Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01115/11
Data do Acordão:05/02/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
ENTREGA DE BEM ARREMATADO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS FISCAIS
Sumário:I - O adquirente pode pedir na própria execução fiscal a entrega do bem imóvel que lhe foi adjudicado em processo de execução fiscal, mediante requerimento endereçado ao chefe do órgão de execução fiscal e com base no despacho de adjudicação, seguindo-se os termos adaptados do processo para entrega de coisa, previsto nos arts. 930.º e seguintes do CPC, aplicável ex vi do art. 901.º do mesmo Código.
II - A competência para conhecer dessa pretensão de entrega do bem é dos tribunais tributários (como é hoje indiscutível em face do acórdão do Tribunal dos Conflitos de 12 de Outubro de 2004, proferido no processo 3/04).
III - Essa competência não se altera pelo facto de a lei permitir que o requerimento de entrega seja apreciado pelo órgão de execução fiscal no caso de lhe não ser deduzida oposição e reservar a intervenção do juiz do tribunal tributário competente para as situações em que haja oposição ao pedido (cfr. art. 151.º do CPPT e art. 49.º, n.º 1. alínea d), do ETAF).
IV - Assim, sem prejuízo do que vimos de dizer e atenta a natureza judicial de todo o processo de execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT), nunca poderá afirmar-se que o tribunal tributário carece de competência para apreciar um requerimento de entrega de um bem formulado pelo respectivo adjudicatário no processo de execução fiscal, sendo que a intervenção do órgão jurisdicional, ainda que não necessária por não ter havido oposição ao pedido, nunca será geradora de incompetência.
Nº Convencional:JSTA00067571
Nº do Documento:SA22012050201115
Data de Entrada:12/06/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF AVEIRO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC96 ART684 N3 ART685-A N1 ART900 ART901 ART930
CCIV66 ART879
CPPTRIB99 ART151 N1
ETAF02 ART49 N1 D
LGT98 ART103 N1
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC3/04 DE 2004/10/12; AC STAPROC1217/02 DE 2002/11/20; AC TCA PROC860/03 DE 2003/11/11
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIV PAG369.
TEIXEIRA DE SOUSA ESCRITOS SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PAG102.
ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VIII PAG563.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A…… (adiante Recorrente ou Executado), executado num processo de execução fiscal e fiel depositário do bem imóvel aí penhorado e vendido, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho proferido pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que lhe ordenou a entrega da chave do imóvel em cinco dias, sob pena de ser determinada a entrega do mesmo com auxílio da força pública.
1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. Foi o Recorrente agora notificado, na qualidade de executado e fiel depositário no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0094200601002090, que corre termos no 1.º Serviço de Finanças da feira, da decisão que contra si ordena a entrega, no prazo de 5 dias, da fracção autónoma designada pela letra H, inscrito na matriz sob o artigo 4878 e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial da Feira sob o n.º 02387/150499, do prédio sito na Rua ……, n.º ……, Urbanização ……, em S. João de Ver, nos termos do art.º 901.º do CPC.
B. Por ter sido, a ajuizada fracção autónoma, vendida, no âmbito do supra mencionado processo de execução fiscal, no dia 18/11/2008, por meio de proposta em carta fechada, tendo sido requerida, pelo adquirente da mesma, a respectiva entrega, por requerimento datado de 21/01/2010, dirigido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e remetido ao Serviço de Finanças onde corre termos o processo de execução fiscal em crise.
C. Por despacho de 28/01/2010, da autoria do Ex.mo Chefe do 1.º Serviço de Finanças da Feira, foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
D. Que, por sua vez, profere decisão na qual ordena a notificação do “(…) executado, quer nessa qualidade quer na de fiel depositário, para que, em 5 dias, contados da aviso de recepção, proceda à entrega das chaves do bem vendido, no Serviço de Finanças de Feira 1, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a entrega com auxílio da força pública”.
