Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00860/03
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/11/2003
Relator:José Carlos Almeida Lucas Martins
Descritores:RECLAMAÇÃO ÓRGÃO EXECUÇÃO FISCAL
COMPETÊNCIA
ENTREGA BEM ARREMATADO
Sumário:A competência cabe à jurisdição fiscal para a entrega dos bens ao adquirente, em sede de processo executivo se e quando este o requeira, ao abrigo do artº 901º do CPC, seja porque, por um lado, tal competência lhe cabe por força do disposto na Lei Fundamental, seja porque, tal possibilidade é, hoje e na esteira da reforma de processo civil empreendida pelo DL. nº 329-A/95, inovadora, sendo inaplicável a tal matéria, o que, antes disso, se doutrinava a respeito da entrega judicial de bens ao adquirente em sede executiva, seja, ainda, porque, sendo a legislação processual tributária omissa sobre tal matéria e à míngua de qualquer disposição legal, de natureza concreta ou geral, em contrário, se impõe a aplicação subsidiária da legislação processual civil, por força do preceituado, hoje, na al. e), do artº 2º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «Armando …», com os sinais dos autos, por se não conformar com o despacho proferido pelo Mm° Juiz do Tribunal Tributário de Beja e que lhe negou provimento à reclamação que deduzira de despacho do CRFinanças de Odemira, de 020UT07, dele veio interpor o presente recurso, apresentando, para o efeito, o seguinte quadro conclusivo;

1- Por força do Despacho de Adjudicação já transitado em julgado há mais de um ano, o recorrente adquiriu, em 28.09.2000, na sequência de entrega de uma proposta em carta fechada, tudo no âmbito da acção executiva fiscal n.º 302.96/100665.7 da Repartição de Odemira, o prédio identificado nos autos e que é o descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira, sob o n.º 00745/161097 da freguesia de S. Martinho, concelho de Odemira, tendo registado esse seu direito de propriedade através da inscrição de aquisição n.º G-2, de 01.04.2002.

2- Os ex-proprietários do referido imóvel, executados na referida acção executiva fiscal, têm impedido o Arrematante, aqui recorrente, desde a data da aquisição da fracção até à presente data, de ele tomar posse do referido imóvel, recusando-lhe a entrega das respectivas chaves, e ocupando, ilegitimamente, o mesmo imóvel, apesar de várias interpelações que lhe foram feita para que o entregassem, nomeadamente as notificações efectuadas através da referida Repartição de Finanças.

3- O Arrematante, ora recorrente, já efectuou o cancelamento de todos os ónus e encargos incidentes sobre o referido prédio, cancelamento esse decorrente do facto do prédio ter sido vendido em execução fiscal;

4- O Arrematante, aqui Recorrente, por efeito directo da referida ilegítima ocupação do imóvel, já teve um prejuízo de, pelo menos, 15.960 euros;

5- O recorrente tem o direito jurídico-processual de obter a posse através do mecanismo previsto no artigo 901° do CPC, aqui aplicável subsidiariamente; com efeito,

6- O artigo 901° do CPC é inteiramente aplicável à situação em apreço no presente processo, já que o Código do Procedimento e Processo Tributário nada prevê quanto à proibição de aplicação desse normativo do Código de Processo Civil, ocorrendo assim uma situação de omissão legislativa preenchível por recurso à norma subsidiariamente aplicável no termos do artigo 2° do CPPT, no caso, referido artigo 901° do CPC;

7- na realidade, o CPPT apenas contém -em termos de normas «especiais»- as normas de natureza SUBSTANTIVO-fiscal, tais como as normas sobre pagamentos em prestações, sub-rogação (que pouco ou nada têm de normas processuais) e não normas de natureza PROCESSUAL-fiscal,

8- E, para além disso, o CPPT contém outras normas, mas de natureza administrativo-tributário tal como sejam as referentes a impugnação de liquidações de impostos e as que se reportam à questão da forma e meios de decisão sobre questões de defesa dos interesses do Estado (enquanto credor, de per si, e não enquanto "Juiz" imparcial e isento que «gere» o processo de execução fiscal).

