Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0431/14
Data do Acordão:10/15/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
FALÊNCIA
Sumário:Na vigência do CPEREF, a declaração de falência não suspende o prazo de prescrição, só determinando a sustação das execuções a fim de serem apensadas ao processo de falência para aí correrem os seus termos como reclamação dos créditos exequendos.
Nº Convencional:JSTA00068951
Nº do Documento:SAP201410150431
Data de Entrada:04/23/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC STA PROC0115/12 AC TCAN PROC141/10.6CECRB.
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPEREF93.
LGT98 ART8 N2 A.
CONST76 ART103 N2.
CCIV66 ART321 N1 ART297 N1.
L 17/2000 DE 2000/08/08 ART63 N3 ART119.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, com os sinais dos autos, não se conformando com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Novembro de 2012, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 13 de Julho de 2011, que julgara procedente, por prescrição das dívidas exequendas, a oposição deduzida pelo ora recorrente à execução fiscal n.º 1279199301006312 contra si revertida por dívidas de contribuições à Segurança Social relativas a meses diversos dos anos de 1985, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993, no montante total de 3.555.080,73€, originariamente da responsabilidade da sociedade comercial “B…………, Lda, vem, ao abrigo dos artigos 280.º n.º 2, 282.º e 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 30 b) do ETAF de 1984, interpor recurso para este Supremo Tribunal, por alegada oposição de julgados com o decidido no Acórdão deste STA de 12 de Abril e 2012, rec. n.º 0115/12 e no Acórdão do TCA-Norte, de 2 de Julho de 2010, proc. n.º 141/10.6CECRB, respectivamente, quanto à questão de saber se a declaração de falência suspende ou não o prazo prescricional e se o contribuinte pode ou não beneficiar do facto de não ser a si imputável a paragem do processo executivo durante tal fase de insolvência.
O recorrente apresentou (a fls. 537 a 539) alegação tendente a demonstrar a alegada oposição de julgados, concluindo que:
Proferido dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito em contradição, um em que se sustenta que não ocorre suspensão de prazo de prescrição e outro que afirma o contrário, por força em ambos da avocação da execução a processo de insolvência, os acórdãos cujos descritores se indicaram, é evidente a contradição.

Por despacho de 20 de Janeiro de 2014 (fls. 595/596 dos autos) o Exmo. Relator no Tribunal Central Administrativo Sul julgou verificada a referida oposição e ordenou a notificação das partes para proferirem, querendo, alegações, nos termos do artigo 282.º/3, do CPPT.

O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) Entendeu-se na decisão recorrida que se considerava prescrita as dívidas exequendas.
b) A declaração de falência não suspendeu o prazo de prescrição.
c) A citação do responsável subsidiário ocorreu depois do prazo de prescrição.
Nestes termos e nos melhores de Direito não deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, manter-se a sentença recorrida.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer nos seguintes termos:
1. A existência de oposição de acórdãos depende de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e de idênticas situações de facto, e da decisão proferida não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada – arts. 284º do CPPT, 27º, nº 1, al. b) do ETAF vigente, e art. 152º, nºs 1, al. a) e 3 do CPTA – assim, entre outros, acórdão de 26-9-07, proferido pelo Pleno no processo 0452/07, acessível em www.dgsi.pt.
2. Ora, da análise dos factos constantes dos acórdãos proferidos há elementos no sentido não ser de reconhecer da oposição de acórdãos, por não serem idênticas as situações de facto, pese embora a divergência existente entre o acórdão proferido nos autos e os que se invocam em fundamento quanto às 2 questões indicadas como sendo “contagem do prazo de prescrição; sucessão de leis no tempo – avocação de processo” e “contagem do prazo de prescrição: aplicação da lei antiga ou lei nova – paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte” as quais são, aliás, muito semelhantes (fls. 522).
3. Contudo, é ao Pleno da SCT do STA que compete sobre tal proferir decisão, nos termos previstos no art. 17.º n.º 2 do ETAF de 2002, e cumpridas que sejam as formalidades previstas nos artigos 289.º n.º 2 e segs. do CPPT.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 606 a 608 dos autos), veio o recorrente responder, nos termos de fls. 612 a 614, pugnando por que se reconheça a existência de oposição juridicamente relevante porquanto as situações de facto que lhes subjazem são idênticas nos seus contornos essenciais, no sentido de subsumíveis às mesmas normas legais.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
5 – Questões a decidir
Importa verificar se, no caso dos autos, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito.