E. Sucede, porém, que a competência para ordenar a entrega do bem vendido em sede de execução fiscal cabe ao órgão de execução fiscal onde correm aqueles autos e não ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, como se passa a demonstrar.
F. Salvo melhor opinião, ter-se-á que entender incompetente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para ordenar a entrega ao Adquirente do bem imóvel por este arrematado, pelas razões que se passam a expor:
G. O pedido de entrega feito pelo Adquirente, nos termos do disposto no art.º 901º do C.P.C., não é um incidente que mereça, ab initio, tutela jurisdicional mas antes um mero prolongamento da acção executiva, ou seja, é um simples acto de mera execução decorrente do facto de ter sido feita a adjudicação, nos respectivos autos de Execução, do bem imóvel, ao respectivo adquirente, e pretender este lhe seja o mesmo entregue.
H. Estipula o art.º 901º C.P.C. que, na execução do aí disposto, se aplica o disposto no art.º 930º do C.P.C., o qual, por sua vez, determina que são subsidiariamente aplicáveis as disposições referentes à realização da penhora.
I. Ora, o acto da penhora é um acto jurídico-processual de qualquer processo executivo fiscal, não sendo obviamente qualquer incidente desse processo, pelo que tem de concluir-se que quem pode efectuar uma penhora também pode – e deve – efectuar a entrega de um bem adquirido em venda executiva fiscal.
J. Por tais razões, não só o Adquirente do bem vendido deveria ter requerido o prosseguimento da execução fiscal para entrega do bem vendido, nos termos do artigo 901º do CPC, ao órgão de execução fiscal como se impunha que este ordenasse, porque competente, que a fracção autónoma fosse entregue ao Adquirente.
K. Nunca, salvo o devido respeito, deveria ele ter sido submetido à apreciação do douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, por ser ele incompetente, que, por sua vez, assim se devia ter declarado.
L. Pelo que mal andou o Adquirente, ao requerer a entrega ao Sr. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, tendo também mal andado o Exmo. Chefe do 1.º Serviço de Finanças da Feira – órgão de execução fiscal –, pois que bem sabia que era da sua exclusiva competência, não só decidir quanto à peticionada entrega como promover às diligências necessárias à entrega coerciva (mesmo se necessário com o recurso da força pública), sendo, em consequência, incompetente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para ordenar a entrega do bem em crise nos presentes autos ao Adquirente.
M. É que, no caso vertente, temos por manifesto que a pretensão do Adquirente na prossecução do processo executivo visando a que lhe seja entregue o bem que adquiriu no mesmo, configura uma mera consequência do procedimento de cobrança coerciva da quantia exequenda que, por seu turno, se insere no âmbito da competência do órgão de execução fiscal, nos termos da al.f) do n.º 1 do art.º 10.º do CPPT.
N. Ressalvado que se encontra a entrega nos termos do art.º 901 do CPC do n.º 1 do art.º 151.º do CPPT.
O. Aliás, o acatamento destes normativos legais, logo traz implícita, no âmbito da jurisdição tributária, a competência do órgão de execução fiscal para o procedimento executivo visando-se a entrega dos bens ao Adquirente, uma vez que o mesmo não constitui qualquer procedimento novo e autónomo, mas uma mera continuidade daquela execução, ainda que obrigatoriamente vinculado ao modelo adaptado no processo para cobrança coerciva de quantia certa.
P. Acresce que a própria Administração Tributária, através do Ofício Circulado n.º 60.080 de 14/12/2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários sanciona o entendimento que a competência na prossecução do procedimento executivo pertence ao órgão de execução fiscal.
Q. Do mesmo entendimento, versa, entre outras, a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu no processo n.º 1502/07.3BEVIS, da qual resulta que “(…) Tendo o Reclamante (adquirente do bem vendido) requerido o prosseguimento do processo de execução fiscal, para entrega do bem vendido, nos termos do art.º 901.º do CPC, incumbe ao Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo proceder a todas as diligências necessárias à efectiva entrega do bem, ao abrigo do disposto no art. 930.º do CPC (…)”.