9- Assim, o CPPT contém apenas normas «específicas» dos processo de execução fiscal mas que não são, verdadeiramente, normas «especiais» - que imponham que nenhumas normas do Código de Processo Civil se apliquem no processo de execução fiscal mas que, APENAS, permitem que SE, QUANDO e NA MEDIDA em que existam normas especialmente reguladoras da matéria deverão essas normas ser aplicadas.

10- Ora, a realidade é que essas normas ESPECÍFICAS - como que "paralelas" ao artigo 901° do CPC -NÃO EXISTEM no CPPT.

11- E o certo é que as normas do artigo 901° do CPC não são incompatíveis com quaisquer normas do CPPT, quer por oposição directa que indirecta, quer explícita que implícita;

12- Bem pelo contrário, a "ratio legis " do artigo 901 ° do CPC - e todas as razões de natureza económica, financeira e social - que «suportam» o normativo ínsito nessa disposição legal é a mesma quer nas vendas judiciais dos tribunais judiciais quer nas vendas efectuadas nas Repartições de Finanças, tanto mais que,

13- O processo executivo fiscal tem, como é pacífico, «natureza judicial»e não uma espécie de natureza «para judicial» ou, pelo menos, se assim não é, para efeitos de aplicação das normas processuais, tem natureza judicial, como aliás, decorre do disposto no artigo 103° n° 1 da LEI GERAL TRIBUTÁRIA (Decreto-Lei n.° 39$/98, de 17.12.1998) e do disposto nos números 28 e 29 do artigo 2° da Lei 41/98 de 4.8.98 (Lei de Autorização Legislativa da Lei Geral Tributária).

Por outro lado,

14- se se entendessem as coisas de outra forma, então o legislador certamente que teria criado para o CPPT (entrado em vigor muito depois de 01. 01.1997, data da entrada em vigor do artigo 901 ° do CPC) - como não o fez - um dispositivo legal no sentido de que a norma do artigo 901° do CPC não se aplicaria ao processo executivo tributário

15- E a referida «ratio legis» é tanto mais relevante quanto o certo é que, se assim não for, criar-se-ia, sobretudo a partir de 15.09.2003, uma clara «caputi deminutio» dos Srs. Chefes de Repartição de Finanças, já que, a partir daquela data, o Sr. Solicitador de Execução - figura jurídica criada pelo Decreto-Lei n°38/2003, de 08.03.2003- pode, nos termos dos artigos 808° e 809° do CPC, DAR EXECUÇÃO ao disposto no artigo 901 ° do CPC.

16- E, nesse caso, se já antes o estava, agora ainda mais fica posta em causa a "credibilidade do sistema judiciário fiscal" pelo motivo de que não se compreenderá(ia) que o Sr. Solicitador de Execução possa (pudesse) fazer algo que um Sr. Chefe da Repartição de Finanças não possa fazer!...

Por outro lado,

17- a decisão de que recorre não é aceitável porque atenta contra o PRINCÍPIO DA PLENITUDE do processo de execução fiscal, decorrente do disposto nos artigo 10°, n.º 1 alínea f) e 151 °, ambos do CPPT, segundo o qual no processo de execução fiscal trata-se e decide-se TUDO o que se trata e decide no processo de execução cível salvo nas partes não permitidas pelo CPPT.

18- E, por isso mesmo, não existe no CPPT qualquer "elenco" - taxativo ou, sequer, meramente exemplificativo - das figuras jurídico-processuais do CPC «permitidas» por esse CPPT.