6 – Matéria de facto
No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:
1. Entre 15/10/1993 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1279-93/100631.2 contra a sociedade comercial “B…………, Lda” por dívida de contribuições à Segurança Social relativa a meses diversos dos anos de 1985, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993.
2. A sociedade executada foi citada para a execução em 19/10/1993 “na pessoa do seu representante C…………”. Subsequentemente foram efectuadas diversas penhoras.
3. Em 12/10/1994 a devedora efectua pedido para efectuar o pagamento da dívida exequenda em prestações, o qual foi indeferido em 04/07/1995.
4. Na sequência da pendência do processo que correu termos no Tribunal Judicial de Seia como autos de recuperação de empresa e de falência da sociedade devedora, com o n.º 1/95, foram os autos de execução avocados ao mesmo, o que sucedeu em 20/03/1995.
5. A falência da sociedade foi decretada em 22/10/1999.
6. Somente em 16/12/2004 foram os autos de execução devolvidos ao serviço de finanças depois de decorridas todas as vicissitudes processuais do processo de falência sem que os créditos em questão fossem satisfeitos na totalidade.
7. Apurados os responsáveis subsidiários, entre os quais se encontrava o oponente foi elaborado parecer pelos serviços que concluiu pela não ocorrência do prazo de prescrição da dívida exequenda.
8. Os autos foram preparados para reversão com a notificação do oponente para exercício do direito de audição em data não apurada.
9. Confirmando-se a imputação da dívida ao oponente foi proferido despacho de reversão em 13/09/2007.
10. O oponente foi citado para a execução em 17/09/2007.
11. O oponente apresentou a petição inicial que originou o presente processo judicial em 17/10/2007.

Ao abrigo do artigo 712.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, o TCA-Sul aditou ao probatório fixado na sentença recorrida a seguinte matéria de facto:

12. As dívidas referidas em 1. respeitam a Dezembro de 1985, Janeiro a Dezembro de 89, Janeiro a Dezembro de 1990, Janeiro a Dezembro de 1991, Agosto e Dezembro de 1992, Janeiro a Agosto de 1993 – fls. 1/4, do PEF.
13. Em 11.11.94, foi efectuado o registo das penhoras efectuadas em 27.12.93 (12 prédios) – fls. 370.
14. Em 27.03.1995, o Chefe de Finanças proferiu o despacho seguinte «De harmonia com o n.º 1 do art. 264.º do CPT, proferido o despacho judicial de admissão no processo especial de recuperação de empresas e de protecção de credores, o processo executivo ficará sustado.// O Tribunal competente avocará o processo de execução o qual deverá ser apensado ao processo especial de recuperação de empresas e de protecção de credores, para assim serem reclamados os créditos pelo Ministério Público pelos meios previstos no CPC.// Assim, em conformidade com o n.º 3 do art. 264.º do CPT, vá o processo à conta e de imediato remetam-se os presentes autos ao tribunal judicial desta Comarca» – fls. 26 do PEF.
15. Em 27.03.1995, o PEF foi remetido ao Tribunal Judicial da Comarca de Seia – fls. 28 do PEF.
16. Em 16.12.2004 – o PEF foi devolvido ao Serviço de Finanças de Seia – fls. 32, PEF.
17. Em 30.03.2006, foram expedidos ofícios tendo em vista a notificação dos responsáveis subsidiários – D…………, C…………, E…………, F…………, A…………, para o exercício da audição prévia em relação ao despacho de reversão – fls. 182/191, do PEF.
18. Em 04.04.2006, E………… proferiu alegações em sede de audição prévia – fls. 192/194, do PEF.
19. Em 04.04.2006, A………… e C………… proferiram alegações em sede de audição prévia – fls. 198/207, do PEF.
20. Do despacho de reversão de 13.09.2007 consta o seguinte: «(…) Face ao exposto, cumpre-me decidir: Dispõe a alínea a), do art. 153.º do CPPT que “o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores …”// A originária devedora B…………, SA não possui quaisquer bens, tendo sido declarada falida por sentença de 22.10.1999, no processo n.º 86/98, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Seia.// A quantia exequenda constante dos autos no valor de €3.555.080,73, respeita a contribuições em falta ao CRSS da Guarda dos meses de 12/1985, 01/02/03/04/05/06/08/09/12/1989, 01 a 12/1990, 01/02/03/04/06/07/08/09/12/1991, 08/12/1992, 01 a 08/1993.// Assim, porque se encontra reunida a condição referida na alínea a), do n.º 2 do art. 153.º do CPPT, reverto a presente execução, nos termos da alínea b), do n.º 1 do art. 24.º da LGT da totalidade da dívida antes referida contra C…………, A…………, E…………, F………… (…)».// proceda-se à citação pessoal dos responsáveis subsidiários» - fls. 420, do PEF.
21. Em 26.12.2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Seia proferiu despacho com o teor seguinte: «Face à informação que antecede, os revertidos A………… e o seu irmão, C…………, apresentaram oposição aos fundamentos da reversão, tendo as mesmas sido expedidas ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, aguardando-se o seu recebimento liminar.// Foi a ambos concedido apoio judiciário. // Tendo em consideração que a ambos foi concedido apoio judiciário, usando da faculdade que me é conferida pela alínea f), do art. 10.º do CPPT, e porque considero reunidas os pressupostos do art. 170.º do CPPT, para a dispensa de garantia, isento-os então da referida garantia, na eventualidade dos referidos processos serem recebidos pelo Tribunal. // Nestes termos, e face à apresentação das oposições, as reversões antes referidas ficarão suspensas até à decisão das referidas oposições nos termos do n.º 5 do art. 169.º do CPPT» - fls. 507, do PEF.