R. Pelos motivos atrás expostos, resulta ser da competência do órgão de execução fiscal – que a isso se encontra vinculado – promover à entrega efectiva do bem sendo, consequentemente, incompetente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para ordenar a entrega do bem em crise ao Recorrente.
S. Por conseguinte, tendo o douto despacho que ora se recorre violado o preceituado nos art.ºs 901º, 930 e 840º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º do CPPT e, bem assim, os artigos 10.º n.º 1 al. f) e 151.º n.º 1, ambos do CPPT.
nestes termos e nos mais de direito que v.ªs ex.ªs muito doutamente suprirão:
Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, dado provimento ao presente recurso, revogando-se o mui douto despacho recorrido e substituindo-se por outro no qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro se declare incompetente para o incidente requerido nos termos do art.º 901.º do CPC por ser competente o respectivo órgão de execução fiscal, com todas as consequências legais» (() (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.)).
1.3 O recurso, após reclamação nos termos do disposto no n.º 3 do art. 688.º do Código de Processo Civil (CPC), foi admitido, para subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A B……, S.A. (adiante Adquirente) apresentou contra alegações, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. Todos os incidentes jurisdicionais, suscitados em processo de execução fiscal, que corra trâmites nos serviços locais de finanças, são da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
2. Por força do artigo 62º, nº 1, al. i), do ETAF e artigo 151, nº 1, do CPPT o tribunal tributário tem competência para conhecer de qualquer incidente jurisdicional, suscitado em execução fiscal, designadamente o incidente previsto no artigo 901, do C.P.Civil».
1.5 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento com a seguinte fundamentação:
«1. O acórdão Tribunal de Conflitos 12.10.2004 processo nº 3/04 apreciou a questão decidenda, exprimindo entendimento condensado no seguinte sumário doutrinário:
I- A jurisdição competente para apreciar a pretensão da recorrente de entrega do bem que lhe foi adjudicado em execução fiscal pendente na repartição de finanças é a jurisdição administrativa e fiscal e não a jurisdição comum.
II- E dentro da jurisdição administrativa e fiscal, são competentes os tribunais tributários.
No aresto ponderou-se decisivamente:
a) a circunstância de o incidente de entrega do bem adquirido ter natureza jurisdicional (art. 901º CPC);
b) a competência do tribunal tributário para o conhecimento de qualquer incidente suscitado no processo de execução fiscal (arts. 62º nº 1 al. f) ETAF revogado [actualmente art. 49º nº 1 al. d) ETAF 2002] e art. 151º CPPT)
Nestes termos inequívocos o tribunal tributário tem competência para a apreciação e decisão sobre o incidente de entrega do imóvel suscitado pela adquirente B……, S.A.».
1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro é incompetente para ordenar a entrega de bem vendido em execução fiscal.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Com interesse para a decisão a proferir, os autos revelam a seguinte tramitação processual (() (Note-se que, embora o Supremo Tribunal Administrativo não tenha competência em matéria de facto nos recursos que lhe são submetidos das decisões dos tribunais de 1.ª instância (cfr. art. 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), não está impedido e, pelo contrário, está obrigado a considerar as ocorrências processuais reveladas pelos autos, apreensíveis por mera percepção e que são do conhecimento oficioso. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 23 h) ao art. 279.º, pág. 369.)):
a) Foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Feira-1 contra A…… a presente execução fiscal com o n.º 0094200601002090 (cfr. fls. 1);
