Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0231/13
Data do Acordão:06/26/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
NULIDADE
ANULABILIDADE
Sumário:I - Os vícios dos actos tributários só são sancionados com a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art. 133.º, n.º 2, do CPA, nomeadamente quando ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
II - Se o interessado invoca errada interpretação ou aplicação das normas de incidência de ISV e de IVA, nomeadamente que estes impostos não eram devidos porque pediu a anulação da DAV que apresentou em ordem à “legalização” de um veículo de matrícula estrangeira, o vício assim imputado ao acto tributário é gerador de mera anulabilidade e não de nulidade, por não estar em causa a ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, mas apenas ao princípio da legalidade tributária.
III - O acto de liquidação que alegadamente padece de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação ou aplicação das normas de incidência é anulável, não podendo ser impugnado a todo o tempo, mas só dentro dos prazos legalmente estabelecidos para o efeito.
Nº Convencional:JSTA000P16008
Nº do Documento:SA2201306260231
Data de Entrada:02/15/2013
Recorrente:A.........
Recorrido 1:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1493/11.6BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A………… (a seguir Impugnante ou Recorrente), a quem a Alfândega de Braga liquidou Imposto Sobre Veículos (ISV) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com referência à declaração aduaneira de veículo (DAV) que aí apresentou em ordem à regularização aduaneira (“legalização”) de um veículo de matrícula estrangeira, apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga uma petição inicial em que, invocando o «disposto no artigo 50.º e segts. do Código de Processo dos Tribunais Administrativos», formulou o pedido de que «deve o acto administrativo/tributário do qual resultou a liquidação de ISV e IVA, cuja responsabilidade de pagamento é exigida ao Autor, ser declarado inexistente, por manifesta ausência de factos tributários susceptíveis de ancilar [sic] tal acto e, em consequência, serem declaradas nulas e sem efeito as liquidações de ISV e IVA».
Alegou, em síntese, a inexistência de facto tributário (a legalização do veículo), uma vez que seis dias após a apresentação da DAV requereu a sua anulação, em ordem a reexpedir o veículo para o país da matrícula.

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu sentença de absolvição da Fazenda Pública do pedido por julgar procedente a excepção da caducidade do direito de impugnar (invocada na contestação) com o fundamento de que a petição inicial deu entrada para além do termo do prazo para deduzir impugnação, que seria de três meses a contar do despacho que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do pedido de anulação da DAV, nos termos do disposto no art. 58.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.3 O Impugnante interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 Apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor e cuja numeração continua a das alegações:
«

21.º
A matéria do presente recurso confina-se a saber se a acção especial de impugnação de acto administrativo proposta contra a Direcção das Alfândegas é tempestiva ou extemporânea.
22.º
O Meritíssimo Juiz do Tribunal à Quo exarou na, aliás, douta sentença recorrida que tal acção é extemporável [sic], dado que o prazo para propor a mesma está previsto em n.º 2, alínea b) do art. 58.º do C.P.T.A.
23.º
Tendo em vista sustentar tal tese, o Meritíssimo Juiz, exara na douta sentença que o acto administrativo impugnado, pela sua natureza intrínseca, cabe na previsão geral do art. 135.º do C.P.A., sendo, por isso, apenas susceptível de anulabilidade.
24.º
Com base nesta tese, o prazo para propor acção especial de impugnação do acto administrativo é aquele que está previsto em n.º 2, alínea b) do art. 58.º do C.P.T.A. – (três meses a contar da decisão).
25.º
Ora, sendo certo que tal prazo foi largamente ultrapassado, verifica-se a excepção de caducidade do direito da acção.
26.º
Nestas circunstâncias, ficou prejudicado o conhecimento pelo Tribunal à Quo das questões suscitadas na acção especial de impugnação do acto e, em consonância, a Ré foi absolvida da instância.
27.º
Sucede que, com a devida vénia, muito mal laborou o Meritíssimo Juiz do Tribunal à Quo ao manusear a filigrana jurídica subjacente à classificação e destrinça entre actos administrativos nulos ou inexistentes e actos anuláveis.
28.º
Com efeito, o caso em apreço, configura um acto administrativo nulo ou inexistente, senão vejamos:
29.º
O direito de recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, desde que lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos está; hoje, constitucionalmente consagrado (art. 268.º, n.º 4 da C.R.P.) e a garantia do recurso contencioso configura-se, do acordo com o entendimento unânime, como tendo a natureza de um direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 15 de Junho de 1989, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Setembro de 1989 – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Maio de 1997, proferido no processo n.º 21.083 e publicado no apêndice do Diário da República de 9 de Outubro de 2000, págs. 1520 a 1524
30.º
Ora, o acto administrativo praticado pela Alfândega de Braga – acto tributário – objecto da acção de impugnação sub judice, ofende, inequivocamente, o conteúdo essencial de um direito fundamental, dado que, a inexistência de factos tributários susceptíveis de suportar a liquidação de IVA em causa, qualifica aquele acto como lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos.
31.º
Face ao exposto, não há dúvida que o acto administrativo praticado pela Alfândega de Braga, objecto da acção de impugnação judicial sub judice, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, dado que, é lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos.
32.º
Nestas circunstâncias, o acto administrativo em causa, integra a categoria de actos nulos – cfr. art. 133.º n.º 2, alínea d) do C.P.A.
33.º
Ora, nos termos do disposto em n.º 1 do art. 58.º do C.P.T.A., a impugnação de actos nulos ou inexistentes, não está sujeita a prazos.
34.º
Assim sendo, a excepção de caducidade do direito de acção, invocada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal à Quo, para sustentar a decisão recorrida, não é, de todo, aplicável ao caso em apreço.
35.º
Em síntese e na substância, a acção especial de impugnação de acto administrativo proposta contra a Direcção Geral das Alfândegas, rege-se, no que tange aos prazos, pelo disposto em n.º 1 do art. 58.º do C. P.T.A., sendo, por isso, tal acção absolutamente tempestiva.
36.º
Admite-se que a filigrana jurídica que subjaz à classificação e destrinça entre actos administrativos nulos ou inexistentes e actos administrativos anuláveis revele especial complexidade.
37.º
Todavia, os Exmos. Srs. Drs. Juízes Desembargadores, na sua inquestionável sabedoria, não terão qualquer dificuldade em enquadrar o acto administrativo objecto da acção especial de impugnação, na categoria dos actos nulos ou inexistentes – cfr. art. 133.º, n.º 2, alínea d) do C.P.A. e,nessa conformidade, será revogada a decisão recorrida no sentido de declarar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocado pelo Tribunal à Quo, considerando, desta forma, tal acção tempestiva ao abrigo do disposto em n.º 1 do art. 58.º do C.P.T.A. fazendo-se, assim, JUSTIÇA».