7 – Apreciando.
7.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos
Importa verificar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do presente recurso por oposição, pois que não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho no sentido de se lhe afigurar existir a invocada oposição de julgados, importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685.º-C, n.º 5 do Código de Processo Civil - CPC) – cfr. também neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284.º do CPPT).
O presente processo iniciou-se no ano de 2008, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).

Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).

Vejamos, então, se tais requisitos se verificam.

Alega o recorrente ter o acórdão recorrido decidido de modo oposto, respectivamente, ao Acórdão deste STA de 12 de Abril de 2012 (rec. n.º 115/12) e ao acórdão do TCA-Norte de 2 de Julho de 2010, (proc. n.º 141/10.6CECBR), invocados como fundamento, as questões de saber se (1) a avocação do processo de execução fiscal ao processo de falência tem ou não efeito suspensivo do prazo de prescrição e (2) se a paragem do processo executivo em virtude da avocação do processo de execução ao processo de falência deve ou não considerar-se facto imputável ao oponente para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT.

Da segunda questão não tratou, porém, o Acórdão recorrido, sequer implicitamente, como resulta à evidência do teor do mesmo e porque aí se considerou que o prazo de prescrição se encontrava suspenso em virtude da avocação do processo executivo ao processo de falência (cfr. fls. 506 a 514 dos autos).

No que se refere à primeira questão – a de saber se a avocação do processo de execução fiscal ao processo de falência tem ou não efeito suspensivo do prazo de prescrição – confrontando o probatório constante do acórdão recorrido com o que foi fixado no Acórdão apontado como fundamento, constata-se serem os mesmos os factos dados como provados em 1.ª instância num e noutro aresto – o que se explica pelo facto, invocado pelo recorrente, de o Acórdão fundamento respeitar à situação do seu irmão, também responsável subsidiário pelas dívidas da mesma empresa, da mesma natureza e relativas ao mesmo período de tempo –, divergindo os probatórios apenas naquilo que foi aditado pelo TCA-Sul ao abrigo do disposto no artigo 712.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, mas sem que tal aditamento signifique que a situação de facto deixe de ser idêntica nos seus contornos essenciais, entendida esta como subsumível à mesma hipótese normativa.

Ora, num quadro factual substancialmente idêntico e perante quadro normativo similar, decidiu o acórdão recorrido, a propósito do cômputo do prazo de prescrição aplicável – de 5 anos, ex vi do disposto na Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil em detrimento do prazo de 10 anos previsto na Lei n.º 103/80, de 29 de Maio, vigente à data da constituição das dívidas –, que (cfr. acórdão recorrido, a fls. 513 dos autos):

«A instauração da execução não é fundamento de interrupção do prazo de prescrição na vigência da LGT. O termo a quo do prazo é de 4.02.2001. De 27.03.1995 até 16.10.2004, o PEF foi avocado ao processo de falência da devedora originária, nos termos do artigo 264.º do CPT (preceito de teor idêntico ao artigo 180.º do CPPT). A questão que se suscita prende-se com a relevância da avocação do PEF por parte do processo de falência, no que respeita ao cômputo do prazo de prescrição. Dir-se-á que a avocação em causa não suspende a execução, dado que no processo de falência o credor público pode concorrer com os demais na satisfação do seu crédito, realizando as diligências necessárias para o efeito. Não existe norma no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 123/93, de 23 de Abril, com alterações posteriores) que determine a suspensão do prazo de prescrição. O efeito suspensivo da prescrição resulta da impossibilidade de, na pendência da avocação, até ao rateio final das dívidas no processo de falência, o credor público poder adoptar diligências de cobrança do crédito no quadro da execução fiscal. // Do acima exposto resulta que de 27.03.1995 até 16.10.2004 o prazo em referência suspendeu-se.» (sublinhados nossos).