b) No âmbito deste processo de execução fiscal foi penhorada ao Executado e vendida em 18 de Novembro de 2008 à “B……, S.A.” uma fracção autónoma de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal (cfr. fls. 26/27 e fls. 67 a 70);
c) Por requerimento entrado no Serviço de Finanças da Feira-1 em 12 de Agosto de 2009, a “B……, S.A.” informou que o imóvel ainda não lhe tinha sido entregue, motivo por que pediu ao Chefe daquele serviço «nos termos dos Art.ºs. 840º e 930º, n.º 1, 2 e 3, ambos do C.P.C., se digne ordenar a entrega efectiva do imóvel à reclamante, designando, para o efeito, dia e hora para a realização da diligência» (cfr. fls. 108);
d) Por ofício datado de 10 de Setembro de 2009 e cujo aviso de recepção foi devolvido assinado com data de 11 de Setembro de 2009, o Serviço de Finanças da Feira-1 notificou A…… da venda e, «na qualidade de executado e fiel depositário, para, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da assinatura do aviso de recepção, proceder à entrega do bem […], nos termos prescritos nos artigos 901.º e 930.º do Código de Processo Civil (CPC) ao adquirente B……, SA […] sob pena de, não o fazendo, serem accionados os mecanismos legais para a sua concretização» (cfr. fls. 107);
e) Por requerimento entrado no Serviço de Finanças da Feira-1 em 13 de Janeiro de 2010 e endereçado ao Chefe daquele serviço, a “B……, S.A.” formulou o seguinte pedido: «pela 2ª vez, requer a V. Exª se digne ordenar a entrega efectiva do imóvel adjudicado à B……, designando, para o efeito, dia e hora para a realização da diligência» (cfr. fls. 112);
f) Por requerimento entrado no Serviço de Finanças de Feira-1 em 21 de Janeiro de 2010 e endereçado ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a “B……, S.A.” formulou o seguinte pedido: «requer a V. Exª se digne ordenar a entrega efectiva do imóvel adjudicado à B……, designando, para o efeito, dia e hora para a realização da diligência» (cfr. fls. 117);
g) Em 28 de Janeiro de 2010, a Escrivã do processo lavrou informação do seguinte teor:
«Nesta data, juntei aos autos os requerimentos que antecedem, apresentados por […], na qualidade de mandatário da B……, S.A.
O requerimento apresentado no dia 13/01/2010 foi dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças da Feira-1, através do qual foi solicitada a entrega efectiva do imóvel adjudicado à B…… .
Requerimento de idêntico teor foi apresentado no dia 21/01/2010 dirigido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
O executado já foi notificado para proceder à entrega do bem ao adquirente, nos termos do preceituado nos artºs 901º e 930º do Código de Processo Civil, não o tendo feito até à data.
O adquirente ainda não tomou posse efectiva do bem.
É quanto me cumpre informar» (cfr. fls. 123)
h) Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças da Feira-1 exarou despacho do seguinte teor:
«Em face da informação que antecede e tendo presente o Acórdão 03/04 de 2004/10/12 do Tribunal de Conflitos do Supremo Tribunal Administrativo, remetam-se os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro» (cfr. fls. 123);
i) Em cumprimento daquele despacho, os autos foram remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, cujo Juiz, após diligenciar pelo pagamento da taxa de justiça (cfr. fls. 124 a 128), proferiu despacho do seguinte teor:
«Com cópia de fls. 107, 117 e 123, notifique o executado de que contra ele foi requerida a entrega do prédio vendido nesta execução, nos termos previstos no art. 901º, do Código de Processo Civil.
Notifique-se ainda o executado, quer nessa qualidade quer na de fiel depositário, para que, em 5 dias, contados da assinatura do aviso de recepção, proceda à entrega das chaves do bem vendido, no Serviço de Finanças da Feira 1, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a entrega com auxílio da força pública.
