por que foi condenado. Ou seja, entende que não há ilícito porque não estava obrigado a efectuar pagamentos por conta, uma vez que estão em causa apenas rendimentos imputados pela sociedade de advogados de que é sócio e, a seu ver, esses rendimentos não se integram na categoria B, sendo que apenas os rendimentos desta categoria determinam os pagamentos por conta em sede de IRS.
A essa questão, deu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto resposta cabal. Na verdade, nos termos do n.º 1 do art. 102.º do CIRS «[a] titularidade de rendimentos da categoria B determina, para os respectivos sujeitos passivos, a obrigatoriedade de efectuarem três pagamentos por conta do imposto devido a final, até ao dia 20 de cada um dos meses de Julho, Setembro e Dezembro» (redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro).
Assim, antes do mais, cumpre verificar em que categoria se inserem os rendimentos que, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 6.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), resultem da imputação aos sócios da matéria colectável das sociedades de advogados, que estão sujeitas ao regime da transparência fiscal (A transparência fiscal é um regime de enquadramento obrigatório para sociedades de profissionais, sociedades de simples administração de bens e sociedades civis não constituídas sob forma comercial, que reúnam determinados requisitos, sendo a matéria colectável apurada imputada aos respectivos sócios em sede de IRS, não havendo tributação em sede de IRC, à excepção de eventuais tributações autónomas. Ou seja, a tributação recai não sobre a sociedade, mas sobre os sócios.).
Esses rendimentos, que constituem rendimentos de cada um dos sócios, no caso das sociedades de profissionais, que é o que ora nos interessa considerar, constituem rendimentos da categoria B para efeitos de IRS, como resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 20.º do respectivo Código.
Salvo o devido respeito, mal se compreende a alegação, aduzida na petição inicial e reiterada no presente recurso, de que o Recorrente se encontra «ao abrigo da isenção prevista no art. 102.º n.º 4 al. b) do CIRS» e de que «auferiu exclusivamente no ano de 2013 rendimentos da categoria D, tendo deixado de auferir rendimentos da categoria B».
Como bem ficou dito pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na decisão recorrida, «em bom rigor, não existe actualmente previsão legal que contemple rendimentos de categoria D, o que indubitavelmente invalida a alegação de que no ano de 2013 apenas auferiu rendimentos dessa categoria. // É que uma coisa é o anexo “D” apresentado, outra é a imputação de rendimentos ao abrigo do regime do artigo 6.º do CIRC, resultando aliás expressamente do anexo em causa que tal imputação é feita à categoria B».
Por outro lado, como salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, o facto de o art. 3.º do CIRS não referir expressamente os rendimentos imputados pelas sociedades em regime de transparência fiscal não assume relevância, atento o disposto no n.º 2 do art. 20.º do mesmo Código.
Assim, como bem referiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, atento o disposto no art. 20.º, n.º 2, do CIRS e por força do disposto no art. 102.º do mesmo Código (não se demonstrando a ocorrência de nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 4 do mesmo artigo), eram devidos pelo ora Recorrente os pagamentos por conta do IRS respeitante ao ano de 2013. A falta de entrega dos pagamentos por conta a que estava obrigado integra a verificação do facto ilícito previsto na norma por que foi condenado.
Falece, pois, o primeiro fundamento do recurso, que assentava na inexistência de ilícito contra-ordenacional por não existirem rendimentos da categoria B que pudessem determinar a obrigação de pagamentos por conta.