Por sua vez, decidiu-se no Acórdão fundamento que (fls. 582, frente e verso, dos autos):

«Quanto à suspensão da prescrição determinada pela avocação do processo de execução ao processo de falência, note-se que a remessa da execução fiscal ao processo de falência para apensação não impede o decurso do prazo prescricional. A declaração de falência só determina a sustação das execuções que devam ser apensadas à falência para aí correrem seus termos como reclamação desses créditos exequendos (cfr. art. 154.º, n.º 3, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da empresa e de Falência (CPEREF), mas não suspende o prazo de prescrição. Só no processo de recuperação de empresas é que não corre o prazo da prescrição enquanto as execuções se mantiverem apensadas a tal processo. // Assim, no caso de declaração de falência, contrariamente ao que pretende a Recorrente e sucedia no caso da recuperação de empresas (cfr. art. 29.º, n.º 1, do CPEREF) e ao que sucede no processo de insolvência (cfr. art. 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)), não há lugar à suspensão dos prazos de prescrição. Recordemos o que, a propósito, refere JORGE LOPES DE SOUSA: // «No CPEREF, estabelece-se que, proferido o despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão, nos processos de recuperação da empresa, abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor (art. 29.º, n.º 1) e a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido (art. 154.º, n.º 3). Não se estabelece, no caso de declaração de falência, mas apenas nos de recuperação da empresa, suspensão dos prazos de prescrição (o art. 29.º, n.º 1, do CPEREF está incluído no Título II, relativo ao processo de recuperação da empresa), o que se justificará por o processo de falência ser uma forma de prosseguir o processo executivo. // No CIRE estabelece-se regime idêntico quanto à suspensão de acções executivas, estabelecendo-se que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (art. 88.º, n.º 1). Porém, ao contrário do que sucede com a falência, a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo (art. 100.º)» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 4 ao art. 180.º, págs. 321/322.). // Assim, contrariamente ao que pretende a Recorrente, a declaração de falência não suspende o prazo prescricional (Nesse sentido, entre muitos outros, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Novembro de 2005, proferido no processo com o n.º 590/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Fevereiro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2005/32240.pdf), págs. 2115 a 2119, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bee4de4015fb8103802570ce00520354?OpenDocument;
- de 12 de Junho de 2007, proferido no processo com o n.º 436/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Abril de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32220.pdf), págs. 1246 a 1251, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c7a3746ca45183bc802573050051ac5e?OpenDocument;
- de 12 de Março de 2008, proferido no processo com o n.º 1058/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32210.pdf), págs. 341 a 343, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/caecb778a1bdb54680257418003db435?OpenDocument.).».
É, pois, evidente que o acórdão recorrido e o Acórdão fundamento deram respostas opostas à questão de saber se, na vigência do CPEREF, a avocação do processo de execução fiscal ao processo de falência determinava ou não a suspensão do prazo de prescrição, tendo o acórdão recorrido decidido em sentido afirmativo, não obstante a ausência de norma no diploma que previsse tal suspensão no caso de falência, e o Acórdão fundamento em negativo, mercê da ausência de norma determinativa dessa suspensão no caso de falência e em conformidade com a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do STA.

Assim, perante respostas antagónicas expressas à mesma questão fundamental de direito, no quadro de situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e tendo por referência o mesmo enquadramento legal, encontram-se preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso, pois como resulta do trecho final da citação que fizemos do Acórdão fundamento, o decidido no Acórdão recorrido é contrário à jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste STA, daí que, obviamente, não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Haverá, pois, que conhecer do mérito do recurso quanto à questão dos efeitos no prazo de prescrição da avocação do processo executivo ao processo de falência, na vigência do (hoje revogado) Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência.