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando competente o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento do Recorrente.

1.7 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e oposição Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Em resumo, considera que o vício assacado ao acto da Alfândega de Braga nunca teria como consequência a nulidade do acto.

1.8 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.9 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar, o que, como procuraremos demonstrar, passa por estabelecer qual o acto impugnado e se o mesmo está ou não sujeito a prazo legal para impugnação.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com interesse, importam os seguintes factos dados como provados, colhidos da análise dos documentos insertos nestes autos e do processo administrativo apenso:
A) A 10.09.2008, o impugnante apresentou na Alfândega de Braga a Declaração Aduaneira (DAV) n.º 2008/0070 167, respeitante ao veículo de origem francesa com a matrícula …………, de 16.08.2007, da marca Mercedes, modelo C 220 CDI, cfr. fls. 3 e 4 do apenso;
B) Na mesma data, com base nessa declaração, foi apurado o Imposto Sobre Veículos (ISV) no montante de € 8.712,40, conforme liquidação n.º 2008/9003977, cujo prazo voluntário terminava a 23.09.2008, cfr. fls. 5 a 8 do apenso;
C) A 17.09.2008, o impugnante requereu a anulação da DAV para reexpedição do veículo, com fundamento de que o “ISV é demasiado elevado” resultante do facto de na inspecção levada a cabo pela Alfândega de Braga se ter verificado que tinha apenas 5.267 Km e que na inspecção efectuada no Centro de Inspecções consta com 6.500Km, solicitando a reexpedição do veículo, cfr. fls. 39 do apenso;
D) O requerimento referido em C) foi indeferido por despacho do Director da Alfândega de Braga, proferido a 30.10.2008, cfr. fls. 56 a 60 do apenso;
E) A 7.11.2008, foi notificada, ao requerente, a decisão de indeferimento, cfr. fls. 61 e 62 do apenso;
F) A 2.12.2008, o impugnante apresentou recurso hierárquico, cfr. fls. 64 a 78 do apenso;
G) A 6.04.2009, foi indeferido o recurso hierárquico;
H) A 9.04.2009, foi o impugnante notificado, na pessoa do mandatário constituído, daquela decisão, constando expressamente da mesma que poderia “recorrer contenciosamente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal competente, no prazo de três meses após a notificação, conforme o previsto no n.º 1 e alínea h) do n.º 2 do art. 95.º da LGT, al. p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, al. b) do n.º 2 do art. 58.º e n.º 4 do art. 59.º, ambos do CPTA”, cfr. fls. 55 e 87;
I) A 23.06.2009, foi o impugnante notificado para proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento do valor de € 7.342,48 de IVA e € 8.712,40 de ISV, para prosseguimento do processo de legalização do veículo, cfr. fls. 88 e 89 do apenso;
J) A 2.07.2009, o impugnante deu entrada de um requerimento junto da Alfândega de Braga no qual afirma que “pondera ainda a possibilidade de recorrer contenciosamente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal. Todavia, a admitir-se o desinteresse do recurso contencioso junto do Tribunal Administrativo e Fiscal, sempre se dirá que, neste caso, o processo deverá ser arquivado por inutilidade superveniente”;
K) A 4.04.2009, foi o processo remetido para cobrança coerciva, cfr. fls. 99 e ss. do apenso;
L) O processo executivo encontra-se suspenso por prestação de garantia, no âmbito da oposição deduzida cfr. fls. 112 do apenso;
M) A 20.09.2011, foi apresentada a presente acção, cfr. fls. 2 dos autos».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência da apresentação por A………… na Alfândega de Braga de uma DAV, em ordem à regularização aduaneira de um veículo de matrícula estrangeira, aquela Alfândega liquidou-lhe ISV e IVA.
Argumentando que os valores liquidados era muito superiores aos por ele previstos – uma vez que a Alfândega de Braga não aceitou a quilometragem indicada pelo centro de inspecção e aquela que considerou determina a aplicação ao veículo do regime de novo, e não de usado –, requereu a anulação da DAV.
O Director da Alfândega de Braga indeferiu esse requerimento.
O requerente recorreu hierarquicamente dessa decisão, mas o recurso foi indeferido por decisão do Director-Geral das Alfândegas e o requerente notificado para efectuar o pagamento dos impostos liquidados.
Notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico em 2009, o requerente veio em 2011 apresentar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga uma petição inicial em que, invocando o disposto no art. 50.º do CPTA «disposto no artigo 50.º e segts. do Código de Processo dos Tribunais Administrativos», formulou o pedido de que «deve o acto administrativo/tributário do qual resultou a liquidação de ISV e IVA, cuja responsabilidade de pagamento é exigida ao Autor, ser declarado inexistente, por manifesta ausência de factos tributários susceptíveis de ancilar [sic] tal acto e, em consequência, serem declaradas nulas e sem efeito as liquidações de ISV e IVA».
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu sentença a absolver a Fazenda Pública do pedido por caducidade do direito de acção.
Isto, porque considerou, em síntese, que o vício imputado ao despacho que indeferiu o recurso hierárquico apenas poderia determinar a respectiva anulação, nos termos do disposto no art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), motivo por que foi largamente excedido o prazo de três meses que o art. 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA prescreve para a impugnação de actos anuláveis.
O Impugnante insurge-se contra esta sentença. Não questiona as datas em que foi notificado do acto impugnado e em que apresentou a petição inicial, mas sim que a impugnação judicial esteja sujeita a prazo, designadamente ao prazo de três meses a contar da notificação previsto no art. 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA, uma vez que, a seu ver, o acto impugnado «ofende inequivocamente o conteúdo essencial de um direito fundamental» e, por isso, «integra a categoria de actos nulos», cuja impugnação não está sujeita a prazo, como decorre do n.º 1 do referido artigo.
Assim, a questão a apreciar e decidir é, como deixámos dito em 1.9, a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar.


*

2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR

2.2.2.1 Antes do mais, diremos que a sentença não deixou claro qual o acto impugnado: o despacho do Director-Geral das Alfândegas que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do Director da Alfândega de Braga que, por seu turno, indeferiu o pedido de anulação da DAV, ou as liquidações de ISV e de IVA efectuadas na sequência da apresentação da DAV?
No primeiro caso, a forma processual adequada seria a acção administrativa especial, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 97.º do CPPT, enquanto no segundo será a impugnação judicial.
Foi esta a forma processual seguida e, a nosso ver, correctamente, uma vez que o pedido formulado – e pelo qual se determina o meio processual a utilizar – foi de anulação das liquidações de ISV e de IVA (cfr. 1.1).
Seja como for, i. e., quer o acto impugnado seja o despacho de indeferimento do recurso hierárquico quer seja o acto por que foram liquidados o ISV e o IVA, sempre o direito de acção estaria caducado quando deu entrada a petição inicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

2.2.2.2 Na verdade, quando os vícios imputados ao acto impugnado apenas podem determinar a anulabilidade do mesmo, em regra, o prazo para deduzir impugnação judicial é de noventa dias, a contar do termo final do prazo para o pagamento voluntário, como estatui o art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT (Diz o art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT:
«1. A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
[…]».).
Paralelamente, o prazo para recorrer dos actos anuláveis é de três meses, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 58.º do CPTA (O art. 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA, dispõe:
«2. Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:
[…]
b) Três meses, nos restantes casos».).
Ora, o ora Recorrente foi notificado do despacho que indeferiu o recurso hierárquico em 9 de Abril de 2009, bem como foi notificado em 23 de Junho do mesmo ano para efectuar o pagamento, em dez dias, dos montantes de ISV e de IVA que lhe foram liquidados.
O que significa que, qualquer que se considere ser o acto impugnado, o prazo para reagir contenciosamente estava há muito precludido quando a petição inicial foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 20 de Setembro de 2011.