2.2.3 DA CULPA

Sustenta também o Recorrente que agiu sem culpa, nos termos do art. 17.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por remissão sucessiva dos arts. 32.º do RGCO e 3.º, alínea b), do RGIT, pois não tinha consciência da ilicitude, não lhe sendo censurável o erro.
Também no que se refere ao elemento subjectivo da infracção, concordamos em absoluto com a decisão recorrida.
Na verdade, o Recorrente sustenta a ausência de culpa no convencimento de que não estaria obrigado a efectuar os pagamentos por conta, convencimento que diz lhe foi determinado, não só pela sua interpretação da lei, mas também pelas decisões administrativas em procedimentos em que se discutia questão idêntica.
No entanto, como bem salientou a decisão recorrida, as situações a que se referem aquelas decisões administrativas – que deixou registadas nos factos provados sob os n.ºs 3) a 6) –, quer pelo tempo a que se referem e em que foram proferidas quer pelas suas circunstâncias de facto, não permitem afastar a consciência da ilicitude por parte do Arguido nem permitem que se considere como não censurável eventual erro a esse respeito. Por um lado, essas situações reportam-se aos anos de 2005 e 2006 e foram proferidas em 2007 e 2008, ou seja, há tempo suficiente para que o Arguido devesse ponderar eventual alteração do entendimento por parte da AT. Por outro lado, e decisivamente, porque, nas palavras da Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, «do teor das decisões em causa não resulta sequer que as mesmas tivessem em vista a regulação de uma situação factual semelhante à que está em apreciação nos presentes autos», sendo que «das mesmas resulta que o único elemento de facto ponderado foi a circunstância de o Recorrente ter cessado a sua actividade como trabalhador independente em 30.06.2004 – sendo que em momento algum é aduzida qualquer referência à circunstância de o Recorrente ter auferido rendimentos imputados à categoria B, nos anos de 2005 e 2006, na qualidade de sócio de sociedade de advogados sujeita ao regime da transparência fiscal». Ora, no caso sub judice estão em causa precisamente os rendimentos imputados à categoria B, nos termos que acima ficaram referidos.
Já em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente invocou também como motivo para afastar a censurabilidade de eventual erro sobre a ilicitude, as diversas sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de que juntou cópia. Como bem referiu o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, a única das referidas decisões em que foi abordada e decidida situação factual idêntica à ora sub judice foi proferida em 2015 (cfr. fls. 79 e segs.), motivo por que nunca poderia ter servido para o processo de convencimento sobre a licitude da conduta do ora Recorrente no ano de 2013.
Fica, pois, afastada a invocada falta de censurabilidade do erro sobre a ilicitude do comportamento, sendo que concluir, com a decisão recorrida, que o Arguido não actuou com a diligência e cuidado com que podia e devia, motivo por que se deve considerar o seu comportamento censurável a título de negligência.
O recurso também não pode ser provido com fundamento na falta de culpa do Arguido.

2.2.3 DO CASO JULGADO

O Recorrente sustenta ainda que se verifica o caso julgado, argumentando que «[o]s tribunais fiscais já se pronunciaram cinco vezes sobre esta questão, sempre no mesmo sentido, dando razão ao recorrente» e que «[e]stão verificados os requisitos para a existência de caso julgado, sendo que a(s) sentença(s) constitui(em) caso julgado nos precisos termos e limites em que julga – art. 673.º C.P.C.», motivo por que devia o Tribunal a quo ter-se abstido de conhecer do mérito da causa e absolvido o ora Recorrente da instância.
Salvo o devido respeito, tal alegação não se coaduna com o conceito de caso julgado, tal como o devemos entender para efeitos contra-ordenacionais.
É certo que não encontramos regulamentado o instituto do caso julgado no RGIT, nem sequer na legislação que lhe é subsidiariamente aplicável, seja no RGCO, seja no CPP [cfr. art. 3.º, alínea b), do RGIT) e art. 41.º, n.º 1, do RGCO]; mas, apesar dessa falta de regulamentação, a exigência do respeito pelo caso julgado resulta, desde logo, do princípio ne bis in idem consagrado no art. 29.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo n.º 5 se dispõe: «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime».
Daí decorre, para além do mais, que o caso julgado pressupõe a identidade do objecto do processo, tendo por referência os poderes de cognição do tribunal e os factos que constituem a mesma infracção, na acepção contra-ordenacional.
Ora, as sentenças em que o Recorrente pretende alicerçar a verificação do caso julgado não se referem aos mesmos factos que constituem o objecto do presente processo: algumas não se referem ao mesmo arguido e as duas que se lhe referem (cfr. respectivamente, fls. 199 a 203 e fls. 216 a 221), ainda que tenham transitado em julgado, o que não está demonstrado (mas também não foi impugnado, pelo que, como referiu o Procurador-Geral Adjunto, podemos aceitar, tanto mais que provêm do Tribunal a quo e nem este nem o representante do Ministério Público junto do mesmo objectaram nada a esse respeito), reportam-se a factos respeitantes aos anos de 2007 e 2010.
Tanto basta, sem necessidade de mais considerandos, para concluirmos que o recurso também não pode ser provido com esse fundamento.