Comunique este despacho ao Serviço de Finanças da Feira 1, devendo este informar o Tribunal, de imediato, caso e logo que ocorra a efectivação da entrega do imóvel» (cfr. fls. 136);
j) notificado desse despacho por carta registada com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 9 de Março de 2011 (cfr. fls. 137, 139 e 140), A…… veio, por requerimento remetido a juízo por correio registado em 14 de Março de 2011, pedir ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que «se digne conceder um prazo nunca inferior a sessenta dias para o executado ou chegar a acordo com a exequente ou, então, proceder, à entrega da bem» (cfr. fls. 142 a 145);
k) nesse requerimento, para além do mais, A…… veio alegar que estava em negociações com “B……, S.A.” em ordem a comprar-lhe a fracção autónoma dita em b), sendo inclusive que tinha recebido desta instituição bancária – que lhe tinha concedido um empréstimo para aquisição da referida fracção – uma comunicação a dar-lhe conta de que «o mútuo se encontrava em vigor» e do novo montante da prestação por força da alteração da taxa de juro, bem como recebeu da seguradora uma comunicação no sentido de que «excepcionalmente reiniciavam o contrato de seguro», motivo por que procedeu «ao pagamento do prémio do seguro e voltou a pagas as prestações do contrato de mútuo», convencido que estava da manutenção do contrato de mútuo (cfr. fls. 142 a 145);
l) por requerimento remetido a juízo por correio electrónico em 22 de Março de 2011, A…… veio apresentar requerimento de interposição de recurso do despacho dito em i), acompanhado das alegações de recurso (cfr. fls. 157 a 166).
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Num processo de execução fiscal foi penhorada e vendida uma fracção autónoma de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal.
Na sequência dessa venda, e alegando que o bem ainda não lhe fora entregue, veio a “B……, S.A.”, na qualidade de adquirente, pedir ao Chefe do Serviço de Finanças da Feira-1 – órgão da execução fiscal – que, «nos termos dos Art.ºs. 840º e 930º, n.º 1, 2 e 3, ambos do C.P.C., se digne ordenar a entrega efectiva do imóvel à reclamante, designando, para o efeito, dia e hora para a realização da diligência».
Deferindo esse requerimento, o Chefe daquele serviço notificou o Executado e fiel depositário do bem vendido para «no prazo de 15 (quinze) dias a contar da assinatura do aviso de recepção, proceder à entrega do bem […], nos termos prescritos nos artigos 901.º e 930.º do Código de Processo Civil (CPC) ao adquirente B……, SA […] sob pena de, não o fazendo, serem accionados os mecanismos legais para a sua concretização».
Não tendo conseguido que o bem lhe fosse entregue, a “B……, S.A.”, após uma insistência junto do órgão de execução fiscal e perante o silêncio deste, dirigiu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro o pedido de entrega do bem adquirido.
Em face desse pedido, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ordenou a notificação do Executado «de que contra ele foi requerida a entrega do prédio vendido nesta execução, nos termos previstos no art. 901º, do Código de Processo Civil», bem como a notificação do mesmo, «quer nessa qualidade quer na de fiel depositário, para que, em 5 dias, contados da assinatura do aviso de recepção, proceda à entrega das chaves do bem vendido, no Serviço de Finanças da Feira 1, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a entrega com auxílio da força pública».
O Executado, em face desta notificação, veio apresentar um requerimento em que, sustentando a manutenção do contrato de mútuo que celebrara em ordem à aquisição do imóvel com a instituição bancária que veio a adquiri-lo no processo de execução fiscal, requereu a concessão de «prazo nunca inferior a sessenta dias para o executado ou chegar a acordo com a exequente ou, então, proceder, à entrega da bem».
Do mesmo passo, o Executado veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho que ordenou a entrega da chave, apresentando as alegações de recurso e respectivas conclusões.
Como resulta das conclusões (que delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)), o Recorrente considera que a competência para ordenar a entrega do prédio é do Chefe do Serviço de Finanças da Feira-1 e não do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é, como adiantámos no ponto 1.7, a de saber o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro é ou não competente para ordenar a entrega do bem.
2.2.2 DA COMPETÊNCIA PARA ORDENAR A ENTREGA DO BEM VENDIDO
É hoje pacificamente aceite que no caso de bens vendidos em processo de execução fiscal, o adquirente pode, com base no despacho de adjudicação, requerer o prosseguimento da execução contra o detentor dos bens, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa (arts. 900.º e 901.º do CPC). O que bem se compreende se se atentar em que a venda executiva produz os mesmos efeitos que a realizada através de negócio jurídico translativo (cfr. art. 879.º do Código Civil), nomeadamente a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.