7.2 Do mérito do recurso
Importa, pois, curar, se o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento ao ter decidido que o prazo de prescrição das dívidas exequendas se suspendeu de 27.03.1995 até 16.10.2004, período de tempo durante o qual o processo de execução fiscal foi avocado ao processo de falência da devedora originária nos termos do artigo 264.º do CPT.
Reconhece o acórdão recorrido que não existia norma no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 123/93, de 23 de Abril, com alterações posteriores) que determine a suspensão do prazo de prescrição. Não obstante, considerou o acórdão recorrido que o efeito suspensivo da prescrição resulta da impossibilidade de, na pendência da avocação, até ao rateio final das dívidas no processo de falência, o credor público poder adoptar diligências de cobrança do crédito no quadro da execução fiscal. Ou seja, reconhecendo embora não haver norma a determinar a suspensão da prescrição, entendeu o TCA-Sul que essa suspensão se verificava e justificava pela razão de o credor público estar impedido, durante esse período, de adoptar providências tendentes à cobrança do seu crédito.
Este entendimento não é, porém, de adoptar.
Os prazos de prescrição, como os de caducidade, por contenderem com garantias dos contribuintes, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição e o artigo 8.º, n.º 2, alínea a) da Lei Geral Tributária), encontrando-se abrangidos no âmbito da reserva de lei não apenas a definição dos prazos gerais de prescrição e de caducidade, como também os respectivos factos interruptivos e suspensivos, que os condicionam inelutavelmente.
Daí que, contrariamente ao decidido, na ausência de norma legal no CPEREF que previsse a suspensão do prazo de prescrição em virtude da avocação dos processos executivos ao processo de falência, a conclusão a tirar, necessariamente, era a de que tal facto não tinha efeitos suspensivos do prazo de prescrição.
E nem se argumente – o que o TCA-Sul se escusou de fazer –, com a aplicação subsidiária do disposto no n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil (suspensão por motivo de força maior) pois que esta causa de suspensão prevista na lei comum, se aplicável, apenas determinaria a suspensão da prescrição nos últimos três meses do prazo, e, em qualquer caso, não há que buscar no direito civil causas de suspensão ou interrupção da prescrição não especialmente previstas nas leis tributárias. É que, se o legislador tributário entendeu prever factos especiais a que atribui efeito suspensivo (ou interruptivo), é a esses, apenas, que haverá que reconhecer tal efeito, não sendo lícita a integração de supostas lacunas por via da aplicação subsidiária das normas de direito civil.
Acresce que, como consignado no Acórdão fundamento – e naqueles outros deste STA para o qual remete –, a remessa do processo de execução ao processo de falência não determina a paragem daquele, pois, uma vez apensado a este, com ele segue a sua normal tramitação.
Assim, no entendimento de que a declaração de falência não suspende o prazo de prescrição, só determinando a sustação das execuções a fim de serem apensadas ao processo de falência para aí correrem os seus termos como reclamação dos créditos exequendos, vejamos se no caso dos autos ocorreu a prescrição das dívidas exequendas.

Decidiu o acórdão recorrido, e bem, que é aplicável às dívidas exequendas (mercê do disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil) o prazo de prescrição de 5 anos previsto na Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, contado desde a data da sua entrada em vigor, ou seja, desde o dia 4 de Fevereiro de 2001, nos termos do seu artigo 119.º.
Entre 27/03/1995 e 16/10/2004 o processo de execução esteve avocado ao processo de falência, facto este que, contrariamente ao decidido, não determinou a suspensão do prazo de prescrição, daí que o prazo tenha corrido ininterruptamente desde 4 de Fevereiro de 2001 até ao seu termo, em 4 de Fevereiro de 2006, pois que durante este período de tempo não há notícia de se ter verificado qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (artigo 63.º, n.º 3, da Lei n.º 17/2000).
De facto, de acordo com o probatório fixado (cfr. o seu n.º 17), apenas em 30.3.2006 – ou seja, já depois de completado o prazo de prescrição, ocorrido em 4 de Fevereiro de 2006 –, foram expedidos ofícios tendo em vista a notificação dos responsáveis subsidiários (…) para o exercício da audição prévia em relação ao despacho de reversão, razão pela qual tal facto – porque posterior ao termo do prazo de prescrição – não releva já.

Conclui-se, pois, que contrariamente ao decidido, estão prescritas as dívidas exequendas, sendo de revogar o julgado recorrido que assim o não entendeu, repristinando a sentença recorrida que julgou procedente a oposição por prescrição das dívidas exequendas.

- Decisão -

8 Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e confirmar a sentença que julgou procedente a oposição por estarem prescritas as dívidas exequendas.

Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste STA.

Lisboa, 15 de Outubro de 2014. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Dulce Manuel da Conceição Neto - Joaquim Casimiro Gonçalves.