De qualquer forma

19- o «pedido» do Arrematante, ora recorrente, no sentido de se aplicar o disposto no artigo 901° do CPC não é um «incidente» mas sim um mero PROLONGAMENTO da acção executiva, ou seja, é um simples "acto de (mera) execução) decorrente do facto de ter sido ORDENADA a ADJUDICAÇÃO do bem imóvel ao Arrematante, aqui recorrente.

20- Ou seja, no fundo, o acto de ENTREGA DO BEM IMÓVEL não é, em termos de NATUREZA DAS COISAS, mais do que aquilo que é uma penhora, ou seja, um acto MATERIALMENTE ADMINISTRATIVO, ainda que sujeito à tutela judicial, de tal modo que

21- se prevê no artigo 901° do CPC que, na execução do disposto nessa norma legal, se aplica o disposto no artigo 930° do CPC, o qual, por sua vez, dispõe que "são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora";

22- Ora, se a penhora é ; por óbvio, um TÍPICO acto jurídico-processual de qualquer processo executivo fiscal, não sendo pois qualquer «incidente» de esse processo, tem de concluir-se que QUEM pode efectuar uma PENHORA também pode - e deve - efectuar a ENTREGA de um bem adquirido em venda executiva fiscal.

Para além disso,

23- Se existe o poder de determinar o cancelamento de ónus e encargos - algo que em abstracto, afecta interesses legítimos de terceiros - tem de concluir-se que o facto de um prédio adquirido em venda executiva fiscal estar ocupado ilegitimamente não deixa de ser um «encargo» cuja "extinção" decorre do Despacho que ordena o- seu cancelamento; e assim,

24- E por todas estas razões, deveria a Repartição de Finanças de Odemira ter ordenado que o prédio fosse, imediata e incondicionalmente, entregue à pessoa do Arrematante, aqui Recorrente, tudo nos termos do artigo 901° do CPC, aqui aplicável.

- O EMMP, junto deste Tribunal, a quem os autos foram com vista, no seu douto parecer de fls. 80 e v°., pronunciou-se no sentido da competência hierárquica deste Tribunal, em virtude do recurso versar, exclusivamente, matéria de direito, pelo que tal competência caberá à Secção de Contencioso Tributário do STA; Sobre tal questão e com aquelas conclusões do recurso, -apresentadas posteriormente ao parecer do M°P°, na medida em que o foram em resultado de convite expresso para o efeito, por despacho de 09AG029, por o não terem sido com as alegações- , o recorrente pronunciou-se no sentido não se opor à remessa do recurso ao STA (cfr. f s. 93).


*****

- Colhidos os vistos legais, cabe DECIDIR.

- Segundo alíneas da nossa iniciativa e com suporte nas informações oficiais prestadas e nos docs. juntos, umas e outros, aos autos, o despacho recorrido deu, por provada, a seguinte;


- MATÉRIA DE FACTO -

A). Em 12 de Agosto de 1996 foi instaurado na Repartição de Finanças de Odemira o processo de execução fiscal n.° 0302-96/10665.7 e apenso contra a executada "Lucas …, Lda.", com sede nesse concelho, na Portela da …, S. Martinho …, por dívidas de contribuições para a Segurança Social dos meses de Julho de 1994 a Junho de 1996, num valor global, de esc. 1.526.555$00 (um milhão, quinhentos e vinte e seis mil, quinhentos e cinquenta e cinco escudos) - (vidé a execução fiscal apensa).

B). Em 08 de Fevereiro de 200 vieram tais dívidas a ser revertidas contra Manuel … e mulher Emília …, residentes na Portela da …, corte Malhão, S. Martinho das …, Odemira (fls. 7 e verso da mesma execução).