2.2.2.2 O Recorrente pretende que a petição inicial foi apresentada em tempo porque sustenta que, contrariamente ao que decidiu o Juiz do Tribunal a quo, o vício que assaca às liquidações – a inexistência de facto tributário – determinaria a nulidade do acto impugnado, de acordo com o disposto no art. 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA e, consequentemente, a sua impugnação não está sujeita a prazo, como decorre do n.º 1 do art. 58.º do CPTA.
Isto, em síntese, porque considera que o referido acto «ofende inequivocamente o conteúdo essencial de um direito fundamental, dado que a inexistência de factos tributários susceptíveis de suportar a liquidação de IVA em causa qualifica aquele acto como lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos» e, por isso, «integra a categoria de actos nulos».
Salvo o devido respeito, não tem razão.
É certo que os actos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção da nulidade podem ser impugnados a todo o tempo, como resulta do preceituado no art. 102.º, n.º 3, do CPPT (O art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, estipula: «Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo».), em consonância com o disposto no art. 134.º, n.º 2, do CPA (O art. 134.º, n.º 2, do CPA, diz: «A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal».) e no art. 58.º, n.º 1, do CPTA (O art. 58.º, n.º 1, do CPTA, dispõe: «A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo».).
No entanto, o invocado vício de inexistência de facto tributário não tem como consequência a nulidade do acto, mas a mera anulabilidade.
Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar unânime e repetidamente, por regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (arts. 133.º e 135.º do CPA) (Neste sentido, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Março de 2011, proferido no processo n.º 749/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 465 a 472, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0397b52a55fffc0a8025786100505d47?OpenDocument;
- de 25 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 91/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 820 a 825, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a2f218793ba34589802578a10048b883?OpenDocument;
- de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 63/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 1521 a 1524, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7a3ec073b4321953802579190033e610?OpenDocument;
- de 2 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 158/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Julho de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32240.pdf), págs. 1930 a 1934, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc892e9c6ecbdb6080257942005c6549?OpenDocument.
Vide MÁRIO DE AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pág. 247, que afirmam: «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.º do CPA, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”».).
Dispõe, por sua vez art. 133.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
É com este argumento da ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental que o Recorrente sustenta que a consequência da inexistência de facto tributário é a nulidade e, por isso, que a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
Não lhe assiste razão. Os actos que ofendem um direito fundamental hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; não aqueles que contendem apenas com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos.
Na verdade, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, o acto de liquidação praticado apesar da (alegada) inexistência de facto tributário é meramente anulável, na medida em que não viola o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, mas apenas o princípio da legalidade tributária [cfr. art. 62.º Constituição da República e art. 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA].
O vício imputado pelo ora Recorrente ao acto tributário impugnado não integra senão o vício de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação ou aplicação das normas de incidência.
Estamos, pois, claramente perante a alegação de vício gerador de mera anulabilidade, não sendo, consequentemente, aplicável ao caso sub judice o disposto no art. 102.º, n.º 3, do CPPT ou o n.º 3 do art. 58.º do CPTA.
Deste modo, sendo o acto impugnado anulável, que não nulo, a sentença recorrida não merece qualquer censura, pelo que o recurso não merece provimento.


*

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Os vícios dos actos tributários só são sancionados com a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art. 133.º, n.º 2, do CPA, nomeadamente quando ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
II - Se o interessado invoca errada interpretação ou aplicação das normas de incidência de ISV e de IVA, nomeadamente que estes impostos não eram devidos porque pediu a anulação da DAV que apresentou em ordem à “legalização” de um veículo de matrícula estrangeira, o vício assim imputado ao acto tributário é gerador de mera anulabilidade e não de nulidade, por não estar em causa a ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, mas apenas ao princípio da legalidade tributária.
III - O acto de liquidação que alegadamente padece de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação ou aplicação das normas de incidência é anulável, não podendo ser impugnado a todo o tempo, mas só dentro dos prazos legalmente estabelecidos para o efeito.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.


*

Custas pelo Recorrente.

*
Lisboa, 26 de Junho de 2013. Francisco Rothes(relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.