2.2.4 DA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA

Resta verificar se, como propõe o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, deve atenuar-se especialmente a coima, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 2 e 18.º, n.º 3, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT. Dispõe o art. 9.º do RGCO:
«1. Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
2. Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada».
Por seu turno, o n.º 3 do art. 18.º do RGCO dispõe que, «[q]uando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade».
No caso, concluímos que o Arguido actuou sem consciência da ilicitude do seu comportamento, mas que o erro em que incorreu é censurável. Será que a coima a aplicar pode ser especialmente atenuada nos termos do referido n.º 2 do art. 9.º do RGCO?
Relembramos aqui o que o Professor GERMANO MARQUES DA SILVA deixou dito numa intervenção no Centro de Estudos Judiciários, subordinada ao tema «Princípios gerais em matéria de contra-ordenações tributárias», sobre os regimes sancionatórios de dispensa e da atenuação especial da coima:
«A dispensa e atenuação especial das coimas constituem de certo modo formas de direito premial e visam incentivar os infractores a regularizarem a falta cometida (art. 32.º do RGIT).
Note-se que em ambos os casos se exige a regularização da situação tributária.
A atenuação especial da coima está prevista em termos gerais no art. 18.º, n.º 3, do RGCO, mas o RGIT contém regime especial constante do art. 32.º que julgamos exaustivo. Não há lacunas neste domínio no RGIT.
Acrescem dois outros pressupostos da dispensa: (i) a infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária, e (ii) a falta revelar um diminuto grau de culpa. Relativamente ao primeiro pressuposto – não ocasionar prejuízo – tem de considerar-se o momento da infracção. É a esse momento que se tem de referir o prejuízo. A regularização posterior já não releva para esta condição. A problemática da culpa em grau diminuto é mais difícil de apurar, mas isso sucede em geral com a avaliação das infracções para graduação da coima aplicável.
De modo semelhante no que respeita à atenuação especial com a diferença de que agora nem sequer é condição o grau diminuto da culpa. O que vale é a regularização da situação tributária na pendência do processo administrativo» (Contraordenações Tributárias 2016 [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015. [Consult. 14 Fev. 2018]. Disponível na internet: <URL:
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.).
Ou seja, como esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a dizer, reiterada e uniformemente, no RGIT a atenuação especial da coima depende sempre da regularização da situação tributária (Cfr., entre outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Março de 2017, proferido no processo n.º 52/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/adbf34ff837b0667802580e600387aa4;
- de 22 de Março de 2017, proferido no processo n.º 1187/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2ca6c23400c7dcaf802580ed004fe817;
- de 10 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1279/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1ce824917ef6bea3802581250035eee9;
- de 17 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1193/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0e0300d1f9d9613f8025812b004eb00d;
- de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 152/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/402321d24447a06d8025814f00547706.), não relevando sequer eventual diminuição do grau da culpa.
Assim, e porque a situação tributária não foi regularizada antes da fase judicial do processo, entendemos também não poder atenuar especialmente a coima.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Atento o disposto no art. 20.º, n.º 2, do CIRS e por força do disposto no art. 102.º do mesmo Código (não se demonstrando a ocorrência de nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 4 do mesmo artigo), eram devidos pagamentos por conta do IRS respeitante ao ano de 2013 relativamente aos rendimentos imputados na esfera do sócio pela sociedade em regime de transparência fiscal, que se inserem na categoria B para efeitos de IRS.

II - A falta de consciência da ilicitude, se baseada em anterior comportamento da AT, exige que as situações anteriormente objecto de apreciação pela AT sejam factualmente idênticas à situação sub judice.

III - Em sede de recurso da decisão que aplicou uma coima, o caso julgado pressupõe a identidade do objecto do processo, tendo por referência os poderes de cognição do tribunal e os factos que constituem a mesma infracção, na acepção contra-ordenacional.

IV - Em sede de RGIT e atento o disposto no seu art. 32.º (que constitui um regime especial em face do n.º 3 do art. 18.º do RGCO), a atenuação especial da coima depende sempre da regularização da situação tributária na pendência do processo administrativo.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em uma UC, relevando-se a já paga.


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Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.