C). No âmbito dessa execução fiscal veio o ora reclamante a adquirir, em 28 de Setembro de 2000, por proposta em carta fechada e pelo preço de esc. 4.600.000$00 (quatro milhões e seiscentos mil escudos), o prédio misto sito na Zambujeira, freguesia de S. Martinho das Amoreiras, concelho de Odemira - que aí havia sido penhorado em 09 de Junho de 2000 -, constituído pela .parte urbana com casas de rés-do-chão com dois compartimentos para habitação, uma cozinha, um corredor e uma arrecadação, que confronta a Norte com terras de António …, a Sul com ribeira, a Nascente com Gabriel … e a Poente com Olívia …, com a superfície coberta de 63 m2 e inscrito na matriz predial sob o artigo 1326 e pela parte rústica com a área de 3.300 hectares e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 20, da Secção Q, conforme os autos de penhora de fls. 16 e verso e de venda de fls. 75 a 76 e a guia de depósito de fls. 80, todas da execução apensa.

D). Tendo o adquirente registado já em seu favor a aquisição do referido imóvel, conforme o documento de fls. 116 dos autos de execução.

E). Em 13 de Dezembro de 2001 apresentou o Reclamante na Repartição de Finanças o requerimento que constitui fls. 98, que aqui reproduzo integralmente e onde solicitava a tomada de providências para que o prédio lhe fosse entregue.

F). E em 22 de Agosto de 2002, nessa mesma Repartição, o requerimento de fls. 107 a 111, aqui integralmente reproduzido e onde requeria o prosseguimento da acção executiva contra os detentores do prédio adquirido.

G). Motivando a prolação pelo senhor Chefe da Repartição de Finanças, a 07 de Outubro de 2002, do despacho de indeferimento de fls. 129 da execução, cujo teor também aqui dou por reproduzido na íntegra.

H). Notificado ao requerente em 09 de Outubro de 2002 (vidé o ofício, o registo e o aviso de recepção de fls 130, 131 e 132 da execução).

I). E motivando a apresentação desta reclamação judicial a 17 de Outubro seguinte conforme carimbo de entrada aposto a fls. 2 dos autos.


*****

- Cabe, desde logo, apreciar a questão prévia suscitada pelo ilustre magistrado do M°P°, junto deste Tribunal, de ocorrerá incompetência hierárquica, em virtude de apenas se questionar matéria de direito.

- Crê-se, no entanto, que tal incompetência se não verifica, na linha da corrente jurisprudencial do STA; É que o que relva para o apuramento da competência hierárquica deste Tribunal, por cotejo do STA ;que a tem apenas para os casos de recurso em que se dsicutam apenas questões de direito-, é a de saber se o recorrente, nas conclusões das respectivas alegações esgrime, com matéria de facto atendida, ou não, na decisão recorrida e, e, naquela primeira hipótese, necessariamente feita constar do respectivo probatório, sendo de concluir, na hipótese inversa (suscitação de questões de facto não consideradas no julgamento da matéria de facto pela decisão recorrida), se discutem questões de facto determinantes da competência deste Tribunal, ainda que aquelas se evidenciem, "à vista desarmada" serem inócuas ou mesmo impertinentes ao dirimir da questão de fundo controvertida, ou, no dizer daquele Venerando Tribunal, o que importa, para estes efeitos, é o "quid disputatum" que não o "quid decsum” Cfr., entre outros, os Acs. do STA de 02MAI29, 03JAN21 e 03MAR09, tirados, respectivamente, nos Recs. 470/02, 1.621/02 e 85/03.

- Ora, no caso "sub judice", invoca o recorrente, nas suas conclusões, designadamente na segunda e na quarta, com matéria de facto que não consta do probatório, como seja, v.g., a de que os executados se têm recusado a entregar-lhe as chaves do imóvel em questão ou de que em resultado da ocupação ilegítima do prédio, por parte daqueles, já teve um prejuízo de, pelo menos €15.960.

- Tanto basta para concluir, assim, de que, no caso o recurso não tem por objecto apenas matéria de direito, pela que a competência para sua apreciação cabe a este Tribunal.


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ENQUADRAMENTO JURÍDICO -

- Resolvida que está a competência do Tribunal, cabe, então, conhecer do mérito do recurso para o que releva, desde logo, a delimitação do tema decidendo.