Assim, adjudicados os bens, pode o adquirente, nos termos do referido art. 901.º do CPC, providenciar pela respectiva entrega requerendo, com base no despacho de adjudicação, o prosseguimento da execução (() (Cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 102.)), sendo aplicáveis os termos adaptados do processo para entrega de coisa, previsto nos arts. 930.º e seguintes do CPC.
Por outro lado, é hoje também aceite que são os tribunais tributários os competentes para apreciar a pretensão do adquirente de que lhe seja entrega do bem que lhe foi adjudicado em execução fiscal.
É esta a doutrina que tem vindo a ser sustentada nos tribunais (() (Vide os seguintes acórdãos:
da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Novembro de 2002, proferido no processo com o n.º 1217/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32240.pdf), págs. 2741 a 2745, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/53c4b2405a52362080256c7f00397c7c?OpenDocument;
da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, de 11 de Novembro de 2003, proferido no processo com o n.º 860/03, com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/82c4a29d5128070280256de40039f086?OpenDocument.)) e que, no que se refere à competência dos tribunais tributários, foi adoptada pelo acórdão do Tribunal dos Conflitos de 12 de Outubro de 2004 (() (Acórdão proferido no processo com o n.º 3/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Maio de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32600.pdf), págs. 92 a 97, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/80be3a27013693368025713b003b5a81?OpenDocument.)).
Tem-se também vindo a entender que, uma vez pedida a entrega do bem pelo adquirente, de duas uma: ou a entrega se consuma sem reacção jurídica dos que o detinham, ou, ao invés, estes deduzem oposição à execução; na primeira situação, nada obsta a que o pedido seja apreciado e decidido pelo órgão de execução fiscal, enquanto que, na segunda situação, só o tribunal tributário poderá dirimir o conflito. Isto, quer no entendimento de que estaremos nesta última hipótese perante um incidente, no sentido de «uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo» (() (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, volume III, pág. 563.)), na medida em que resultado da aquisição do direito de propriedade e por força da abrangência deste conceito legal, a tramitação normal deveria consistir na entrega, sem oposição, dos bens aos adquirentes, quer por aplicação extensiva do estatuído no art. 151.º, n.º 1, do CPPT, no sentido de que se tem considerado estarem reservadas aos tribunais tributários as matérias que exigem uma decisão de carácter jurisdicional (() Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 151.º, pág. 51. ).
A própria Administração tributária aceitou a referida doutrina e fez circular instruções – Ofício-Circulado n.º 60.080, de 14 de Dezembro de 2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (() Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/DC596196-1C77-4AFC-9AB3-43AC9476D026/0/Oficio_Circulado_60080.pdf.)) – no sentido de que é ao órgão de execução fiscal que cabe, a requerimento do interessado, proceder à entrega do bem adjudicado em venda nos processos de execução fiscal, sendo que, nos casos em que exista reacção jurídica da parte de quem esteja a reter o bem, a decisão a proferir sobre o respectivo requerimento será da competência do tribunal tributário, por ser um acto de natureza jurisdicional, enquanto nos casos em que a resitência à entrega seja meramente física e não jurídica, cabe à administração tributária diligenciar no sentido de viabilizar essa entrega (com eventual requisição de força pública), pois trata-se de matéria que não tem natureza jurisdicional, por não existir necessidade de resolver qualquer questão jurídica controvertida.
Na verdade, naquele ofício-circulado concluiu nos seguintes termos:
«Em conclusão, para a entrega efectiva do bem vendido em execução fiscal:
1. Nos casos em que seja necessária a intervenção da administração fiscal na entrega dos bens, a iniciativa deverá ser do adquirente dos bens, mediante requerimento que justifique o motivo dessa necessidade. Este requerimento deverá fazer parte integrante do processo de execução fiscal e merecer um despacho do chefe de finanças, aceitando os argumentos e ordenando as diligências necessárias ou rejeitando o pedido, devendo justificar o motivo, ou ainda ordenando diligências para posterior decisão fundamentada.