- Assim, a questão que se controverte consiste em saber a quem compete determinar a entrega judicial de bem vendido em execução fiscal, ao seu legítimo adquirente, por aplicação do preceituado no ari". 901° do CPC vigente; Desde logo e, em primeira linha, se aos tribunais comuns,-como o entendeu a decisão recorrida-, se à jurisdição fiscal,como considera o recorrente-, sendo essa a vertente da questão que, de forma directa, se suscitou com a decisão recorrida.

- No entanto, para além desta e em função da resposta que lhe venha a ser dada, suscitar-se-á, eventualmente, uma outra, qual seja a de saber, nesta jurisdição, se tal competência caberá ao Serviço de Finanças se ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância.

- Dito de outra forma, coloca-se, antes do mais, uma questão de competência material, tendo sido, nessa linha de entendimento, como nos parece insofismável, que se pronunciou a decisão recorrida ; ao desatender a reclamação deduzida, pelo recorrente, contra o despacho do CRF que se entendeu incompetente para determinar tal entrega do bem, por ele, adquirido em sede executiva.

- De facto ainda que a não tenha afirmado expressamente no decisório, assim se terá de entender ter sido feito o respectivo enfoque jurídico, quando no discurso jurídico o Mm' juiz recorrido afirma «O que aqui é relevante não será, pois, a colocação sistemática nos Códigos daquela respectiva regulamentação legal», e relativa à prossecução do processo executivo para entrega dos bens nele, adquiridos-, «antes importando saber se tal matéria se adguará ou não à natureza específica da execução fiscal e às razões para que esse tipo de execução foi criada(sublinhado da nossa responsabilidade).

- Se bem que se trate de matéria não isenta de dúvidas, a verdade é que se não acompanha o decidido pelo Mmº Juiz recorrido.

- Não se discorda que o processo de execução fiscal esteja, essencialmente, estruturado em vista da cobrança de dívidas tributárias, nos termos do que, hoje, preceitua o art°. 148° do CPPT; Mas, tal não implica que o processo em causa esteja exclusivamente adstrito a tal desiderato, ao que aqui, agora nos importa, para todas as relações jurídico-fiscais e, ainda e também, para as que, daquelas sejam um mero resultado ou consequência, na decorrência, desde logo, do disposto na Lei Fundamental a este respeito e que traduz uma extenção da competência dos tribunais administrativas e fiscais consagrada no art.° 3° do ETAF.

- Cabe aqui, sobre esta matéria, citar o Cons. JLSousa Cfr. CPPT anotado, 48 ed., pp. 141, nota 4a. quando doutrina que;

«Nos termos do art. 211.°», da CRP,«os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

Nos termos do n.º 3 do art. 212° (correspondente ao n.º 3 do art. 214 na redacção de 1989), aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento das acções e recursos contencioso que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico administrativas e fiscais.

Em parcial sintonia com esta norma constitucional no art. 3° do E.T.A.F. estabelece-se que incumbe aos tribunais administrativos e fiscais na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais.

A competência dos tribunais administrativos e fiscais, à face daquela norma constitucional, abrange os litígios que emergem das relações administrativas e fiscais (e não apenas as que se incluam no seu âmbito, como se refere no art. 3.° do E.T.A.F.).

[…]

Por outro lado, tem de se pressupor, pela própria importância do diploma, que as expressões utilizadas na redacção da Constituição são adequadas e rigorosas.

O significado natural da expressão «emergir» é o de «resultar» ou «advir», pelo que, contrapondo aquele texto à expressão «no âmbito» utilizada no art.° 3.° do E.T.A.F. deverá concluir-se que a competência daqueles tribunais pode estender-se a litígios que não se desenvolvam apenas no âmbito das relações administrativas e fiscais, mas que são um resultado ou uma consequência dessas relações.».

- E, assim sendo e no caso, cai por base a construção do Mm° Juiz recorrido no suporte de um entendimento legislativo balizado, apenas, no objectivo de uma cobrança célere e eficaz de dívidas tributárias e, nessa medida, obstativo a que, no caso fosse de aplicar o disposto no art°. 901° doCPC.

- É que, no caso vertente, temos por manifesto que a pretensão do recorrente na prossecução do processo executivo visando a que lhe seja entregue o bem que adquiriu no mesmo, configura uma mera consequência do procedimento de cobrança coerciva da quantia exequenda que, por seu turno e como se não questiona, se insere no âmbito das relações jurídico-fiscais, para que é competente a jurisdição fiscal; Por consequência não se perfilha o entendimento de que para tal pretensão do recorrente, ocorra, neste âmbito, incompetência material, cabendo, a mesma, aos tribunais comuns.

- E não se pretenda ver, em contra do que se vem de dizer, no Ac. citado na decisão recorrida, do STA, tirado no Rec. 11.921, um raciocínio argumentativo adequado ao seu rebatimento; É que, como aliás faz notar o recorrente, tal aresto é datado do ano de 1990, ou seja, em momento muito anterior ao da reforma do CPC, efectuada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95DEZ12 e ás subsequentes alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.° 180/96SET25 e, em resultado das quais, o dito art°. 901° passou a ter a redacção que tornou possível ao adquirente dos bens em processo executivo, requerer a prossecução do processo visando que aqueles lhe venham a ser entregues, pela aplicação das normas próprias do processo de execução para entrega de coisa certa, devidamente adaptadas Cfr. Prof JLFreitas, in A Acção Executiva À Luz do Código Revisto, 2ª ed., 20.3.5., pps. 298.

- Ora, antes da entrada em vigor do art°. 901° do CPC, na redacção vigente, o nosso ordenamento jurídico processual civil, não continha qualquer disposição legal que possibilitasse que o adquirente dos bens em processo executivo pudesse diligenciar pela entrega dos mesmos pelos meios próprios para a cobrança coerciva de quantia certa, servindo-se, para o efeito, do título translativo da propriedade; Na realidade, a essa tempo, a possibilidade mais expedita que lhe restava era a do recurso ao processo de entrega judicial, previsto nos art.°s 1.044° a 1.051° do CPC, na redacção então em vigor Citando o Cons. JRBastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. IV, pps. 292 «A posse ou entrega judicial fundada no chamado interdito adispiscendae possessionis, não tem por fim a defesa da posse mas sim a efectividade do exercício do direito em virtude do próprio título. Daí que se aproxime muito mais da execução para entrega de coisa, do que das acções possessórias.»..

- E é nesse sentido que o Prof. Alberto dos Reis, em anotação às disposições relativas à arrematação In Processo de Execução, Vol. II, pps. 390., primeira forma, então vigente, de aquisição de bens em processo executivo-, e reportando-se ao preceito correspondente ao art.° 1.044 do CPC acima referenciado, doutrinou que «Quando se pretenda obter a posse ou entrega judicial dos bens adquiridos por arrematação, terá de juntar-se o título de arrematação e de mostrar-se que, com base nele, se acha feito o registo ou em condições de o ser (Cód. Proc. Civil, art. 1.043.°).».

- Mas, sendo assim, então parece axiomática a conclusão de que a competência cabe à jurisdição fiscal para a entrega dos bens ao adquirente, em sede de processo executivo se e quando este o requeira, ao abrigo do art.° 901° do CPC, seja porque, por um lado, tal competência lhe cabe por força do disposto na Lei Fundamental, seja porque, tal possibilidade é, hoje e na esteira da reforma de processo civil empreendida pelo Dec.-Lei n.° 329-A/95, inovadora, sendo inaplicável a tal matéria, o que, antes disso, se doutrinava a respeito da entrega judicial de bens ao adquirente em sede executiva, seja, ainda, porque, sendo a legislação processual tributária omissa sobre tal matéria e à míngua de qualquer disposição legal, de natureza concreta ou geral, em contrário, se impõe a aplicação subsidiária da legislação processual civil, por força do preceituado, hoje, na al. e), do art.° 2° do CPPT.