2. A competência na prossecução do procedimento executivo pertence ao órgão de execução fiscal.
3. Deverá ser seguido um modelo adaptado do processo para a entrega da coisa, previsto nos artigos 930º e seguintes do CPC.
4. Existindo reacção jurídica do detentor (retentor) do bem, é competente o tribunal de competência especializada em razão da matéria (Tribunal Tributário de 1ª instância), face ao estabelecido no artigo 4º do ETAF».
Foi com base na doutrina deste ofício que o Recorrente entendeu que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro carecia de competência para ordenar a entrega do imóvel vendido.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, sendo, aliás, difícil vislumbrar qual o direito ou interesse legítimo que o Recorrente prossegue com o presente recurso. Vejamos:
O processo de execução fiscal tem natureza judicial em toda a sua extensão (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT).
Assim, sem prejuízo da admissibilidade constitucional da atribuição à administração tributária da prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal, não pode considerar-se que o tribunal tributário seja incompetente para a prática de qualquer acto naquele processo.
Ademais, a competência para conhecer da pretensão de entrega do bem é dos tribunais tributários (como é hoje indiscutível em face do referido acórdão do Tribunal dos Conflitos de 12 de Outubro de 2004) e essa competência não se altera pelo facto de a lei permitir que o requerimento de entrega seja apreciado pelo órgão de execução fiscal no caso de lhe não ser deduzida oposição e reservar a intervenção do juiz do tribunal tributário competente para as situações em que haja oposição ao pedido (cfr. art. 151.º do CPPT e art. 49.º, n.º 1. alínea d), do ETAF).
Assim, sem prejuízo do que vimos de dizer e atenta a natureza judicial de todo o processo de execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT), nunca poderá afirmar-se que o tribunal tributário carece de competência para apreciar um requerimento de entrega de um bem formulado pelo respectivo adjudicatário no processo de execução fiscal, sendo que a intervenção do órgão jurisdicional, ainda que não necessária por não ter havido oposição ao pedido, nunca será geradora de incompetência.
Seja como for, a verdade é que, na situação sub judice o ora Recorrente deduziu oposição ao pedido de entrega, como resulta da apresentação do requerimento referido nas alíneas j) e k) dos factos, pelo que, de acordo com a doutrina que deixámos exposta, sempre caberia ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro apreciar e decidir o pedido de entrega do bem vendido.
O recurso não merece, pois, provimento.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O adquirente pode pedir na própria execução fiscal a entrega do bem imóvel que lhe foi adjudicado em processo de execução fiscal, mediante requerimento endereçado ao chefe do órgão de execução fiscal e com base no despacho de adjudicação, seguindo-se os termos adaptados do processo para entrega de coisa, previsto nos arts. 930.º e seguintes do CPC, aplicável ex vi do art. 901.º do mesmo Código.
II - A competência para conhecer dessa pretensão de entrega do bem é dos tribunais tributários (como é hoje indiscutível em face do acórdão do Tribunal dos Conflitos de 12 de Outubro de 2004, proferido no processo 3/04).
III - Essa competência não se altera pelo facto de a lei permitir que o requerimento de entrega seja apreciado pelo órgão de execução fiscal no caso de lhe não ser deduzida oposição e reservar a intervenção do juiz do tribunal tributário competente para as situações em que haja oposição ao pedido (cfr. art. 151.º do CPPT e art. 49.º, n.º 1. alínea d), do ETAF).
IV - Assim, sem prejuízo do que vimos de dizer e atenta a natureza judicial de todo o processo de execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT), nunca poderá afirmar-se que o tribunal tributário carece de competência para apreciar um requerimento de entrega de um bem formulado pelo respectivo adjudicatário no processo de execução fiscal, sendo que a intervenção do órgão jurisdicional, ainda que não necessária por não ter havido oposição ao pedido, nunca será geradora de incompetência.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
*
Lisboa, 2 de Maio de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.