- E, também na esteira do referido pelo recorrente, crê-se ser nesse sentido que aponta o Ac. do STA, por ela referenciado, de 02NOV20, tirado no Rec. n.° 1.217/02, onde, discutindo-se, embora, coisa diversa da que aqui se controverte ; no caso a da legitimidade processual para se impulsionar a entrega do bem adquirido ao seu (novo) titular, ao abrigo do citado art°. 901° do CPC-, e decidindo-se no sentido da mesma caber ao adquirente, que não à FPública, se aponta no sentido da prossecução da execução para entrega do bem se solicitada por aquele, como ressalta da seguinte passagem; «Assim, requerido pelo adquirente dos bens, o prosseguimento da execução, que segue os termos da execução para entrega de coisa certa, proceder-se-á à respectiva entrega judicial efectiva, se necessário com o auxílio da força pública, arrombando-se as portas e lavrando-se auto da ocorrência.

Mas isto, como se disse, por iniciativa processual do adquirente dos bens, que não de motu próprio, pela administração tributária.».

- Por outro lado, no entanto e como faz salientar o Mmº Juiz recorrido, nos Tribunais Tributários de 1a Instância não correm termos processos executivos, pelos que, com suporte nos mesmos princípios jurídico-filosóficos que subjazem à respectiva consagração legal ;que nos prescindimos de concretizar e para que se remete-, o mesmo entendimento se tem de estender ao caso da prossecução do processo executivo, a requerimento do adquirente dos bens, ao abrigo do preceituado no art.° 901° do CPC; Aliás o acatamento deste normativo legal, logo traz implícita, no âmbito da jurisdição tributária, a competência do SFinanças, para o procedimento executivo visando-se a entrega dos bens ao adquirente, uma vez que o mesmo não constitui qualquer procedimento novo e autónomo, mas uma mera continuidade daquela execução, ainda que obrigatoriamente vinculado ao modelo adaptado do processo para cobrança coerciva de quantia certa.

- E uma vez diligenciada a entrega, em tais termos, de duas uma; Ou a entrega se consuma sem reacção jurídica dos que os detinham, ou, ao invés, estes deduzem oposição à execução e, então e para tal efeito, a competência caberá ao Tribunal Tributário de 11 Instância, seja porque se entenda estarmos perante um incidente, no sentido de uma ocorrência anómala ao normal desenvolvimento processual da lide, -na medida em que resultado da aquisição do direito de propriedade e por força da abrangência deste conceito legal, a tramitação "normal" deveria consistir na entrega, sem oposição, dos bens aos adquirentes -, seja por aplicação extensiva do estatuído no art° 151°/1 do CPPT, no sentido de que, embora não expressa e legalmente consagrado, se tem considerar abrangido no espírito do legislador que cabe aos TT's de 1.ª instância a competência para decidir todas as oposições às execuções fiscais, desde logo por que a eles se restringe a prolação de decisões de carácter jurisdicional.

- É certo que se pode objectar que, é, pelo menos, admissível, que os detentores dos bens se venham opor à prossecução da execução ao abrigo do art° 901° do CPC, invocando matéria para cuja apreciação sejam competentes, materialmente, os tribunais comuns; Tal, contudo, se e na medida em que suceda, não constitui obstáculo a que, ainda assim, o adquirente dos bens possa requerer a prossecução da execução fiscal ta qual o fez o aqui recorrente, para que lhe seja feita a entrega efectiva dos mesmos.

- É que, em tal situação, sempre quedará ao Mm° Juiz do processo optar por uma de duas vias;

1- Ou, independentemente disso, decidir ele tais questões,

2- Ou, sobrestar na decisão a proferir no processo da sua competência, para que tais questões do foro comum, seja, aí, debatidas, sendo que nesta hipótese, tal "competência" é-lhe devolvida se as partes não recorrerem aos tribunais comuns ou, se o fizerem, permitirem, por inércia, que o respectivo processo esteja parado por período de tempo superior a três meses, sendo que,

sempre que seja o juiz da jurisdição tributária a proferir a decisão de tais questões, os efeitos da mesma limitar-se-ão ao processo onde as mesmas se debaterem, tudo nos termos do estipulado no art° 4°/2 do E.T.A.F., aplicável por força da al. c), do mencionado art.° 2° do CPPT.

- Em jeito de conclusão, entende-se, pois, que a razão assiste ao recorrente quando pretende que a decisão recorrida padece de vício de violação de lei.


*****


-DECISÃO-

- Nestes termos acordam, os juizes da Secção de Contencioso Tributário do TCAdministrativo em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e, por substituição, em julgar procedente a reclamação que deduziu do despacho do CRF de Odemira, de 020UTO7, decisões estas que, por consequência, se eliminam da ordem jurídica, devendo esta última ser substituída por outra que não rejeite a prossecução do processo executivo para entrega efectiva dos bens adquiridos em tal sede, pelo recorrente, com suporte no entendimento de falta de competência material ou territorial para o efeito.

- Sem custas.

03-11-11

ass) José Carlos Almeida Lucas Martins

ass) Francisco António Pedrosa de Areal Rothes

ass) Eugénio Martinho Sequeira (com declaração de voto vencido)


DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO


Vencido. Negaria provimento ao recurso por se entender que os tribunais tributários de 1ª instância carecem de competência em razão da matéria para entrega de coisa arrematada na falta da sua entrega voluntária.

Na verdade, os tribunais tributários de 1ª instância são tribunais de competência especializada em razão da matéria, não podendo conhecer de questões de direito privado, a não ser por via incidental – artºs 209º, 212º da CRP e nº 1 nº 1 f) da ETAF – sendo certo que tal competência também não se encontra acometida pela norma do artº 62º do mesmo ETAF, que atribui a competência material a estes tribunais, antes remetendo para as questões e incidentes, suscitados no processo de execução fiscal.

Por outro lado, o CPPT, ao regular o processo de execução fiscal – artº 148º e segs. – em nenhum lado prevê a possibilidade do prosseguimento desta execução a requerimento do adquirente dos bens, cuja entrega não foi satisfeita, voluntariamente, ao abrigo do disposto no artº 901º do CPC, em contrário do que acontece em outros incidentes, em que para aquele CPC, se remete, como no caso dos artºs 246º, 252º, 257º, nº 1 c) do CPPT, entre outros.

Por outro lado, ainda não se vê como se possa coadunar o processo de execução para entrega de coisa certa prevista neste artº 901º do CPC, com o processo fiscal, em cujos autos seria processado e em seu prosseguimento. Também neste sentido se decidiu no acórdão do STA de 22.11.2002, recurso nº 1217/02-30.)

ass) Eugénio Martinho Sequeira



1) Cfr., entre outros, os Acs. do STA de 02MAI29, 03JAN21 e 03MAR09, tirados, respectivamente, nos Recs. 470/02, 1.621/02 e 85/03.
2) Cfr. CPPT anotado, 48 ed., pp. 141, nota 4a.
3) Cfr. Prof JLFreitas, in A Acção Executiva À Luz do Código Revisto, 2ª ed., 20.3.5., pps. 298
4) Citando o Cons. JRBastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. IV, pps. 292 «A posse ou entrega judicial fundada no chamado interdito adispiscendae possessionis, não tem por fim a defesa da posse mas sim a efectividade do exercício do direito em virtude do próprio título. Daí que se aproxime muito mais da execução para entrega de coisa, do que das acções possessórias.».
5) In Processo de Execução, Vol. II, pps. 390.